Sociedade

O artigo de César Benjamin, publicado no número anterior de T&D, é pretensioso, reducionista e parcial. As causas da paz, da solidariedade planetária e do combate ao desperdício devem ser incorporadas pelos que não querem ser governados por latifundiários e banqueiros.

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O artigo de César Benjamin publicado em Teoria & Debate nº 12, "Nossos verdes amigos", constitui sem dúvida o ataque mais pretensioso à esquerda ecológica no Brasil. Trata-se da reafirmação das análises materialistas do século passado sobre população, recursos, caráter progressista do desenvolvimento das forças produtivas e uma minimização dos riscos ambientais e do potencial político das lutas ecológicas.

Benjamin cita os conhecidos relatos sobre em as condições de vida dos trabalhadores ingleses e dos habitantes da cidade do Rio de Janeiro no início do século passado e constata as inegáveis melhorias que a Revolução Industrial trouxe, deduzindo que nem piorou... Trata-se do lado progressista do capitalismo. O efeito estufa, o buraco na camada de ozônio, a ameaça de guerra nuclear passam ao largo, como ficções. Afirma a dificuldade da rápida ou generalizada adoção de tecnologias alternativas, como a energia eólica e a solar, e praticamente retoma a antiga linha da suposta neutralidade das tecnologias. Refuta, com base em depoimentos de um cientista, a relação entre a poluição de Cubatão e a incidência de anencefalia nesta cidade, argüindo o exagero dos ambientalistas, como se esta fosse a única ou a principal agressão à vida e à saúde da classe trabalhadora de Cubatão... Esta que já foi a cidade mais poluída do mundo, onde parte da Serra do Mar desabou, onde os esgotos contaminaram a represa Billings, onde os cientistas constataram os maiores índices de doenças do aparelho respiratório, só foi parcialmente despoluída graças à ação conjunta de ecologistas e sindicatos. Citando outro relatório, Benjamin contesta a falta de segurança da usina nuclear de Angra I no que diz respeito (exclusivamente) a sua situação geológica de resistência aos sismos, como se esta fosse a principal crítica dos ecologistas ao programa nuclear brasileiro, caro, perigoso, desnecessário, secreto, com conexões militaristas, sem consulta à comunidade científica nacional.

Benjamin cita dois comentários de Vitor Buaiz, ecologista do PT e prefeito de Vitória, acerca da contaminação por agrotóxicos e da poluição do ar, e contesta sua veracidade, questionando: "Pode ser que os resultados indiquem apenas o maior refinamento das técnicas de pesquisa, sem que haja fiscos à população." Ora, este é precisamente o argumento dos latifundiários e capitalistas agrários, contestado pela CUT, Contag e Diesat, que oferecem estatísticas concretas de milhares de trabalhadores contaminados por agrotóxicos. Vitória é uma das capitais com maior índice de poluição do ar. Nós nos orgulhamos de ter apoiado Vitor Buaiz, através da assessoria de Luiz Antônio Prado, no enfrentamento corajoso da poluição da Companhia Siderúrgica Tubarão e outras empresas poluidoras que fazem com que a população respire concentrações inaceitáveis de particulado, dióxido de enxofre e metais. Foram também os ecologistas do PT que em 1989 trouxeram ao Rio dois secretários de governo de Luiza Erundina para apresentar os programas de coleta seletiva do lixo em favelas e do gás natural nos táxis e nos ônibus. Estes programas começam a ser implantados em São Paulo e representarão melhorias objetivas na saúde e na qualidade de vida das populações urbanas.

César Benjamin ironiza um comentário de Liszt Vieira e de Gabeira acerca da relação dos índios com o meio ambiente e qualifica de enorme bobagem a possibilidade dos índios caiapós terem tido algum dia aglomerações de 70 mil habitantes. Ora, na realidade esta hipótese é levantada pelo cientista Darrell A. Posey no artigo "Os caiapós e a natureza", publicado no nº12 da revista Ciência Hoje, de junho de 1984. Parece que Benjamin só leu os números da Ciência Hoje a partir do ano em que começou a trabalhar nesta revista da SBPC, e que, mesmo não sendo cientista, considera sérios apenas os pesquisadores que concordam com suas centenárias convicções. Curiosamente, a matéria de capa do nº 12 de Ciência Hoje intitula-se "Lixo atômico - o que fazer?", em que o cientista Joaquim Francisco de Carvalho conclui que a questão ainda não foi resolvida e que não há soluções definitivas e seguras. Benjamin descobriu um livro publicado há cinco anos - Ecologia política no Brasil - do qual pinçou várias frases, fora dos contextos, para desqualificar as preocupações dos ecologistas, suas premissas, suas teses e suas propostas. Benjamin busca no comportamento pessoal de algumas dessas lideranças, ou de uma delas (Gabeira) elementos para reduzir o conjunto das correntes ecolibertárias ou eco-socialistas ao narcísico projeto de promoção pessoal. César se veste de psicólogo e não esconde seus ressentimentos para ridicularizar as preocupações políticas de uma parcela considerável da juventude do planeta.

Evidente que cada uma destas questões deve ser respondida por aqueles que colocam a defesa da vida, da natureza e das liberdades indissoluvelmente ligada às lutas pela libertação dos trabalhadores e pela transformação do conjunto das relações econômicas, sociais, éticas e culturais.

Cabe, no entanto, uma indagação prévia: qual o objetivo político do artigo? Benjamin não dirige sua alça de mira ortodoxa contra os grandes poluidores, desmatadores, mercadores de agrotóxicos, armamentos ou tubarões da especulação imobiliária. Sua ira de classe se abate justamente sobre aqueles que de forma melhor ou pior fundamentada se opõem aos desígnios destes diversos tipos de capitalistas predatórios, que se apropriam do meio ambiente e intoxicam solos, mananciais e os pulmões da classe trabalhadora.

No interior dos movimentos ambientalistas existem amplos setores conservadores, que pretendem manter a pureza da ecologia afastada dos partidos de esquerda e dos sindicatos. Temos nossa ecodireita, os verdes clorofílicos, os ecólogos oficialistas. Não é contra estes que se dirige a eloqüência de César, mas justamente contra os que tentam acrescentar a dimensão ecológica à luta dos sindicatos e movimentos sociais, algumas vezes circunscrita ao economicismo e ao corporativismo.

O novo não é a ecologia ou os propalados exageros quanto às agressões à fauna, à flora, aos mares e aos ares. Isto tudo tem mais de 150 anos. O novo é Chico Mendes e Marcos Terena, que curiosamente foram completamente omitidos do artigo, mesmo quando este se refere às principais lideranças ecológicas do país. Estas autênticas lideranças dos seringueiros e das nações indígenas são quadros do PT que ampliaram as propostas do partido quanto ao ecodesenvolvimento da Amazônia e à necessidade de estabelecermos uma democracia pluriétnica no Brasil.

O novo não é que ecologistas, feministas, pacifistas e libertários desenvolvam críticas ao socialismo autoritário, centralizador, militarista, machista, e busquem sua matriz não apenas no stalinismo, mas também no economicismo e no racionalismo presentes no pensamento de Marx e Lenin. Toda esta discussão ganhou notoriedade na década de 60, quando César Benjamin começava a militar conosco no movimento secundarista e lia Marcuse, Guevara e Alexandra Kollontai, nos intervalos da História da riqueza do Homem, de Leo Huberman, e dos escritos de Marx, inclusive as críticas a Malthus que, como se viu, Benjamin não esqueceu, passados 22 anos. Foi na década de 70, quando os movimentos pela paz, pelos direitos das mulheres e pela defesa do meio ambiente ganharam força política real, e balançaram os paradigmas do crescimento centralizador e predatório, cercado por bases de mísseis nucleares e de populações desprovidas de poder e cercadas de resíduos químicos, que uma série de pensadores socialistas, como André Gorz, Rudolf Bahro, Dupuy começaram a integrar de forma sistemática estas dimensões no cerne da formulação da transformação socialista.

O novo é que nós vivemos no momento de maior perplexidade de toda a história do socialismo, pois não ruíram apenas os muros e as polícias secretas, símbolos do socialismo autoritário, que o PT critica vigorosamente desde seu nascimento como partido político. Os princípios gerais da superioridade do plano sobre o mercado, do coletivo sobre o individual e do inevitável desenvolvimento econômico e cultural libertos do fantasma das crises cíclicas do capitalismo desabaram, colocando para os socialistas democráticos questões muito maiores do que nossa capacidade atual de resposta. Curiosamente, César ignora estas questões e brande com vigor contra a esquerda ecológica os postulados do materialismo histórico e o caráter revolucionário do inexorável desenvolvimento das forças produtivas, como se nada disto estivesse sendo seriamente questionado e não merecesse, no mínimo, uma profunda reflexão.

Do recurso ao racionalismo

Toda a crítica sistematizada por Benjamin aos postulados da esquerda ecológica brasileira sobre população e recursos parte de um pressuposto totalmente falso: o de que estes estão fundamentados, respectivamente, nas teses de Malthus e no Relatório Meadows, de 1972, conhecido como Os limites do crescimento.

A melhor e a mais ampla crítica ao Relatório Meadows foi feita há seis anos, em janeiro de 1985, na defesa da tese de doutoramento de Carlos Walter Porto Gonçalves: Os limites do 'Limites do crescimento': uma contribuição à reflexão sobre natureza e história, apresentada no Instituto de Geociências da UFRJ, onde lecionávamos. Carlos Walter pertence à coordenação nacional dos ecologistas do PT, junto a Osmarino Amâncio (do Conselho Nacional dos Seringueiros), Geovani Gregol e Gert Schincke (vereadores do PT em Porto Alegre), João Alfredo (deputado do PT no Ceará), Maurício Waldman e dezenas de outros companheiros, à qual fui recentemente incorporado. Carlos Walter foi também fundador do núcleo de ecologia do PT-RJ, juntamente comigo, Liszt Vieira, João Batista Petersen e outros trinta companheiros.

A ecologia política não trabalha de forma alguma com o conceito de que os recursos naturais são estáticos, finitos e limitados. O próprio conceito de recurso é histórico e depende das tecnologias disponíveis, do seu acesso pelas classes sociais e do seu emprego nas formações sociais concretas. O que não aceitamos é a posição do racionalismo econômico, que reduz a natureza a uma coleção de matérias-primas e a população à categoria de força de trabalho. Este reducionismo sempre foi utilizado pela burguesia para justificar a especulação imobiliária, o armamentismo e a espoliação dos povos do Terceiro Mundo, o ecocídio e o etnocídio. O socialismo autoritário sempre utilizou a lógica economicista para defender a militarização do trabalho, a "batalha da produção" e o adiamento infinito de todas as utopias igualitárias e libertadores dos revolucionários.

É igualmente falsa a afirmação, decorrente da anterior, que a ecologia política aponta para objetivos próximos ao crescimento zero. Na década de 80, a economia brasileira apresentou em alguns anos crescimento negativo, ou seja, diminuição absoluta da produção material de bens e serviços, e, no entanto, a Amazônia e a Mata Atlântica, os solos e os rios, os tímpanos e o sistema nervoso dos trabalhadores, as encostas e o litoral não deixaram de ser agredidos pelo desenvolvimento capitalista e predatório das forças produtivas e improdutivas no nosso país. A questão não é a taxa, mas a qualidade do crescimento e sua repercussão sobre o nível de vida da população. Os resultados do crescimento econômico não podem ser avaliados simplesmente por uma fria porcentagem, que mede se a economia cresceu 3% ou 8%. Os sistemas de contabilidade das economias ocidentais e as do ex-socialismo real não consideram indicadores de qualidade de vida, como grau de satisfação e tempo livre, e passam ao largo da contabilização das perdas ambientais. Se você ajuda a educação do seu filho ou melhora sua saúde com ginástica e alimentação equilibrada, isto significa um redondo zero para a contabilidade nacional; mas se compra objetos supérfluos, gasta mais gasolina em engarrafamentos e compra quilos de calmantes e antibióticos, o PNB cresce e agradece.

A contabilidade capitalista apura, para efeito de amortização, apenas o desgaste de máquinas, prédios e equipamentos. A destruição das florestas, o empobrecimento dos solos, a exterminação dos cardumes dos rios e do litoral não aparecem jamais nestas contas. A natureza é considerada uma somatória de bens infinitos e gratuitos. Por isto os capitalistas resistem tanto a investir em equipamentos de controle da poluição - eles os consideram um custo suplementar, supérfluo, que afetará a sua taxa de lucro. Sua lógica é a de internalizar os lucros e externalizar os custos sócio-ambientais. As lutas ecológicas, sob este prisma, afetam a taxa de lucro sim e significam melhoria da qualidade de vida, salário indireto representado por menos gastos em saúde, peixe mais abundante ou mais área pública para o lazer. Esta dimensão estratégica da luta ecológica escapa naturalmente àqueles que se preocupam com o trabalhador exclusivamente durante as oito horas que ele está dentro da fábrica, na qualidade de produtor de sobretrabalho para outrem, ou seja, para os que o reduzem à categoria de força de trabalho.

As economias do socialismo autoritário trabalhavam com a contabilidade do Sistema de Produção Material (SPM), supostamente fundada no princípio do valor-trabalho, em que também estava ausente a depreciação ambientar, já que as riquezas naturais não eram o produto do trabalho humano. Escrevemos há seis anos (Como fazer movimento ecológico, Ed. Vozes, 1985) por que a devastação ambiental era enorme nesses países. A apropriação pelos trabalhadores dos meios de produção limitava-se ao seu caráter jurídico e não implicava poder efetivo de decisão e gestão coletiva: o que produzir, como produzir, para quem produzir. Não havia qualquer democratização real da informação e poder efetivo de pressão da população sobre a gestão do seu patrimônio ambiental. O poder "divino" das metas dos planos qüinqüenais e o discurso oficial economicista, baseado na redenção pelo desenvolvimento das forças produtivas, desqualificavam qualquer demanda ambiental de sindicalistas e ambientalistas que ameaçassem uma vírgula das metas centralmente planificadas. Sem imprensa independente ou opinião pública, o economicismo materialista, que Benjamin redescobre, conseguiu arrasar completamente o ambiente e a saúde dos trabalhadores nestes países.

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Poluição planificada

Em setembro de 1990, escrevemos um artigo na Folha S. Paulo, "O ambiente destruído do socialismo autoritário", relatando este quadro dramático e oculto por tanto tempo, fundamentado em uma pesquisa sobre três países: Polônia, Tchecoslováquia e a ex-Alemanha Oriental. A RDA foi a maior poluidora do ar da Europa, jogando na atmosfera 5 milhões de toneladas de dióxido de enxofre (SO2) por ano, seguida da Tchecoslováquia, com 3 milhões de toneladas. As minas do Kombinat e as indústrias químicas do Kombinat CKB, na ex-RDA, envenenaram as águas do Elba, tornando-o o rio mais poluído da Europa. Em Zabrze e Nova Huta, na Polônia, a população sofre de insuficiência cardíaca por falta de oxigênio, em uma proporção duas vezes superior à média do resto do país, devido à poluição do carvão e das siderurgias. Na Cracóvia, as emissões de cádmio, zinco e chumbo elevaram as taxas de mortalidade infantil em inadmissíveis 5% e as deformações congênitas a 178 em cada 10 mil crianças. Estes são alguns dos trágicos resultados para a classe trabalhadora sob a ditadura do racionalismo econômico, que suprimiu as liberdades em nome do primado do desenvolvimento das forças produtivas...

Cidadania Ecológica

"As 5 mil moto-serras distribuídas são instrumentos de trabalho", "sem o mercúrio não há garimpo, nem ouro", "se Angra I parar algum tempo haverá racionamento de energia", "sem metanol haverá racionamento de álcool", "se a CSN instalar todos os sistemas de tratamento exigidos irá à falência", "sem o carvão vegetal das matas nativas, as usinas de ferro-gusa do Programa Carajás terão de fechar", "os índios são aculturados e ocupam um território muito maior do que necessitam", "proibir a pesca da baleia implica fechar empresas do Nordeste", "o tombamento de inúmeras áreas urbanas, supostamente para a defesa do patrimônio arquitetônico e paisagístico, irá inviabilizar a construção civil", "o submarino nuclear tem fins pacíficos e é indispensável ao nosso desenvolvimento tecnológico", "a eficiência da agricultura moderna depende dos defensivos agrícolas".

Estas frases foram muito repetidas nos últimos tempos. Todos se recordam de seus autores: o ex-governador Amazonino Mendes, o ex-presidente da CNEN, Rex Nazaré; o ex-presidente da CSN, Juvenal Osário; o ex-ministro Roberto Cardoso Alves; o governador de Roraima, Romero Jucá; o ex-ministro do Interior, João Alves; o ex-ministro da Agricultura e funcionário da Bayer, Nestor Jost.

A preocupação com a defesa da vida, da natureza e da solidariedade com as gerações futuras é desqualificada como um obstáculo ao crescimento e ao progresso. Há meio século o sociólogo Marshall refletia acerca do percurso histórico do desenvolvimento dos campos de direitos de cidadania, sucessivamente conquistados e incorporados, apesar da resistência dos grupos dominantes e dos interesses econômicos.

A instituição da cidadania civil consagrou, no século XVIII as liberdades individuais, como a liberdade de expressão, de pensamento e de credo religioso. Apenas no século XIX, a cidadania política é ampliada com a extensão do direito de voto e da participação dos cidadãos no exercício do poder político.

A base da cidadania social e econômica é consagrada no século XX com o reconhecimento do direito à educação, à saúde, à terra, ao salário digno. Albert Hirschman nota o espaço de um século entre cada uma destas grandes dimensões de cidadania conquistadas e analisa como o pensamento reacionário fustiga os conceitos e as políticas que as incorporam, desqualificando sobretudo as medidas que se propõem a assegurar a cidadania social e econômica.

O século XXI deverá consagrar a cidadania ecológica e o que vemos hoje é a mesma resistência empedernida de interesses econômicos, tal como sucedeu nos séculos anteriores. A Áustria, a Itália e a Suécia, através de plebiscitos, decidiram não expandir seus programas nucleares e investir em energias alternativas, inclusive a eólica, a solar e a geotérmica. O acidente do césio 137 em Goiânia mostrou que a desinformação do povo e o despreparo das autoridades transformaram 100 gramas radioativas em um terrível pesadelo. Cientistas e físicos independentes realizaram uma perícia judicial, a nosso pedido, gratuitamente, como cidadãos responsáveis, sobre as condições de segurança de Angra I, e constataram que não havia plano de evacuação, nem local de destino para o lixo atômico, e os sucessivos juízes federais que acolheram a indicação destes laudos e fecharam judicialmente a usina por 82 dias não podem ser responsabilizados por qualquer pane no sistema energético.

Perguntamos: quem é responsável pelo desperdício de 30% da energia gerada no país? Quem é responsável pelo atraso na pesquisa e adoção de tecnologias poupadoras de energia e de energias alternativas? Quem será responsável pela transformação de Angra em uma ratoeira nuclear, caso ocorra um acidente na usina concomitante a uma queda de barreiras na estrada Rio-Santos?

Quando as sociedades incorporarem de fato a cidadania ecológica, os direitos dos índios, dos pescadores, dos seringueiros, o direito ao ar puro, ao ambiente de trabalho despoluído; eles serão tão cristalinos como hoje o são o direito à informação e ao voto universal. Os que hoje se negam a instalar estações de tratamento ou a submeteremos relatórios de impacto ambiental às audiências públicas cumprem o mesmo papel daqueles que resistiram à extensão do voto às mulheres ou à adoção da tomada de trabalho de oito horas: os monumentos do atraso na história da constituição da cidadania.

O Partido dos Trabalhadores tem a obrigação histórica e política de estar na vanguarda destas lutas. Isto exige militância e formulação teórica. Não podemos ridicularizar os ativistas que enfrentam os grandes poluidores e fazer coro com a direita econômica produtivista. O PT tem de criar as condições para o aperfeiçoamento destes militantes e para a incorporação destas bandeiras nos nossos programas políticos.

Controle e Liberdade

Na década de 60, a China orientava-se pela política de superioridade demográfica e os delegados chineses na Conferência de Bucareste rejeitavam as recomendações de contenção da natalidade, afirmando que "o ser humano é o que há de mais precioso" e que "o futuro da humanidade pode ser infinitamente radiante". Uma década após esta demonstração de otimismo fundado no materialismo histórico, a China optou por uma das políticas demográficas mais coercitivas e autoritárias que se conhece, limitando as famílias a um único filho, estabelecendo penas terríveis à não-observância desta norma, em julgamentos públicos e infamantes, e promovendo campanhas de estímulo à delação dos casais desobedientes. Isto deu margem ao crescimento sem precedentes da prática de infanticídio feminino, quando o primeiro filho (o único legal) não era homem.

Vários regimes imperialistas praticaram políticas de crescimento populacional para municiarem seus exércitos e suas expansões territoriais. A Alemanha nazista decidiu multiplicar a raça ariana, pretensamente superior, e eliminar os não-arianos. Em outubro de 1939, Himmler criou, perto de Munique, o Instituto do Casamento Racial, no qual jovens alemãs selecionadas por suas qualidades físicas e reprodutoras "recebiam" os SS mais atléticos, antes da partida destes para a frente de batalha. Complementarmente, Mengele levou para Auschwitz suas "pesquisas", para encontrar um meio de elevar a natalidade entre esta "raça de elite".

Citamos estes exemplos extremos da China e da Alemanha nazista para discutir políticas de população de uma forma mais ampla. No geral, as políticas natalistas são incentivadas por razões nacionalistas, religiosas, ou em países com baixa densidade demográfica e vasto território. O incentivo ao casamento e às famílias numerosas é acompanhado pela proibição do aborto e da contracepção e, em muitos casos, foi complementado com o incentivo à emigração. No pólo oposto, as políticas demográficas de contenção do crescimento são decorrentes de crises alimentares e econômicas, baixa capacidade de investimentos e geração de empregos. Estas supõem proibição de imigrações e controle da natalidade por métodos que variam do planejamento familiar à esterilização em massa, feminina ou masculina (a índia executou a vasectomia compulsória em 18 milhões de homens entre 1970 e 1976, ou a liberação do aborto e da contracepção.

Hoje em dia, tanto os demógrafos e sociólogos, como as feministas e os ecologistas concordam que os principais delatores da fertilidade são justamente o aumento do nível de vida, da urbanização, da distribuição de renda e da ampla informação e acesso aos instrumentos de autoplanejamento familiar.

No Brasil, a esquerda ecológica e em particular os ecologistas do PT participaram de inúmeras manifestações, em conjunto com o movimento feminista, contra as práticas correntes de esterilização em massa, sobretudo através da ligadura de trompas, que já atingiram quase metade das mulheres brasileiras. Participamos de denúncias e manifestações contra o machismo inconstitucional do patronato, que exigia o atestado de ligadura de trompas para contratar, evitar o pagamento dos quatro meses de licença maternidade, assim como a prática coercitiva dos exames mensais da urina das operárias para a detecção de gravidez, que conseguimos proibir na nossa Constituição Estadual.

No nosso país não sobram pessoas; falta reforma agrária, informação, direitos e liberdade. Os ecologistas do PT, ao participarem de todas estas manifestações públicas, afirmam claramente que o eixo da sua motivação não é o conservadorismo de Malthus, que propôs abertamente a esterilização dos pobres. Ao contrário, o pensamento ecosocialista supõe precisamente a ampliação das esferas de autonomia e de liberdade de ter ou de deixar de ter filhos, de acordo com a decisão do casal, que deve contar com o máximo de informação e de apoio material da sociedade.

Despoluição da produção

Todo o artigo de César Benjamin é atravessado pela fé otimista na redenção pelo desenvolvimento das forças produtivas. As catástrofes ecológicas são ignoradas ou minimizadas, os ecologistas desqualificados e as tecnologias alternativas e não-agressivas são consideradas inviáveis na sua quase totalidade.

As tecnologias não são neutras. Elas são a expressão material do desenvolvimento da dominação de classe e são portadoras das relações sociais que as engendraram. No capitalismo, elas reforçam a divisão social e técnica do trabalho, a alienação do produtor do processo e do produto do trabalho e exercem o poder do capital acumulado e dos seus especialistas.

Estas tecnologias são direcionadas para a minimização dos custos de produção e para a maximização dos lucros. A busca de economias de escala reforçou a hiperconcentração de atividades e da produção oferecida em uma base espacial otimizada ao capital. As populações periféricas têm seus recursos extraídos, sua organização produtiva desmantelada e são forçadas a emigrar, deixando no rastro do êxodo autênticos desertos demográficos. As grandes metrópoles são a expressão espacial de profundas desigualdades sociais e desequilíbrios regionais: irrespiráveis e ingovernáveis.

Não existe transformação social profunda que não alcance as matrizes da pesquisa e produção de ciência e tecnologia, que não altere sua lógica e seus objetivos.

Os ecologistas do PT, em conjunto com dirigentes sindicais dos médicos, químicos, portuários, ferroviários, frentistas, taxistas, lançaram o programa de Ecologia do Trabalho e a proposta de Despoluição da Produção. A poluição não é democrática. Ela atinge todos com a fumaça negra, a chuva ácida e o efeito estufa. Mas quem é mais duramente atingida é a classe trabalhadora, que perde diariamente um pouco dos seus tímpanos, dos seus pulmões e do seu sistema nervoso. São também os trabalhadores e suas famílias que vivem em torno das empresas e recebem os efluentes tóxicos sem tratamento e os tonéis clandestinos de lixo químico, autênticas bombas antiéticas de efeito retardado sobre as gerações atuais e futuras. Exemplo disto foi a denúncia feita pelo núcleo de ecologia do PT sobre as 300 toneladas de BHC, o terrível pó-de-broca, abandonadas na Cidade dos Meninos, em Caxias, na Baixada Fluminense, é claro. Este agrotóxico, proibido no país, lá foi largado por dezoito anos e matou e intoxicou centenas de moradores da área.

As Cipas, Comissões Internas de Prevenção de Acidentes, na sua quase totalidade se preocupam com acidentes strictu sensu - dedos cortados, narizes quebrados - e propõem mais normas e equipamentos de segurança. O conceito do ambiente de trabalho e da poluição no entorno da unidade produtiva está geralmente ausente. Boa parte da classe trabalhadora ainda luta parta obter o adicional de insalubridade, que vem a ser a venda dos seus pulmões em suaves prestações mensais.

A proposta da Ecologia do Trabalho supõe o controle pela classe trabalhadora de impactos a médio e longo prazo na saúde do trabalhador. As demandas envolvendo substituição de substâncias nocivas e adoção de sistemas e equipamentos que minimizam os impactos no corpo e na psique de quem produz, assim como os sistemas de tratamento e destinação final dos rejeitos podem e devem fazer parte das pautas do movimento sindical e dos contratos coletivos de trabalho.

A ação deve estender-se aos organismos que produzem e selecionam tecnologias de engenharia e produção, que devem incorporar no cerne das diretrizes de pesquisa a minimização dos impactos sobre a saúde do trabalhador e do meio ambiente. A despoluição da produção é a luta por tecnologias limpas, ecologicamente seguras, o que envolve uma ampla luta política e sindical e o grande aumento da consciência de classe e da consciência ecológica.

Tecnologias alternativas

A discussão de alternativas tecnológicas pode partir tanto do desejo de independência de uma pequena comunidade, com toques idílicos, impiedosamente fulminados pela vênia economicista de César, como da necessidade de agricultores, operários e técnicos de lutar por matrizes tecnoprodutivas capazes de serem apropriadas e geridas pelo trabalhador coletivo e pelas comodidades, na pretendida passagem da apropriação jurídica ilusória para a apropriação real e autogestionária.

Nada mais parecido com uma fábrica de mísseis nos EUA do que um Kombinat de mísseis soviético. O gigantismo tecno-industrial-militar avesso ao controle operário da produção.

Os avanços de tecnologias alternativas ainda são pouco difundidos entre nós. Hoje a Embrapa - Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária já domina o controle integrado e biológico das sete principais pragas da agricultura brasileira. No entanto, somos o sexto maior importador de agrotóxicos do mundo e milhares de trabalhadores agrícolas são diariamente intoxicados, porque as multinacionais que dominam este rico filão conseguem colocar obstáculos à massificação destas tecnologias que eliminam ou reduzem drasticamente o consumo destes produtos.

Hoje existem mais de 20 mil turbinas eólicas no mundo, gerando 2 milhões de quilowatts, o equivalente a 3 milhões de barris de petróleo. O Brasil já domina esta tecnologia, que no entanto tem seu uso muito restrito entre nós. Os custos da energia eólica são competitivos com a energia elétrica e não trazem os transtornos da construção de hidrelétricas. O Departamento de Engenharia Mecânica da Universidade Federal de Pernambuco avaliou que a velocidade dos ventos no litoral do Ceará, de 9 metros por segundo, é suficiente para a produção de 600 MW, o equivalente ao proporcionado pela usina nuclear de Angra 1, sem os riscos de um acidente nuclear.

Os imensos espelhos parabólicos de oito grandes centrais solares destacam-se na paisagem do Deserto de Mojave, na Califórnia, indicando a possibilidade de um futuro melhor para a humanidade. Ali, nos próximos três anos, a capacidade de geração de energia elétrica será expandida de 275 MW para 600 MW, 2/3 da capacidade média de uma usina nuclear. As células fotovoltaicas apresentaram nas últimas duas décadas uma redução de custos de geração de energia de 100 milhões para 10 mil dólares por MW e os estudos indicam uma redução para 1.000 dólares no final da década. Cientistas do Centro de Energia e Meio Ambiente da Universidade de Princeton acreditam que as dificuldades técnicas para a estocagem de hidrogênio gerado a partir da energia solar serão resolvidas em breve. Enquanto isto, no Brasil, na Terra do Sol, investe-se em submarinos nucleares e em reatores a grafite no recém-legalizado programa nuclear paralelo.

Os paradigmas produtivistas e centralizadores do socialismo autoritário desabaram, embora nosso histórico e materialista amigo não capte a profundidade deste movimento. Uma nova utopia socialista e revolucionária terá obrigatoriamente que incorporar uma nova concepção de desenvolvimento tecnológico e de relação com o meio ambiente no planeta, ou surgirá envelhecida e carcomida pelo mofo das teses da neutralidade e da reificação do desenvolvimento das forças produtivas.

Ecologia e transformação

Enfim, reconhecemos que o artigo de César Benjamin abriu uma polêmica necessária e pode aprofundar esta temática, para que o PT, no seu 1º Congresso, possa desenvolver teses próprias sobre a questão ecológica, articuladas com a questão regional, a saúde do trabalhador, a opção tecnológica, o desenvolvimento urbano, a questão da Amazônia, o programa nuclear e com a própria proposta socialista democrática. É também verdade que o exagero e as imprecisões existem entre os ecologistas, não se sabe se em maior grau do que em outros setores e tendências do movimento social partidário. Pena que o trabalho de César tenha sido eivado de ressentimentos, de preconceitos e de métodos injustificados no uso de citações e na descaracterização de posições que pretendeu combater.

Ele insiste no fato de o capitalismo recuperar e incorporar parte das demandas ecológicas e transformá-las em mercadorias e lucros. A demanda pela terra e pela reforma agrária dinamizou o mercado capitalista de vários países desenvolvidos, criou novas categorias sociais no campo, integradas ao mercado, e aumentou a produção de bens e de salários, diminuindo o valor da força de trabalho e aumentando a mais-valia relativa. Isto não desqualifica a luta pela terra. Muitos operários deram a vida para serem criados e reconhecidos os sindicatos. Estes são instrumentos de negociação da compra e venda de uma mercadoria muito especial: a força de trabalho, base do mercado capitalista e da acumulação do capital. O capitalismo tem o toque de Midas de transformar em mercadoria nossos sonhos, em camiseta o revolucionário Che Guevara. Mas as lutas que obrigam a democratizar a propriedade da terra, a aumentar os salários, ou a investir em equipamentos e processos que minimizem as agressões à saúde do trabalhador e a seu patrimônio ambiental são válidas e o capital só as incorpora depois de lutas históricas e da imposição social destas demandas.

Hoje a questão ambientar é um tema importante nas relações internacionais. Os países desenvolvidos detêm 22 % da população mundial e consomem 80% da totalidade das matérias-primas e da energia produzidas no planeta. Impuseram uma perversa divisão internacional do trabalho, reservando para si as tecnologias de ponta, como a robótica, o laser, a engenharia genética, e relocalizando nos países periféricos as chamadas indústrias "sujas", altamente poluidoras e consumidoras de energia, como a siderurgia e a indústria do alumínio. E ainda exportam seu lixo químico para o Terceiro Mundo. Em 1989, no porto do Rio, pela primeira vez, ecologistas do PT, estivadores e portuários mandaram de volta para a Europa um navio com lixo químico, depois de 22 dias de resistência no cais. Os governos e os capitalistas dos EUA e da Alemanha compram o ferro-gusa de Carajás abaixo do preço de custo, produzido com o carvão vegetal das matas nativas. Desta forma, contribuem para transformar em carvão barato a floresta que juram defender. Ao realizarem testes com armas nucleares, subterrâneos e nos mares, transformam o planeta em um laboratório e a população em cobaia.

A revolução não é a tomada do Palácio de Inverno. É a mudança de todas as estruturas, a reversão da exploração e a ampliação das liberdades. As grandes causas da paz, do desarmamento, de uma solidariedade ecológica planetária, da desnuclearização dos mares, do combate à fome e ao desperdício, de uma ética internacional incompatível com a exportação do lixo químico e dos testes com armas nucleares podem e devem ser incorporadas pelos que não querem os países governados por latifundiários e banqueiros.

A transformação social não se afirma quando se minimiza a importância das lutas feministas, ecológicas e libertárias, que supostamente dispersariam a classe trabalhadora do enfrentamento da contradição principal capital/trabalho. Ao contrário. Hoje, nas vésperas do mundo se reunir no Rio de Janeiro, em 92, para discutir as relações ambientais em escala planetária, o PT não pode abrir mão do legado de Chico Mendes, nosso militante admirado pelos povos de todo o mundo, porque soube expressar na sua vida a fusão das duas grandes utopias sociais concretas deste final de milênio: a libertação dos trabalhadores de todas as formas de opressão e dominação e uma relação de respeito e integração com a natureza, de respeito por todas as formas de vida e de cultura.

Carlos Minc é doutor em economia pela Universidade de Paris, I Prêmio Global 500 da ONU para o meio ambiente e deputado estadual do PT Rio de Janeiro.

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