Economia

Para enfrentar a inflação e os índices expurgados do governo, a sociedade busca outros fatores de correção para evitar perdas. O resultado é uma torre de babel, em que já não se sabe qual valor real da moeda. Neste labirinto, recuperar poder de compra do salário mínimo é um caminho.

Várias medidas são usadas para mensurar ou corrigir os salários. Variam também os equívocos e manipulações, observados no uso de tais medidas. Assim, uma análise dessas medidas, para avaliar os diversos usos que se fazem delas, tem importância vital para os trabalhadores.

É o que faremos neste estudo. A análise se centrará em algumas das formas de mensuração dos salários: a) índices de preços; b) salários em dólar; c) salário mínimo.

Um índice de preços é calculado, modo, da seguinte forma: 1º) a partir de uma pesquisa de despesa, forma-se uma amostra de mercadorias, arranjadas de acordo com o padrão observado de despesas e consideradas aos preços do período mais regular, chamado de período base. A esta amostra é atribuído um índice "100,0", sendo o peso de cada mercadoria proporcional à sua importância na despesa-padrão; 2º) periodicamente, coleta-se os novos preços cobrados por aquelas mercadorias, dividindo cada um desses preços por aqueles da mesma mercadoria no ano base. Resultam, destas divisões, índices individuais de cada mercadoria, que somados ponderadamente (de acordo com o peso de cada mercadoria) darão um índice global da amostra. Dividindo este índice pelo do período anterior, tem-se a variação de preços no período.

O que este índice nos indica, em primeira instância, é a variação no valor da moeda. Preço nada mais é que uma relação de valor de uma (ou mais) mercadoria(s) face a uma moeda. Variações positivas no índice revelam uma perda no valor da moeda; negativas, um ganho.

Sendo uma renda monetária, os salários são atingidos por essas variações no valor da moeda. Daí o interesse dos trabalhadores nos índices de preços: dominá-los é um modo de escapar à ilusão monetária.

Evidentemente, as perdas ou ganhos salariais serão diferentes, se os índices estiverem baseados numa amostra composta por todos os grupos de mercadorias (bens de produção e de consumo) ou se apenas no último grupo. Noutros termos, se se tratar de um índice Geral de Preços (IGP) ou de um índice de Preços ao Consumidor (IPC).

Como o trabalhador consome apenas bens de consumo, seria mais justo corrigir seus salários nominais por um IPC. Mas se a idéia é tomar o índice escolhido como medida nacional de variação dos preços, então entram os interesses das demais classes e do próprio Estado. É em torno desta escolha que tem girado a batalha dos índices de preços no Brasil. Sendo esta batalha a que nos interessa, discutiremos os elementos metodológicos e políticos da escolha a partir dos índices brasileiros.

Nos países de baixa inflação, só os trabalhadores e parte da burguesia rentista seguiam pelos índices de preços para correção monetária de suas rendas. Os capitalistas-empresários fixam seus preços baseando-se nos seus custos e/ou procura. Com efeito, os IPC são adotados como medida nacional de preços. Mas, para o cálculo do PIB real adota-se, como aqui, o deflator implícito, o mais amplo dos IGP. O inconveniente deste índice é o prazo para obtê-lo: por trimestre, no mínimo.

No Brasil, como na maioria dos países do Terceiro Mundo que vivem uma super ou hiperinflação crônica, os índices regulam quase todos os preços - sendo tratados, por isto mesmo, como instrumentos de política econômica. Neste sentido, o fenômeno da indexação confunde-se com a politização dos índices de preços. Nas ações do Estado, ela é bem manifesta: oscila-se entre uma desindexação parcial (uso oportunista de expurgos, ou substituição dos índices) impondo um índice que subestima a alta dos preços - e uma desindexação geral.

Já que a inflação persiste, a resposta das classes a essas ações estatais tem sido buscar outros índices ou outros indicadores do valor da moeda nacional. O resultado é uma torre de babel, onde já não se sabe, no meio de tantos índices, qual é o valor da moeda; o que igualmente abre brecha para extorsões e uma anarquização geral no mercado.

Até fins de 1985, o problema com as medidas de inflação não era tão crítico. O IGP-DI (Disponibilidade Interna), da FGV do Rio de Janeiro, era o indicador oficial da inflação brasileira e o INPC (índice Nacional de Preços ao Consumidor), do IBGE, o indexador dos salários. A partir de então, como convém a uma questão legal envolvendo interesses privados conflitantes, o IGP-DI foi substituído por um índice estatal: o IPCA (Ampliado), do IBGE. Porém, o governo da "Nova República" desacreditou os índices do IBGE, na medida em que o Ministério da Fazenda, usando-os como instrumento de política econômica, fez sucessivas trocas entre os indicadores oficiais da inflação (ora o WC, ora o IPC1 e/ou os adotava com expurgos (os sem expurgos eram publicados, mas perdiam o caráter de medida oficial). Com isto, capitalistas e trabalhadores começaram a se voltar para os índices que consideravam os mais adequados. Os primeiros se inclinaram pelo IGP-DI, a par dos ativos monetários (BTN e dólar). Já os trabalhadores - mais exatamente, os inseridos nos setores mais avançados - reivindicam o IPC Dieese.

Este azáfama de índices consolidou um particularismo no qual se perde de vista a preservação de uma única moeda. É conveniente superá-lo. No âmbito dos índices, a saída seria dar coesão às decisões estatais e às de mercado em torno de um único índice de preços. Em verdade, este é um dos pressupostos da estabilização da moeda nacional e da própria desconcentração das rendas.

É verdade que uma super ou hiperinflação dificulta tal coesão, pois as diferenças entre os índices tornam-se grandes, em termos absolutos, empurrando os grupos mais ágeis para os índices (ou moedas) que mais lhe convém. Porém, não é necessário, para o acerto da proposta, um controle sobre todas as decisões econômicas, mas apenas sobre aquelas, como os índices de preços, que deixaram a esfera do mercado e se tornaram também políticas e centralizadas. Um afinamento das centrais sindicais em torno de um índice único, seria talvez o elemento-chave para se firmar uma consciência que bloqueasse as manobras governamentais, além de fortalecer a unidade operária.

Isto posto, a questão a examinar é qual o melhor índice.

Examinando a tabela, percebemos que os índices, com tendência para apresentar maiores variações, foram o IGP-DI e o Dieese, já os para menor foram o INPC e Fipe (da Economia USP). O IPCA ficou num nível intermediário. De fato, no acumulado dos dez anos (1980-89), o IGP-DI acusou uma variação de 24.721.000%; o Dieese de 23.804.000%; o IPCA de 21.276.000%; o INPC de 18.041.000% e o Fipe de 12.330.000 %. Uma vez que os procedimentos matemáticos são idênticos - a exceção é o Fipe, que emprega generalizadamente a média geométrica, acusada de viés baixista -, a explicação para tais diferenças, entre os índices recai em suas amostras.

Por aproximação, e pela própria experiência, podemos concluir que os índices, cujas amostras refletem um dispêndio de mercadorias, típico de famílias de maior renda, tenderam a variações mais acentuadas. No caso do IGP-DI, pesa ainda o fato de contemplar preços no atacado e os bens de produção - nas crises, o preço relativo destes bens como dos bem de consumo mais sofisticados tende a se elevar. O índice Dieese, a partir de sua última pesquisa (1982-83), envolve famílias de todas as classes sociais, aí incluídas as de renda de trinta salários-mínimos. Nos índices do IBGE, a amostra do INPC é representativa do consumo de famílias de renda de zero a cinco salários-mínimos e o IPCA de zero a 32 salários-mínimos. Não temos o enquadramento das famílias da amostra Fipe por faixas salariais, mas o texto explicativo sugere uma faixa bem baixa2; inferior a do INPC.

Há uma impropriedade no IGP-DI que o desqualifica totalmente: apesar de tomar também os bens de produção, os pesos atribuídos aos três índices que o compõem 0,6 para o IPA (Atacado); 0,3 para o ICV e 0,1 para o ICC (Construção) - são totalmente arbitrários. Além do que, estes índices são baseados apenas na cidade do Rio de Janeiro. Esta mesma limitação atinge as amostras do Fipe e do Dieese; ambas são regionais (município de São Paulo). Apenas, os índices do IBGE se baseiam em levantamentos nacionais; ambos são levantados nas regiões metropolitanas das dez principais capitais brasileiras. A partir de junho de 1990, com base em novas pesquisas, passaram a cobrir onze regiões metropolitanas. Além disto, por conta da depreciação do salário-mínimo, o INPC passou a cobrir famílias de zero a oito salários-mínimos e o IPCA de zero a quarenta salários-mínimos.