Nacional

A disputa com a burguesia, iniciada na luta contra a ditadura militar, não está concluída. Por isso, é imprescindível que o PT elabore com urgência um projeto para o Brasil e a definição de uma política de alianças que aponte um caminho para o país.

O ano de 1989 representou o fim de um ciclo, iniciado com as greves operárias do final da década de 70, o nascimento do PT, da CUT; com a campanha das diretas e a transição conservadora. A passagem da ditadura militar para a democracia não superou a crise econômica e política, nem apontou para um novo modelo de desenvolvimento econômico ou para a implantação definitiva da democracia no Brasil. Todos os indicadores sociais, econômicos e toda evidência política nos levam à conclusão de que se aprofunda a crise econômica, social, política e mesmo moral; que o país se encontra numa crise estrutural; que suas instituições políticas e o seu modelo econômico estão estrangulados e que para sairmos dessa crise há que acontecer no país uma mudança na correlação de forças. Isso significa que não está concluída a disputa pela hegemonia iniciada na luta contra a ditadura militar.

Basta ver que nesse momento a crise é institucional e que o governo Collor é o seu centro. A Constituição de 1988 é contestada por grande parte do empresariado, por Collor e pelos partidos de direita. Para estes, o ajuste econômico só pode ser realizado com mudanças institucionais. Portanto, devemos considerar 1989 como o fim de um período de acúmulo de forças.

O problema de fundo é que o projeto de Collor de Mello não tem base político-empresarial, nem consenso, e tampouco é capaz de formar uma maioria no empresariado. Apesar da vitória eleitoral, o governo fracassou no combate à inflação; os Planos Collor I e II não conseguiram estabilizar a economia nem dar solução ao problema da Dívida Externa e da inserção do Brasil no mercado capitalista internacional. Derrotado nas eleições de 90, o governo não tem maioria no Congresso Nacional. As oposições políticas, sindical e popular e as divisões dentro do empresariado impossibilitam o governo de aplicar a sua política e levar a cabo seu plano de reestruturação da economia e a reforma institucional no Brasil.

Em plano mundial, a velocidade das transformações tecnológicas, a formação de blocos econômicos e a intensa disputa entre os países capitalistas e industrializados levam a um agravamento ainda maior da crise nos países latino-americanos, africanos e asiáticos. Tudo indica que a burguesia brasileira, o grande empresariado e o governo Collor não têm um projeto nacional, nem a unidade necessária para enfrentar os problemas que estão colocados no fim do século XX.

Uma profunda desigualdade entre os hemisférios norte e sul, o desmantelamento e desorganização do chamado bloco socialista, os problemas nacionais, sociais e políticos que a Europa Ocidental enfrentará com essa nova realidade mundial dão à crise brasileira maior gravidade. Não se vislumbra a curto prazo como o Brasil poderá ter, do ponto de vista do capitalismo, uma nova inserção no mercado internacional, como poderá receber tecnologia, ter acesso ao mercado e a investimentos, e qual será o papel do país nessa nova reorganização mundial.

Alternativas para o PT

Frente a esse quadro, colocam-se várias hipóteses. Na mais improvável, o governo Collor consegue implantar o seu projeto neoliberal, alcança maioria no Congresso Nacional e implementa sua reforma via Emendão. Consegue um acordo com setores da burguesia para reformar a economia, consegue ajustar a Dívida Externa e inserir o Brasil no mercado internacional.

Como outra possibilidade ocorre um agravamento da crise política, com a desorganização da base econômica do país, a perda do controle da política monetária e fiscal pelo governo, a hiperinflação e a possibilidade de quebra da ordem constitucional, seja por uma tentativa de golpe de Collor de Mello, seja por uma tentativa de golpe militar. Essa segunda hipótese tem, na situação das Forças Armadas, um agente complicador. De maneira geral, estas vivem uma crise de identidade. Sua doutrina estratégica foi superada pelas transformações mundiais, pelo fim da disputa entre as duas superpotências, após o desmoronamento da União Soviética e do bloco socialista.

A crise econômica do país, principalmente a do Estado, inviabilizou o desenvolvimento tecnológico das Forças Armadas - ainda que Collor mantenha em banho-maria vários projetos. No entanto, está claro que sem a Argentina e o comunismo internacional como inimigos e sem a subversão interna, as Forças Armadas, desprovidas de recursos, dificilmente vão se lançar em aventuras ou projetos golpistas. Há indícios de que alguns setores têm como única alternativa de estratégia e doutrina militar a defesa da Amazônia e de algumas teses nacionalistas de direita. Além dos gravíssimos problemas salariais, de hierarquia e de envelhecimento da estrutura militar, as Forças Armadas mantêm o serviço militar obrigatório, uma estrutura de educação e de escolas militares ultrapassadas. A própria doutrina militar teria que ser totalmente reformulada. Por isso, essa segunda hipótese, se não impossível, é igualmente improvável.

A terceira hipótese de trabalho seria a do pacto social, do entendimento nacional, do acordo político institucional, que facções do empresariado e da burguesia poderiam procurar impor ao governo Collor, cooptando setores da oposição política e da oposição popular. Uma espécie de pacto produtivo distributivista, ou seja, uma proposta de garantia das liberdades democráticas, ampliação da democracia no país; ou um acordo sobre como estabilizar a economia e retomar o crescimento econômico.

O problema de fundo desse tipo de alternativa é que, dado o grau de crise econômica e de incapacidade do Estado e a profundidade das reformas necessárias para recompor a sua capacidade de investir, dificilmente facções da burguesia aceitariam perdas em suas rendas e em seus patrimônios através de reformas estruturais, fiscais e tributárias. Isso inviabiliza a participação de representantes dos assalariados em qualquer tipo de acordo político nacional que não ponha em prática uma política de redistribuição de renda e de ampliação da democracia no país. Essa hipótese também se apresenta como improvável.

Também devemos considerar a hipótese de uma ruptura institucional ou do surgimento de uma crise que desencadeie uma mobilização popular, uma revolta ou mesmo uma revolução social, com necessidade de reorganização político-institucional no país. Essa hipótese, ainda que bastante improvável, não pode ser descartada dado o grau de crise social e política. No entanto, é preciso considerar as debilidades da oposição, do movimento sindical e popular, os problemas políticos e ideológicos que a esquerda enfrenta. Esses fatos reforçam a inviabilidade de uma revolta popular com ruptura institucional.

A última hipótese é a de surgir uma alternativa política via disputa na sociedade dentro do calendário eleitoral e da institucionalidade hoje existente; ou seja, que a disputa de 92, a reforma constitucional de 93 e a disputa de 94 formem um novo governo, seja uma nova coalização político-empresarial ou um governo de oposição. Este último implicaria uma nova base social e política para um projeto de esquerda ou de centro-esquerda no Brasil, capaz de derrotar o projeto Collor e buscar uma nova via de desenvolvimento econômico e social do país, para as reformas institucionais necessárias a um novo projeto nacional. Esta hipótese é a mais provável, apesar da instabilidade institucional e do agravamento da crise econômica. O país está sob o risco da hiperinflação, de uma crise social que pode se transformar em protestos populares e o Estado vai ficando cada vez mais paralisado. Estes fatos podem colocarem risco o calendário eleitoral e institucional, a não ser que forças político-sociais se empenhem nesta alternativa.

Com o agravamento da crise econômica e a instabilidade da ação política do presidente vão se criando no Congresso Nacional, na imprensa e na opinião pública duas idéias. A primeira, de que não é possível passar os anos 92, 93 e 94 sob a presidência de Collor. A segunda é de que estamos às portas da hiperinflação, da desorganização econômica e social, que é preciso evitar de toda forma, por isso a necessidade do entendimento nacional. Diferentes setores da direita e da oposição centrista têm oscilado frente a essas duas propostas. Ora defendem o entendimento nacional, ora a antecipação do plebiscito sobre o parlamentarismo, com dissolução do Congresso - e, portanto, o fim do governo Collor - ou parlamentarismo aprovado, mas não implantado, com a continuidade do presidencialismo sob a direção de Collor. Em qualquer das duas hipóteses, trata-se, na verdade, de dar uma solução à crise econômica e social, com a substituição do atual governo.

Paralelamente a essas idéias, corre a proposta do impeachment do presidente Collor, atribuindo a ele crimes contra a probidade administrativa frente à lei orçamentária, à instituição democrática, com a formação de um processo de crimes de responsabilidade de difícil tramitação (já que a Constituição exige maioria de 2/3 na Câmara e/ou no Senado, quase impossível no quadro político institucional brasileiro).

O PT tem, na verdade, oscilado na sua tática, ou na melhor das hipóteses, não tem deixado clara sua posição em relação ao quadro atual diante do qual tem três alternativas: abraçar a tese do impeachment, incentivar a mobilização social e um arco de alianças e tentar fazer o processo contra o presidente da República. Consideramos tal hipótese totalmente descartada, pela impossibilidade de ter apoio de qualquer partido nessa empreitada - a não ser de um ou outro partido de esquerda -, ou pela impossibilidade de uma mobilização popular e social em torno da tese do impeachment - até porque não há no país mobilização social e política de oposição ao governo Collor de vulto, como houve na campanha das diretas ou na campanha presidencial.

A segunda alternativa é o PT abraçar a tese da antecipação da revisão constitucional e do plebiscito, com a implantação do parlamentarismo e a convocação de eleições gerais. Essa tese pode ser mais viável, na medida em que poderá encontrar apoio do PSDB e, talvez, do PCB. Dificilmente encontrará apoio do PDT e do PMDB, partidos presidencialistas, que descartam qualquer hipótese de encurtar o mandato do presidente. Do lado do PMDB, temos visto uma política de governabilidade, de dar rédea curta ao presidente, mas não enforcá-lo. Toda vez que o governo coloca na mesa a questão da governabilidade, o PMDB acaba aprovando medidas econômicas e mesmo políticas exigidas pela direita e pelo governo Collor.

A disputa com a burguesia, iniciada na luta contra a ditadura militar, não está concluída. Por isso, é imprescindível que o PT elabore com urgência um projeto para o Brasil e a definição de uma política de alianças que aponte um caminho para o país.

A terceira hipótese é a realização da disputa eleitoral de 92, da revisão constitucional de 93 e da disputa presidencial de 94. Essa hipótese pode unificar toda a oposição, com exceção talvez do PSDB, e pode também receber apoio do PMDB e do PDT. Não é uma hipótese aceitável para o presidente Collor e a direita, que querem reformar já a Constituição e obter maioria no Congresso.

A disputa com a burguesia, iniciada na luta contra a ditadura militar, não está concluída. Por isso, é imprescindível que o PT elabore com urgência um projeto para o Brasil e a definição de uma política de alianças que aponte um caminho para o país.

Recursos Táticos

O primeiro pressuposto que colocamos para avaliar a tática do PT é que propor simplesmente a antecipação do parlamentarismo ou impeachment, sem termos resolvido o problema da correlação de forças e da hegemonia no campo dos movimentos sociais e da disputa política na sociedade é, na verdade, abrir a possibilidade de golpes ou de soluções institucionais que favoreçam a direita.

O impeachment significa que Itamar Franco será o presidente da República; a antecipação do parlamentarismo com eleições gerais significa que faremos a disputa já em 92. A melhor tática para o PT frente a esse quadro é a defesa de uma maior mobilização popular, a resolução dos problemas que enfrentamos no partido e na CUT, o acerto de uma política de reformas institucionais e de um projeto econômico amplo que, com base em nosso programa democrático e popular, abra espaço para dividirmos os setores do centro e atrairmos facções do empresariado, numa linha de aprofundamento da democracia no país e numa política de crescimento econômico com distribuição de renda dentro de um projeto nacional autônomo, que não seja submetido aos interesses dos países capitalistas desenvolvidos.

Essa linha significa que o PT vai se preparar para a principal disputa política do país: as eleições de 92. É preciso considerar que, terminada a disputa de 92, se Collor vencer, implementará o seu programa porque conseguirá passá-lo no Congresso Nacional e encontrará base na sociedade. Se o PMDB e o PDT vencerem as eleições de 92, estarão pavimentando sua tutela sobre o governo Collor, inclusive na disputa de 94. Por isso, é um equívoco pensar em qualquer solução a curto prazo sem a mudança da correlação de forças e da mobilização popular contra o governo federal.

Nossa proposta passa pela realização do Congresso do PT, delineando um projeto para o Brasil, uma política econômica alternativa e um projeto de reformas políticas; pela definição de uma política de alianças e construção de um arco de mobilização social e política na sociedade; por enfrentar os problemas da CUT e do movimento popular, da agitação político-partidária e fazer com que a oposição-popular ao governo Collor cresça. Não se pode imaginar que propostas de antecipação do parlamentarismo ou plebiscito sejam soluções; na verdade, são meios legais para dar conseqüência a uma disputa que já tenha sido resolvida na sociedade, onde se terá formado uma nova hegemonia e onde já tenha ocorrido uma ruptura, o que evidentemente não existe neste momento.

Caso houvesse um agravamento da crise de governo e da formação de um movimento de antecipação do plebiscito do parlamentarismo, o PT só poderia aceitar esta tese com a dissolução do Congresso e convocação de eleições gerais.

José Dirceu é deputado federal e secretário geral do Diretório Nacional do PT.