Mundo do Trabalho

O presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo explica por que a categoria não aderiu à última greve geral marcada pela CUT, afirma que sindicato revolucionário é o que não pertence a partido e conclui: o diálogo com o governo é importante, desde que a base esteja organizada.

Vicente Paulo da Silva, o Vicentinho, natural do Rio Grande do Norte, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo é indiscutivelmente uma das maiores lideranças sindicais do Brasil. Na última greve geral marcada pela CUT para 22 e 23 de maio, os metalúrgicos de São Bernardo não pararam. A diretoria do sindicato e Vicentinho, em particular, foram duramente criticados por cutistas e até mesmo acusados de traição. Nesta entrevista concedida à Teoria & Debate no dia 27 de julho, Vicentinho explica os motivos desta decisão e fala do sindicalismo de São Bernardo e dos problemas da CUT.

O Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo ficou fora da ultima greve geral e foi até acusado de tê-la boicotado. Isso é usado até mesmo por Luís Antonio Medeiros e outros segmentos. Por que São Bernardo dessa vez não entrou na Greve Geral?
Em primeiro lugar, em nenhum momento nós ferimos os princípios que norteiam a nossa vida sindical e a Central Única dos Trabalhadores. Em segundo, nem merece resposta a postura de Medeiros nessa greve, que é condenável por dois aspectos. Inclusive porque ele nem estava aqui na época da greve, estava em Portugal. É lamentável e condenável um dirigente sindical achar graça e gostar que uma greve não tenha tido o sucesso que todos nós queríamos. Isso é realmente se aliar à classe dominante, se aliar à direita raivosa. Terceiro, a avaliação que nós temos é de que, embora a greve não tenha tido o sucesso esperado nós reafirmamos que foi positiva, oportuna, justa e que é ilusão de qualquer um de nós imaginarmos que uma greve geral no Brasil só vai ser um sucesso total se paralisarmos 100% dos trabalhadores. Mais dia, menos dia, quando nós marcarmos greve nesse país, vamos encontrar uma ou outra categoria que tenha um outro problema e que, portanto não queira participar, por razões particulares. Nós tivemos a coragem de dar uma satisfação através de documento, de várias palestras que ocorreram pelo Brasil afora, encarando esse debate com a maior tranquilidade. Mas companheiros de outras tendências, que não fizeram greve em sua categoria, não deram explicação. Quer dizer, das duas uma, ou mentiram para nossa direção, a Executiva da CUT, ou foram incapazes de fazer uma leitura correta da sua categoria.

Qual categoria, por exemplo?
Campinas, onde os companheiros da CUT Pela Base são referencial, os metalúrgicos não paralisaram. São José dos Campos e os metalúrgicos de Belo Horizonte que têm na sua direção os companheiros da Convergência Socialista também não pararam.

Qual é o motivo que eles dão para não terem aderido à greve?
Eu não ouvi nenhuma desculpa até agora. Um deles que foi presidente da CUT de Minas Gerais, com uma postura de mau-caráter, declarou raivosamente, que, se a greve não teve sucesso, o culpado era o Vicentinho.

Mas por que vocês não fizeram greve?
1990 foi um ano de profundas dificuldades para mobilizar a classe trabalhadora. Era um governo novo, tinha um "pacote novo", embora todos nós, dirigentes, soubéssemos que o "pacote" ia trazer arrocho e desemprego, mas a grande massa não sabia. A CUT, já estava preparada e já sabia que era preciso lutar contra esse governo. Foi isso que nós fizemos ao longo de todos esses meses. A primeira luta foi exatamente nos meses de janeiro, fevereiro e março. Foram greves contra as demissões, greves que levaram seis, oito dez dias. A gente conseguiu com essas greves, em algumas empresas como na Autolatina impedir as demissões. Foi uma greve que consideramos vitoriosa e que contribuiu para o movimento operário brasileiro. Nós estávamos apostando e lutando para que houvesse uma greve geral nesse país. No nosso entendimento a greve geral deveria ser no dia 15 de março, quando Collor de Mello completaria um ano de governo. O PIB já tinha caído 4,5%, a indústria estava tendo uma queda de 8% e o desemprego já estava muito maior do que a crise de 81/83. Fizemos a sugestão à Central, que fez uma avaliação nacional e achou que não era o momento. Entretanto, no Encontro Nacional dos Metalúrgicos da CUT, realizado em Vitória, nós decidimos que o protesto marcado para dia 15 seria com uma greve geral. E foi aprovado, enquanto a CUT, em nível nacional, dizia não à greve geral mas sim a um protesto com greve. Isso dificultava a nossa campanha pela greve aqui. Mas, mesmo assim, no dia 15 de março, São Bernardo do Campo e Diadema estavam inteiramente paralisadas. Não só essas duas cidades, mas também vários trabalhadores aqui da região e metalúrgicos do estado. Qual não foi a frustração quando no dia percebemos que os metalúrgicos do país que haviam defendido aquela idéia, não paralisaram. Os trabalhadores do estado de São Paulo, orientados pela CUT, também não entraram. Foi uma frustração.

Qual a data-base de vocês?
É primeiro de abril. Depois, entramos numa luta corporal. Uma greve séria, estratégica, envolvendo toda a categoria contra a proposta da Fiesp. E, nesse período, tivemos oportunidade até de desmoralizar o Medeiros que tinha feito um acordo na Fiesp de 89%, que nós rejeitamos de cara. E fomos para o pau em busca de mais salários. E com greves que duraram em alguns casos 10, 20 e até 36 dias, nós conseguimos recuperar as perdas de abril do ano passado a abril deste ano, num feito extraordinário - quando categoria nenhuma, infelizmente, havia recuperado suas perdas no Brasil. Então, nós achamos que demos uma bela contribuição. A greve geral, nos dias 22 e 23 de maio, era um processo para a qual a gente também vinha se preparando. Mas a gente foi percebendo que os trabalhadores cansados, com suas perdas recuperadas e também desconfiados, se o país ia parar ou não, não estavam animados. Além disso, a greve foi marcada quando estava no governo uma equipe econômica e foi realizada com outra. Mudou, portanto, o clima geral. Fizemos assembléias, tentamos convencer e ouvimos a nossa militância, as comissões de fábrica, a comissão de mobilização, a estrutura democrática do nosso sindicato. Por unanimidade, eles decidiram que não havia condições de entrar em greve. Nosso papel é assumir o que os trabalhadores decidirem. Então, eu tomei o cuidado de avisar o companheiro Meneghelli e colocar o nosso quadro geral, numa plenária da CUT Estadual. O meu papel foi assumir aquilo que a categoria decidiu. É verdade que, quando uma categoria está em luta, está em greve, e todo mundo ganha, é a categoria que é uma maravilha. Quando não acontece a greve, é culpa do presidente, está certo? Mas eu quero que venham consultar os trabalhadores para ver se a gente agiu corretamente ou não. Nós teremos outras greves. Mas nós queremos discutir a forma e o momento da greve, o processo de votação e deliberação dos trabalhadores. Queremos discutir como é a relação da direção com os trabalhadores e também a relação de uma greve geral com a sociedade.

No fundo você revela que existam processos com os quais você não está satisfeito?
Eu revelo que me senti muito mal, quando percebi durante a greve um grande número de trabalhadores indo trabalhar. É só verificar a quantidade dos ônibus em relação a outras greves. Vi na televisão coisas que me deixaram machucado. O povo não estava entendendo o quanto era justa a greve. Isso foi muito mau para nós porque estávamos nos defrontando com os trabalhadores. Isso merece uma boa reflexão.

A greve geral tem várias interpretações. Para alguns, ela antecede uma revolução porque tem um clima insurrecional evidente. Ela é vista como um instrumento de tomada de poder. Para outros, a greve geral já está incorporada à vida da sociedade. É o que se observa nos países europeus. O que é a greve geral para você?
Ela é um estágio equivalente a uma greve por categoria. Você pode fazer uma greve por categoria, em que você brigue apenas por aumento, sem ter um saldo organizativo de consciência. Você pode fazer uma greve geral contra medidas econômicas e contra o governo e não ter o mesmo saldo. A greve geral poder se feita tanto no período pré-revolucionário como em qualquer período, desde que você, depois da greve, faça uma reflexão e diga qual foi o seu saldo. Onde foi que nós evoluímos? Qual o próximo passo a ser dado? A greve geral não pode ter a data como referencial. Para nós, o referencial é a organização. O que ocorre no Brasil? A gente marca a data e então saímos correndo atrás dela. Aí, a conjuntura muda, a chuva passa, vem o sol, vem a geada, vem o diabo-a-quatro, chega o dia e tem que fazer greve. Isso é um absurdo! Eu não quero, de forma nenhuma, que se entenda isso como crítica a esta greve. Mesmo porque a CUT desenvolveu o melhor processo, quando fez plebiscito, fez assembléia. O problema é que os dirigentes sindicais de nosso país - eu não digo a direção da CUT - tiveram dificuldades para assumir a situação real de suas categorias. Quem fez a greve está de parabéns, trabalhou correto, foi perfeito.

Existem categorias que, pela avaliação feita pelos seus principais dirigentes nacionais, indicaram uma realidade oposta. Fizeram plenárias nacionais, encontros dos dirigentes, apontando que a categoria estaria disposta a participar da greve geral. Mas o resultado não foi esse.
Tem uma coisa que é mágica. A gente faz tudo perfeitinho, mas às vezes, por alguma mágica a peãozada não está com vontade de fazer a greve. Você só é capaz de responder a essa mágica se você estiver muito ligado a essa peãozada, se tiver uma relação muito estreita com a base. E não dá para ser ditador. Nos Estados Unidos, o pessoal fazia greve na base do porrete. Então, ameaçar bater, quebrar, o diabo a quatro, isso amedrontava e o povo entrava em greve. E foi dando certo. Os grevistas foram gostando e foram se viciando, acabaram virando máfia, gângsteres. Não é isso que nós queremos.

A palavra de ordem: "Greve Geral" está desgastada ou não?
Não, eu acho que não. Não se pode ter greve geral toda hora, porque aí desgasta. Na primeira greve geral depois de 64, que nós participamos e puxamos, não parou nem 30%. Todas as greves tiveram seu papel. A de 89, por exemplo, foi importantíssima. Tem greve que serve para chamar a atenção do governo; tem greve que já é para chamar a nossa atenção Vamos refletir. Se a gente não reflete e mantém o mesmo discurso e a mesma prática, acaba falando no vazio.

A Greve Geral continua sendo uma bandeira de luta?
Continua sendo uma bandeira muito importante, uma ferramenta muito forte. Entretanto, é uma ferramenta limitada e que não pode ser usada em qualquer momento. Eu sempre disse que a CUT, da qual faço parte, cometeu alguns erros. Agora, não. Foi lançada uma campanha SOS Salário, uma campanha Caça-Benzeno. Vai sair uma outra, agora, sobre o Fundo de Garantia; estamos brigando contra o abuso do Imposto de Renda. É preciso preencher esses espaços. É preciso ter uma visão estratégica muito clara.

Na sua opinião, qual seria a principal marca de São Bernardo do Campo nesses últimos doze anos do novo sindicalismo?
Antes de mais nada, São Bernardo do Campo mudou porque o Brasil mudou. E, quem sabe, São Bernardo tenha ajudado o Brasil a mudar. Vou dividir a nossa vida em quatro fases importantes. A primeira foi a fase das grandes mobilizações (78,79,80), das grandes greves, quando sofremos duas intervenções e várias prisões. A gente aprendeu uma lição nesse período: que não bastava apenas mobilização. Se você não mobilizar de forma organizada, se não mantiver como saldo a organização permanente, a gente acaba derrapando na história. Começamos a investir na organização. O período de 81 a 85 foi de grandes mobilizações, com greve "vaca-brava", operação "arrastão" etc. Mas também foi um período de organização da base. De 81 para cá, nós resolvemos mudar o caráter das Cipas (Comissão Interna de Prevenção de Acidentes), transformando-as em combativas. Conseguimos conquistar as comissões de fábrica. Em 85, entrou o governo Sarney, com um discurso moderno, e nos deu uma "dura" muito grande, na greve pela redução da jornada de trabalho que durou 45 dias. O então ministro Almir Pazzianoto, que era funcionário do nosso Sindicato, quebrou o nosso movimento, quando orientou as demissões do pessoal da base, em vez de cassar as direções. Porque a base é que fazia greve. Com o novo governo, era necessário fazer um novo investimento, não bastava estar mobilizado e organizado. Era preciso investir na formação da classe trabalhadora: o conhecimento de teorias; as histórias das revoluções no mundo, desde a União Soviética à revolução na Nicarágua, passando por Cuba e China. Eram conhecimentos que estavam na cabeça de alguns companheiros. Foi importante aprender a negociar, aprender a falar em público, aprender a conhecer leis. Foi o período da formação, importantíssimo: a gente mobilizava, a gente organizava, mas a gente também formava. Foram realizados cursos mais profundos para a militância, cursos básicos para a grande massa. Paralelamente a isso, desenvolvemos uma política cultural com atividades recreativas, mas sempre destacando o aspecto libertador, o que tem dado uma grande sustentação à nossa luta. Pois bem, hoje nós queremos entrar numa nova fase. Queremos introduzir o sindicato como um sujeito social. Quer dizer, além de brigar pela questão salarial, pelas das condições de trabalho, emprego etc. Nós também queremos discutir política industrial. Queremos discutir contrato de trabalho, meio ambiente, queremos estar ao lado, respeitando a autonomia, mas junto ao movimento popular, seja de mulheres, seja de favelados, seja de negros e assim por diante. Foram criadas várias comissões com a participação direta dos trabalhadores eleitas por eles próprios. Nosso sindicato tem um departamento de saúde não-assistencial, voltado para a saúde preventiva. Tem uma Comissão de Saúde eleita pelos próprios trabalhadores, levando uma política de saúde ocupacional que teve uma profunda influência na Constituinte Estadual. Nós temos um departamento de formação, onde os professores são os próprios trabalhadores. Nós publicamos um jornal com uma distribuição diária de 51 mil exemplares, pela militância. Nós temos uma revista, que tem uma tiragem de 80 mil, chegando até a casa e a família do associado, aprofundando o debate - a revista Ligação. Estamos brigando por uma rádio, não só porque queremos democratizar os meios de comunicação, mas também garantir a cultura de origem do nosso povo, que é violentada pela comunicação de massas. Temos também grupos que discutem a questão da mulher e do negro, da mesma forma que apoiamos na prática a luta dos trabalhadores sem terra.

Qual o resultado disso tudo?
Avanço nas conquistas, respeito do empresariado e um aumento real na nossa sindicalização: em 1980, o nosso sindicato tinha 34 mil sindicalizados; em 1984, 45 mil; em 1987, 54 mil e agora estamos com 80 mil sindicalizados.

Isso equivale a quanto em termos percentuais?
Em torno de 75% de trabalhadores sindicalizados, quando a média na CUT é de 28%. Além disso, a gente ainda ousa devolver o imposto sindical a todos os trabalhadores, sócios e não sócios, e não cobrar um centavo, como ocorreu este ano, de contribuição assistencial; além de devolver, inclusive, a parte que ficaria com os pelegos, com o Medeiros, a da Federação e a parte do governo.

Essa situação é geral nos sindicatos vinculados à CUT?
Infelizmente, companheiros que dizem que o sindicato é revolucionário, que nos fazem críticas, têm os seus sindicatos afundando, perdendo sindicalizados, parados na história, fazendo do sindicato, muitas vezes, instrumento do seu próprio grupo. Precisamos entender o papel do sindicato. Se para uns, o sindicato revolucionário é pegar o dinheiro do sindicato - não estou dizendo que isso acontece - para colocar na sua tendência, isso para mim é ter uma prática de direita. Sindicato revolucionário é o que entende o seu próprio papel. É o que sabe que o sindicato não é do PT, nem de nenhum partido político, que o sindicato é de toda a massa e que ele é capaz de, mesmo politizando, aglutinar todos os trabalhadores.

É possível afirmar, então, que embora o sindicato de São Bernardo mantenha a sua origem, a sua prática classista, ele è pluralista nas suas relações e na sua política?
Claro. Ele tem que ser. Se não for pluralista, será setor sindical de alguém, uma seção sindical de algum partido.

Há muitas criticas ao Jair Meneghelli por causa da postura dele de dialogar com setores do governo. Como você vê isso?
Foi correta a ida do Meneghelli às discussões sobre o entendimento nacional. Inclusive, foi aprovada por 70% das assembléias realizadas pela CUT em todo o país. Todas as vezes que eu estive conversando com alguém do governo foi tratando de uma situação específica do nosso sindicato. Eu fui falar por exemplo com a ministra Zélia Cardoso de Mello. Só que enquanto eu estava lá, os nossos companheiros estavam fazendo passeata na avenida Paulista, fechando o trânsito. Enquanto eu estava conversando com o presidente da Autolatina a peãozada estava invadindo a própria fábrica. Conversar é importante mas desde que você tenha a base organizada.

Paulo de Tarso Venceslau é membro do Conselho de Redação T&D.