Política

Tornaram-se comuns as alusões à possível (provável? desejável? inevitável?) exclusão da Convergência Socialista do PT. A própria, porém, não quer sair. Aqui, um de seus principais dirigentes abre o jogo. Entrevista com Valério Arcary

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No último número de Teoria & Debate o artigo de Apolonio de Carvalho, "Momento de Exclusão", provocou terremotos verbais, turbulências na malha interna do partido, êxtase de muitos que não tiveram até aqui coragem de dizer em público aquilo que Apolonio propôs por escrito: vamos excluir a Convergência Socialista do PT1. Depois desse artigo, a proposta virou moeda corrente.

Enquanto se desenrola nas instâncias devidas uma intrincada discussão a respeito da saída ou da permanência da Convergência Socialista, Teoria & Debate procurou ouvir, na fonte, as razões que norteiam a mais barulhenta e polêmica corrente de toda a história do nosso partido. Valério Arcary, membro da alta cúpula da CS e integrante do Diretório Nacional do PT, conversou conosco ao longo de quatro horas, logo no início de março. Os melhores momentos dessa entrevista são publicados aqui. O que diz a Convergência sobre o Leste Europeu, sobre os rumos do PT, sobre as prefeituras e, principalmente, sobre si mesma?

Vamos falar um pouco da Convergência Socialista. A convergência surgiu antes do PT. Como foi isso?
A Convergência nasceu de um núcleo de militantes que começou a fazer uma reflexão sobre a experiência da guerrilha no Brasil no início dos anos 70. Esse núcleo original se constituiu no Chile em torno de um grupo que se chamava Ponto de Partida, que naquela época recebeu uma grande influência do Mário Pedrosa. Na verdade, Mário Pedrosa trouxe esses jovens militantes para o marxismo revolucionário e para a IV Internacional. Depois do golpe do Pinochet uma parte dos companheiros conseguiu exílio na Argentina e entra no Brasil na clandestinidade em 1974. Constituíram um pequeno agrupamento que se chamava Liga Operária, e que definiu como prioridade da sua ação fazer um esforço de divulgação socialista dentro do movimento operário. A Convergência Socialista se constituiu no primeiro semestre de 1978. Nesse momento, a Liga Operária compreende a necessidade de romper com o bipartidarismo. Compreende que começava a haver espaço para a construção de um partido de classe na legalidade. A Convergência se lança como um movimento que pretende unir todos os socialistas, disperses em muitos agrupamentos clandestinos, que tivessem posicionamento pela construção de um partido socialista dos trabalhadores. Nesse período começamos a ter uma unidade maior com os sindicalistas do ABC. No 1º de maio de 1978 a esquerda toda se dividiu entre comemorar com os sindicalistas do ABC ou fazer o 1º de maio com os da oposição em Osasco. Nós fomos a única corrente de esquerda que comemorou o 1º de maio no ABC. Dessa relação com eles surgiu o apoio eleitoral, no segundo semestre. Nós definimos uma tática de apoiar candidatos operários dentro das listas do PMDB, que era uma mediação para tentar construir a independência política de classe. Procuramos o Lula, ele não quis ser candidato. Apoiamos o Benedito Marcílio, que era o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Santo André. Quando propusemos, como condição do acordo eleitoral, que no programa da candidatura estivesse explicitado que éramos por um partido socialista dos trabalhadores o Marcílio nos disse: "digamos por um Partido dos Trabalhadores, não se coloque o socialista. Construamos primeiro um PT e depois discutamos o que é o socialismo porque os trabalhadores não sabem." Aí surgem as primeiras articulações que vão originar o movimento pró-PT. Nesse processo começam a se unir muitos outros companheiros. Mas foi uma iniciativa pioneira. Nós temos orgulho.

Vocês mantêm ligações com um dos núcleos da IV Internacional. Você pode explicar o que é a Liga Internacional dos Trabalhadores (LIT)?
Nós somos militantes que acreditam na necessidade de uma nova Internacional Operária, revolucionária. A IV Internacional não existe como um partido mundial. Ela existe como um movimento político, ideológico e dividido em agrupamentos. Existem fundamentalmente dois. Um agrupamento internacional articula aquilo que seriam os trotskistas europeus e é conhecido como Secretariado Unificado. Tem como sua expressão mais importante o economista Ernest Mandel. O outro agrupamento é conhecido como Liga Internacional e tinha como seu principal dirigente o argentino Nahuel Moreno, que faleceu há uns anos. Além desses agrupamentos existem muitos outros setores: existe o Comitê Internacional de Reconstrução dirigido por Pierre Lambert, na França. Nós fundamentalmente estamos unidos à esmagadora maioria do trotskismo latino-americano. Pensamos que a construção dessa Internacional vai se dar através de um processo de unificação de militantes revolucionários dos mais diferentes países, e que hoje, no Leste Europeu, na África do Sul, na própria União Soviética, desenvolvem-se correntes sindicais e revolucionárias que não têm uma definição ideológica pelo trotskismo, mas que tem uma política trotskista nos fatos. O que é isso? É defender a independência política dos trabalhadores, a mobilização permanente pelas suas reivindicações, contra o imperialismo, contra a exploração de classes, contra a opressão burocrática. Significa defender a democracia operária, significa dizer que a revolução socialista é feita pelos trabalhadores, e que eles tem que construir organizações que eles próprios controlem. E, por último, significa dizer que a luta dos trabalhadores é internacional, é uma luta sem fronteiras. Assim como os trabalhadores no Brasil alcançaram um enorme progresso no seu nível de consciência e de organização com a formação do PT, é necessário que a classe trabalhadora, em escala internacional, construa um partido mundial.

Vocês propõem a fundação de uma nova Internacional. Ela seria uma trotskista?
Não. Os trotskistas provavelmente serão uma minoria dentro dessa Internacional. Ela será uma Internacional revolucionária. Aquilo que o trotskismo representa é a herança de um programa, de uma tradição. Essa Internacional vai ter de ser construída sob acordos políticos, como o PT. Uma Internacional que agrupe revolucionários autênticos de todos os países.

E, no processo de construção dessa Internacional, qual é o papel da LIT?
A Liga Internacional é um agrupamento de organizações trotskistas de mais de 25 países. Ela agrupa militantes em praticamente todos os países da América do Sul. Tem uma expressão muito grande na Argentina, onde o Movimento ao Socialismo (MAS) é hoje o maior partido de esquerda. A Liga Internacional se constrói porque nós não acreditamos que podemos dizer: construamos partidos nacionais e, um dia, quando estiverem maduras as condições, quando tivermos influência de massa em dez ou quinze países, construamos uma Internacional. A Internacional é uma necessidade inadiável. Nós achamos muito difícil ter uma política marxista para um país sem uma análise internacional da luta de classes. Nós podemos dizer, grosso modo, que na esquerda hoje há duas análises sobre a situação mundial. Existe a análise daqueles que sempre tiveram uma visão "campista" do mundo. Dizem há décadas que existe o campo capitalista e o campo socialista e que nós, que estamos dentro do campo capitalista, temos que procurar alianças políticas no outro campo, e que este seria nosso aliado na luta contra o imperialismo. Contra esta análise, há cinqüenta anos, os trotskistas afirmam que a direção burocrática da URSS está aliada com o imperialismo para preservar a ordem mundial. Essa visão "campista" agora ruiu. Ruiu porque de repente se revela para o proletariado que o chamado campo socialista impunha ditaduras tirânicas e burocráticas que foram varridas por gigantescas revoluções. O que mudou no mundo é que finalmente foi revelado o que é a burocracia stalinista no poder em Moscou. Há décadas ela mantém um acordo com o imperialismo para defesa da ordem mundial e para a preservação da dominação burocrática dentro do seu país. Agora, a classe operária se colocou em movimento e é muito mais difícil a restauração capitalista porque os trabalhadores se organizaram, fizeram a revolução, estão conscientes de sua própria força. Nós achamos que há uma situação de profunda instabilidade internacional.

Não parece contraditório que exatamente essa insurreição contra as burocracias esteja, em vários países, hegemonizada por forças de direita, pró-capitalistas?
Claro que é. O que não é contraditório no mundo? O stalinismo significou uma regressão na consciência de milhões de trabalhadores. Todos os ditadores burocráticos eram profundamente odiados pelas massas e isto produz num primeiro momento um estado de enorme confusão. Mas essas são verdadeiras revoluções feitas pelo proletariado e com as massas que não têm uma direção. O que de fato hoje existe nesses países é uma situação de caos econômico. Por quê? O velho planejamento burocrático ordenava mal - mas ordenava - a economia. Este planejamento ruiu. Ninguém mais o aceita. Não há nenhuma ordem econômica no lugar. Segundo, as massas estão no momento confiantes nas suas próprias forças.

Amplos setores no Leste Europeu têm como modelo o capitalismo da Europa Ocidental. Isso não faz com que se fortaleça ao nível internacional uma conjuntura de descenso?
Não, pelo contrário, nunca a situação foi tão favorável à luta pelo socialismo no nosso século. Vou fazer uma afirmação mais chocante: nunca o Leste foi tão favorável ao socialismo! Porque as massas estão em movimento, e um elemento fundamental da ideologia marxista é acreditar profundamente que a emancipação dos trabalhadores será obra dos próprios trabalhadores. Nós temos uma profunda fé no proletariado. Não uma fé religiosa, porque não é apoiada num dogma, mas numa compreensão do processo histórico, de qual o lugar reservado para o operariado nessa sociedade. O proletariado se colocou em movimento. É um exemplo para todo mundo. Nós temos que entender esse movimento de construção da consciência de classe. As massas querem o capitalismo? Não. As massas não querem o capitalismo. As massas querem melhores condições de vida. Há uma explosão de liberdades na Europa do Leste. São as liberdades que foram conquistadas nas ruas pela revolução. Na luta pelas suas reivindicações as massas têm a ilusão de que seus países possam se transformar numa França, numa Suécia. Há ilusões de que a restauração da propriedade privada possa significar prosperidade. Há ilusões mas há também mobilizações. A revolução continua em curso. A insurreição contra as ditaduras burocráticas foi um momento.

Durante quarenta anos o proletariado nesses países aparentemente estava adormecido. Mas agora nós temos um processo unificado regionalmente, que pela sua importância e pelo desenvolvimento do processo revolucionário dentro da União Soviética muda toda a situação mundial. Houve um giro histórico favorável à luta dos trabalhadores, e isto cria condições extraordinárias para avançar a luta pelo socialismo no Leste Europeu.

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Nesse contexto, como é que vocês avaliam o papel de Gorbatchev?
Gorbatchev é um homem da burocracia soviética que representa o coração do aparelho stalinista em crise. Gorbatchev tem um plano de preservação da ordem burocrática. Gorbatchev está encurralado pela pressão das mobilizações operárias dentro da Rússia e da Ucrânia; e pelas grandes mobilizações nacionais e democráticas na Letônia, Estônia e Lituânia e dos povos muçulmanos, fundamentalmente a rebelião do Azerbaidjão. Por estas mobilizações e pela pressão imperialista. Nunca foi tão clara a associação da burocracia soviética com o imperialismo. Veja o boicote soviético ao fornecimento de petróleo para a Nicarágua, por exemplo.

Ou seja, a política de vocês com relação à glasnost não é de apoio?
Nenhum apoio a Gorbatchev. Gorbatchev é o inimigo da revolução política. Gorbatchev é o principal sócio de Bush para uma restauração capitalista da URSS. Nenhum apoio a nenhum setor dentro do Partido Comunista. Nós acreditamos que há um enorme futuro nos sindicatos livres e independentes que começam a surgir. A burocracia é o principal inimigo do processo revolucionário. A luta é contra o PCUS.

Mas haveria as insurreições a as transformações sem a glasnost?
Sim, sem a glasnost. Gorbatchev estava negociando com todas as burocracias no Leste Europeu a necessidade de uma nova política econômica e de novos graus de associação com o imperialismo. Gorbatchev compreendeu que as condições econômicas e sociais sobre as quais se deu a dominação burocrática tinham ruído. Então ele faz uma série de concessões democráticas, fundamentalmente para os setores da própria burocracia, que atrasaram e vêm atrasando o processo de implosão das mil frações que existem dentro do PCUS. Hoje as massas estão impondo na lei aquilo que já conquistaram na prática. Já não há mais o monopólio político do Partido Comunista. O Estado está preservado, a burocracia enquanto casta ainda está no poder, mas o regime político de monopólio do PC ruiu. Está colocada essa possibilidade: meses apenas para Gorbatchev no poder! Por outro lado, o grau de associação do imperialismo contra a revolução mundial é cada vez mais claro. Gorbatchev silenciou diante da invasão do Panamá, Gorbatchev está por trás de todos os acordos que foram assinados na América Central pelos sandinistas.

Vamos falar agora da Nicarágua?

Na Nicarágua triunfou uma gigantesca revolução antiimperialista. A queda de Somoza na época despertou o entusiasmo de todos aqueles que lutam pelo socialismo neste continente. Porém a direção sandinista não era uma direção socialista. Era uma frente com várias frações. Os sandinistas anunciaram desde o início um projeto de reconstrução da Nicarágua, com preservação do capitalismo, que eles chamavam de preservação de uma economia mista. A maioria das forças produtivas do país ficou nas mãos do controle privado. A Nicarágua conquistou independência nacional, uma reforma agrária progressiva, alfabetizou o país, mas ficou claro que este projeto estava condenado ao fracasso. Nós pensamos que os sandinistas se equivocaram na estratégia. As massas pagaram o preço da guerra e as suas condições de vida se deterioraram numa forma intolerável, culminando com esta reforma econômica de 88, em que se desvalorizou num dia 14 mil vezes o córdoba (que é a moeda nacional nicaragüense) em relação ao dólar e se liberaram os preços. O salário médio caiu a US$ 10,00 ao mês. Os sandinistas se recusaram a avançar, a transformar a revolução antiimperialista numa revolução socialista.

Vocês apóiam a Frente Sandinista?
Nós damos apoio militar à Frente Sandinista. Todos os antiimperialistas deste continente devem dar apoio militar à Frente Sandinista para defesa da independência da Nicarágua, mas nós pensamos que esta política da frente não merece apoio. Ortega fez o oposto de Fidel. Fidel em 61, diante da ameaça imperialista, expropriou as empresas americanas e a burguesia, impôs um controle coletivo da riqueza nacional para resolver as necessidades das massas e teve resultados extraordinários. Não há nenhuma diferença de qualidade entre Cuba em 61 e a Nicarágua em 79. São dois países extremamente atrasados, cercados, muito próximos dos Estados Unidos. A diferença é que a direção do Movimento 26 de Julho, que também não era socialista, uniu a revolução antiimperialista a uma revolução socialista. Na Nicarágua, a queda de Somoza foi uma revolução política, mas o momento seguinte, que é avançar sobre a propriedade privada e transformá-la em propriedade social para resolver as necessidades das massas, esse passo os sandinistas não deram. A Nicarágua era um estado capitalista, com um governo nacionalista pequeno-burguês. Uma política socialista seria a de avançar para expropriação. O PRT na Nicarágua (que é o partido trotskista) é um partido socialista internacionalista, fora da Frente Sandinista. Tem outro programa. Fez oposição ao plano econômico de Daniel Ortega e encabeçou grandes greves. Eu sou muito otimista com relação à evolução política da Nicarágua. Acho que vai haver grandes rupturas dentro da Frente Sandinista. Esta direção de Ortega está condenada politicamente. Ela cometeu muitos erros.

E Cuba?
Cuba é uma enorme vitória da revolução, é o primeiro estado operário nesse continente. Cuba é um exemplo extraordinário do que a propriedade social e o planejamento podem realizar mesmo num país isolado e atrasado. Em saúde pública, em educação, Cuba ofereceu uma elevação da qualidade de vida para as massas trabalhadoras que não tem paralelo neste continente. Em Cuba, no entanto, há uma ditadura do partido único, nas mãos do Partido Comunista. Existem eleições, mas nelas não existe democracia operária, e não se pode dizer tudo aquilo que se pensa em Cuba. Aquele que expõe as suas opiniões, mesmo que seja sincero defensor da Constituição, tem sua vida e sua liberdade ameaçadas. Centenas de sinceros socialistas estão na prisão junto com contra-revolucionários. Nós achamos que Fidel é responsável por toda essa política da Frente Sandinista na América Central. Cuba foi um braço durante dezenas de anos da política da coexistência pacífica da burocracia soviética. Cuba foi a favor da invasão da Tchecoslováquia em 68, foi a favor do golpe de Jaruzelski em 80, foi a favor do massacre da Praça Celestial em Pequim. Mas nós somos incondicionais na defesa de Cuba contra o imperialismo. Não haverá uma invasão de Cuba hipótese que eu considero remota sem que seja derramado sangue brasileiro, e sangue trotskista. Agora, nós apoiaremos uma revolução que consideramos iminente contra o regime burocrático de Fidel. Nós achamos que é necessário ampla liberdade de imprensa, legalidade política para os partidos que defendam a propriedade social, e que é necessário lutar contra o Partido Comunista. Se eu estivesse em Cuba, estaria construindo um PT contra Fidel.

Voltamos à questão da IV Internacional. Você falou que existem três núcleos principais. Todos eles são trotskistas, todos eles se propõem a construir uma nova Internacional. Quais são as divergências?
A classe trabalhadora na Europa manteve-se organizada durante décadas por trás dos partidos comunistas e dos partidos social-democratas. Isso naturalmente teve uma incidência sobre as organizações trotskistas. Uma pressão tremenda se exerceu sobre círculos ou organizações que vivem tanto tempo na contracorrente dos movimentos das grandes massas. O trotskismo latino-americano, desse ponto de vista, foi beneficiado. O proletariado latino-americano lutou nos últimos quarenta anos muito mais do que o europeu. Então o trotskismo aqui conseguiu se unir ao movimento operário. Fundamentalmente o agrupamento em torno de Nahuel Moreno conseguiu transformar o trotskismo numa corrente solidamente implantada dentro do proletariado argentino. Infelizmente o trotskismo europeu se esterilizou. Sempre teve uma influência muito grande mas fundamentalmente a partir de círculos intelectuais. Não há país onde não haja trotskistas com enorme influência em todas as universidades e na imprensa, mas é um trotskismo frágil nos sindicatos. Há uma grande tradição do trotskismo na Sorbonne, infelizmente ela não existe na Renault. Na Argentina, não há uma grande tradição na universidade mas há em todo centro industrial de Buenos Aires. Isto se traduz em posições políticas. Ao não ter relação com o movimento operário sofre-se a pressão dos aparelhos. Então há correntes trotskistas que sofreram na luta contra o stalinismo uma enorme pressão da social-democracia e vice-versa. A tendência é ceder, é renunciar ao programa. Todos eles: Mandel, Lambert, têm o enorme mérito de terem permanecido trotskistas. Sistematicamente defenderam a IV Internacional. Deste ponto de vista nós também os reivindicamos, os consideramos parte do movimento da IV Internacional. Entretanto, o problema do trotskismo europeu é que, sob a pressão dessas condições muito adversas, ele sempre procurou atalhos para construir um partido revolucionário.

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Que tipo de atalhos?
O mandelismo, por exemplo, defendeu a guerrilha na América Latina e regrediu politicamente para posições castristas. Mandel apoiou o governo sandinista, e considera que não é necessário construir uma organização revolucionária na Nicarágua. Nas condições em que estava a luta política na Frente Sandinista, em que não havia liberdade de tendência, para falar o que se quer você tem que estar fora da frente.

Num debate que nós promovemos com o Mandel, ele defendeu uma posição com relação à União Soviética bastante distinta da que você colocou.
Mandel, por exemplo, defendeu durante muitos anos uma posição: glasnost sim, perestroika, não; o que significa apoio crítico a Gorbatchev. Isto significa apoio a uma ala da burocracia contra a outra. Portanto é se colocar dentro da reforma do regime e não pela revolução. Mandel representa uma regressão política do Programa. São trinta ou quarenta anos de regressão. Por outro lado, Mandel é um patriota da IV, porque afirma, apesar de tudo, que é necessária a IV Internacional. Porque durante esses anos o que tivemos de desertores não foi pouco.

Agora se abre uma situação totalmente nova. Durante muito tempo havia revolucionários que lutavam contra o imperialismo, mas não denunciavam a burocracia. E havia revolucionários que lutavam contra a burocracia mas não denunciavam o imperialismo. E havia uma única corrente do movimento operário, que era a IV Internacional, que dizia: há que lutar, simultaneamente, contra a ordem imperialista e contra a burocracia stalinista que sustenta esta ordem. Até surgir um fenômeno novo como o PT. Com as suas vacilações - porque saudou Honecker no V Encontro, enviou quadros para fazer cursos nas escolas do Partido Comunista na Alemanha Oriental, manteve relações durante muito tempo com o Partido Comunista Chinês, Soviético etc. Mas o PT nos momentos decisivos esteve do lado certo da barricada. O PT esteve contra o golpe de Jaruzelski. O PT esteve a favor da revolução nicaragüense, ainda que, infelizmente, sem muita conseqüência na ação internacionalista. Por quê? Por causa do atraso da discussão do problema da Internacional.

Vocês são uma corrente que tem vinculações internacionais com a LIT. O PT, por sua vez, não tem nenhum vínculo orgânico internacional. Você não acha que é contraditório estar dentro do PT e, ao mesmo tempo, ter um vínculo internacional?
Nós não pensamos que é contraditório. O PT manteve relações fraternais com o Partido Comunista da Alemanha Oriental. Nós mantemos relações fraternais com o MAS, na Argentina.

Pelo que eu sei, vocês são subordinados ao centralismo democrático da LIT.
Nós achamos que é necessário construir uma Internacional e que, como um partido mundial, ela está centralizada em torno de campanhas. Por exemplo, hoje nós desenvolvemos uma campanha pela reabilitação de Leon Trotski na URSS. Então, o nosso entendimento é de centralização em torno de campanhas.

Não existe uma centralização política internacional na LIT?
Há um esforço, mas uma centralização política internacional é diferente de uma centralização política nacional.

Mas não pode, em determinados momentos, haver orientações que conflitem com linhas políticas do PT? Nesse caso, como é o comportamento de vocês? A qual centralismo vocês estão subordinados?
Isso até hoje não ocorreu. Pode ocorrer que nesse caso dentro da LIT nós tenhamos uma posição diferente da maioria da Internacional, ou pode ocorrer que em uma futura Internacional, uma organização nacional tenha conflito com a direção internacional. Isto se resolve através da discussão política e não de decisões administrativas. O processo latino-americano tem uma unidade regional. Só é possível ter uma política marxista para o Brasil compreendendo o que ocorre hoje na Argentina, Uruguai e Paraguai e compreendendo qual é a política do imperialismo para este continente. E mais, uma política marxista para qualquer um destes países supõe o esforço de análise e de ação comum em escala internacional. Não se constroem dirigentes para uma revolução nacional se não for através de uma localização do ponto de vista internacional. Não podemos esperar pela Internacional de massas para começar a construir quadros que tenham uma educação internacional. Nós temos que iniciar agora o processo de formar quadros internacionalistas, que entendam a luta de classes no Brasil a partir de uma ótica latino-americana e internacional. Deste ponto de vista nós temos uma política de formação de quadros. Essa é a diferença com o PT. Nós queremos discutir isso. Nós queremos que o PT incorpore esta lição que nós herdamos do que existe da melhor tradição do bolchevismo. Nós não podemos esperar que o PT todo se convença do internacionalismo para construir uma Internacional. Nós achamos que é necessário construir agora. Porque a construção de uma direção revolucionária não se improvisa. Nem é papel dos trotskistas no PT regredir daquilo que eles representam para o movimento operário. Quando da fundação do PT o de mais valioso que nós trouxemos foi um programa que foi pisado durante anos. E um dos aspectos essenciais desse programa é a compreensão da necessidade da Internacional. Nós queremos construí-la com o PT. Enquanto essa discussão não se resolve dentro do PT, nós procuramos nos unir às forças vivas revolucionárias que existem na América Latina para começar a construí-la. Nós achamos que esses dois processos são confluentes.

Como é que vocês vêem a relação da Convergência com o PT? Como é que vocês vêem o PT?
O PT é o grande partido operário do Brasil. O PT foi constituído com militantes e correntes que vêm das mais diferentes tradições. Isso é que faz o PT grande. Porque lutamos uns contra os outros, mas nos momentos decisivos da luta de classes todos estamos juntos contra a burguesia. A Convergência aceita ser uma corrente interna no PT, mas não por decisões administrativas de ninguém. É uma adesão voluntária ao partido.

O V Encontro tirou uma resolução sobra a regulamentação do direito de tendência. Na minha avaliação, a Convergência não cumpre essa orientação. Eu cito vários exemplos: na questão da imprensa, das sedes e gráficas próprias etc. Como é que você vê isto?
Nós somos uma corrente interna que renunciou voluntariamente a ter uma relação com as amplas massas populares. O PT se dirige às amplas massas populares, a Convergência se dirige aos petistas. Mas não achamos que os petistas sejam os militantes dos diretórios. Isso é uma ingenuidade política e às vezes é de má-fé no debate. Hoje os petistas são, grosso modo, 600 mil filiados, mas são no mínimo os 300 mil militantes ativos que há nos sindicatos filiados à CUT, mais uns 50 mil dos sem-terra, mais 20 mil do movimento estudantil. O PT é um grande partido de massas, que organiza uma militância de 500 mil pessoas. Quando nos dirigimos aos petistas, nos dirigimos à militância que atua na luta de classes. Porque somos uma corrente minoritária, somos 10% do PT. Como corrente minoritária, nós disputamos o direito de nos transformarmos em majoritária. Para consegui-lo, os 500 mil militantes têm que saber o que pensamos. Nós não somos uma corrente secreta. Então, nossa imprensa se dirige aos petistas. Nós vendemos uma coisa em torno de dez mil jornais. O jornal da Convergência é um jornal que tem um projeto de edição dirigido para a parcela mais avançada da vanguarda operária, aquela que está organizada nos sindicatos.

Há correntes no PT que renunciaram a uma imprensa própria, que se expressam somente em momentos de encontros. É uma outra visão. Nós temos diferenças grandes com a Articulação e nós achamos que temos que contribuir nesse debate, como contribuímos nos dez últimos anos. Nós somos uma força viva dentro do PT, que defende idéias da esquerda revolucionária. E nós achamos que isto dinamiza o partido e equilibra o seu desenvolvimento político. À medida que a classe operária se politiza uma parcela maior da sua vanguarda começa a nos ouvir, embora ainda sejamos minoritários. É natural que haja uma luta pela disputa da influência dentro desse espectro petista. Às vezes é uma luta franca e honesta. Às vezes não é.

Para poder fazer circular idéias revolucionárias dentro do PT, nós precisamos de uma imprensa que tenha condições de circular livremente entre a vanguarda operária. Esta vanguarda gosta da nossa imprensa, tanto que quer ler. Não existem 15 mil pessoas da Convergência Socialista no Brasil, logo uma parte considerável dos petistas que não são da Convergência lêem a nossa imprensa porque acham necessário conhecer nossas opiniões. Para fazer um jornal é necessário um mínimo de estrutura. Ter uma equipe de militantes que o produza, que façam a distribuição nacional, ter pessoas que o vendam, que se reúnam para fazer isso. Logo é preciso locais onde os jornais são entregues e sedes. Então, nós temos sedes em todo o país que garantem a distribuição do jornal. Nós não temos uma estrutura clandestina em relação ao PT. Nós não temos uma política da qual o PT não saiba. A Convergência toda semana coloca na direção do partido um jornal que diz aquilo que pensamos. Nós somos uma das poucas correntes que tem uma relação transparente com todas as instâncias. Então eu tenho que responder assim essa pergunta: há uma infra-estrutura mantida pelo esforço voluntário dos militantes para sustentar a defesa de idéias. Destruir ou cercear essa estrutura, impedir que essas idéias circulem; se isto for feito contra a Convergência, amanhã poderá ser feito contra qualquer um dentro do PT, porque não existem idéias sem uma organização de pessoas dispostas a defendê-las.

Isso dá a entender que vocês discordam radicalmente da regulamentação do direito de tendência como foi aprovada.
Somos a favor de uma regulamentação porque nós achamos que o partido tem que ter uma lei interna. Nós não votamos a favor desta regulamentação de tendências. Quase todas as correntes não votaram. Praticamente só a Articulação votou. Nós decidimos acatar. Fizemos um pronunciamento para o Diretório Nacional. Nós não concordamos e acatamos porque respeitamos a vontade da maioria do partido2. E vamos lutar para transformá-la no momento oportuno. No fundamental nós pensamos que estamos acatando. Há um tema que eu sei que é irritante, que são as prefeituras.

Eu ia exatamente perguntar sobre isso.
Os nossos prefeitos têm dito o seguinte: o mandato é do prefeito, não é do partido. O exercício do poder é do prefeito, não é do partido. Isto é uma novidade. Nunca foi votado. Não sei se todo o PT já se deu conta da gravidade desta declaração da Luíza Erundina, do Zé Augusto, para citar os prefeitos das grandes correntes do partido. Isto tem levado as nossas prefeituras a entrarem em choque com o movimento sindical, com o movimento popular e com todas as direções municipais. Nós temos um mandato em primeiro lugar do partido, a serviço dos trabalhadores, e se o prefeito entra em choque com o movimento organizado dos trabalhadores ele está desonrando o mandato, o partido que o elegeu. Então, quando o Zé Augusto prefeito de Diadema - no famoso episódio do "buraco do Gazuza", convoca a Polícia Militar e prende o vice-prefeito e dois vereadores do PT, ele está pisoteando todo o programa do partido.

Nós achamos que é necessário, neste momento, que o partido dê a sua posição para a sociedade. Não é mais possível manter interno um debate que levou a um choque da prefeitura com o movimento social. No momento em que isto ocorre o PT está ameaçado. E a tarefa do PT é ir junto ao movimento social organizado, apoiar a sua luta, se necessário contra as prefeituras porque nós somos contra o peleguismo petista. Onde as massas acham que o PT é igual à ação administrativa das prefeituras nós tivemos verdadeiras catástrofes eleitorais, como em São Paulo. O que aconteceu nesta cidade foi um ano em que houve sucessivos erros na administração Erundina. O único grande acerto da prefeitura foi a greve geral de março. Tanto é assim que os nossos adversários dedicaram a campanha a atacar as nossas prefeituras. E estavam inventando? Não, é verdade, as tarifas em São Paulo até hoje subiram acima da inflação. Não há como defender isto. É verdade que as nossas administrações estão em crise. E é verdade que elas são impopulares. Nenhum petista deve disciplina à Luiza Erundina. Eu devo disciplina ao partido. Se a Luiza Erundina aplica uma política que tem um curso que é antipetista a lealdade da minha corrente é ao partido.

Como vocês vêem a direção partidária e a linha que hoje é hegemônica?
A Articulação é a maioria e nós temos nisso uma posição diferente das outras tendências: nós achamos que a maioria deve dirigir o partido. A maioria das outras tendências são hoje agrupamentos de pressão sobre a Articulação que tentam influenciar a sua política. Nós ficamos felizes quando há acordo. E conforme coincidimos, divulgamos. E defendemos juntos. Quando não concordamos também dizemos claramente. Hoje nós temos um acordo político, que é a denúncia do Plano Collor. Há seis meses tínhamos um acordo que era levar a campanha do Lula. É um partido que se constrói assim, com grandes acordos políticos contra a burguesia em momentos decisivos da luta de classes, e com permanente processo de debate.

A linha política do partido é elaborada em cada reunião do Diretório Nacional, em cada reunião da Executiva. Nós, como corrente, somos parte desse processo de trazer para dentro do partido as pressões dos diferentes setores que o incorporam, a pluralidade que é a vanguarda operária nesse país. Nossa opinião é que somos expressão de uma parte da base social do PT. Os dirigentes são uma parte de outra base social. Há dirigentes que expressam a opinião da intelectualidade, há dirigentes que expressam a opinião do movimento popular, do movimento camponês etc. Nós expressamos uma parcela da vanguarda dos trabalhadores mais avançados, do setor mais politizado da classe operária. A nossa contribuição para o PT é a representação do trotskismo. Há outras correntes trotskistas, mas nós somos a maior, a mais forte, e a mais coerente. Nós representamos no PT o Programa de Transição: mobilização permanente, democracia operária, revolução socialista, luta sem tréguas contra o imperialismo e a necessidade da Internacional

Ricardo Azevedo é membro da Executiva Estadual do DR/PT-SP e diretor de Teoria & Debate.

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