Política

Para Carlos Nelson Coutinho, os gramscianos petistas só existem porque os do PCB tiveram sua diáspora. Como se o "marxismo brasileiro" pudesse ser reduzido à história do partidão...

A "cidadania brasileira" do marxista italiano Antonio Gramsci1. conta, na versão de Carlos Nelson Coutinho, a entrada de Gramsci na cultura política brasileira. A história é contada na primeira pessoa do singular, com princípio, meio e fim, de forma simples, fácil e parcial.

A expansão brasileira de Gramsci "resultou, em grande parte, da diáspora dos ‘gramscianos’ egressos do PCB: o fato de que tenham optado por diferentes partidos, sobretudo (num primeiro momento) o PMDB e (mais recentemente) o PT, contribuiu para dar à influência gramsciana um caráter talvez menos nítido, porém certamente mais amplo e polimorfo". Esta é a tese central, da qual discordo como petista e como gramsciano.

Tese singularíssima: os gramscianos petistas são filhos pródigos! Só existem porque os gramscianos do PCB tiveram sua diáspora (leia-se foram derrotados). Muito estranha: O PMDB hoje hegemonizado pelos liberais - hoje? Vejamos o processo em detalhe: O primeiro momento importante dessa história começa em 1956. Kruschev publicava o relatório sobre os "crimes de Stalin". Muitos intelectuais, no mundo inteiro, saíram dos PCs. Catarse que provoca no "marxismo brasileiro" - que o autor confunde sempre com o PCB um processo tímido de "abertura pluralista". Renovação que a direção não promoveu. Coube a jovens intelectuais "ligados ao partido" tocarem o processo. A direção "não obstaculizou": "obrigada a se diversificar, a se abrir ao debate (...) parecia ter compreendido que a renovação do marxismo era o pressuposto necessário para que o PCB continuasse a exercer influência sobre uma esquerda que se expandia". Guardemos bem as expressões de Coutinho: "parecia ter compreendido", "foi obrigada", "não obstaculizou" etc.

Essa primeira cena da história tem um peso imenso no que se segue. A ausência de uma profunda autocrítica não gerou efeitos na prática dos militantes, a direção não promovia a abertura, apenas tolerava. A desestalinização fora feita pelos próprios stalinistas. Veio então a "operação Gramsci" ("Operação"? As palavras não são inocentes). Foi, na realidade, uma forma de ocultamente. Um Gramsci "filósofo da práxis", não "o agudo teórico do Estado 'ampliado' e da revolução socialista no 'Ocidente"', sequer o estudioso da "revolução passiva", "das formas 'não-clássicas' de transição para a modernidade capitalista". Não mostra o dirigente, mas o "propositor de uma leitura humanista e historicista do marxismo, radicalmente diversa da vulgata soviética", até então imposta.

Uma direção stalinista face a face com um processo de renovação cultural. O foco da cena é claro e ganha novas cores. Criou-se "talvez inconscientemente uma tácita 'divisão do trabalho"': "não é por acaso" que Gramsci, Lukács e Sartre são "instrumentos privilegiados de uma batalha certamente anti-dogmática", centrada "substancialmente nos terrenos da filosofia, da estética e da sociologia da cultura." Eis aí uma contradição: não ter sido "por acaso" que se criou "talvez inconscientemente" uma divisão de trabalho. Contradição que permitia, por coexistência entre o dito marxismo ocidental e o stalinismo, legitimar a este último. Renovação sem êxito possível aparente. Um processo dessa profundidade teria de partir da constatação do fracasso do stalinismo como política e como ideologia e tirar as necessárias conseqüências. Não foi o caso, a nova linha cultural foi apresentada, sem maiores esclarecimentos, a um público viciado pela vulgata russa. Como poderia tal público assimilar a "batalha antidogmática"?

Essa "abertura", mais editorial que política, publicou autores marxistas como Lukács, Lucien Goldman, Adam Schaff, além de Walter Benjamin e Herbert Marcuse. Ver nisto a iniciativa de "jovens intelectuais comunistas e em virtude do apoio da Editora Civilização Brasileira" é correto, mas é apenas uma parte da história. Importante na resistência contra a ditadura, essa editora era dirigida por eles mesmos. A maioria dos intelectuais de esquerda não vinculados ao PCB sequer tinha onde publicar. Não se trata de diminui-los, mas de localizar.

A edição das obras de Gramsci reproduz a interpretação "oficial" do "PCI togliattiano": era um "filósofo e crítico literário, no qual a dimensão estritamente política tinha peso secundário". Mesmo sendo apontado, "de pleno acordo com a leitura de Togliatti", como discípulo e continuador direto de Lenin, Gramsci tem sua obra restringida, na análise da sociedade brasileira, "à questão literária e à problemática dos intelectuais". Essa era a "finalidade clara", isto é, intencional, da "operação". Isso pode ser visto, diz Carlos Nelson Coutinho, na introdução brasileira à Concepção Dialética da História, feita por ele e por Leandro Konder. Gramsci, filósofo, com o "seu peculiar conceito de práxis, teria sido capaz de superar tanto o idealismo de Croce quanto o ‘materialismo vulgar’ de Bukharin, tornando-se assim aquele que melhor definiu o caráter da filosofia marxista". Tudo isso para um público que sequer conhecia Croce e que via em Bukharin apenas um traidor. Sem falarmos da forma da escrita gramsciana: textos pequenos, enigmáticos pelo nosso desconhecimento da história italiana e do próprio movimento comunista internacional, feitos no cárcere fascista. Todo o processo de edição da obra gramsciana foi uma maquiagem redutora. E tudo isso marcado pela cultura socialista nacional. Mas essa não é toda a história: Togliatti já tinha feito outra maquiagem com a obra de Gramsci. Ao apresentá-lo como discípulo direto de Lenin, legitimava a si mesmo, criando uma tradição: Marx-Engels-Lenin-Gramsci-Togliatti. Como responsável pela edição italiana, ele publicou as obras do cárcere primeiro e... só no fim as obras pré-cárcere (estas sequer se cogitou publicar no Brasil).

Nova cena, um pouco mais ousada: Coutinho reconhece os "grosseiros erros estratégicos" do PCB, entre eles a visão do Brasil semifeudal e semicolonial, da revolução democrático-burguesa, e ainda assim afirma a "justeza da tática": "gradualista, orientada para a construção de um amplo arco de alianças". Ele vê aí um "vislumbre da gramsciana 'guerra de posiçõess’". Como se pode dissociar uma tática da análise (errada) da conjuntura que a sustenta e ainda considerá-la "justa"? É ele mesmo quem lembra estar essa estratégia baseada em uma "concepção etapista da 'revolução democrático-burguesa"'. Coutinho cita o debate feito no PCB sobre a "orientalidade"/"ocidentalidade" da nossa formação social. Nada disso aparecia no debate das teses do PCB. Faz sentido ver em tudo isso a concepção gramsciana de guerra de posições? Não! O que se percebia, nas teses do PCB, era a necessidade de aliança com a famosa burguesia "progressista", que mais do que aliança, era subordinação efetiva. Detenhamo-nos sobre um ponto: a guerra de posições, supõe que as classes trabalhadoras tenham clareza ideológica - ou estejam em fase de consegui-la - da sua identidade, do seu projeto. Nada mais estranho à guerra de posições do que a situação de subordinação e minoridade que a "tática justa" do PCB destinava aos trabalhadores.

Por isso, cada vez mais, parcelas da esquerda recusavam os "modelos estratégicos e interpretativos do PCB" e as propostas dos seus intelectuais. O autor reclama: "o racionalismo histórico-dialético de Gramsci e Lukács (...) passou a ser visto como expressão de uma tendência conservadora e anacrônica. "Se as diferenças entre Gramsci e Lukács nem sempre eram apontadas, como ele nos lembra, quem sabe ele próprio possa nos explicar o motivo. Afinal ele foi um introdutor dos dois autores no Brasil. Por que não fez essa explicitação que agora lamenta? Nova autocrítica? Ou este é mais um percalço, necessário, da reconstrução de uma história, com passagens desconfortáveis.

Sigamos em frente: "a 'Grande Recusa' de Marcuse e a supostamente radical 'revolução epistemológica' de Althusser" foram consideradas, pela nova esquerda, como sendo as mais adequadas às urgentes tarefas impostas pela nova situação". "Misturados ecleticamente", Mão Tsetung, Althusser, Marcuse e Régis Debray "ganharam um lugar privilegiado na cultura da nossa 'nova esquerda', que julgava ser a luta armada a única via para derrotar a ditadura e resolver os problemas do país". Brutal simplificação de um dos problemas mais cruciais da nossa história política recente.

Como foi essa história do "racionalismo histórico-dialético" ser visto como "tendência conservadora e anacrônica"? O que foi essa "nova esquerda", desdenhada tão olimpicamente? Ela era monolítica? A tática de juntar todos e tudo no mesmo saco não resolve o problema. Nunca é demasiado recordar o imenso desgaste das "táticas justas" do PCB. Esta é uma delas. Marcuse e Althusser eram projetos distintos na "nova esquerda". Os marcusianos não eram propriamente amistosos com os althusserianos. Para muitos jovens militantes, ser althusseriano permitia escapar de uma visão positivista que usava os termos (não os conceitos) marxistas. Como entender a realidade nacional se, por exemplo, a "nossa" história era o evolucionismo mecanicista de Werneck Sodré? Como falar em "abertura pluralista" quando o PCB atacava qualquer visão não alinhada à sua, na melhor das hipóteses, como "desvio"? Aliás, hoje, passadas quase duas décadas, se Coutinho ainda fala assim de Althusser, imaginem na época.

Argumenta: "De qualquer modo formou-se um clima cultural no qual a ‘filosofia práxis’ e a reforma intelectual e moral’ pareciam propostas tão distantes da realidade quanto uma discussão sobre o sexo dos anjos". Sempre é bom lembrar que naquela época sequer Carlos Nelson Coutinho falava de reforma intelectual e moral. Seus ataques a Althusser eram feitos a partir de Lukács. Não apenas ele, mas nenhum dos "gramscianos do PCB" o fez, pelo menos de forma sistemática. Atribuir à nova esquerda, esse ignorar Gramsci, é outra simplificação grosseira. Será que precisamos lembrar a história da repressão político-cultural vivida por nós, onde a ditadura durante algum tempo conseguiu o clima de "ame-o ou deixe-o", muito mais responsável por aquela sensação de fora de moda; que houve o AI-5; que muitos intelectuais foram cassados; que se exigia de quem pretendesse trabalhar nas universidades públicas um "aval ideológico", um nihil obstat da repressão? Será que nada disso teve peso nesse processo? Convém lembrar afirmações de Coutinho, em outra ocasião2: "Não é casual que o declínio da ditadura e a crise da velha esquerda estejam na raiz do espetacular crescimento da influência gramsciana no curso da última década". Qual das duas falas é a certa? "culpa" da nova ou "crise" da velha esquerda?

Voltemos ao texto publicado em Teoria & Debate.

Enquanto as traduções de "Marcuse e Althusser eram frequentemente reeditadas nessa época, as de Gramsci encalhavam". O sucesso editorial de Marcuse foi real, o de Althusser não. Mas... ainda que fosse. Isso nos autorizaria a usar o sucesso editorial como critério político ou ideológico, para clarificar posições em confronto? Por que o PCB, ou seus jovens intelectuais, em vez de uma operação Gramsci não trataram de criar os instrumentos para a compreensão daquelas propostas?

A argumentação prossegue: "a face althusseriana da ultraesquerda refluiu para uma escolástica acadêmica que, em combinação com o estruturalismo francês, predominou em grande parte da produção acadêmica no campo das Ciências Humanas". Novamente um agente perverso é encarregado de complicar a situação. A tal ultra-esquerda teve mesmo todo esse peso na academia? Novo bode expiatório, sabe-se na realidade que a "velha esquerda" teve (e tem) uma penetração acadêmica muito maior. Na realidade o althusserianismo não emplacou aqui. A "velha" esquerda combateu-o sem trégua! Não se sabe se pela sua teoria ou se pela sua ligação com os "mãos" franceses.

A narrativa assume um caráter pesado, tenso. A "divisão do trabalho", da operação Gramsci, impediu que os "gramscianos" do PCB "utilizassem as reflexões do mestre para reavaliar a peculiaridade da realidade brasileira e a própria teoria da revolução socialista", tornou "conciliável" a herança gramsciana "com uma visão 'marxista-leninista' tradicional da realidade brasileira e da luta pelo socialismo". Mestre? Ora vejam! Outra contradição. Quem impediu a utilização criativa das categorias de Gramsci? A face da "ultra-esquerda" ou a "divisão do trabalho", da operação Gramsci? A obra do mestre deveria adequar-se à verdade já dada do stalinismo. Será isso também culpa da nova esquerda, ou mais uma perversão do "centralismo burocrático"? Carlos Nelson Coutinho tem outra explicação: "Uma outra razão, igualmente importante, deve ser apontada na própria cultura então dominante nos ambientes culturais brasileiros de esquerda, que eram fortemente influenciados por modelos interpretativos do que passou a ser convencionalmente chamado de 'marxismo da III Internacional', ou, mais sinteticamente, 'marxismo-leninismo"', que se manifestava em uma "concepção geral do marxismo, fortemente economicista", e também no "próprio modo de interpretar a realidade brasileira. O Brasil era visto como uma formação social 'atrasada', semicolonial e semifeudal que teria necessidade de uma revolução 'democrático-burguesa' ou de 'libertação nacional'. Foi essa, pelo menos desde os anos 30, a posição do Partido Comunista Brasileiro". E por fim: "A estranha (mas não paradoxal) convergência entre as posições mais reacionárias da ditadura e a orientação terceiro-internacionalista do marxismo brasileiro explica as dificuldades registradas, num primeiro momento à recepção da obra de Gramsci".

Só em 1981 ele abandona a visão de Gramsci como filósofo e teórico da cultura, para trabalhar a política como o ponto focal do qual Gramsci analisa a totalidade da vida social". Só quinze anos depois da primeira publicação - e ele foi dos introdutores de Gramsci no Brasil - percebe o "tardio" do evento e tenta explicar: em um "ambiente onde o cientificismo antiideológico e o irracionalismo dominavam a cena cultural, inclusive na área da esquerda, as reflexões filosóficas de Gramsci - desvinculadas daquilo que constituía a sua específica novidade - não tiveram eco".

Tudo se passa com mecanicidade: a "talvez inconsciente divisão de trabalho", "impediu", "formou-se um clima cultural", o "ambiente" do "cientificismo antiideológico" e do "irracionalismo". Tudo se passa como se não se pudesse fazer nada. Como se devêssemos sofrer, de forma passiva, a ação desse clima, desse ambiente. Será que os portadores de teorias tão avançadas como as de Gramsci e de Lukács não tinham como subtrair-se a isso? Relembremos: Primeiro fizeram a "operação Gramsci", despolitizaram, intencionalmente. Depois a culpa, como sempre, foi atribuída aos esquerdistas etc.

Mas a realidade é dura e as evidências são terríveis. Sem se conhecer Gramsci e vendo-se nele apenas um teórico da cultura, como se poderia saber o seu valor? Se o importante era a determinação econômica e se a cultura era um mero efeito ideológico (pelo menos para a maioria dos militantes educados direta ou indiretamente pela vulgata stalinista), se a ideologia era vista apenas como "efeito mecânico da infraestrutura" como epifenômeno, como "forma de enganar os dominados", na melhor das hipóteses, como "falsa consciência", como esperar que Gramsci fosse descoberto? Se sequer os divulgadores usavam as categorias gramscianas na análise da nossa realidade, como aceitar que o cientificismo antiideológico e o irracionalismo foram os grandes culpados? Ou responsabilidade maior cabe àqueles que há mais de vinte anos viviam a "abertura pluralista" e tinham acesso a esses autores? Mas qual não é nossa surpresa ao ler que "somente depois que emergiu entre nós o Gramsci político é que renasceu o interesse pelo Gramsci filosófico e crítico". Mais essa! Surge agora um "emergir" inexplicado como tantas outras coisas.

Novamente, e apesar dos erros é, ainda de dentro do PCB, que se dá o avanço do pensamento de Gramsci no Brasil. Carlos Nelson Coutinho reafirma a justeza da tática do PCB e também da correspondência "na prática à gramsciana ‘guerra de posições"'. Contudo, as "hesitações da direção do PCB" diante do vínculo entre democracia e socialismo e das tarefas daí decorrentes, levam à instalação de uma nova crise. Nova "operação" será tentada, de novo promovida por intelectuais vinculados ao PCB. Trata-se agora de recuperar a "herança gramsciana", momento "privilegiado de uma operação que visava uma ruptura com a esclerose doutrinária do PCB, com os modelos da III Internacional".
O gramscismo teria se fortalecido entre nós, como parte de uma nova teoria do socialismo. Ele "e a elaboração de uma esquerda que se esfacelara, no plano organizativo". Isto não se sustenta. Não há comprovação do peso, teórico ou político do PCB, em relação a essa esquerda "esfacelada". Muito pelo contrário. Coube muito mais ao PT e a setores da esquerda não-filiada aos PCs um imenso esforço teórico e prático de construir uma alternativa. Sempre combatidos aliás por aqueles que se pretendem "revitalizadores" da esquerda. O isolamento crescente dos comunistas "oficiais", seja na vertente moscovita ou albanesa, mostra isso.

Que sucede após esse esforço italiano de reorganizar a "esquerda que se esfacelara"? A direção do PCB "não hesitou em transformar os 'gramscianos' numa pretensa 'direita' que devia ser derrotada depois que a 'esquerda' prestista já o fora". Bem, pelo menos agora eles não hesitaram: Derrota clara dos intelectuais responsáveis pela nova "operação Gramsci". A direção "centrista" usou "procedimentos administrativos", informa Coutinho, para expurgar os intelectuais da "abertura pluralista", somente após ter-se aliado a eles para derrotar o "ultradogmatismo de Prestes", ao mesmo tempo em que se repetia que a democracia é um "valor universal", como manda o figurino. Assim, os "gramscianos do PCB", após o golpe militar na Polônia, só tiveram como alternativa o abandono em massa do partido. E, na sua maioria, caíram no... PMDB.

Aqui a ironia da história se mostra na sua plenitude. Os que queriam revitalizar a esquerda acabaram, ainda mais uma vez, se submetendo aos liberais. E aí ficaram junto com o PCB até que este se legalizou. Separaram-se... mas moravam na mesma casa. Após mais de vinte anos de "abertura pluralista" eles permaneceram hegemonizados. "A 'cidadania brasileira' do marxista italiano Antonio Gramsci" se revela agora claramente: ela é a ata da derrota dos "gramscianos" no interior do PCB. O resto é ilusão. Qual foi o resultado da ação dos "jovens intelectuais"? A ineficácia. Eles saem e Gramsci permanece apenas uma referência de bom tom no PCB; um culto, sem influência real na linha política do partido. Gramsci continua sendo usado.

Só feito esse percurso, Carlos Nelson Coutinho vai falar do gramscismo fora do PCB. Além da Universidade rapidamente citada, ele cita o influxo sobre a teologia da libertação. O trabalho com/sobre o universo conceitual gramsciano é um bom exemplo sobre a importância da Universidade para a teoria marxista no Brasil. Palco de inúmeros confrontos teóricos e ideológicos, ela viveu e tornou possível, no plano da massa, mais do que os ditos PCs, o debate sobre a teoria marxista. Ele sequer dimensiona o problema e sua relevância.

Repensar a trajetória do pensamento gramsciano é uma necessidade que vai muito mais além da história do autor em questão. José Aricó contou como se deu esse processo na Argentina em um belo livro: La cola del diablo. Título sugestivo: O rabo do diabo é uma explicação dada por aqueles que tendem a ver - sempre! - nos resultados negativos de suas ações a presença de fenômenos perturbadores, como a ultra-esquerda, o cientificismo antiideológico e o irracionalismo.

Quem acompanhou os textos de Carlos Nelson Coutinho constata que as elaborações da teoria política do PCB parecem mais produtos da elaboração italiana do que da análise da realidade nacional. A elaboração de uma visão crítica e de teses adequadas à nossa realidade pelo PCB não aparecem. A separação entre análise de conjuntura/estratégia/tática, tal como nos foi descrita, é, para nós, uma revelação muito precisa de como e por que o pensamento gramsciano não cabia na matriz PCB. No entanto, para os "jovens intelectuais" do PCB isso poderia ter sido superado: eles leram "bem" os italianos. Pena que a realidade brasileira não tenha sido um bom laboratório para a produção deles. Se assim fosse, quem sabe, o debate e a prática política teriam sido mais ricos e eficientes.

Edmundo Fernandes Dias é professor da Unicamp.