Fazendo as contas, agora, são pelo menos cinco sequestras na vala de Paulo de Tarso Venceslau, o PT do PT, atual vice-presidente da CMTC na prefeitura de São Paulo. O primeiro aconteceu em Taubaté, ou mais exatamente, nas proximidades pouco exatas de Taubaté. Nosso entrevistado era presidente (de direita) do Grêmio Estudantil do Colégio Monteiro Lobato, em 1961. Sua chapa, "Alvorada", derrotara a concorrente "Diretrizes e Bases". "Alvorada" vitoriosa, organizou uma excursão para a cidade de Lorena e, na volta; com a estudantada embriagado, o vagão juvenil teve suas luzes apagadas no trem para Taubaté. Beijos no escuro. Um certo professor achou aquilo barbaridade e PT foi expulso do Colégio. Foi terminar seu curso em São José dos Campos, acusado de, no mínimo, desviar os secundaristas. Um sequestro, digamos, rascunhado.
Depois ele se aprimorou. Sequestrou no duro um artista plástico na Maria Antônia e aprisionou igualmente duas militantes da Ação Popular, no episódio mais tarde famoso como "o sequestro da Drozila". Sua quarta ação neste sentido vitimou um cidadão americano, Charles Elbrick no Rio de Janeiro, em 1969. Esses três ele conta na entrevista abaixo mas o último ele omite. No quinto sequestro de sua vida, o PT levou a pior. Foi no ano passado quando o presidente da República lhe arrancou as economias do banco. O mundo dá voltas e, de um jeito ou de outro, temos um sequestrador na presidência da República.
Nascido há 48 anos em Santa Bárbara do Oeste, filho de um médico integralista que escreveu a cartilha "O Integralismo ao Alcance de Todos" (traduzida para o alemão e para o italiano), PT só foi acordar para a esquerda quando cursava faculdade, na década de 60. Do "sequestro" da estudantada bêbada até sua prisão em 69, foram anos de intensa atividade. Foi vice-presidente do Centro Acadêmico da Economia da USP (mas só terminaria o curso depois de cumprir cinco anos atrás das grades) e o responsável pelo esquema de segurança do lendário Congresso da UNE em Ibiúna, descoberto pela polícia. PT diz aqui que não teve culpa em Ibiúna e abre um monte de outras histórias sobre as quais pesa uma espécie de pacto de silêncio. É hora de trazê-las a público, tarefa que cabe à seção Memória de Teoria & Debate. Paulo de Tarso, criador e membro do Conselho de Redação desta revista, se dispõe a contar o que sabe e o que viveu, numa contribuição humilde para que o esquecimento não seja a laje fria a selar o sepultamento dos detalhes mais humanos de um sonho que virou pesadelo. 68 não pode fugir da memória próxima, para que não se torne mito inútil na memória distante. (EB)
Você se sente ridículo dando esta entrevista?
Ridículo, não. Talvez um pouco constrangido por ser também membro do Conselho de Redação de Teoria & Debate. Entretanto, acho que as histórias sobre 68 e sobre o período da luta armada no Brasil têm muitas vezes um cunho "oficialista". Essas versões acabam deixando de lado o fator humano, que é contraditório: cheio de dúvidas e vacilações de um lado, mas também repleto de certezas de outro. É preciso começar a falar sobre essas coisas. É preciso tirar 68 do Olimpo.
Por que te atraia o movimento estudantil?
Eu me sentia muito bem fazendo aquilo, achava que ia resolver os problemas do mundo em alguns minutos, num processo milagroso. Aí caí na política estudantil e tinha que parar para enfrentar os debates. A linguagem dos grupos de esquerda era grego puro para mim; eu não entendia porque era muito codificada.
Então você começou a estudar?
Eu fui obrigado a ler, cair no velho esqueminha, andar com O Estado e a Revolução, de Lenin, debaixo do braço, lendo nos ônibus. Mas nessa época não aprendi muito. Minha formação marxista se deu na cadeia, quando estive preso.
Você chegou a entrar no Partidão?
Não, eu fui área de influência da Dissidência aqui em São Paulo, que foi dar na Ação Libertadora Nacional, isso mais por causa das relações de amizade. Depois teve a famosa briga da rua Maria Antônia em 67, nas eleições da UEE (União Estadual dos Estudantes), quando o CCC (Comando de Caça aos Comunistas) invadiu a Faculdade de Filosofia da USP e nós tivemos enfrentamento de rua, porrada mesmo. Uma vez o físico Mario Schemberg foi falar na Economia, que era ali na rua Dr. Vila Nova perto da Maria Antônia e o CCC invadiu a faculdade, saiu pau. Eu estava ideologicamente ganho pela esquerda e, nesse processo de radicalização, fui me aproximando da Dissidência, principalmente através do Aloísio Nunes.
Atual vice-governador de São Paulo?
Sim, ele era da Faculdade de Direito do Largo São Francisco. Em 1968 foi presidente do Centro Acadêmico "XI de Agosto". Em 68 eu já estava muito próximo desse pessoal, da Dissidência, e com uma visão que na época era muito simplista, de que a revolução estava iminente. O descontentamento popular estava presente, a classe medito ouriçada, quem desse o primeiro tiro levava as massas atrás de si. Eu já tinha essa visão fatalista por causa de Cuba, do Vietnã, dos enfrentamentos, tinha uma situação que já criava o clima e, para completar já estava lendo Que fazer?, de Lenin, e outros textos que começavam a circular clandestinamente, textos de organizações. Então fui me posicionando: reformismo jamais, pacifismo, nunca; e contra a Ação Popular (AP), porque fui convencido de que ela era porra-louca, que tinha só discurso. Na eleição da UEE em 67, em que o Zé Dirceu foi eleito, contra a Catarina Mellone que era da AP, eu fiz campanha para ele, que além do mais era meu amigo. Naquela altura do campeonato, com essa campanha, acirraram-se os ânimos contra a AP, que tentou um golpe na época para fajutar as eleições. A gente flagrou-os com a boca na botija. Eu participei dessa armação.
Como armação?
A AP fraudou as eleições. Já estávamos seguindo os carros com gente dela que estava encarregada de buscar resultados das umas no interior do estado. Aí, descobrimos que estavam falsificando o resultado eleitoral num apartamento da rua Caio Prado. Demos um flagrante. Eu fazia parte da Comissão Eleitoral e tinha duas meninas, a Irene, que era da Faculdade de Enfermagem, e a Drozila, que era da PUC, ambas da AP. Eu cheguei na reunião da Comissão Eleitoral e elas disseram que não ia haver reunião nenhuma. O que fizemos? Pegamos as duas meninas botamos no carro e seqüestramos. Levamos para um apartamento onde apareceriam depois o Rui Falcão e o Fernando Ruivo, que eram os chefões. Foi engraçadíssimo. A nossa intenção era dar uma dura. Elas tinham feito sacanagem com as listas, nós tínhamos provas. Nós falávamos: "vocês vão confessar!".
Vocês ameaçavam a mulherada com violência sexual?
Ameaçávamos: "olha a cama está ali". E no final elas confessaram, assinaram um documento inclusive. Lá pelas tantas soltamos as duas. De manhã, quando nós fomos para a Maria Antônia, estava o maior burburinho: denúncia de sequestro, tinham sumido com as duas; e nós dizíamos: "vocês são loucos, não aconteceu nada disso". Elas só foram aparecer na hora do almoço.
Quer dizer que já nessa época o sequestro era sua vocação... mas e aí? Como é que se deu essa vinculação com a luta armada?
Se deu a partir da primeira ocupação de escola, feita na Economia. Na faculdade na tomada de 68, acho que em março, já tínhamos necessidade de preparação quase que militar.