Nacional

O Brasil não possui outros partidos com a perspectiva do PT. Somos os únicos que podem reunir linguagem popular, mística para a luta, base operária e propostas para um futuro democrático. Só nos falta energia para arregaçar as mangas

Com apenas dez anos de história, o Partido dos Trabalhadores já tem três gerações de militância. A da resistência, formada na luta contra a ditadura, entre 1964 e 1985. A reivindicatória que, em torno do movimento sindical, lutou pelos direitos dos trabalhadores, pelas eleições diretas, pela democracia e pela anistia. E uma geração que, percebendo a possibilidade do PT ser alternativa de poder no país, avança da reivindicação de grupos para a formulação de propostas viáveis para uma nova sociedade no Brasil.

Até 1964, as esquerdas brasileiras tinham uma posição ativa na formulação das propostas em debate pela sociedade. A esquerda fazia sua agenda, ao lado do povo. A partir de então, as forças de esquerda passaram à resistência e caíram na defensiva, passando a reagir aos temas das agendas formuladas pela direita. Com isto perderam a iniciativa de formular alternativas para o conjunto do país e mesmo de fazer as necessárias autocríticas.

Apesar disto, raramente a esquerda teve diante de si um quadro tão potencialmente rico para propor o debate dos temas que ela deve elaborar junto com a sociedade. E, dentro das esquerdas, nenhum partido tem as possibilidades, a obrigação e a urgência do Partido dos Trabalhadores.

Hoje, o PT é o único partido que tem uma sólida base sindical, uma massa crítica de pensadores e uma estrutura nacionalmente implantada. Por outro lado, é um partido que já nasceu sob o desejo de um socialismo democrático, sem o ônus do socialismo real.

Mas, para levar adiante o seu potencial, o PT deve definir uma agenda própria. Deve realizar um intenso debate entre seus quadros e levar suas conclusões para o povo.

A retomada da utopia

A construção do esforço político na luta reivindicatória, ao lado da crise do socialismo, tem feito o PT perder o sentido de utopia. Na maior parte do tempo, a luta política se dá em torno das reivindicações salariais e sindicais ou eleitorais. No entanto, o PT não pode deixar de sonhar e ter um compromisso com uma sociedade utópica.

A crise no Leste Europeu, longe de ser um empecilho, representa uma libertação dos conceitos antigos. O PT surgiu como um partido sem medo de sonhar e sem culpa em relação ao passado de outros partidos de esquerda. Tem todas as condições para avançar na formulação de uma utopia possível para o país. A tarefa é definir o tipo de sociedade e menos o nome do regime que esta sociedade terá.

O partido deve preocupar-se com o conteúdo de uma sociedade sem exploração, com soberania para o uso de seus recursos, democrática no seu funcionamento político e socialmente caminhando para a igualdade, eficiente na sua economia. Deixando o formalismo e a categorização desta sociedade para os teóricos, saindo da posição acadêmica, o PT criará uma nova linguagem para explicar o mundo futuro que desejamos construir.

No entanto, ao assumir o lado do trabalho, dentro do esquema da civilização industrial, os militantes deixam de perceber que o mundo caminha para formulações que vão além da atual concepção do paradigma civilizatório, que incorpora metas como o equilíbrio ecológico, a liberdade, a conquista do tempo livre, o valor da cultura.

A pauta do povo

Algo está errado em um partido de esquerda que tem proposta clara para a diminuta parcela de trabalhadores com salários de até quinze vezes a renda per capita nacional, com vantagens e benefícios como estabilidade e semana inglesa, mas que ignora milhões de trabalhadores e microempresários, como ambulantes, motoristas de táxi, pequenos proprietários rurais, que trabalham doze a quatorze horas por dia, sem quaisquer direitos.

Os resultados eleitorais mostram que nem sempre os excluídos votam no PT. Os demagogos da direita, em diversos momentos, conseguiram dar a impressão de que o PT e as esquerdas defendiam privilégios.

A primeira obrigação de um partido popular é conhecer e se comprometer com uma pauta de reivindicações que reflita os interesses do povo. Lamentavelmente, nem sempre as esquerdas e o PT têm demonstrado clareza sobre esta pauta. Concentram-se basicamente nas reivindicações salariais dos grupos sindicalizados e organizados. Ou limitam-se a reagir, com uma antipauta, ao que a direita propõe.

O povo brasileiro tem uma variedade de interesses que não cabe em uma lista de reivindicações que se limite a emprego e salário. Por isto, muitas vezes, o partido termina tendendo mais para os grupos assalariados de renda média do que para as grandes massas.

A discussão para a identificação de uma pauta que capte os desejos não apenas dos explorados, mas também dos excluídos do sistema e que incorpore seus interesses econômicos e seus projetos para o futuro do país é um tema central.

A evolução social do Brasil

Embora menos do que os demais partidos, o PT mantém uma visão tradicional sobre a evolução social do Brasil. Assume que o avanço técnico é o caminho necessário e suficiente para o desenvolvimento social. E que o capitalismo é uma etapa necessária para este avanço.

Até os anos sessenta era lícito pensar que interessaria aos capitalistas uma reforma agrária que incorporasse as massas rurais que, além de baratear os preços dos alimentos, aumentasse a demanda dos bens industriais. Em vez desta reforma agrária, a incorporação da terra foi feita voltada para a dinâmica do setor industrial de veículos, de implementos agrícolas e das grandes empreiteiras. O aumento da produtividade foi conseguido na produção voltada para exportação. O destino da população foi a migração para as favelas dos grandes centros urbanos.

Não ocorreu a aliança entre a burguesia e as massas brasileiras contra o imperialismo internacional, mas sim entre a burguesia e a classe média, inclusive entre proletários, incorporada ao consumo.

Esta evolução exige uma revisão das possibilidades e conveniências das alianças dos partidos de esquerda que estejam comprometidos não apenas com a evolução econômica, mas sobretudo com a libertação e o beneficiamento das massas nacionais. Exige, também, uma visão menos idealista do papel do avanço técnico que, quando transplantado diretamente de economias mais ricas e sociedades integradas, para economias de renda mais pobre e sociedades segregadas, pode ser um elemento negativo para a evolução social.

Contradições entre Estado e interesse público

Por causa da prisão corporativa e ainda como resquício das teorias revolucionárias do começo do século, o PT tem defendido como de interesse público tudo que é estatal. Mesmo quando o Estado é manipulado a serviço de grupos privados. Há necessidade de uma análise cuidadosa do papel do Estado, especialmente o Estado formado pela ditadura militar, mas que continua merecendo a defesa do partido, sem as necessárias ressalvas.

O fato de muitas vezes concentrar sua luta nas reivindicações trabalhistas, específicas de cada sindicato, tem impedido o PT de perceber que estatal não é sinônimo de público. Talvez imaginando que para servir ao interesse público bastaria que empresas estatais elegessem seus dirigentes pelo voto dos funcionários.

O mundo de hoje exige que a solução dos problemas sociais se dê em sintonia com as necessidades e com o respeito à individualidade de cada pessoa. Se é certo que o mercado carrega nitidamente um poder concentrador e destruidor, a liberdade individual pode ser um instrumento de criação a serviço dos interesses sociais.

As relações com os sindicatos

A origem sindical é a maior de todas as qualidades do PT. Mas, como toda origem, também gera dificuldades se, ao amadurecer, o partido continua preso ao cordão umbilical que o criou.

Um partido não funciona satisfatoriamente, se limitar sua organização às estruturas sindicais. Primeiro, porque tem a obrigação de oferecer uma proposta abrangente para uma parte majoritária da sociedade, enquanto cada sindicato deve representar apenas o grupo específico de seus associados. Mesmo as centrais não têm o papel de analisar e propor alternativas que compatibilizem as contradições entre os diferentes grupos que cada sindicato representa. Segundo, porque o movimento sindical, especialmente no Brasil, representa apenas uma minoria da população. Uma enorme quantidade da massa de explorados e marginalizados está fora do trabalho organizado e dos sindicatos.

Prisioneiro da visão sindical, o partido raciocina corporativamente e sente dificuldades para avançar nas propostas para o conjunto da sociedade. Por outro lado, os sindicatos passam a ser usados e, às vezes, ocorre mesmo de serem manipulados por interesses partidários, negando sua função específica de representante corporativo e se isolando das bases.

A explicitação clara dos papéis de partido e sindicatos é uma tarefa urgente para o PT e para o movimento sindical.

As relações com o exterior

A origem do PT, entre os trabalhadores do setor moderno, provocou no partido uma natural atração pelo proletariado do Primeiro Mundo. Desde o início, criou vínculos com sindicatos dos países ricos, em uma aliança que certamente ficará tênue, à medida que o partido fizer uma clara opção pelos interesses das massas do Terceiro Mundo.

A luta contra a recessão no capitalismo central tenderá a criar contradições entre os interesses dos trabalhadores dos países ricos e as massas marginalizadas no mundo. A luta por salários poderá unir trabalhadores sindicalizados de multinacionais, mas não os unirá aos povos dos países pobres.

O PT terá que ter uma posição internacional mais alinhada aos interesses do Terceiro Mundo do que ao proletariado do Primeiro . Terá que entender a desigualdade do final do século XX, de uma forma específica, que não repete a idéia de unidade do proletariado internacional, proposta por Marx. Além do desvio de um internacionalismo proletário que não se aplica ao mundo de hoje, alguns quadros do partido começam a ser atraídos pelo discurso "modernista" da integração da economia internacional ao capitalismo mundial. Esta proposta, dos neoliberais, em nada muda o caos sócio-econômico em que nos encontramos. A economia brasileira está, há muito, integrada internacionalmente. Não há a menor hipótese de incorporar os milhões de brasileiros marginais, através do capital internacional ou da integração ao mercado mundial.

O PT deixou de perceber, também, a responsabilidade que tem diante das forças populares da América Latina. Nenhum outro partido de esquerda chegou tão perto de vencer uma eleição presidencial na América Latina. Mesmo Allende foi eleito com pouco mais de um terço dos votos. Isto criou uma mística em todo o continente. O partido não deve continuar na postura elitista de ignorar os demais países do continente, isolando-se para relacionar-se melhor com o Primeiro Mundo.

Neste contexto estará uma firme posição em defesa de nossa soberania. Os próximos anos, em um mundo com uma única potência hegemônica, serão de constantes ameaças, especialmente diante do problema ecológico e da Amazônia. Ao mesmo tempo que luta pela proteção ambiental da Mata Amazônica, o PT deve deixar claro que não vê autoridade para nenhum país intervir na forma como usamos nossos recursos.