Jacó Bittar é um dos fundadores do PT. Foi presidente do partido e secretário geral nacional. Eleito prefeito de Campinas com 32,5 % dos votos, no último dia 8 de março, pediu sua desfiliação do Partido dos Trabalhadores.
No dia 4 de abril Teoria & Debate foi a Campinas ouvi-lo sobre as razões de sua saída, que deixou muitos petistas perplexos. Entusiasmado com sua gestão à frente da Prefeitura, Jacó nos convidou para dar um giro de helicóptero pela cidade e ver suas obras. Assediado por muitos partidos (durante a nossa conversa Jacó atendeu amigavelmente um telefonema do governador Fleury e à saída de seu gabinete me deparei com João Herrmann, do PSB paulista, que esperava para ser atendido), ele não afasta a hipótese de sua volta ao PT. Entretanto, "rasga o verbo" contra posições do partido, em particular com relação ao Diretório Municipal de Campinas. Durante uma hora e meia falou claramente, expondo tudo o que pensa.
Bittar, depois de quase dois anos e meio de governo, como você avalia o desempenho de sua administração em Campinas?
É importante lembrar que na campanha do Lula à presidência da República, os adversários falavam muito no problema da falta de competência do PT. Analisando todas as prefeituras petistas, já não existe mais o fantasma da incompetência. Hoje, podemos dizer que somos mais ou menos capazes, mas incompetentes, nunca - não existe o caos nas administrações petistas. Antes de mais nada, porque soubemos conservar a estrutura de poder formal. Em Campinas, apesar da crise, das dificuldades, do aprendizado, nós conseguimos fazer um governo que a população começa a entender e a aplaudir. Nós realizamos, mesmo em crise, algumas obras importantes para a cidade.
Por exemplo?
O metrô de superfície, a despoluição da lagoa do Taquaral, a construção de um hospital, a municipalização do centro de abastecimento. Hoje, os políticos da cidade já dizem que nós faremos uma das melhores administrações que Campinas já teve. No transporte coletivo, nós pegamos uma frota com oito anos de idade média e hoje temos uma com três anos, a mais nova do Brasil. Criamos o passe com desconto para a população carente e, com isso, o número de viagens aumentou em um milhão por mês - temos uma tarifa que dizem ser a mais cara do Brasil (Cr$125,00 em abril), porém vendemos o passe mais barato do país (Cr$75,00 em abril). Quem paga tarifa plena é o empresário que compra o vale-transporte e 12% ou 13 % dos usuários que pagam na catraca. Então, no transporte coletivo, estamos dando um show aqui em Campinas, um show! Por incrível que pareça, os capitalistas ainda não perceberam que estamos instrumentalizando o desenvolvimento através de um transporte mais eficiente e, assim, gerando maior produtividade. Criamos também o passe-passeio.
O que é isso?
Dois domingos em cada mês, o transporte é totalmente gratuito para que a população tenha acesso fácil às áreas de lazer. Campinas vira uma festa. Eu me pergunto: qual é a nossa tarefa como administradores? Não é uma tarefa tática? Criar condições que outros governos não criam, por serem conservadores? Nós criamos. Criamos o passe com desconto, o passe-passeio e a tarifa diferenciada a ser paga pelos donos das empresas de ônibus. Esses empresários recebem de acordo com a idade da sua frota de ônibus, com o capital investido, com a eficiência e com o custo. Tudo isso não existia em Campinas nós estamos administrando a cidade com criatividade. Tivemos o problema da enchente no ano passado, quando duzentos barracos foram destruídos. Em 60 dias, construímos, para os desabrigados, casas com água encanada, esgoto e eletricidade. Fomos buscar dinheiro do Banco Mundial para dar continuidade às obras que estavam paralisadas, como a estação de tratamento de água. Nós precisamos entender que o prefeito é uma peça tática do partido, que cumpre uma determinada missão. Assim, temos tarefas diferenciadas na construção partidária. Você provavelmente vai me perguntar sobre a minha relação com o governador do estado e o governo federal. Acho que o prefeito tem a obrigação de conversar com essas instâncias. Hoje, você vê a própria Erundina conversando com o Fleury e o governo federal para enfrentar o problema das enchentes. Isso não quer dizer que ela está levando o seu aval à política do Collor ou do Fleury; é uma necessidade administrativa. Fomos eleitos a partir de uma expectativa partidária, e não de uma orientação da direção do partido. Temos que fazer um governo tático, a fim de atender às necessidades de cada cidade. Campinas e São Paulo, principalmente, não vivem sem o estado. Nós, aqui em Campinas, temos de nos relacionar com as grandes empreiteiras, o grande capital. Acho que deveria haver uma grande discussão no partido a respeito das grandes administrações, mas essa discussão deveria ser deslocada do plano municipal. A parte hegemônica do Diretório de Campinas foi derrotada por mim na convenção. Temos, então, que ter uma instância maior para não permitir que certos problemas aconteçam. O problema da relação partido/ administração existe em todos os municípios em que o PT ganhou as eleições. Isso está dito na ata da reunião que houve entre os prefeitos petistas e a Executiva Nacional, onde propus que o partido, em nível nacional e estadual, discutisse esse tema. No entanto, isso não foi feito.
Jacó, vamos aprofundar um pouco essa questão. Você é um petista histórico, fundador do Partido dos Trabalhadores e acaba de se desligar do PT. Por que isso aconteceu? Quais as divergências que o levaram a tomar essa atitude?
O que me levou a isso foi a falta de consciência de toda a direção do PT, é difícil saber o que o partido realmente pretende de suas prefeituras. Deveria haver uma preocupação concreta com o que está ocorrendo em Campinas, uma metrópole com cerca de 1,5 milhão de habitantes. O Diretório Municipal começou a tomar decisões que prejudicaram a administração, incompatibilizando-a com a sociedade. A maneira que encontrei para chamar a atenção do partido para essa situação foi me desfiliar - para mim, ser petista filiado é mera formalidade.
Que decisões do Diretório Municipal provocaram essa reação?
Várias. Enquanto ainda se discutia se o meu governo era petista ou não, o diretório publicou um jornal, anunciando que a Prefeitura não era mais do PT. Exigiram a saída dos "secretários petistas que sobraram", como o Gastão, da Saúde, e o Bryan, da Educação, sob a alegação de que não se tratava mais de um governo do partido. No entanto, todos os secretários são do PT, a não ser o de Finanças e o da Administração. O primeiro era do PSDB, mas se desfiliou, e o outro pertencia ao PMDB e hoje se declara suprapartidário.
Quais são as outras divergências com o partido?
Se amanhã ou depois o partido disser que os prefeitos têm que ter uma atuação classista, irei defender outra posição. Estamos administrando cidades de um país capitalista. Temos que usar nossa criatividade para o bem de toda a população. Sou sindicalista, mas ocupo o cargo de prefeito, então, não posso ter um comportamento sindical dentro da prefeitura.
O que seria um comportamento sindical?
Comportamento sindical é, por exemplo, atender todas as reivindicações dos funcionários públicos. Eu jamais constrangi os movimentos do funcionalismo, ou fiz convocação para substituir grevistas. No entanto, bastou não atender uma reivindicação salarial - naquele momento, eu precisava investir na cidade - para os sindicalistas petistas começarem a dizer que nós havíamos mudado de lado. Eu não posso defender só os interesses do funcionário público, tenho que defender os interesses de todos os trabalhadores da cidade.
Os companheiros do diretório municipal de Campinas o acusam de ter chamado a polícia militar para reprimir a última greve do funcionalismo.
Mentira! Anunciei antecipadamente que não haveria nenhuma repressão. Nunca chamei a PM. O que houve foi uma violência muito grande por parte dos piqueteiros. Quando apareceu uma declaração na imprensa, dizendo que eu havia elaborado uma lista de demissões, publiquei matéria paga no jornal, na qual afirmei que jamais reprimiria um trabalhador por fazer greve. Nunca houve punição. O que aconteceu foi que os grevistas estavam querendo arrebentar a porta do meu gabinete e alguns policiais militares ficaram aqui só para segurar, procurando não constranger, porque as pessoas que trabalham comigo começaram a chorar de medo. Agora, no momento que for necessário chamar a PM para evitar um conflito, eu chamo. E faço isso como autoridade máxima da cidade. Eu mando na Polícia Militar, porra! No relacionamento que mantenho com todas as autoridades militares, policiais, digo claramente que o comando é nosso. Isso tem sido acatado por todos. Essa acusação contra mim é uma sacanagem da direção do partido em Campinas. Quero que provem que chamei a PM para reprimir.
Durante dez anos, você foi presidente do sindicato dos petroleiros de Paulínia e sua principal liderança. No entanto, na greve que eles fizeram recentemente, você não compareceu à porta da refinaria para apoiá-los. Já a prefeita Telma de Souza, por exemplo, foi à assembléia dos portuários de Santos. Você considera que um prefeito não deve ter esse tipo de atitude?
O que ocorreu em Santos foi a ameaça de demissão de 5 mil portuários, o que interferiu muito na vida da cidade - a Telma chegou até a decretar o estado de calamidade pública. A greve dos petroleiros foi uma decorrência normal da relação capital/trabalho, em que o sindicato tem que usar sua autoridade, sua força e sua mobilização. Irei para a porta da refinaria quando houver uma ameaça de calamidade pública - demissão em massa, ocupação pelo exército etc. Aí sim estarei cumprindo o meu papel de prefeito. Mas no último movimento dos petroleiros, me coloquei à disposição do sindicato. Estive com o presidente da Petrobrás, autorizado pelo comando de greve, e tinha um canal aberto com o ministro da Infra-estrutura. Tenho outras responsabilidades e não posso ir para a porta da refinaria sem mais nem menos. Precisamos entender que há o petista sindicalista, o petista prefeito e o da direção. São tarefas diferentes.
Jacó, nas plataformas eleitorais a gente dizia que as prefeituras do PT seriam trincheiras de luta contra o governo federal e o estadual. Você acha que essa visão confunde o papel sindical com o papel da prefeitura?
Acho que sim. Tanto é que posso fazer um pronunciamento claro contra a política econômica do Collor, mas isso não me impede de conversar com os ministros para atender às necessidades da cidade. Dizem que eu não demarco posição; quem não demarca posição é o partido.
Você subiu ao palanque com o Quércia poucos dias antes do 2º turno que elegeu o Fleury. Ainda que você não tenha discursado, isso não foi um gesto claro de apoio ao PMDB?
Quando um governador ou o presidente vem à cidade para inaugurar qualquer coisa, subo ao palanque para ocupar o espaço a que tenho direito como prefeito. Quando o Collor visitou Campinas, fui recebê-lo no aeroporto. Quando ele pediu para que eu falasse com o Jair Meneghelli para que se sentasse à mesa de negociação, simplesmente atendi uma solicitação do presidente da República - apesar de não concordar com a proposta do governo.
Você se refere ao episódio do Pacto Social?
Sim. Tive a oportunidade de participar de um programa de televisão em que disse: "Eu, como dirigente da CUT, pensaria muito antes de sentar à mesa com o governo e os empresários. Mas, como prefeito, não posso me recusar a levar a mensagem". Isto é que nós precisamos entender: essa política do revanchismo gratuito e oportunista, no PT, não pode existir.
Na televisão de Campinas, quando você se desligou do PT, uma das críticas que você fez foi essa ...
Sou contra que se esqueça o passado, a repressão, as torturas, mesmo porque fui processado pela Lei de Segurança Nacional e sei o que passei diante de um tribunal militar. Quando falo em revanchismo é do revanchismo barato.
O que seria esse revanchismo barato?
Nós não temos uma certa identidade política com algumas personalidades do PSDB? Fernando Henrique Cardoso, Mário Covas, Franco Montoro e por aí afora? No plano nacional, temos. No entanto, aqui em Campinas, o PSDB, porque perdeu a eleição, é oposição sistemática. Isso é revanchismo barato. Eu sei o quanto o Lula sofreu na campanha eleitoral, com as acusações que o Collor fez. Mas se o Lula tivesse exigido, em audiência com o presidente, que os 31 milhões de votos que ele recebeu fossem respeitados, para encurtar a distância com o governo Collor, para não permitir que ele governasse sozinho, acho que essa atitude seria mais representativa do que formar um Governo Paralelo.