Mundo do Trabalho

Sem a "reatividade" da CUT não haveria democracia no País. Para alcançar a maioridade, a central não deve participar de pactos sociais, mas reformular sua estrutura e enraizar-se nas bases.

A Central Única dos Trabalhadores precisa pensar grande. O avanço do neoliberalismo como projeto hegemônico do capitalismo transnacional, o estabelecimento de um governo dócil a este projeto em nosso país, a piora das condições de vida e trabalho do povo brasileiro impõem à CUT a tarefa de formular novas estratégias sindicais e estabelecer avanços em suas políticas de organização interna e de enfrentamento com as orientações do governo e do patronato.

O 4º Congresso Nacional da CUT, a realizar-se em 1991, será um momento fundamental. Espera-se que, ao contrário do 3º Concut, este não se perca em extenuantes e sectárias disputas de grupos e possa armar o conjunto do movimento sindical organizado na CUT para o confronto com as novas estratégias dos setores patronal e governamental para os anos 90.

Para nós, petistas, pensar a CUT significa identificar na formulação estratégica e tática do partido o papel do movimento de massas e de seu setor mais organizado. Mais do que nunca, a política sindical do PT precisa ser aprofundada e implementada. Suas definições, num quadro de maior pluralidade ideológica e partidária da CUT, devem incidir sobre os debates em curso no movimento sindical - tanto no sentido mais imediato da centralização dos petistas quanto no mais estratégico: a luta pela hegemonia no movimento real dos trabalhadores e na construção da alternativa democrático-popular no Brasil.

A participação da CUT nas negociações do pacto social, travestido de entendimento nacional", a reboque de uma política pretensamente "propositiva-afirmativa" da Central, marca um momento importante na discussão sobre concepção e prática sindical cutista e sobre a política sindical petista. A conclusão deste processo poderá implementar novas soluções ou aprofundar velhos problemas do movimento sindical.
O artigo dos companheiros Gilmar e Pachalsky, publicado em Teoria & Debate nº 11, articulado com outros documentos em circulação no meio sindical e partidário, constitui um bom começo para um debate.

Convém resgatar rapidamente para os que não acompanham de perto o debate sindical o que seja a tese, defendida pela maioria da Executiva Nacional da CUT, de uma nova fase "propositiva-afirmativa" na central.

Parte-se de um balanço dos anos imediatamente anteriores à construção da CUT e de todo o período compreendido desde então. "O aumento da mobilização sindical nos anos 80 não significou a superação da prática reativa reivindicativa que é uma característica do sindicalismo, mas que no nosso caso acabou tornando-se a única referência da ação sindical, traduzindo, assim, uma ausência de definições no plano estratégico." (Análise de conjuntura e Plano de ação da CUT, texto apresentado pela Articulação Sindical na Plenária Nacional da CUT em agosto de 1990).

Nestes anos todos de luta, a classe trabalhadora ficou mais pobre, os salários mais aviltados, a concentração de renda aumentou, o país ficou mais dependente. A vitória de Collor nas eleições de 90 marca a necessidade de uma reciclagem das tradicionais práticas da CUT para uma intervenção mais qualitativa em suas relações com o Estado, o patronato e a sociedade civil brasileira. "A CUT deve, portanto, buscar a articulação de vários setores da sociedade civil para a construção de um projeto alternativo de desenvolvimento, baseado na distribuição da renda e na justiça social, procurando responder às questões relativas a: papel do Estado - organização, estruturação e relacionamento com a sociedade; política de desenvolvimento econômico (industrial, agrícola, financeira, tecnológica políticas sociais (salário, emprego, habitação, saúde, transporte, abastecimento); gestão democrática da sociedade." (Plano de ação da CUT, texto apresentado à Plenária nacional da CUT em agosto de 1990 pela Articulação Sindical).

É neste sentido que podemos entender a afirmativa de Gilmar e Pachalsky de que "a passagem para a maioridade exige que a CUT avance em suas concepções estratégicas como central sindical, elabore seu papel na sociedade brasileira dos anos 90, suas relações com os poderes e com os demais agentes sociais. É preciso desenvolver (coletivamente, organicamente) uma visão abrangente e ampla da sociedade e do mundo moderno ... Tal incumbência não é delegável nem pode ser feita fora da CUT, pelo(s) partido(s) ou por um(s) centro(s) de assessoria política e sindical". Insistem, ainda, os companheiros que é "necessário dizer como definir, tratar, obter os interesses imediatos, construindo a história do próximo século através de uma discussão séria, científica e organizada"

Década reativa?

Cabe polemizar, em primeiro lugar, com o balanço dos últimos dez anos nos documentos citados.

Não podemos concordar, em hipótese alguma, com a tentativa de caracterizar os anos 80 como uma década puramente reativa para o movimento dos trabalhadores. Os indicadores da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, do IBGE, utilizados pelos autores, não podem ser o critério básico para formular qual será o papel da CUT nos próximos dez anos. Não há dúvida de que o quadro social se deteriorou para os trabalhadores na última década. Não se contesta que os bolsões de miséria aumentaram e que, ao mesmo tempo, novas questões ligadas ao desenvolvimento econômico e tecnológico do parque produtivo brasileiro se apresentaram aos trabalhadores. Mas o balanço do movimento sindical classista nos últimos dez anos deve partir sobretudo de uma análise da luta de classes neste período, apontando com clareza a sua contribuição ao avanço dos trabalhadores nos planos econômico, político e social para, aí sim, identificar sem medo as debilidades do movimento dos trabalhadores. Uma análise menos esquemática resultará seguramente na rejeição da tese de que a prática reivindicativa-reativa tenha sido a única referência para o movimento sindical cutista.

De fato, a CUT nasceu como uma aglutinação dos setores classistas forjados na resistência à ditadura militar, nos sindicatos dirigidos pelos chamados "autênticos" e nas oposições sindicais. Nestes anos, o movimento sindical classista participou das lutas gerais dos trabalhadores e do povo brasileiro pelas liberdades individuais e coletivas, pelo Estado de Direito. A articulação do movimento sindical com os demais segmentos da sociedade civil nas campanhas pela liberdade e autonomia sindical e partidária, pela anistia, pelas diretas-já, pelos direitos dos trabalhadores na Constituição, enfim, por democracia, foi um fator predominante na história da construção e consolidação da CUT como referência para amplas massas.

A luta pela terra, a organização nacional dos sem-terra, as ocupações no campo e nas cidades, a elaboração conjunta com vários setores de uma política agrícola e de reforma agrária que continua movendo centenas de milhares de trabalhadores e sindicatos rurais, a mobilização dos seringueiros pelas reservas extrativistas na Amazônia e sua articulação com os demais "povos da floresta" - as situações de confronto e polarização que estas iniciativas produziram nos anos 80 poderão ser enquadradas na categoria de reivindicativas-reativas?

É importante ressaltar que o debate sobre a dívida externa brasileira só se tornou fato político significativo para as massas devido à ação educativa e ideológica do movimento sindical capitaneado pela CUT. Este movimento passou a ser referência nacional para os trabalhadores, para os governos e para o patronato ao mobilizar e organizar milhões de pessoas em torno, justamente, de reivindicações reativas às políticas de arrocho, recessão e desemprego e da apresentação de alternativas que o plano sindical assumiu mas nele não se esgotaram. Desta forma conseguimos derrotar o pacto de Tancredo/Sarney em 1985: com milhares de metalúrgicos em luta pela redução da jornada de trabalho, com milhares de bancários na rua em sua primeira e histórica greve nacional, com milhares de canavieiros e outros assalariados rurais de braços cruzados, com uma campanha salarial unificada na capital de São Paulo, que centralizou inúmeras categorias. Assim, recriamos nas massas formas de luta variadas que foram se articulando nacionalmente em greves por categoria, intercategorias e gerais, inéditas desde o Golpe de 64.

Nestes dez anos, os trabalhadores brasileiros construíram o PT como sua alternativa política, projeto que empolgou muita gente e que levou a uma polarização inédita na história política brasileira com a campanha Lula-presidente, na qual o movimento sindical desempenhou um papel fundamental.

Queremos fixar estas questões porque elas representam um balanço mais cuidadoso dos dez anos de sindicalismo classista, do qual a CUT é a expressão máxima. Não queremos negar as debilidades. Pelo contrário: por várias vezes denunciamos erros políticos das direções e debilidades estruturais do movimento sindical cutista. No entanto, não se pode modificar a história para justificar políticas do presente.
De forma geral, todos estamos de acordo que o movimento sindical deve esclarecer melhor suas demandas e apresentá-las à sociedade. Todos sabemos da insuficiência da formulação da CUT (e de resto de todo o campo democrático-popular) sobre as questões relativas ao Estado, à democracia, ao desenvolvimento econômico e social.

Cabe, no entanto, precisar melhor o caráter da formulação que se exige da CUT. Sobre isso os textos sindicais pouco falam.

Dois caminhos se apresentam. Analisemos o caminho proposto pelo cientista político Leôncio Martins Rodrigues, voz presente em círculos da direção nacional cutista e autor do livro CUT: os militantes e a ideologia. O autor preconiza um sindicalismo mais moderno, que saiba precisamente "como definir, tratar, obter os interesses imediatos" (sic) - um sindicalismo de proposições que ampliem o horizonte de alianças do movimento sindical e suas conquistas reais em beneficio dos trabalhadores.

"Na minha opinião, a CUT carrega demais no lado contestatório, enquanto a CGT colabora em demasia. A alternativa, penso eu, não está em um sindicalismo de contestação nem em um sindicalismo de colaboração. Imagino que mais adequado a uma sociedade complexa e a um sistema democrático seria um sindicalismo de proposições... Face a problemas que afetam os trabalhadores, como o desemprego e a inflação, os sindicatos devem ter seus planos, obviamente exeqüíveis. Para isso, devem ser realistas e contemplar os interesses do setor empresarial e do Estado na economia." (Sindicalismo, nem CUT nem CGTs, entrevista de Leôncio à Gazeta de Pinheiros, edição de 30.08.90).

Ora, um sindicalismo de proposições, que sejam exeqüíveis e contemplem os interesses do patronato e do Estado, é um sindicalismo que pressupõe ou aceita a colaboração de classes e a participação do movimento sindical nos fóruns voltados a sua implementação. Ou seja, o autor assume a atitude de setores do sindicalismo europeu, de participar dos pactos sociais em troca do atendimento a reivindicações sociais e econômicas dos trabalhadores.

O outro caminho é o de considerar o movimento sindical dentro da estratégia de luta por hegemonia na sociedade e de construção de uma alternativa democrático-popular na perspectiva do socialismo. Há que se aprofundar o debate sobre estratégia e tática do PT, razão pela qual será muito oportuno que o debate sobre a linha sindical de nosso partido seja feito neste ano à luz da preparação para o 1º Congresso.

A ofensiva social-democrata
A ofensiva da social-democracia no plano internacional, buscando credenciar-se como alternativa ao neoliberalismo e ao fracasso do "socialismo real", terá profunda incidência nos debates preparatórios do 4º Concut. A filiação à CIOSL, a omissão (ou a suavização) da referência ao socialismo como alternativa dos trabalhadores na formulação estratégica da CUT e o aprofundamento do processo de verticalização e burocratização da central são evidências claras deste movimento de aproximação de setores da direção da CUT das concepções social-democratas de um sindicalismo de participação.

O combate a esta visão pressupõe a luta por uma hegemonia petista na formulação e na direção da central sindical. A CUT sem dúvida é uma instância fundamental para a luta política e ideológica dos trabalhadores por sua emancipação. Sem querermos nos integrar à "hercúlea tarefa de saber como derrotar o diabo da reforma para homenagear o deus da revolução" (sic), afirmamos que o futuro da CUT está ligado a como vemos, no PT, a articulação entre reforma e revolução; entre luta por hegemonia, alternativa democrático-popular e ruptura revolucionária; entre socialismo e democracia.

Acreditamos que o movimento sindical cutista deve continuar a considerar-se como parte de um movimento maior dos trabalhadores e seus aliados pelo socialismo. Neste sentido, a CUT deve aliar suas reivindicações a proposições, não necessariamente aquelas "exeqüíveis". O sindicalismo classista incorpora, a nosso ver, um conjunto de demandas dos trabalhadores que não encontra espaço dentro dos limites do capitalismo, especialmente em um momento de hegemonia neoliberal nos planos nacional e internacional. O movimento sindical cutista articula suas reivindicações a resistência e suas proposições a alternativas democrático-populares, que tensionam suas relações com o patronato e o Estado. Seu método é fundamentalmente o do confronto por suas reivindicações e o da busca de hegemonia por suas proposições, articulando formas de ação direta com formas de luta institucional que neguem qualquer possibilidade de pacto com o governo ou com setores do patronato pretensamente portadores de projetos antagônicos ao projeto hegemônico neoliberal. A dialética de conquistas parciais e a politização de suas posições junto à massa dos trabalhadores e ao conjunto da sociedade tornam a CUT um espaço indispensável na estratégia de luta pela hegemonia democrático-popular e socialista no Brasil e no plano internacional.

A primeira experiência da fase propositiva-afirmativa em 1990 fracassou redondamente. A bordo de uma insuficiente e equivocada análise da conjuntura política, a maioria da Executiva Nacional da CUT embarcou no barco furado do "entendimento nacional" proposto por Collor.

Isolamento collorido

Com a intenção manifesta de não se isolar politicamente e de apresentar na mesa de "negociações" uma plataforma dos trabalhadores contra a recessão, o arrocho e o desemprego, a maioria dos companheiros da Executiva Nacional da CUT acabou não percebendo que o pacto/entendimento nada mais era do que uma iniciativa do presidente para sair ele mesmo do isolamento político em que caiu com o fracasso de seu plano econômico. Na verdade, o governo Collor teve seus meses críticos entre setembro e novembro, passando por sucessivas crises: as denúncias de escândalos na Petrobrás, no Lloyd Brasileiro e em outros setores das administrações direta e indireta; o aparecimento para a sociedade de PC Farias, a eminência perda no relacionamento do presidente com o empresariado; o processo de "fritura" de membros do governo, que culminou com a queda do ministro Cabral e sua substituição por um dos quadros da ditadura, o cel. Passarinho; a queda da aprovação da política econômica nas pesquisas de opinião pública; a derrota eleitoral dos candidatos preferenciais de Collor em São Paulo, Rio, Minas e Rio Grande do Sul, entre outros estados; a crise de sustentação parlamentar do governo, especialmente na Câmara dos Deputados; as denúncias de fraude em Alagoas e de favorecimento econômico ao candidato Bulhões; o descontentamento na área militar com o arrocho salarial; o crescimento da oposição de setores da burguesia a aspectos da política econômica, especialmente do pequeno e médio capital de origem nacional; as seqüelas de grandes greves nacionais e de movimentos de trabalhadores com forte significado simbólico, como as manifestações dos sem-terra em Porto Alegre e a greve dos metalúrgicos da CSN e da Ford. Ou seja, quem precisava do pacto era Collor, como bem observou a Executiva Nacional do PT em 18.09.90: "A retomada da idéia do pacto social, agora com o nome de entendimento nacional, é iniciativa do governo para a cooptação e também uma ofensiva política e ideológica ao sindicalismo combativo no sentido de isolá-lo, mostrando para a sociedade que o governo se dispõe a negociar e a CUT não. Independentemente da posição da CUT, prevalecerá nos meios de comunicação a versão que o governo escolher... Com sua proposta de pacto, o governo busca um bode expiatório para as dificuldades que já encontra na aplicação de sua política econômica."

Ora, uma corrente do movimento sindical, contrariamente à vontade de todas as demais e às resoluções do próprio 3º Concut, impôs ao conjunto da central sindical, por escassa maioria, a participação nesta mesa viciada. O resultado foi patético. Em busca de alianças e submetidos ao escracho do governo, batemos às portas da CGT, da Força Sindical, do PNBE e, por último, até da própria Fiesp. No final, sequer "dar tiros" funcionou, pois a saída já estava congestionada pelo PNBE e pela CGT.

Na verdade, a participação no pacto demonstra mais uma vez o processo de burocratização e autoritarismo na condução da central, patrocinado pela corrente majoritária. O esvaziamento progressivo e deliberado das instâncias diretivas, chamadas apenas para homologar decisões muitas vezes já implementadas; a marginalização das posições minoritárias, desprovidas de qualquer responsabilidade real na condução da vida da central; a arrogância no manejo de conceitos e formulações pouco elaboradas e utilizadas ao sabor dos ventos dos acontecimentos e fatos políticos criados para a imprensa são responsáveis em boa parte pela desmoralização da direção junto a setores importantes da militância sindical.

Reverter este processo, tarefa central do 4º Concut, coloca no centro do debate político-sindical a questão da democracia no interior da CUT, do combate aos vícios da estrutura sindical oficial reproduzidos na central, da criação de mecanismos de participação das bases na direção dos sindicatos e da CUT, do enraizamento do movimento sindical nos locais de trabalho e do controle coletivo dos aparelhos de ação sindical pelos órgãos de direção democraticamente constituídos.

Dado o nível rebaixado e deteriorado das relações hoje existentes na central, que tem se expressado em disputas fratricidas nas entidades de base e nas instâncias da CUT (inclusive com o beneplácito e a participação de nossos maiores dirigentes), a intervenção do partido junto a seus sindicalistas pode propiciar um fato novo e significativo. A criação de mecanismos que incorporem de maneira organizada os sindicalistas petistas à vida e ao debate político do partido, a busca de unidade na intervenção nas frentes de massa, a centralização democrática, fruto do debate político sério e fraterno, são tarefas que se colocam ao partido neste seu 12 Congresso. Se viabilizarmos estas condições, o 5º Concut será preparado em situações qualitativamente superiores às de hoje. Para a CUT pensar grande, com os pés no chão.

Durval de Carvalho é diretor do Sindicato dos Metalúrgicos de Campinas e região e membro da Executiva Nacional da CUT.

Renato Simões é assessor da diretoria do Sindicato de Campinas e Região e membro da Executiva Estadual do DR/PT-SP.