Política

Defender o meio ambiente virou moda, ganhou ares de panacéia, arrebanhou adeptos apressados, tornou-se abusivamente sinônimo de modernidade na política. Está na hora de pôr os pingos nos is e mostrar que ecologia é algo sério demais para ficar em tão Verdes mãos

Houve épocas, como o final da Idade Média e o Renascimento, em que os pensadores autenticamente revolucionários precisavam apelar ao passado: reafirmar a tradição era contradição social para que fossem ouvidos. Discute-se, por exemplo, se Galileu era mesmo platonista, como dizia, ou se tudo não passava de estratagema de legitimação. Hoje, a situação se inverteu: real ou suposto, o compromisso com o futuro é que legitima a palavra e a ação dos homens.Mesmo os que não querem mudar - ou não sabem como mudar - precisam anunciar-se como portadores das mudanças, porque é para elas, e imerso nelas, que o nosso imaginário moderno foi treinado.

Os adeptos das ecologia política, por exemplo, não dão um passo sem anunciar o que fazem em nome do futuro, do qual se dizem portadores. Isso excita a imaginação de todos e atiça o interesse da mídia, que tem dedicado, ao assunto, cobertura farta, talvez demasiada. Não que ele não seja importante, nem que faltem contribuições nessa área para que se possa pensar melhor os problemas do mundo. Não. Mas excesso de informação não significa que a informação seja boa. Ecologia virou moda, ganhou ares de panacéia, arrebanhou adeptos apressados, tornou-se abusivamente sinônimo de modernidade na política.

Sejamos justos. Os ecologistas têm um discurso coerente, cuja influência é crescente em diversas partes do mundo, pela atualidade de algumas questões de que trata, pela capacidade de atrair espíritos generosos, pelo apoio material que recebe de grandes grupos econômicos e dos meios de comunicação e pelo apelo a velhos arquétipos e mitos. A poluição e outros problemas ambientais obviamente existem. Mas é ingenuidade supor que a discussão tenha nisso seu centro.

Ecologia foi um termo cunhado no século XIX para designar o estudo do funcionamento dos sistemas naturais, com destaque para as relações que se estabelecem entre os seres vivos num mesmo hábitat. Hoje, no entanto, adquiriu uma dimensão muito mais abrangente. É evidente que a proposta dos ecologistas transcende movimentos voltados para a defesa da qualidade de vida e a preservação dos recursos naturais. Transcende, inclusive, as discussões a respeito das conseqüências da ação humana sobre a natureza. Articulados politicamente em torno dos Partidos Verdes, eles tentam apresentar uma nova visão do conjunto - por alguns chamada de pós-marxista - sobre o passado, o presente e o futuro das sociedades humanas. Trata-se agora, explicitamente, da busca de um "novo projeto global de desenvolvimento", capaz de romper com a ideologia de crescimento contínuo, que patrocina um grau inédito de agressão à natureza. Nas suas variantes de esquerda, esse projeto procura apresentar-se como uma terceira via, fortemente crítica do capitalismo e do chamado socialismo real.

Afirmando que "o eixo vida-morte substituiu o de liberdade-opressão" (p.77) Este e todos os demais números de páginas citados ao longo do artigo se referem ao livro Ecologia e política no Brasil, editado pela Espaço e Tempo/Iuperj, reunindo artigos de alguns dos principais líderes ecologistas em atividade no Brasil., os ecologistas ressaltam a especificidade da crise do mundo contemporâneo, que deixou de ser parcial, como as do passado. Pela primeira vez, a sobrevivência da humanidade está ameaçada, principalmente pela interferência do próprio homem em equilíbrios estabelecidos pela natureza, cujos recursos estão em via de esgotamento. O padrão de crescimento surgido depois da Revolução Industrial e o acelerado aumento populacional estão ferindo de morte nosso planeta, uma "nave finita de recursos limitados". Fernando Gabeira adverte: "o crescimento encontra barreiras naturais muito nítidas(...) As principais fontes de energia começam a escassear ou se tornarem muito caras(...)(e os) minérios se encontram em fase de extinção (...) Estas duas questões são bastante claras e nos mostram que o crescimento, que Marx e o próprio capitalismo pensavam de forma ilimitada, tem limites naturais que precisamos rever e repensar."(p.165).

A afirmação de que estamos às vésperas de uma crise ecológica planetária se sustenta em projeções extremamente alarmantes, realizadas pela primeira vez por computadores do Instituto Tecnológico de Massachusetts (MIT) e sistematizadas em 1972 no famoso Relatório Meadows, também conhecido como Limites do crescimento, documento encomendado, assumido e divulgado pelo chamado Clube de Roma. As conclusões do relatório foram impressionantes:"Se se mantiveram as tendências atuais de crescimento da população mundial, da industrialização, da poluição, da produção de alimentos e do esgotamento dos recursos, os limites do crescimento em nosso planeta serão atingidos nos próximos cem anos. O resultado mais provável será um declínio súbito e incontrolável da população e da capacidade produtiva."

Desde a divulgação do documento, criaram-se diversas versões do alerta ecológico, todas apontando a catástrofe. Varia, no entanto, a ênfase atribuída, em cada modelo, à pressão populacional (Ehrlich), ao crescimento econômico (Mishan) e à tecnologia (Comoner), fatores sempre lembrados. Todos esses trabalhos constituíram uma espécie de base teórica para que, como apontamos, militantes do meio ambiente se articulassem, em alguns países, num novo nível, mais doutrinário, mais político, mais permanente. Para seus adepto, "os movimentos ecológicos constituem um ponto de inflexão na história da mobilização social e da ação coletiva" (p.69), representando uma "ruptura na história do pensamento e do senso comum do Ocidente." (p.73).

Quando os ecologistas afirmam a impossibilidade de resolvermos esta crise através dos "caminhos antigos e já trilhados", se referem basicamente ao "modo industrial de produção", cuja tecnologia, longe de neutra, tem altos custos sociais e ambientais. O próprio conceito de progresso, tão caro às utopias nascidas no século passado - entre elas, dizem, o marxismo -, vai para o banco dos réus. A nova utopia deste fim de século XX constrói-se, em larga medida, com base no desencanto em relação à crença no industrialismo como fonte de progresso, desenvolvida no século XIX e compartilhada pelas duas vias que, desde então, disputaram a hegemonia em escala mundial.

O que os ecologistas sugerem? Talvez ainda não sejam portadores de uma proposta perfeitamente articulada, mas as palavras-chaves já são conhecidas: descentralização, autonomia, auto-suficiência regional, adoção de tecnologias "doces" e assim por diante. Para o Clube de Roma, o retorno a uma situação de equilíbrio global exigiria reduzir em cerca de 75% o consumo de recursos naturais (fazendo uma utilização mais intensiva da reciclagem), limitar a poluição em 50% e reduzir o coeficiente de natalidade em pelo menos 30%. Eis aí a base de um programa, que os ecologistas adaptaram e desenvolveram: "produção de energia flexível, que trabalhe com os ciclos do sol, da água e do vento; agricultura de renegeração (...); fim da devastação dos recursos naturais (renováveis e não-renováveis); parada no envenenamento da biosfera pelo descarregamento de lixo tóxico; drástico controle da poluição do ar efetuada pelas indústrias e meios de transporte; redução a níveis aceitáveis de exposição radioativa." (p. 71) Além disso, " a difusão da consciência ecológica no Terceiro Mundo deveria implicar também uma introdução generalizada de valores pós-materialistas na população (...), alterando os hábitos efetivos de sobreconsumo dos setores médios e altos, mudando os componentes predatórios das expectativas de consumo dos pobres (...) e reduzindo seu crescimento demográfico"(p.72).

Nas palavras do vereador Alfredo Sirkis, do PV do Rio, os ecologistas romperam assim com "o discurso criado no século XIX, assumindo a perspectiva do século XXI", em direção a uma "economia comunitária e alternativa". A idéia de sociedade que pretendem construir influencia, como é natural, a forma de ação política que propõem. Afinal os meios e instrumentos de luta para chegar-se a uma sociedade alternativa e livre não podem ser, eles mesmos, indutores de hierarquia e centralização. Surge então a "política de comportamento" e, depois, a proposta de construção de um partido específico, crítico da direita e da esquerda, conceitos agora ultrapassados.

O que impressiona, neste discurso, é de um lado, sua fragilidade. De outro, sua impunidade diante de uma esquerda ideologicamente pouco articulada e ávida por caminhos novos. Adianto, desde já, minha opinião: as posições dos ecologistas não têm fundamentos sólidos, não são novas e, ao contrário das aparências, longe de apontarem para uma terceira via, dão cobertura ideológica a uma nova fase expansiva do capitalismo que se anuncia. Vamos por partes.

O fantasma de Malthus

Quando falam em população, os ecologistas cometem erros para todos os gostos: teóricos, históricos, factuais. No modelo do MIT, as curvas  de população mantêm um crescimento exponencial até a catástrofe final, que ocorre, como veremos, quando a escassez de recursos trava bruscamente as atividades econômicas. Em O que é ecologia, José Augusto Pádua retoma este tema recorrente:"Em 1650, havia na Terra cerca de 500 milhões de pessoas. Foram precisos duzentos anos para atingir 1 bilhão, em 1850. Em 1930, contudo, oitenta anos depois, já éramos 2 bilhões. Atingimos 4 bilhões em 1975, com apenas 45 anos de diferença, e devemos atingir 8 bilhões por volta de 2011, para chegar a 16 bilhões poucas décadas depois (...)Não há como negar que esse é um sério problema. No Brasil, por exemplo, a taxa de crescimento populacional é de 2,8% ao ano, o que equivale a um período de duplicação de 25 anos. Estaremos por volta do ano 2000 com uma população de 207 milhões de pessoas."

Não há como esconder a filiação malthusiana dessa linha de raciocínio. Na primeira metade do século XIX, muito antes dos ecologistas, Malthus também dizia textualmente que "a população, quando incontida, aumenta em progressão geométrica, de modo a duplicar-se a cada 25 anos." O curioso é que, em seu tempo, ele já foi acusado de não dizer nada de novo. O princípio que enunciou data de, pelo menos, 1589, quando Botero alertou para o fato de que a virtus generativa permite a população aumentar de forma descompassada com a virtus nutritiva. Como, mesmo assim, a população não disparava, as limitações nos meios de subsistência foram consideradas, desde então, como o meio natural de controle.

Ora, uma coisa é fazer contas e demonstrar que a população é fisicamente capaz de multiplicar-se até saturar o espaço e os meios de subsistência disponíveis (Darwin percebeu que, tomadas isoladamente, todas as espécies têm esse potencial). Outra, muito diferente, é demonstrar que isso tende a efetivamente acontecer. Sabe-se que a concorrência e a predação controlam o crescimento de espécies animais e vegetais. O caso do homem é, sem dúvida, mais complexo.

Não é difícil entender que modificações quantitativas numa população qualquer resultam da ação de duas taxas, a de mortalidade e a de natalidade. Durante milênios a humanidade manteve um padrão de lenta expansão demográfica, entremeada por períodos de declínio, porque ambas as taxas eram muito altas. Hoje, resultado semelhante se verifica nos países desenvolvidos, mas pela razão oposta: ambas as taxas são muito baixas. Entre as duas situações de estabilidade relativa, ocorre o que os demógrafos denominam de transição demográfica, caracterizada por um período em que as modificações tecnológicas (difusão de antibióticos, queda de mortalidade infantil, controle de doenças infecciosas etc.) e sociais (urbanização acelerada, participação da mulher no mercado formal de trabalho etc.) estão agindo para modificar o padrão tradicional. Os impactos se fazem sentir muito mais rapidamente sobre as taxas de mortalidade do que sobre as taxas de natalidade, que se conservam por mais tempo a inércia tradicional. Ocorre, assim, um período transitório, em que o crescimento da população se acelera, antes de se estabilizar nos novos patamares, correspondentes, em última análise, aos novos padrões de produtividade do trabalho.

No Brasil, a mortalidade começa a cair em torno de 1870, e a queda se acelera nas décadas de 30 e 40. Por isso - e não por suposto crescimento de natalidade - o país experimenta taxas de crescimento de 2,9% nos anos 60. A partir daí, a fecundidade cai rapidamente, passando de 5,75 em 1970 para 3,53 em 1984. É a transição demográfica em curso, com uma velocidade muito maior do que a que ocorre na Europa. O processo que lá só se completou em alguns séculos está sendo vivido aqui em poucas décadas. Como a dinâmica demográfica tem forte inércia ( hoje já está em 1,8% ao ano), até que a população se estabilize, em torno do ano 2050, em 240 a 250 milhões de pessoas, número perfeitamente adequado às potencialidades do país. Exatamente porque as tendências mudam, hoje se sabe que, no ano 2000, seremos 170 milhões de brasileiros e não 207 milhões a que se refere Pádua. Todos esses números, que os ecologistas insistem em desconhecer, são consensuais entre os estudiosos de demografia brasileira.

Nesse caso, como em todos os outros, as previsões alarmistas se basearam em simples extrapolação, para o futuro, de tendências parciais detectadas em algum período escolhido como ponto de partida. Como se a própria evolução da sociedade não introduzisse mudanças de tendências. O raciocínio se torna politicamente perigoso porque aceita acoplar, en passant, crescimento demográfico e excessiva pressão de consumo sobre os recursos naturais. São dois processos distintos, inclusive do ponto de vista espacial. A pressão de consumo cresce rapidamente nos países desenvolvidos, cujas populações estão virtualmente estabilizadas. O crescimento populacional ainda ocorre nos países pobres, onde o consumo quase não cresce. Um típico cidadão suíço consome dezenas de vezes a quantidade de energia e de mercadorias de um típico paquistanês. Nunca é demais recordar que o monstro malthusiano reaparece em nosso século em fins dos anos 50, quando estava de vento em popa o processo de descolonização e de formação do que viria a ser o Terceiro Mundo. E o controle de natalidade foi, explicitamente, uma bandeira anti-reformas.

Não há, e não haverá, explosão demográfica no Brasil. As denúncias em contrário se baseiam em ignorância ou má-fé, mantendo acesa uma polêmica estéril. Mas isso não nega o problema de uma população excedente, visível no subemprego das grandes cidades e nas migrações desordenadas que cortam todo o território nacional. Para entender como se forma essa população, não precisamos ir a Malthus, mas aos Gundrisse,de Marx, onde aparece tratamento muito mais sofisticado do assunto: "Em diferentes modos de produção sociais, diferentes leis regem o aumento da população e a existência de uma superpopulação relativa (...)Estas leis estão ligadas às diferentes maneiras pelas quais o indivíduo se relaciona com as condições de produção ou de reprodução de si mesmo como membro da sociedade, já que só em sociedade o homem trabalha e se apropria do meio."

Depois de descrever outros modos de produção, Marx trata do capitalismo, apontando a existência, neste sistema, de duas tendências contraditórias entre si. A primeira resulta da luta do capital para controlar a maior quantidade possível de trabalho vivo, de modo a aumentar a massa de mais-valia potencialmente disponível. Ou seja, o capital tende a subordinar a si a maior parte do trabalho social, o que exige a expropriação das condições independentes de vida de parcelas crescentes da população, que passam a se apresentar no mercado como vendedores de força de trabalho. "Por outro lado", diz Marx referindo-se à outra tendência, "o impulso em direção à mais-valia relativa (que se expressa no aumento do capital constante) induz o capital a colocar como não necessários muitos desses trabalhadores".

A busca da mais-valia absoluta faz o capital desejar a "máxima extensão da jornada de trabalho com a máxima quantidade de jornadas simultâneas"; ao mesmo tempo, a busca de mais-valia relativa "reduz ao mínimo o tempo de trabalho e o número de trabalhadores necessários." A primeira tendência incorpora trabalhadores ao âmbito da esfera capitalista da sociedade. A segunda, lança trabalhadores na rua.

Atraindo e repelindo trabalhadores, o capitalismo desenvolve uma lei de população igualmente ambígua: a maior parte da população se transforma em assalariada e é, em seguida, parcialmente transformada em superpopulação, ou população momentaneamente inútil, excedente, à espera de ser utilizada pelo capital num ciclo expansivo futuro. Marx chegou, assim, ao conceito de exército industrial de reserva, que expressa uma superpopulação relativa e claramente desnaturaliza a discussão. Ao contrário de Botero, Malthus e dos ecologistas, não é de limites físicos que ele trata, com razão.

O fantasma de Stewart

Mas, no modelo do MIT, a variável determinante são os recursos não-renováveis, cujo esgotamento faria o sistema marchar para o colapso. O raciocínio é o seguinte: o crescimento da indústria pressiona os recursos naturais, cujos preços vão se elevando na proporção  de seu esgotamento relativo. Cada etapa nova de crescimento exige mais capital para que se obtenham os mesmos recursos, fazendo com que, em alguns momentos, os investimentos não sejam suficientes para fazer face sequer às amortizações. A base industrial entra em colapso, arrastando consigo os sistemas de serviços e agricultura, nessa altura altamente dependentes dos insumos industrializados. A situação é agravada em cada momento porque a população permanece aumentando, até que a falta de alimentos e a paralisia dos serviços essenciais produzem uma súbita - e dramática - explosão de mortalidade. A crise final do modelo acontece em algum momento muito antes do ano 2100, provocada, como dissemos, pelo esgotamento dos recursos não-renováveis. "A projeção", diz o MIT, "mostrou com toda a clareza a idéia do colapso (...) A população e o crescimento industrial serão travados, o mais tardar, no discurso do próximo século."

É fantástico. Marxistas já disseram muita bobagem sobre o colapso do capitalismo nos últimos cem anos, mas nunca tiveram imaginação suficiente para prever o colapso físico do sistema! Assim como a moderna tese ecologista sobre população (limites dados pela escassez de recursos naturais) não passa de generalização do princípio malthusiano (limites dados pela oferta de alimentos), também essa "moderna" idéia de esgotamento da nossa capacidade de explorar aqueles recursos é apenas uma generalização dos velhos modelos dos rendimentos decrescentes. Nestes, uma variável do sistema (ou algumas delas) se desenvolve e é projetada para o futuro, enquanto outras variáveis permanecem fixas ou são ignoradas. A forma mais comum é a projeção de um consumo crescente, considerando imutáveis os estoques de recursos e a base técnica de produção. O MIT, aliás, trabalha explicitamente com rendimentos decrescentes na agricultura e na extração mineral e desconhece a existência de qualquer processo contínuo e auto-sustentado de progresso tecnológico, mesmo na indústria.

O raciocínio não é de todo falho, mas tampouco pode ser considerado novo. Corresponde ao acúmulo que se tinha sobre o assunto em meados do século XVIII. Stewart, com efeito, descreveu esse processo em 1767: o aumento da população inglesa exigia o cultivo de terras mais pobres, de modo que se aplicavam quantidades sempre maiores de esforço e se obtinham colheitas médias cada vez menores. Pouco depois, Turgot sofisticou a descrição, mostrando que, num primeiro momento, a aplicação de maiores de capital e/ou trabalho aumenta a produtividade da terra, mas, com novas aplicações sucessivas, esse incremento se torna cada vez menor. Atinge-se um ponto máximo, a partir do qual a produtividade decai. Em linguagem moderna: a um intervalo de rendimentos decrescentes. Embora tenha se referido unicamente à agricultura, Turgot teve o mérito de definir com grande clareza que sua lei descrevia situações em que um favor variável (capital ou trabalho) era aplicado a outro (terra), cujas quantidades permaneciam constantes.

Na sua monumental História da análise econômica, Schumpeter mostrou que, com o tempo, os economistas obtiveram uma nova generalização dessa lei, ao perceberem que nem o intervalo de rendimentos crescentes, nem o de decrescentes eram exclusivos a uma atividade que estivesse submetida a limites físicos: qualquer combinação produtiva, inclusive de natureza industrial, admite uma proporção ótima de fatores, e a produtividade decai sempre que ela é ultrapassada. Também aqui, portanto, os limites não são  de natureza física. A agricultura e a mineração são apenas casos particulares de uma situação mais geral.

Ainda no século XIX, percebeu-se que, se a tecnologia varia de forma contínua, modificam-se incessantemente os fatores (e, portanto, sua combinação ótima), escapando-se ao determinismo dos intervalos de produtividade crescente e decrescente. A evolução da tecnologia não modifica o formato teórico da curva de Turgot, mas a desloca sucessivamente para cima, de modo que o ponto de inflexão não precisa mais ser alcançado. Trocando em miúdos: não existe lei de rendimentos decrescentes que se aplique a situações nas quais ocorre progresso tecnológico. Nesses contextos, a lei passa a ser um exercício de lógica e não tem nenhum poder preditivo, a não ser no curto prazo. Isso ajuda a explicar por que nunca se cumpriram reiteradas previsões alarmistas: os sucessivos níveis de técnicas permanecem ocultos à vista até serem efetivamente atingidos (por novas descobertas, por exemplo). Mas, quando o são, definem situações historicamente irreversíveis. Isso é especialmente verdadeiro quando se trata de um sistema econômico caracterizado também pela produção permanente, e não episódica, de renovações técnicas. Depois do trabalho, a ciência é o mais importante patrimônio humano submetido ao controle do capital.

Voltando ao nosso tema, o limite à utilização de um ecossistema por um dado grupo social só é fixo se as forças produtivas utilizadas por esse grupo forem fixas também. Mas os Verdes advertem enfaticamente que os recursos naturais estão se esgotando. Como ficamos?

Em primeiro lugar, que são recursos? São aquelas partes da natureza que podem ser aproveitadas num momento dado. É, portanto, um conceito dinâmico, pois são o trabalho e a inteligência humanos que fazem com que a matéria passa à condição de recurso. Até o século XIX o petróleo, manipulado por curandeiros, e uma vaga fonte de luz que, aqui e ali, aflorava da terra. Antes do desenvolvimento de uma ciência muito complexa - a física nuclear - também, não era recurso o urânio, que aliás sequer existe na natureza em forma utilizável. O mesmo se  aplica à energia potencial das cachoeiras, ao movimento dos elétrons, às ondas de rádio, aos novos materiais e por aí adiante. Portanto, ao dizerem que "os recursos vão se esgotar" os ecologistas voltam a trabalhar com o seu pressuposto implícito: as técnicas não vão mudar, ou suas mudanças não são importantes.

Em segundo lugar, digamo-lo claramente: nosso planeta não é uma "nave finita de recursos limitados", imagem tão cara aos ecologistas. Apesar de fundar-se num aparente bom senso, a idéia da "limitação" do mundo deixa de lado a própria cadeia de relações recíprocas e mutuamente realimentadoras, base da ciência da ecologia, lamentavelmente desprezada por nossos ecologistas políticos. Apoiados no mesmo tipo de bom senso, os antigos pensavam que, caminhando sempre para a frente, mais cedo ou mais tarde tropeçariam no fim-do-mundo. Não haviam percebido que o mundo podia ser finito e ilimitado.

Como  em outros casos, há, nisso tudo, uma discussão pertinente, desde que situado seu contexto. Não é certo que, na base técnica atualmente disponível, novos incrementos de capital possam trazer maiores ganhos de produtividade em certas regiões agrícolas do mundo desenvolvido. Talvez seja uma discussão pertinente inclusive para certas regiões do Brasil, ou certas culturas específicas. Além disso, é verdade que a simplificação excessiva fragiliza os ecossistemas. Isso precisa ser levado em conta, a sério. Mas, na média, convenhamos: a agricultura mundial (e brasileira) tem um mundo a ganhar, em termos de rendimentos crescentes, com a criteriosa aplicação de mais fatores de produção que compõem a tecnologia disponível. Do ponto de vista macro, as soluções para os problemas que ela traz não poderão ser encontradas por meio de um romântico retorno a uma economia "comunitária e alternativa", a não ser a um custo social inaceitável, verdadeiramente genocida.

É errado pensar, aliás, que a interferência humana nos mais delicados processos naturais seja coisa recente. O trabalho de seleção das plantas, que sem dúvida intervém no equilíbrio natural, data, pelo menos, do início da sedenterização do homem. O trigo, tal como o conhecemos hoje, resulta da combinação do patrimônio genético de três espécies ancestrais, processo iniciado pelos agricultores primitivos. O mesmo ocorre com as demais plantas cultivadas. Há melhores de anos, a aveia era um parasita do próprio trigo; o arroz, apenas uma erva daninha. Na vida rural antiga foram muito importantes os trabalhos de experimentação que, na Europa, se tornaram sistemáticos, registrados e submetidos a controle no século XVIII, trazendo fantásticos ganhos de produtividade.

Mas não é este, e sim a Revolução Industrial, o alvo privilegiado dos ecologistas: "Foi apenas a partir da Revolução Industrial que a economia passou a se valer cada vez mais do consumo acelerado dos estoques planetários de minérios e combustíveis fósseis, que são recursos não-renováveis. Essa nova tendência, contudo, não significou um atenuamento da pressão anterior sobre recursos renováveis (animais e plantas), pois continuamos a observar a crescente extinção de espécies animais e a perda progressiva da cobertura vegetal do planeta" (O que é ecologia?).

Mais uma vez, não é verdade. Como lembrou João Bernardo em O inimigo oculto, foi exatamente a tecnologia nascida da Revolução Industrial que libertou o homem da histórica - na verdade, pré-histórica - dependência de um bem difícil renovação: a madeira. Até o século XIX, era a única fonte de energia térmica e a matéria-prima básica para a construção de habitações, embarcações, instrumentos e máquinas simples. Na França, a substituição da madeira pelo ferro só se completou na década de 1830. Até então, as florestas estavam submetidas a um processo de devastação que as deixou com o tamanho que tinham...nos anos 1960!O fisiocrata Sully não podia prever a mudança que ocorreria na base técnica de produção poucas décadas depois de sua morte. Por isso, em pleno século XVIII, havia decretado, solene, adiantando-se aos ecologistas contemporâneos: "a progressiva raridade da madeira será a causadora da nossa ruína."

Substituindo o combustível vegetal pelo mineral e a madeira pelo ferro, a Revolução Industrial resolveu problemas ambientais cruciais em sua época, criando as bases de um novo equilíbrio entre homem e natureza. Novo equilíbrio - frise-se - não significa o paraíso: novos e graves problemas surgiram, e , com eles, como veremos, novas possibilidades de reestruturação. Mas, seja do ponto de vista do consumo de matérias-primas (relacionado, evidentemente, com a produtividade obtida), seja do potencial criativo que ela liberta (inclusive para encontrar soluções), a tecnologia contemporânea tende a ser menos destrutiva do ambiente. Quantos hectares de florestas precisam ser derrubados por ano para que se garanta o funcionamento de uma forja artesanal de metais ou de uma olaria rústica, dessas que existem aos milhares pelo interior do país?

A esse respeito o caso da Inglaterra é clássico. Esse país reuniu, na Idade Média, condições favoráveis ao desenvolvimento da manufatura do ferro, que demandava uso intensivo do carvão vegetal. Por conta disso, as florestas desapareceram de toda a Ilha, muitos antes da Revolução Industrial. A escassez obrigou a substituição da lenha pelo carvão mineral, cuja produção cresceu aceleradamente ainda nos séculos XVI e XVII, libertando a sociedade das incertezas decorrentes do uso das águas e do vento como força motriz, dos ciclos naturais de reprodução de cavalos e florestas e dos ataque ao carvão vegetal. Já vimos como, no capitalismo, a produção de força de trabalho disponível não depende mais do lento ritmo de aumento da população humana, como ocorria na Antiguidade. Agora vemos como a produção também se libertou dos ciclos da natureza, passando a basear-se num recurso energético acumulado ao longo de milhões de anos. Culminando esse processo que levou vários séculos, a civilização das máquinas foi saudada exatamente por assegurar, aos homens, alguma segurança diante de uma natureza que sempre os castigara. Se não cumpriu a promessa, não foi por limites naturais, mais pela subordinação das novas forças produtivas à lógica do capital.

Desatentos, os ecologistas não percebem como é nítida e veloz a tendência mundial de aproveitamento de quantidades cada vez menores de matérias-primas em relação a uma dada produção. Não vou usar o exemplo do Japão que poderia ser considerado excepcional, dado o dessenvolvimento tecnológico desse pequeno país, de natureza pobre; nem vou citar cifras recentes, que poderiam ser interpretadas como consequência dos movimentos ecológicos. Entre 1957 e 1966, o Produto Nacional Bruto norte-americano cresceu 57%, enquanto o uso de cobre cresceu apenas 18,6%, o de aço 16,4%, o de zinco 4,2% e assim por diante Aldo Ferrer, "America Latina y los países capitalistas desarollados" - El Trimestre Económico nº 168 México. .

Chegamos a um ponto importante. Foi o desenvolvimento industrial que libertou o homem da necessidade de consumir recursos naturais em proporções mais ou menos constantes para obter uma dada produção. A tendência contemporânea é a de um aproveitamento decrescente daqueles recursos. Medida em toneladas utilizadas por bilhões de dólares do PNB, em apenas uma década a intensidade de uso nos Estados Unidos diminuiu 13% para o aço, 25% para o minério de ferro, 15% para o cobre, 17% para o zinco, 2% para o enxofre, 4% para a energia (medida em equivalentes de carvão). Só o alumínio contrariou essa tendência, tendo aumentado sua intensidade de uso em 66%, por causa dos novos usos desse material.

Velha canção

Admitamos, por um momento, a idéia de um "equilíbrio" rompido pela Revolução Industrial. Salta à vista o desprezo do humanismo ecologista a um fato elementar: as antigas formas de preservação do "equilíbrio" pressupunham uma terrível aniquilação de grande parte dos nossos semelhantes. As taxas de mortalidade infantil eram elevadíssimas, inaceitáveis para os padrões atuais, mesmo no Terceiro Mundo. As pessoas eram velhas, tísicas, desdentadas, aos trinta anos de idade. Não havia sistema de transporte capaz de evitar epidemias de fome, em caso de fracasso de uma colheita regional. Não se podia pensar em implantar o que hoje se chama de infra-estrutura, mesmo em grandes cidades. É verdade: a urbanização, a industrialização e o desenvolvimento técnico criaram problemas para a saúde das populações. Mas, será legítimo denunciá-los, esquecendo da destruição maciça de vidas que teria continuado a ocorrer sem o advento desses processos?

Não precisamos permanecer na Europa. Os Verdes dizem que o nosso continente está sujeito a uma pressão ecológica também nunca vista. Erram, de novo. Continuam escravizados pelo pensamento alheio. A uma reflexão criativa dificilmente escaparia a idéia de que o processo de conquista e colonização das Américas produziu um impacto ambiental muitíssimo maior, despercebido - et pour cause! - pelos europeus e, por isso, também despercebido por nossos Verdes amigos. Destruíram-se culturas e atividades produtivas milenares, exportaram-se enfermidades novas (para as quais as populações americanas não tinham nenhuma resistência), introduziram-se em grande número espécies animais (bois, cavalos, cachorros, ovelhas, porcos, cabras) e vegetais (como o trigo) desconhecidas, destruíram-se bosques e grandes florestas.

Não se pode pensar nenhuma história da América Latina - nem mesmo ambiental - sem pensar o imperialismo e a dependência, temas também marginais para os ecologistas. As novas nações se incorporaram no intercâmbio internacional como exportadoras de seus recursos naturais, e suas economias ficaram estreitamente vinculadas às frequentes e violentas variações que experimentaram os mercados mundiais desses produtos. As necessidades de alimentos e de matérias-primas dos países centrais, sua forma e o ritmo de exploração dos nossos recursos. Se alguém acha que falo do passado, dê um passeio pela serra de Carajás, ou pelas antigas reservas de manganês do Amapá. Ou, se tiver menos espírito aventureiro, leia Drummond e descubra que levaram embora até as montanhas da velha Itabira.

O vilão dessa história não é um suposto "modo industrial de produção", mas a apropriação privada da terra, das minas e dos demais recursos naturais, com o propósito de usá-los para gerar renda monetária nos menores prazos possíveis. Antes da indústria, as atividades agrícolas e mineradora, marcantes nas Américas espanhola e portuguesa, causaram notável degradação ambiental, denunciada pelos contemporâneos. Como lembra Sérgio Buarque de Holanda em Visão do Paraíso, o primeiro vice-rei da Nova Espanha teve o cuidado de alertar seu sucessor para a brusca perda de cobertura vegetal do México. Em  1546.

Não estava sozinho. Os ecologistas de hoje cantam uma velha canção. Poucos temas têm sido tão recorrentes como os da decadência dos homens, do esgotamento da natureza e do final dos tempos. No século V, Próspero de Aquitânia escrevia a sua mulher: "Nada, no campo ou na cidade, conserva seu estado original; todas as coisas se encaminham para o fim..." Em 1616, Godfrey Goodman dava suas evidências da catástrofe natural que estava próxima: "o aumento da infertilidade do solo, a hostilidade entre homens e animais, a fragilidade dos homens diante da inclemência das estações...". No século XVIII multiplicavam-se os adeptos da teoria da "senilidade do mundo", e o frei Benito Feijoó chamava a atenção para o fato de que "faltam ainda hoje algumas espécies no Universo, existentes no passado", o que indicava uma diminuição da "virtude prolífica". "Pode-se inferir", escrevia, "que sucederá o mesmo (a extinção) a todas as demais (espécies)".

No Brasil, o tema retorna, entre outros, em José Bonifácio, num texto de 1823 (Representação à Assembléia Constituinte):"Nossas preciosas matas vão desaparecendo, vítimas do fogo e do machado da ignorância e do egoísmo; nossos montes e encostas vão se escavalndo diariamente, e com o andar do tempo faltarão as chuvas fecundantes, que favorecem a vegetação e alimentam nossas fontes e rios (...)Virá então esse dia (dia terrível e fatal) em que a ultrajada natureza se ache vingada de tantos erros e crimes cometidos."

Da infindável série de pensadores que se preocuparam com o assunto não escapou sequer o velho Engels, em Dialética da Natureza: "Não devemos lisonjear demais nossas vitórias sobre a natureza. Esta se vinga de nós pelas derrotas que lhe infringimos. É certo que elas se traduzem principalmente nos resultados imprevistos que, muitas vezes, compensam os primeiros(...)Todo o nosso domínio sobre a natureza - e a vantagem que nisso levamos sobre as demais criaturas - consiste na possibilidade de chegar a conhecer suas leis e saber aplicá-las acertadamente."

Limites do modelo

O que aparece de novo no início dos anos 70 não é, portanto, o alerta ecológico, mas os cálculos que "provam" a iminência da catástrofe. Já vimos que o Clube de Roma - entidade criada e financiada pelas fundações Fiat, Volkswagen, Ford, Olivetti e similares - baseia suas previsões em pressupostos arbitrários, nos quais o estoque de recursos é estático e o consumo cresce a taxas exponenciais. A aparente cientificidade de seus cálculos advém tão-somente do uso de computadores. Na mitologia contemporânea, como se sabe, os computadores sempre dizem a verdade. Há um problema, porém. As contas que fizeram não incorporam inovações conceituais essenciais da matemática contemporânea. Por isso, não são aplicáveis ao mundo real.

Não é o caso de demonstrar aqui, especificamente, a impropriedade científica de previsões feitas a partir desses cálculos, pois isso demandaria o uso de categorias que não são triviais, como bifurcações, atratores, hipersensibilidade a certas condições, não-linearidade e assim por diante. Importar chamar a atenção para o seguinte: seja no tempo, seja no espaço, quando trata de sistemas complexos a ciência contemporânea não trabalha mais com as trajetórias simples da época dos clássicos, caracterizadas pela fácil previsibilidade. Quando, em sistemas complexos, a evolução depende de processos não-lineares e inter-relacionados - como é o caso de que tratamos -, diferenças micrométricas nos parâmetros conduzem a resultados absolutamente divergentes. Desde que haja parâmetros suficientemente sensíveis, pode-se construir um modelo, por exemplo, em que uma população estimada em quinhentos gorilas evolua, em dez anos, para seiscentos. Neste mesmo modelo hipotético, se o ponto de partida for uma estimativa de 501 gorilas e todas as demais condições forem mantidas constantes, o resultado final pode indicar duzentos. Como levar a sério pessoas que perdem seu tempo fazendo previsões que às vezes chegam à década de 80 ... do século XXII? Ou outras, que, à moda do Conselheiro Acácio, anunciam, graves, que algum dia o carvão vai acabar? Ou os que descobrem que haverá uma catástrofe natural se o padrão agrícola norte-americano for subitamente generalizado no mundo todo? Com os meus botões, considero que motivos históricos, econômicos e culturais - ou seja, qualitativos - fazem com que a probabilidade de generalização súbita desse padrão seja menor do que a da queda de um asteróide sobre minha cabeça no momento em que escrevo este artigo. Um sinal dessa complexidade aparece, aliás, na discrepância de resultados obtidos por diferentes projeções, que consideram condições iniciais um pouco diferentes. Como notou Hans Magnus Enzensberger (Uma crítica à ecologia política), há forte disputa, entre os ecologistas, sobre a data do Apocalipse, e as divergências nesse debate se contam na escala de séculos...

Não se pense que o Clube de Roma ignorasse algumas dessas dificuldades. Ao contrário. Os autores do relatório chamam textualmente a atenção para o fato de que só dispunham "de 0,1% dos dados necessários para a construção de um modelo mundial satisfatório, inclusive porque nosso conhecimento do estado do planeta é ridiculamente escasso". Depois, afirmam que "como os modelos podem acomodar somente um número limitado de variáveis, as interações estudadas são apenas parciais (...)No mundo real, uma experiência semelhante (à que foi modelada) seria longa, dispendiosa e, em muitos casos, impossível". Registram também que "nosso ponto de partida é o prolongamento das tendências atuais", mas advertem:"Devemos reconhecer que a extensão da disponibilidade de recursos naturais (por novas descobertas) daria ao homem tempo para encontrar corretivos."

Ou seja: como acontece em qualquer estatística, há um modelo subjacente que recorta e seleciona o real. O que sai dos computadores é apenas uma forma desenvolvida do que neles foi colocado pelo cérebro dos homens. Com a diferença de que não podemos exigir, das máquinas, que situem histórica e qualitativamente as contas que estão fazendo. Por isso, elas são levadas a produzir uma imagem do futuro que é apenas uma caricatura do presente, como o fazem os autores de ficção científica de má qualidade. O futuro catastrófico que o Clube de Roma previu para os países desenvolvidos - é apenas o dia-a-dia de boa parte da humanidade, hoje.

Ecologia e energia

Nossos Verdes amigos chamam a atenção para o esgotamento dos combustíveis fósseis, criticam a poluição causa pela indústria do petróleo, apontam os desequílibrios que as grandes hidrelétricas trazem às comunidades e aos ecossistemas atingidos pelas inundações e identificam a via nuclear com o fortalecimento de sociedades hierárquicas e concentradoras. Propõem, como alternativa, o uso de fontes renováveis, como a biomassa, o sol, ventos e marés. Algumas vezes, têm razão. Outras, não.

Quando repetem o discurso da escassez fora do contexto econômico da produção e circulação de mercadorias, os ecologistas compram gato por lebre. Controlando a produção e os fluxos de comércio internacional, monopólios e oligopólios têm na criação periódica de escassez um óbvio mecanismo de elevação dos preços. Não se pode aceitar, sem discussão muito atenta, que essas situações decorram de limites físicos. Mais do que no caso da indústria e da agricultura, a cartelização e suas conseqüências são particularmente graves no caso dos combustíveis fósseis e dos minérios, cujas jazidas não podem ser recriadas ou transportadas e estão distribuídas de maneira desigual pelo planeta, criando uma desarticulação  insuperável entre centros produtores e consumidores.

Ao centrar sua análise no tema do esgotamento físico dos recursos, os Verdes aceitam implicitamente a forma como esses recursos são apropriados e gerenciados hoje. Esquecem que relações econômicas, jurídicas e políticas fazem com que, no capitalismo, os recursos sejam freqüentemente, a um só tempo, escassos subutilizados, o que novamente nos traz ao tema das relações  dos homens entre si, e não destes com uma natureza que lhe seja exterior. A tradição marxista chama a atenção sobre isso, mas não só ela. Keynes, que não era marxista mas entendia de capitalismo, escreveu: "Se o jovem Malthus ficou chocado com os fenômenos demográficos que tinha diante de si, o velho Malthus não ficou menos chocado com os fenômenos de desemprego (...). O monstro malthusiano D tende a fugir do controle (...)Estamos mais expostos do que nunca ao monstro D, dos 'recursos desempregados' (Algumas conseqüências econômicas da diminuição da população.)

Assim, com a emergência do Terceiro Mundo nos anos 50 provocou a retomada das discussões sobre explosão demográfica, a crise do petróleo foi um marco na retomada do velho conceito de escassez. Mais uma vez, prevaleceu a óptica dos consumidores e colonizadores. A vertiginosa subida nos preços, decretada pela Opep no início dos anos 70, foi apenas uma tímida recuperação: medidos em relação à remuneração do trabalho no mundo desenvolvido, em 1979 os preços do petróleo equivaliam aos de 1955. E, descontada a inflação do dólar, os US$ 18 cobrados até a invasão do Kwait pelo Iraque são os mesmos US$ 3 de 1970! Não custa lembra: em qualquer caso, as mudanças não decorreram de um suposto esgotamento físico do recurso, mas de novas relações de poder entre os homens, que se expressaram numa nova estrutura de preços relativos dos insumos energéticos.

Ao contrário do que dizem os ecologistas,nem sempre a escassez desempenha um papel negativo. Freqüentemente induz modificações construtivas. Graças à submissão colonial dos países árabes, por muito tempo, a oferta de petróleo foi abundante e o preço, irrisório. Estimulou-se assim o desperdício e ficou inibido o desenvolvimento de outras fontes, criando uma situação de virtual monolitismo energético que não pode ser tomada, em nenhuma hipótese, como paradigma de normalidade. A crise estimulou um maior "pluralismo energético", muito mais adequado, e levou à descoberta e exploração de novas jazidas, inclusive no Brasil.

Não deixa de ser irônico notar que as reservas conhecidas de petróleo e de minérios têm demonstrado uma persistente tendência de aumento, a despeito das taxas de exploração. Evoluem as tecnologias de prospecção e exploração disponíveis. Só recentemente, por exemplo, o petróleo começou a ser extraído  do fundo dos mares, mesmo assim em locais em que a profundidade é pequena. Reservas gigantescas foram descobertas na plataforma continental brasileira - e em outras -, mas a sua exploração depende de um maior desenvolvimento da robótica, pois o homem não pode descer nesses locais para fazer as perfurações. Já é claro, no entanto, que é apenas questão de tempo a entrada desses novos campos em operação.

Isso não comove os ecologistas:"se o tempo de existência das reservas de combustíveis é de cem ou duzentos anos, não faz a menor diferença, pois elas vão se esgotar" (O que é ecologia?). Anunciam assim, solenemente, uma descoberta perfeitamente óbvia: a civilização do petróleo chegará ao fim. Nós completamos: como todas as outras. Desde a época da pedra lascada, as civilizações vêm e vão, modificando a base técnica através da qual o homem se relaciona com a natureza e renovando as matérias-primas essenciais a cada período histórico. Por isso, aliás, é que nossa vida em sociedade persiste há milhares de anos neste planeta finito.

Também na questão energética aparecem inúmeros contra-exemplos à idéia de que o desenvolvimento tecnológico se dê, de maneira geral, contra a vida e o ambiente. Não preciso enumerar as matérias-primas naturais que foram substituídas por produtos sintéticos. Mas talvez os ecologistas não saibam que, até meados do século XIX, os óleos animais (especialmente o da baleia) eram a principal fonte utilizada para suprir a crescente demanda por iluminação noturna. Foi a indústria do petróleo - essa bête noir - que colocou no mercado, a baixo preço, um novo óleo iluminante, de origem fóssil, num momento (década de 1860) em que as baleias estavam sendo freneticamente dizimadas, processo registrado, com aventura e emoção, pela literatura popular dessa época.

Na esteira desse desenvolvimento, o Brasil e os demais países percorreram caminhos mais ou menos semelhantes, substituindo a queima de biomassa (matéria viva) por fontes fósseis (ou seja, mortas) ou pelo uso das quedas d'água. Em 1940, 80% da energia que consumíamos provinham da queima de matérias orgânicas, 5% vinham do carvão mineral e o restante da hidreletricidade. Daí, até os anos 70, a queima de espécies vegetais vivas despencou para níveis irrisórios, substituída pelo petróleo e a hidreletricidade. Mas o uso da biomassa voltou a crescer nas últimas décadas, a partir do Proálcool, o maior programa de energia renovável feito no mundo.

Colonizados culturalmente pelas palavras-de-ordem dos ativistas da Europa e dos Estados Unidos, nossos ecologistas não se dão conta de que a experiência brasileira desautoriza completamente a idéia de que se desenvolvam características mais participativas em sociedades que utilizem uma ou outra fonte energética ou tipo de tecnologia. É falsa a relação entre energia renovável e desconcetração do poder, assim como é falsa a relação inversa. Sociedades democráticas podem produzir energia de forma centralizada. Mais de  75% da eletricidade consumida na França advêm de usinas atômicas, e nem por isso o país enveredou por sendas autoritárias. Todos os autores que tentaram relacionar, ao longo da história, formas de exercício da autoridade e formas de utilização de recursos só estabeleceram correlações muito imperfeitas, passíveis de desmoronar diante do grande número de contra-exemplos para cada exemplo obtido.

Seja como for, talvez tenham suas razões os europeus que associam o uso da tecnologia nuclear com a possibilidade de ascensão de tendências ditatoriais, tecnocráticas e centralizadoras. Mas, também nesse aspecto, é preciso um inusitado grau de colonização cultural para afirmar-se que a energia nuclear trará, para a América Latina, ditaduras, tecnocratas e paranóias de segurança. O programa nuclear brasileiro é, por certo, passível de críticas arrasadoras. Não se deve admitir, no entanto, a demonização de tecnologias em abstrato, inclusive porque o seu processo de desenvolvimento está em curso. Se é verdade que a manipulação da radioatividade deve ser limitada pelas medidas de segurança mais extremadas, e se é igualmente verdade que as atuais fontes não-renováveis de energia são limitadas a longo prazo pelas reservas naturais e/ou exploráveis, não é menos verdade que as fontes de energia renovável também são limitadas, neste caso pela potência (energia/tempo) que se pode extrair da natureza quando esta se segue seus ritmos normais. Além disso, as fontes de energia não facilmente intercambiáveis. A maior parte das funções cumpridas pelos combustíveis líquidos, por exemplo, não pode ser cumprida pela eletricidade. Os derivados de petróleo são os únicos substitutos disponíveis para o consumo de lenha no meio rural brasileiro. Na Alemanha já foi calculado que seria preciso cobrir quase 30% do território com painéis - causando gravíssimos problemas ecológicos - para que a energia solar fosse captada hoje em quantidade suficiente para mover o país.

As chamadas técnicas "doces" só estão disponíveis para pequenas unidades de produção e não podem ser generalizadas para uso em todas as situações. Este impasse encontra nos ecologistas uma solução simplista, elitista, irreal e reacionária: é preciso restringir o consumo.

É óbvia a necessidade de modificar os padrões de consumo e redistribuir renda, mas isso não nos deve levar à demagogia. Devemos dizer claramente: mesmo distribuindo e reciclando, o Terceiro Mundo não sairá da pobreza se não produzir mais. Qualquer projeto nacional que, no Brasil, tenha como meta generalizar um estilo de vida apenas franciscano - habitações dignas, água canalizada, energia elétrica, alimentação básica e coisas afins- terá que produzir impactos ambientais em apreciável escala. E, com o tempo, o crescimento da renda média por habitante, aqui como em qualquer outro país, faz crescer mais velozmente demandas como viagens, lazer e outras perfumarias já desfrutadas pelas saltitantes lideranças ecologistas que, com tanta facilidade, pregam a redução do consumo alheio.

Além disso, mesmo num novo (e desejável) estilo de vida, o processo de desenvolvimento será dispendioso e conflitivo, muitíssimo afastado, em futuro vísivel, da idéia de comunidades que se planejam em plena harmonia e tomam decisões ecologicamente neutras. De um lado, é ingênuo pensar que os diferentes grupos sociais vão ter seus interesses facilmente compatibilizados pelos princípios (de resto, vagos) do chamado ecodesenvolvimento. De outro, qualquer processo de desenvolvimento implica utilizar, modificar e recriar o ambiente, o que aliás não é mau: muitas vezes a natureza é menos "ecológica" que o homem, no sentido ideológico do termo. Inúmeros ecossistemas "humanizados" são mais diversificados e interessantes do que os que aparecem em estado natural.

Ecobesteirol

Os que fazem uma apropriação ideológica e pouco séria das projeções do MIT nunca se deram ao trabalho de divulgar as limitações dos modelos catastrofistas, reconhecidas, como vimos, pelos seus autores. Tratam tendências como destinos, enunciam hipóteses como profecias. Necessitam dessa deformação futurológica para esconder sua confusão mercadológica. Como estão predispostos a aceitar qualquer indicação que reforce seus preconceitos, dizem muita bobagem.

Para Liszt Vieira, ex-presidente do PV e candidato a deputado federal pelo PT do Rio, "os caiapós, com um profundo conhecimento de seu meio ambiente, chegaram a ter, na Amazônia, verdadeiras cidades com 70 mil habitantes sem provocar nenhuma devastação" (p.159). Fernando Gabeira reafirma a mesma mágica crença na onisciência indígena e uma forte tendência a denúncias bombásticas: "construíram uma usina atômica em uma área que os índios classificaram como movediça, sem as condições de segurança necessárias. Também começaram a nascer crianças sem cérebro, num índice alarmante, considerando-se o índice internacional, como é o caso de Cubatão" (p.176).

Todas essas informações, e muitas outras, usadas como moeda corrente pelos ecologistas, são falsas. Os caiapós nunca tiveram tais cidades, e se tivessem tido, a floresta das imediações não poderia ser mais a mesma: alimentar, proteger e eliminar dejetos de 70 mil pessoas que vivam concentradas interfere pesadamente em qualquer ecossistema virgem, especialmente numa delicada floresta tropical. Os maiores geológos do Brasil atestam a segurança do local escolhido para a usina de Angra, cuja construção pode ser criticada por outros motivos. Marcelo Assumpção, da USP, afirma: "Neste caso, se está provocando uma tempestade em copo dágua: do ponto de vista geológico a escolha da região (para a instalação da usina) não pode ser criticada". José Alberto Vivas Velloso, diretor do Observatório Sismológico da UnB, confirma: "Não há perigo geológico para a estrutura de Angra I" (Ciência Hoje, nº50),

Quanto à anencefalia (ausência de cérebro) em Cubatão, transcrevo o resultado de pesquisa feita pela Escola Paulista de Medicina e a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência: "A opinião pública não estranha as notícias que associam a degradação da vida em Cubatão com a multiplicação de malformações congênitas em crianças ali nascidas. Exemplo disso é a informação de que nenhuma região brasileira apresenta um número de casos de anencefalia comparável aos ali verificados. Tudo seria coerente, não fosse um pequeno detalhe: a freqüência da anencefalia em Cubatão tem sido igual à São Paulo, e ambas estão situadas na faixa de normalidade em relação aos padrões internacionais. Erros metodológicos, imprudência na divulgação de dados e predisposição em aceitá-los de se combinam para gerar o equívoco" (Ciência Hoje, nº 19).

O problema não está só no PV. Depois de acusar a esquerda de não compreender o problema ambiental, o companheiro Vitor Buaiz nos esclarece, em artigo publicado em Teoria & Debate nº 4: "A fuligem sai da região Norte, atravessa o Sul e vai para a Antártida, gerando aquecimento da atmosfera terrestre (...) O resultado é uma alteração significativa do clima, com o deslocamento de frentes frias." A ingenuidade chega a ser comovente. Em menos de quatro linhas da revista do PT, Buaiz resolveu uma questão que vem sendo estudada há décadas, de forma não concludente, por centenas de equipes que contam com estações de medição espalhadas pelo globo, ao custo de milhões de dólares! Elas tentam, sem êxito, modelar o desenvolvimento dos sistemas atmosféricos. E afirmam que efeitos à distância (no espaço e no tempo) são virtualmente imprevisíveis, pois dependem de interações completamente aleatórias ou complexas demais para serem tratadas com os instrumentos de cálculo disponíveis. Quase nada se sabe sobre a dinâmica da atmosfera terrestre.

A ingenuidade prossegue, no mesmo artigo, logo depois: "Uma pesquisa realizada pela Fundação Centro Tecnológico de Minas Gerais constatou a contaminação por agrotóxicos e metais em mais de 90% das 225 amostras de 21 tipos de alimentos recolhidos." Essa informação de nada vale, se não se precisam os níveis de contaminação encontrados e os níveis de tolerância admitidos. Por um simples motivo: a tecnologia de análise tem evoluído rapidamente. Até há pouco tempo, conseguia-se, literalmente, um pouco de tudo em tudo o que se analisar. Pode ser que a contaminação esteja efetivamente piorando no Brasil, mas também pode ser que os resultados indiquem apenas maior refinamento das técnicas de pesquisa, sem que haja risco à população.

Insisto nesses desmentidos desagradáveis, porque não estamos diante de simples enganos individuais, mas de um método irresponsável de estabelecer o diálogo com a sociedade. O anacrônico maniqueísmo dos Verdes não é bom conselheiros. Usado com ênfase e regularidade, consegue frutos de curto prazo, assustando os incautos, mas atesta despreparo, pouca seriedade e vocação para a demagogia. Afasta, por isso, da causa ecológica, gente que poderia contribuir para ela. O frequente apelo à retórica produz puro besteirol. Diz Eduardo Viola: "a posição ecossocialista é favorável a uma ruptura com a sociedade capitalista e a socialista real segundo o referencial normativo da estatização ampla do sistema produtivo, gerido através de planejamento participativo centralizado"(p. 79). Diz Carlos Minc, ex-deputado pelo PV e candidato à reeleição pelo PT: "a ecologia da era da recusa tinha os olhos facetados da abelha, um visão fragmentar das malhas visíveis e invisíveis do tecido sociocultural", mas agora se trata de avaliar "os desenhos psicodélicos do Caleidoscópio Multidimensional" (p.116).

Há a energia flexível, a tecnologia doce, o ecodesenvolvimento, a reforma urbana ecológica, a sociedade alternativa - enfim, uma farta distribuição de adjetivos e prefixos, completamente banalizados. Há, ainda, um uso da ciência que nada fica a dever às apresentações do Fantástico, o show da vida, da Rede Globo. Referindo-se ao suposto aumento da temperatura da Terra como conseqüência do efeito estufa, dizem: "Cientistas vêm monitorando esta acumulação desde o início da década de 1960, e seus cálculos indicam uma crise dramática daqui a quatro décadas." Que cientistas? Com que métodos? A partir de qual base de dados? Por que não citam as enormes divergências entre os diferentes tipos de cálculo? Aliás, existe mesmo aquecimento da Terra?

Por que pessoas que vivem no Terceiro Mundo aceitam escrever que o lixo atômico, os acidentes em usinas nucleares, o efeito estufa e os danos ao ozônio são "as quatro catástrofes que ameaçam a humanidade neste fim de século"? Não sabem que vivem num rico país em que se pagam US$ 70 dólares de salário mínimo mensal, em que um adulto em cada cinco não sabem ler, em que desnutrição mata em larga escala, em que se contam em dezenas de milhões os portadores de mal de Chagas, hanseníase, tuberculose, malária e outras doenças controláveis? Sabem disso, mas não consideram isso suficientemente importante? Acham isso muito careta?

Francamente...Por que, diante deles, a esquerda fica na defensiva?

A crítica da crítica

Os Verdes querem o debate conosco e elegem o marxismo como alvo privilegiado. Vamos à página 69: "É cada vez mais insustentável o argumento marxista que coloca a classe operária como agente principal da mudança histórica em direção ao socialismo". É evidente o excesso de zelo perpretado nessa passagem. Sejamos francos: nossa divergência de fundo não está o "agente principal" da mudança, pois para os ecologistas esta classe não é agente, principal ou secundário, de coissíma alguma. O discurso ecologista nada tem a dizer sobre a exploração do trabalho. Vejam que belo ato falho na página 159: "a necessidade de obter lucros e a concentração fundiária acabam forçando uma verdadeira espoliação da terra (...), antes saqueada e violentada do que arada e cultivada." O grifo é meu e não necessita de comentários num texto dirigido a militantes de um partido dos trabalhadores.

Para eles, a atividade produtiva é apenas - ou essencialmente - uma fonte de poluição. Assim, suas propostas se deslocam para o âmbito das condições gerais de vida (problemas urbanos, transportes etc.) ou para o consumo. Neste último caso, a ênfase na necessidade de preservar a natureza - fonte de energia e de matérias-primas - conduz rapidamente à idéia de restrições ao consumo e, no limite, de "crescimento zero". Somos levados a lutar como indivíduos e como consumidores enfastiados. Na melhor das hipóteses, como cidadãos. Nunca como trabalhadores. Por mais radicais que sejam os slogans, por malcomportados que sejam os  comportamentos, por mais alternativas que sejam as propostas, reafirma-se o que há de mais precioso para a política burguesa: a diluição da classe trabalhadora em todos os níveis (ideológico, político e organizacional). As contradições fundamentais da nossa época se deslocam para a fronteira da natureza com o sistema econômico, entendido este como algo mais ou menos homogêneo (daí a esdrúxula idéia de que exista um "modo industrial de produção").

Não estou fazendo vaga teoria. Vivemos, no PT, essa experiência na coligação que fizemos, em 1986, com o PV para o governo do Rio de Janeiro. Lembro-me de um dos principais slogans da campanha, veiculado quase diariamente em nosso programa eleitoral gratuito de televisão: "somos todos minoria!" O texto de apoio explicava, mais ou menos assim: "minoria dos capoeiristas, minoria dos que gostam de cinema, minoria dos espíritas, minoria dos canhotos, minoria dos migrantes baianos - votem em Gabeira!" A indigente "extrema esquerda" do nosso partido achava isso excelente e muito moderno, enquanto eu (que sou de "direita") pensava quanta luta havia ficado para trás na tentativa de os trabalhadores superarem divisões circunstanciais e se afirmarem como maioria, condição essencial para dar fundamento ético aos seus projetos de transformação social. Afinal, se somos todos minoria, a burguesia, é, apenas, uma minoria a mais...

Marx insistia que a principal característica da economia vulgar era a sistematização daquilo que é imediatamente visível na esfera das relações de mercado (preferências individuais, preços, trocas, consumo). E deixava claro que este procedimento não é neutro: todas as correntes que pensam a sociedade a partir da troca e do consumo adotam, cedo ou tarde, uma visão de harmonia de interesses e equivalência de direitos. Permita-me uma longa citação de O Capital. "Essa esfera (da circulação), em cujo âmbito realizam-se as operações de compra e venda, é o próprio Éden dos direitos inalienáveis do homem. Ali, e somente ali, reinam a liberdade, a igualdade, a propriedade, o utilitarismo. Tanto o comprador como o vendedor de uma mercadoria - digamos, a força de trabalho - são limitados apenas pela sua livre vontade (...) Exatamente porque assim acontece, todos, seguindo a harmonia preestabelecida das coisas, ou sob os auspícios de uma providência muito atilada, trabalham juntos para o bem comum e o interesse geral. Ao deixar essa atmosfera da simples circulação, ou intercâmbio de bens, que fornece ao livre-cambista vulgar seus pontos de vista, cremos perceber uma alteração na fisionomia de nossa dramatis personae. Aquele que era antes o dono do dinheiro, agora caminha na frente como capitalista. O dono da força de trabalho acompanha-o como trabalhador. O primeiro, com o andar erecto, ar importante, pensa nos negócios. O outro mostra-se tímido e retraído, com quem traz o próprio pêlo ao mercado e nada tem a esperar, exceto ser tosquiado."

A liberdade burguesa, com efeito, se aplica exclusivamente ao processo de circulação, no qual indivíduos participam como compradores e vendedores de mercadorias, sendo a força de trabalho uma delas.NO processo de trabalho a coisa muda de figura. A análise de Marx se distingue radicalmente de todas as escolas burguesas em dois aspectos: a busca do ponto de vista da totalidade do sistema (que não é uma simples sistematização de preferências individuais) e a ênfase no processo de trabalho e produção (parte sombria para o que ele chamava "economia vulgar").

Como os Verdes perderam de vista a dimensão da exploração do trabalho, perderam também a das lutas sociais contra essa exploração. Na melhor das hipóteses, a incorporam marginalmente ao seu discurso, quando se pretendem de esquerda. Tornaram-se, por isso, incapazes de dar seu testemunho sobre um processo que lhes deveria ser muito caro: a notável melhoria, neste século, das condições ambientais existentes no mundo do trabalho (onde, afinal, os homens comuns passam a maior parte de suas vidas). Essa memória - que fala de jornadas de dezesseis horas, exalações venenosas dentro das minas, barulho infernal nas plantas industriais, máquinas não adaptadas à anatomia humana e coisas afins - lhes é estranha.

Por não captarem esses aspectos essenciais da vida em sociedade, os Verdes insistem na idéia de que existe um permanente movimento em direção à degradação ambiental, conceito que desempenha o papel de fio condutor da história, tal como é contada por eles. Por definição, tudo que se degrada era, no passado, melhor, ou seja, menos decaído. Mas, como seria a vida do povo em Roma e Cartago, cada uma com mais de um milhão de habitantes no primeiro século de nossa era?  Como os cidadãos da Idade Média viviam, entre uma e outra peste? Como era a "situação da classe trabalhadora na Inglaterra" nos tempos de Engels? E, no Rio, que não tinha limpeza pública em 1870? Não preciso entrar em detalhes. Basta reproduzir uma passagem do Jornal de Debates Políticos e Literários de 28 de junho de 1837: "O lixo é simplesmente atirado nos quintais das casas e nas ruas, que, por baixas, mal calçadas e sem declive, estão sempre cobertas por lodo formado por águas gordurosas e substâncias que ali apodrecem, ali se cobrem de uma camada esverdeada, ali exalam partículas deletérias (...) As matérias fecais são acumuladas nas residências em grandes tonéis de madeira, onde são esvaziados os urinóis." Despejados por escravos ao entardecer, esses barris, ou "tigres", como a população os chamava, freqüentemente estouravam nas ruas, "sendo nelas abandonados, infestando as vias públicas".

Passemos, de novo, a palavra aos nossos Verdes amigos, que não primam pela modéstia:"os movimentos ecológicos e pacifistas constituem um ponto de inflexão na história social e da ação coletiva: trata-se de movimentos portadores de valores e interesses universais, que ultrapassam as fronteiras de classe, sexo, raça e nação" (p.69). Esta afirmação é sustentada de forma verdadeiramente incrível: "O movimento ecológico atravessa definitivamente as fronteiras de classe (participam profissionais de alta qualificação, estudantes, camponeses, colarinhos brancos, funcionários públicos, pequenos empresários, executivos, operários); raça (geralmente há participação de minorias étnicas); sexo (participam homens e mulheres) e idade (desde jovens estudantes e crianças do primário até aposentados)."

Pretender falar em nome de todos e expressar uma verdade universal é, como lembrou Marilena Chauí num livro para principiantes, uma característica central dos discursos ideológicos: "A ideologia se constitui como um discurso que suprime a diferença em nome da unidade, que fala de harmonia onde há contradição, que se apresenta como portadora de solução para todos." (O que é ideologia?). A pretensa universalidade do discurso ecológico é um artifício ideológico dos mais vulgares. Em relação às classes sociais, já vimos como ele silencia sobre a exploração do trabalho; em relação ao Terceiro Mundo, ele, de fato, acena com a miragem de um ecodesenvolvimento futuro e pede que, desde já, façamos menos filhos; em relação às sociedades, ele esquece que a influência do ambiente sobre a vida individual de cada um é fortemente mediada pela organização social.

Voltemos à recorrente polêmica dos Verdes contra Marx: "A crise ecológica questiona no seu cerne o marxismo: a teoria do valor-trabalho supõe a infinitude dos recursos naturais e a natureza como objeto passivo, desprovido de valor." Evidentemente, eles nunca se deram ao trabalho de tentar saber o que é a lei de valor (sinteticamente, uma tentativa de pensar como  uma coleção heterogênea de valores de uso é transformada, pela sociedade, numa série homogênea de valores de troca). O que eles gostariam de criticar é a ênfase de Marx no estudo do desenvolvimento das forças produtivas e das relações sociais, sintoma de seu "culto ao progresso". Poderíamos dizer que Marx estava em boa companhia: na apaixonante luta ideológica e cultural do século XIX, os melhores homens falavam em progresso. Usavam esse conceito para enfrentar os espíritos abatidos pela superação do Ancien Régime, como o papa Pio IX, que chegou a fazer uma encíclica para afirmar que "o Pontífice Romano não pode nem deve reconciliar-se e transigir com o progresso e a civilização moderna" (Quanta cura).

Não seguiremos esse caminho de argumentação, pois também aqui os ecologistas erram, por açodamento. É difícil imaginar que Marx, que dedicou anos de sua vida ao estudo da dialética hegeliana, pudesse aderir a uma concepção ingênua de progresso: "A vida social, cuja base é formada pela produção material e pelas relações que ela implica, não se separará do véu místico que lhe encobre o aspecto, senão no dia em que se manifestar como produto de homens livremente associados, agindo conscientemente segundo seu próprio plano. Mas isso exige um fundamento matéria da sociedade, um conjunto de condições materiais de existência, que são produto de um longo e doloroso desenvolvimento". Longo e doloroso - por certo, contraditório - desenvolvimento, eis o que Marx dizia no Capital. A idéia de um progresso linear não está presente em seu pensamento.

Marx só se dedicou a escrever a crítica da economia política depois de considerar completada a crítica da teologia, sintetizada, segundo ele, na idéia de que "a raiz do homem é o próprio homem". Os ecologistas produzem uma marcha à ré, remetendo o homem, de volta, a uma entidade que lhe é exterior: "a economia deveria ser considerada apenas um capítulo da ecologia. Pois a economia (...) se refere somente à ação material e à demanda de uma espécie - o homem - enquanto a ecologia examina a ação de todas as espécies" (O que é ecologia?). Qual das duas posições é "moderna"?

Vamos, de novo, por partes, evitando jargões. Os animais só podem progredir no lentíssimo ritmo ditado por modificações biológicas correspondentes. O patrimônio genético das espécies, transmitido hereditariamente, força a repetição de comportamentos determinados, que modificam o ambiente de forma repetitiva e limitada. Cada animal possui, dentro de si, toda a experiência de sua espécie, codificada na forma de procedimentos hereditários. No homem, a experiência da espécie não está mais estocada, fundamentalmente, dentro de cada indivíduo, nem está presa à memória genética (invariante). O extraordinário desenvolvimento do cérebro (matriz de uma memória de novo tipo, altamente adaptativa e variável) tornou possível que nossa espécie passasse a estocar sua experiência fora do corpo de cada indivíduo, na forma de um patrimônio social de objetos e relações, que permite um desenvolvimento histórico também de novo tipo. Como Marx percebeu corretamente, o nosso processo de aprendizado e desenvolvimento é essencialmente cultural. Ao produzirem seus meios de subsistência e todo o patrimônio social que envolve suas práticas - instrumentos de trabalho, relações de produção, línguas, instituições etc. - os homens fabricam coisas, pensam idéias, criam símbolos e estabelecem relações que sobrevivem ao ato produtor e aos produtores em si mesmos, criando matrizes externas de comportamento, que se tornam passíveis de acumulação rápida e - desculpem - ilimitada.

Não se pode reduzir a história da humanidade à história natural dos demais seres vivos. Felizmente. Por isso, aliás, o homem tem uma grande chance de escapar ao destino até aqui imposto pela natureza às espécies animais: a extinção. Ao contrário do que pensam os ecologistas, 99% das espécies que algum dia povoaram o nosso planeta se extinguiram, por motivos naturais. Os mais recentes estudos sobre evolução e genética de populações apresentam boas razões para se pensar que a existência de um ciclo de auge, declínio e desaparecimento é uma tendência geral. É pela cultura, no sentido amplo do termo, que poderemos criar um novo futuro. A história não fez outra coisa nos últimos milênios senão amortizar os impactos do ambiente sobre o homem, que por ser um animal gerador de cultura se adaptou a praticamente todos os ambientes terrestres, alguns dos quais quase incompatíveis com a vida.

Muitas tentativas foram feitas para estabelecer a "verdadeira" raiz do homem fora dele mesmo. O que se vê é que, ao longo dos séculos, as correntes que alienaram a condução da história humana a outros atores (Deus, natureza) é que sempre resistiram a despojar realmente o homem de sua aura e de seu pedestal. Paradoxalmente, o pensamento moderno evolui, ao mesmo tempo, resgatando e humilhando o homem. Copérnico e Galileu nos destronaram  do centro do universo. Darwin nos degradou à condição animal em nosso próprio planeta. Marx mostrou os limites da falsa consciência e descreveu engrenagens históricas "que oprimem como um pesadelo o cérebro dos vivos". Freud implodiu a ilusão do eu. Desmancharam-se, no ar, as sólidas formas milenares de pensamento, entretanto renitentes.

A intenção e o gesto

Chegamos, finalmente, à crítica central aos nossos Verdes amigos. Eles não entenderam a modernidade. Com uma das mãos, acompanham o coro dos que denunciam - com razão - que o marxismo errou ao atribuir ao proletariado uma universalidade que ele não pode ter. Mas, com a outra mão, nos oferecem um outro universal. Como se tivesse havido, apenas, um erro de pessoa, ou seja, de sujeito. Mude-se a palavra-de-ordem, alterem-se os portadores de futuro, transforme-se a utopia - eis, refeita, a fórmula da felicidade e do bom caminho. Mas, depois do turbilhão causado pelo marxismo, o feminismo, a psicanálise, a física e a biologia contemporâneas, a arte moderna, as investigações em antropologia e o próprio desenvolvimento político e cultural do pós-guerra, não se pode mais, impunemente, reivindicar universalidade para uma classe, um movimento, uma proposta, uma teoria ou uma luta. Estamos condenados a viver - se possível, sendo felizes - sem a muleta da verdade, reconhecendo à nossa volta um mundo múltiplo, complexo demais para ser capturado e imobilizado por um discurso qualquer.

Continuemos. Com uma das mãos os Verdes criticam - com razão - como mistificador o conceito abstrato de progresso (falsamente atribuído a Marx). Com a outra, põem à mesa o conceito abstrato de degradação. Reaparecem, laicizadas, a velha escatologia, a angustiante espera de um fim catastrófico, o desejo de regresso a um paraíso natural perdido, a redenção da culpa dos homens. Apelam ao futuro para apresentar novos arranjos de melodias do passado.

Com uma das mãos eles pregam uma forma fluída de organização, olhando com desconfiança e desdém para as dificuldades orgânicas vividas por agremiações como a nossa. Com a outra mão, constroem um partido que - desorganizado, sem quadros, sem vida - se submete ao personalismo, que é a forma mais degradada e desleal de centralismo, entre todas as que existem.

De tanga, na praia de Ipanema, inventaram a política do comportamento tanto quanto eu inventei a roda. Ou Paulo Maluf, quando se deixa fotografar de terno e gravata com a família, em frente à igreja de Aparecida do Norte, está fazendo outra coisa além de política do comportamento? Jânio Quadros construiu como sua fulminante carreira? Collor de Mello, andando de jet ski, faz o quê? ESta é a política velha das classes dominantes, porque mistifica, apela ao individual e permite que a vida pública se reduza a um teatro. "Se Deus não existe", disse Dostoiévski, "tudo é possível". Poderíamos completar: se a política é um teatro, tudo nela é possível e nada é verdadeiro. E ela deixa de ser um útil instrumento a favor dos homens comuns, que não têm acesso a palcos e coxias.

Até o que havia de novo na geração de 68 se perdeu nesses apóstolos da modernidade: a coerência entre o discurso e a vida, a intenção e o gesto. O discurso alternativo dos Verdes não tem feito outra coisa senão sustentar carreiras políticas perfeitamente tradicionais. O novo, em política, no Brasil, é existir partido, bases organizadas, trabalhadores participando. Mas, para reconhecer isso, é preciso humildade. E realmente aceitar conviver com a diferença. Também não é o forte dos Verdes. Com uma das mãos, criticam o sectarismo da esquerda. Com a outra, consideram "preconceituosos" os que não concordam com eles. Não há divergência legítima, pois as pessoas se dividem entre os que já são ecologistas, os que ainda não o são e os caretas. Esse discurso é incorporado inclusive por militantes do PT. Em seu artigo, Buaiz repisa o tema da "esquerda preconceituosa", quando é evidente que se passa o contrário: ávida por mostrar-se "moderna", a esquerda tem sido completamente passiva diante do discurso ecológico, que recebe reverências de todos os lados.

Entendam bem: não quero discutir aqui se a poluição existe ou não, nem se é uma coisa ruim. Isso é óbvio. E diz respeito a nós: o que se faz hoje na Amazônia - reduzir a região de maior diversidade biológica do mundo ao nível mais elementar de combustível e cinzas - é crime inominável. Mas a existência da poluição e de formas perfeitamente imbecis de tratar a natureza não legitima a mitologia (muito menos a escatologia) ecológica, assim como a palpável existência do mundo não legitima os mitos que descrevem a Criação, e a existência terrível da morte não torna verdadeiros os mitos que contam a Queda do Homem. Todos os mitos se referem a realidades. As ideologias, também. Todas articulam idéias de forma coerente (precisando, para tal, manter "regiões de silêncio"). Todas mostram fatos e fabricam histórias que as legitimam. Voltando a Chauí: "Para que o discurso ideológico se possa legitimar é necessário que se apóie em certas 'evidências' da realidade objetiva, que servem para as ideologias dominantes fazerem suas generalizações. Nesse sentido, a ideologia não se constitui de mentiras, nem é uma falsificação." Ou, como dizia o velho e bom Gaston Bachelard, a ignorância não é um não-saber, ou uma espécie de "vazio"; ela é um "tecido positivo de erros, solidários entre si". A força do discurso ecológico, como de outros, advém de ter conseguido articular de forma coerente algumas evidências empíricas - como vimos, frágeis - e um "tecido de erros" conceituais que se sustentam mutuamente, como peças dispostas num tabuleiro de xadrez no decorrer de uma partida.

Tudo bem

Além de falar de um problema real e ter alcançado coerência interna, o discurso ecológico tem potencial para atrair pessoas generosas e se presta a divulgação muito fácil. Não é só: ele mexe com arquétipos profundos, pois a natureza é mãe e fonte de vida, e a idéia de fim do mundo sempre mobilizou os homens.

Mas não se pode entender a notável expansão do ecologismo fora da reciclagem em curso do capitalismo mundial. As formas de aplicação do capital que garantiram o rápido crescimento do pós-guerra perdem a olhos vistos a capacidade de sustentar o novo impulso. A série de inovações nas áreas de bens duráveis não tem a mesma velocidade de outrora, os empréstimos aos países de Terceiro Mundo já se tornaram mau negócio, a construção de usinas atômicas está quase paralisada, o próprio estímulo ao aumento do consumo individual enfrenta sérios problemas de deseconomias de escala nos países desenvolvidos. As corridas espacial e armamentista também perdem fôlego. Por isso erra Maurício Waldman quando, em Teoria & Debate nº 9, insiste em outro mito dos ecologistas de esquerda: "falta vontade política a vastos setores das classes dominantes para incorporar a bandeira ecológica."

Grupos atrasados à parte, é o contrário o que se dá. Na Europa e nos Estados Unidos a proteção ambiental está se transformando a principal área de investimentos para um sistema ávido por alternativas de reciclagem e esperto demais para perder oportunidades que combinem negócios e ideologia vendáveis no mundo inteiro. Movimentando 180 bilhões de dólares anuais (cerca de metade do PIB brasileiro) já ultrapassou a indústria eletroeletrônica e se afirma como a mais importante frente de expansão setorial para o capitalismo na década de 1990. Raciocinando por baixo, se 1% daquele montante for destinado, por ano, a produzir informações sobre o assunto (reportagens, simpósios, documentários, estudos etc), há recursos suficientes para convencer até o mais faminto cidadão do Terceiro Mundo de que o efeito estufa é o pior dos males. Informação, como se sabe, é um bom investimento. Cria demanda. Atrás dela vêm business.

Menos mal,dirão: antes filtros do que armamentos. Perfeito. Mas a luta ecológica não conseguirá impedir que se renovem, nessa nova fase expansiva do capitalismo, os velhos traços que sempre determinaram a nossa exclusão: o aumento da dependência, o controle da tecnologia de ponta e da capacidade de inovação, a homogeneização artificial de padrões de produção e consumo, a internacionalização da economia sob o controle de empresas oligopolistas e assim por diante. Dentro do novo, renova-se o velho, que é a concentração de riqueza e poder, em detrimento da maioria dos homens, mesmo num mundo um pouco mais limpo.

O uso conservador da ecologia política não tem nada de circunstancial. É menos radical do que parece a proposta de que se modifiquem padrões de consumo, se abram novas áreas de investimento e se mantenham inalteradas as relações de produção. Para além da retórica e do sonho, que fazem os Verdes amigos, senão fortalecer tudo isso?

Distante dos trabalhadores, ausentes do mundo da produção, impacientes demais para apostar na organização do povo, incapazes de apresentar um projeto nacional consistente, resta aos nossos amigos do PV pouca coisa, além de atrelar seu partido à carreira de alguns líderes de ego inflado, que manipulam, até a caricatura, um suculento filão eleitoral: falar aos jovens, em linguagem moderna e intelectualizada, sobre o paraíso que a humanidade perdeu e o inferno que nos espera, se não redimirmos nossos pecados. Além disso, o que podem fazer os integrantes do PV é acordar do sonho da sua "economia comunitária" e intensificar os apelos, de resto, cada vez mais freqüentes, para que os detentores do poder tenham maior racionalidade tecnocrática na condução dos seus negócios.

Tudo bem. Mas ecologia - me parece -é coisa séria demais, importante demais, para ficar em tão Verdes mãos.

César Benjamin editou os fascículos de economia, questão agrária e questão urbana do Programa de Governo de Lula.