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A administração de Santos é do jeito que todo petista gosta - até mesmo os mais radicais. Os movimentos sindical e popular cresceram muito depois da posse da Telma de Souza. E ao mesmo tempo, objetivos concretos foram atingidos.

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Santos é uma cidade sem paralelo no Brasil. Fundada em 1543, carrega fortes marcas de conservadorismo e provincianismo típicos das famílias quatrocentonas. Contraditoriamente, foi conhecida nas décadas de 50 e 60 como "a cidade vermelha" pela forte presença do PCB no sindicalismo - particularmente no porto - e na política local, onde chegou a eleger em 1947, já na legalidade, 14 vereadores numa Câmara de 31. Até hoje, as marcas dessa tradição se fazem sentir no movimento sindical santista. A força do sindicalismo combativo no início dos anos 80 era quase nula e só agora começa a mudar, em grande parte devido à atuação da Prefeitura. Mas até hoje a Força Sindical tem grande peso.

O PT, que se formou em 1980, é um partido de classe média e com forte participação de mulheres. Dizem que a quota de 30% de mulheres nas instâncias lá seria um recuo em relação à situação atual.

Em 1988, o PT ganhou as eleições para prefeito com 27% dos votos, menos de mil à frente do candidato do PMDB, Del Bosco Amaral, num eleitorado de cerca de 250 mil pessoas. A vitória deve ser creditada muito mais ao carisma da candidata do que à força do partido, que só conseguiu eleger três entre 21 vereadores. Telma tem uma grande identificação com Santos: nasceu e sempre viveu lá; tanto seu pai como sua mãe foram vereadores, ele pelo PTB, ela pelo MDB; naturalmente Telma é torcedora e sócia do Santos FC: "mais uma
viúva do Pelé! "

Telma, que não tinha nenhuma militância anterior, é talvez o exemplo mais destacado da geração que entrou na política através do PT. Profundamente identificada com a cidade, seu comportamento pessoal entretanto, mexe com os setores mais conservadores: mulher desquitada, casada de novo, toma atitudes corajosas como, por exemplo, ir pessoalmente à zona do meretrício conversar com as prostitutas sobre Aids. Seu estilo incomoda e simultaneamente causa admiração nas pessoas. É uma típica líder carismática.

Logo nos primeiros meses de governo, a administração democrática e popular de Santos enfrentou duas grandes brigas: com a Viação Santos-São Vicente, que manipulava o transporte em toda a região, e com o dono da Casa de Saúde Anchieta. A Prefeitura decretou estado de calamidade pública e interveio em ambos os casos.

Neste ano, sob liderança da Prefeitura, a cidade de Santos decretou uma greve geral (a única que deu certo) e realizou a maior manifestação de toda a sua história em solidariedade aos portuários e contra a política econômica do governo Collor.

Pode-se questionar vários aspectos da política desenvolvida em Santos, como a ausência de um projeto mais global, a relação da Prefeitura com o partido, a excessiva centralização na figura da prefeita etc. Mas duas coisas são inegáveis: o PT e o movimento sindical e popular cresceram na região fundamentalmente a partir da atuação da Prefeitura. E, em segundo lugar - e até a Convergência Socialista e O Trabalho concordam com isso -, é uma prefeitura do jeito que petista gosta!

Depois de três anos à frente da administração de Santos, qual é o balanço que você faz?
Santos, por suas condições geográficas e climáticas, tem um perfil um pouco diferenciado das outras administrações petistas. Nós temos uma determinação básica que é o elemento água, por estarmos em uma ilha que sedia as cidades de Santos e São Vicente. Temos 12 quilômetros de porto e oito de praia. Sabendo disso, entendemos que o porto - que é o maior da América Latina - é a questão central, tanto política como economicamente.

Qual tem sido a atuação da Prefeitura em relação ao Porto?
Nós conseguimos parar a cidade em 28 de fevereiro de 91, a partir de uma ação que começou por uma reivindicação trabalhista dos operários portuários e que acabou em uma ação político-econômica do conjunto da cidade que, mobilizada pela questão do emprego, compreendeu a ameaça que seria para ela a demissão de 5.372 portuários. O comércio entendeu que sem o poder aquisitivo dos trabalhadores, não haveria poder de compra: o porto dá guarida a 43 mil empregos diretos e indiretos, ou seja, são cerca de 160 mil pessoas que dependem dele para sobreviver, o que representa a terça parte da população de Santos. A cidade parou porque percebeu que sua sobrevivência estaria em risco se não houvesse uma reação drástica em relação ao governo federal.

Isso atingiu, além dos sindicatos e do comércio, os setores empresariais?
Sem dúvida, fizemos atos juntos. Há empresários mais modernos que entendem que não é fazendo a exploração econômica dos trabalhadores que se evolui. A partir desta compreensão houve um acordo e uma cumplicidade de todos os setores da cidade.

Quantas pessoas participaram dessa manifestação?
Vinte mil pessoas. Foi o maior ato a que esta cidade assistiu. Houve também uma greve geral que provocou a paralisação total de Santos. Houve a habilidade da administração democrático-popular para envolver o Fórum da cidade, composto por personalidades locais, nem todas do campo progressista ou da esquerda, mas que opinam sobre sua cidade. Essa luta conseguiu, num curto espaço de tempo, propagar-se e defender a cidade e a região de uma política econômica que representava o primeiro grande passo da privatização, com demissões em massa.

Recentemente a Folha de São Paulo publicou que o porto de Santos é um dos mais deficitários do Mundo. Qual a proposta da Prefeitura de Santos para essas questão?
Estive na Europa em outubro de 88. Voltei com muitas informações para poder discutir com o conjunto da população. Até 1980 o porto de Santos era propriedade da família Guinle. Em seguida foi estatizado, passando a pertencer ao governo federal. O porto foi sucateado ao longo dos dois gerenciamentos. Recebi críticas dos sindicalistas, dos empresários e do Poder Público ao dizer que o porto precisava ser modernizado e que sua concepção estava parada no tempo. Como compactuar com um porto obsoleto, que precisa de reformulação mas que não pode ser modernizado às custas exclusivamente do trabalhador? Aí estava o grande desafio.
Nós buscamos experiências de outros portos, discutimos com sindicatos, empresários e conseguimos evoluir em menos de quatro meses para a proposta que agora tem o nome de tripartite.

Como é essa proposta?
Santos é presidente da Associação Nacional de Municípios Portuários. Em 1990 realizamos o 3º Congresso de Municípios Portuários, onde começamos a discutir a proposta de envolver as forças que atuam no porto: trabalhadores, empresários - que são os usuários - e o próprio poder público nas três dimensões: município, estado e União. Hoje, depois de dois congressos nacionais e de termos um encontro de órgãos técnicos relacionados com o porto, conseguimos acumular informações que ajudaram a incrementar essa discussão. Nesses dois anos devo ter ido a todos os portos brasileiros discutir a tripartite. Estive em Brasília, com pelo menos mil representantes de portuários, a convite da Comissão de Transportes da Câmara Federal, que tem à frente o deputado federal Carlos Santana, do PT/RJ. Essa comissão organizou uma série de discussões e foi buscar subsídios no exterior para saber como deve ser um modelo de gestão que congregue as forças que atuam nos portos e avance para a modernidade. Através dessa ação, deflagrada pela Prefeitura de Santos, conseguimos chegar à proposta do Conselho de Autoridade Portuária, que coordenaria a condução das políticas para o porto: um conselho de nove pessoas, três representantes dos trabalhadores, três dos empresários e três do Poder Público ( um da União, um do estado e um do município). Nesta mesa de negociação é que se darão todos os embates. Através do gabinete do deputado federal José Dirceu, a Prefeitura de Santos apresentou duas emendas ao projeto que desregulamenta os portos brasileiros, mas do ponto de vista do capital estrangeiro, sacrificando trabalhadores e o empresário nacional. As nossas emendas são: proposta tripartite de formação do Conselho de Autoridade Portuária e criação de cursos regulares de aperfeiçoamento da mão-de-obra dos trabalhadores portuários. Neste momento, o governo federal está incentivando através da oferta de quatro ou cinco salários-mínimos, a retirada daqueles que não querem mais trabalhar nos portos. A nossa proposta é que essa retirada não seja feita num período inferior a cinco anos, porque isso vai causar desemprego em massa. Nós vamos trabalhar em três níveis: criar o Conselho de Autoridade Portuária Tripartite, organizar cursos regulares de aperfeiçoamento da mão-de-obra e obter um período não inferior a cinco anos para diminuição da mão-de-obra. Em Barcelona se fez uma reciclagem em dez anos. Eles incentivaram a saída dos mais antigos, criaram cursos ligados à informática e ao manuseio de guindastes e infra-estrutura moderna do porto para os mais jovens e mantiveram na malha direta os de idade intermediária. Em dez anos, houve uma redução de 15 mil pessoas que trabalhavam no porto para cerca de 2 mil, sem convulsão. Isto é importante porque à medida em que se operacionaliza, informatiza, racionaliza, torna-se necessário diminuir o número de trabalhadores. Mas é preciso dar alternativas a eles.

Ou seja, a proposta da Prefeitura de Santos não se choca com a necessidade da modernização dos portos brasileiros.
Pelo contrário, nós entendemos que tem que haver competitividade e o nosso porto tem condições de ser um dos primeiros do mundo. Porém, essa modernização só acontecerá com investimentos no setor de maquinário e na preparação do trabalhador para usá-lo. A modernização não pode ser incompatível com a questão do respeito ao trabalhador e aos empresários médios. Eles já perceberam que estão juntos nessa luta. A equação não é tão difícil.

Com relação à questão da poluição das praias o que a Prefeitura tem feito?
Era preciso limpar as praias, recuperar a balneabilidade, fazer com que diminuísse o índice de coliformes fecais, possibilitando que a vida voltasse a essas águas. Em nove meses de trabalho com o governo estadual conseguimos resgatar em muito a balneabilidade de nossas praias. Ainda precisamos aperfeiçoar essa limpeza, através de ações mais efetivas em relação à poluição que vem do porto e também do lixo químico que vem do pólo industrial de Cubatão. Como fazer isso? Através de um quebramar, que lance em alto-mar, através da mudança de correntes marítimas, esse resto de poluição. Para isso é necessário muito dinheiro, que tem que vir do exterior. É uma obra cara, mas que pode levar ao resgate turístico da cidade com a construção de uma marina. Para atrair a iniciativa privada, era preciso primeiro limpar as águas. Ninguém faz uma marina em águas que não tenham qualidade de balneabilidade. Essa recuperação nós já fizemos. Já temos peixes de volta, temos água-viva.

Como foi esse processo de recuperação?
Esta ilha é cortada por sete canais que desembocam nas praias e alguns internos. Originalmente eles serviam para uma ação reguladora da entrada e saída das marés, impedindo enchentes na cidade. Posteriormente, as comportas reguladoras se deterioraram. Nós fizemos algo muito óbvio: recuperamos estas comportas e as usamos para impedir o fluxo da água poluída do canal para as praias. Ainda temos que abri-las toda vez que há o problema do encontro das marés coma precipitação de chuvas. Neste caso a balneabilidade das praias fica comprometida. Mas a situação está de tal forma controlada que, mesmo com a conjunção de maré alta e chuvas torrenciais, muito comuns na nossa região, estamos garantindo a balneabilidade.

E a emissão de esgotos, está controlada?
Ao longo do tempo, muitos edifícios da cidade foram sendo construídos com ligações clandestinas para depósito dos dejetos e esgotos dentro dos canais, que funcionavam como artérias comunicadoras desta poluição para a praia. Fizemos o bombeamento do esgoto para o emissário submarino que o lança em alto-mar e conseguimos inibir, através de pesadas multas, as ligações clandestinas, que correspondiam a aproximadamente 6 mil casas. Resta o final dessa despoluição, que é inibir a emissão de poluentes do pólo químico de Cubatão, e as lavagens de navios. Hoje, existe uma fiscalização mais efetiva da Prefeitura, com multas pesadas aos navios poluidores, mas não dá para dizer que esse problema esteja resolvido.

Logo no início de seu governo, você comprou uma grande briga com a Viação Santos-São Vicente e encampou a empresa passados três anos, como se encontra a situação de transporte em Santos?
Santos fez a estatização do transporte e deu certo, seja pela vontade política de enfrentarmos o empresário de ônibus desta cidade, que era um só, seja porque decidi que não ia passar quatro anos da minha vida tendo que negociar com uma pessoa tão sem princípios. No dia 13 de janeiro, treze dias depois de termos tomado posse, foi decretado o Plano Verão. Nós, prefeitos, nos vimos obrigados a ir a Brasília solicitar a liberação do preço da tarifa de ônibus porque tinha havido um "tarifaço", aumentando o preço da gasolina. Levando em consideração que os prefeitos que nos antecederam passaram de três a quatro meses sem aumentar a tarifa, devido às eleições, percebemos que elas estavam profundamente defasadas.

Com o congelamento de preços, o transporte ficou inadministrável. Decidimos que controlaríamos os preços e nos aproximaríamos da tarifa social. O controle do Sindicato dos Condutores Autonômos está nas mãos dessa empresa, até hoje, e cada vez que houvesse necessidade de um aumento salarial, esses aumentos seriam repassados para a tarifa. Vinte dias depois apareceu outro pedido de aumento de tarifa, com locaute da empresa. Eu tomei uma decisão política: não foi apenas a questão do transporte que pesou. Decidi que esse empresário não ia ficar dominando essa Prefeitura e estatizamos a empresa. Hoje, operamos a Cr$ 200,00 (preço de outubro de 91), enquanto esta viação que faz o transporte intermunicipal opera a Cr$ 400,00. A frota era de 290 ônibus, hoje temos os mesmos 290; 150 foram comprados por nós, e pelo menos 75 são zero qulilômetro. A frota tinha uma idade média de nove anos e hoje tem idade média de três anos e meio. Agora, vamos implantar a tarifa integrada: quem vier da periferia, parar no centro e depois tomar outro ônibus para outro lugar, pagará, a partir de março, somente por um. Acho que acertamos em transporte.

Outras prefeituras petistas têm questionado a política da municipalização do transporte. No caso de Santos a municipalização foi imprescindível para conseguir essas melhorias?
Elas foram absolutamente necessárias porque nós não lidamos com a variável do lucro. Tudo que nós temos, investimos na própria empresa, o que não ocorre com a empresa particular.

A Prefeitura subsidia a tarifa?
Não existe subsídio. A empresa se mantém sozinha. Ela foi racionalizada, reestruturada em todos os aspectos e, hoje, tem maquinário moderno e ônibus novos. A CSTC é a 7ª empresa no ranking nacional.

Você acha que esta experiência pode ser generalizada para todos os municípios?
Houve um elemento facilitador em nossa região: havia só uma empresa, poderosíssima, praticamente dona da região inteira. Porém eu insisto: não foi uma decisão administrativa, foi uma decisão política. Esta empresa controla, até hoje, setores conservadores da cidade e influencia o Legislativo, a maçonaria, a Associação Comercial. A nossa administração não procura apenas apresentar resultados favoráveis em relação à qualidade de vida das pessoas: quer fazer luta política também. E foi o que fizemos.

Um dos pontos fortes da administração petista de Santo é a área da saúde. Eu queria que você falasse um pouco disso.
Na saúde, nós conseguimos um modelo de atendimento muito bom. O fato de contarmos com uma figura como o Davi Capistrano à frente da Secretaria da Saúde, nos deu não só uma experiência anterior que ele teve na Prefeitura de Bauru, mas também um quadro político de grande capacidade. A nossa meta é uma policlínica para cada 20 mil habitantes. E, já no primeiro ano, conseguimos fazer vinte.

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O que é uma policlínica?

Uma policlínica fornece o atendimento básico à população em quatro áreas: clínica geral, ginecologia-obstetrícia, cardiologia e pediatria. Hoje nossas policlínicas estão informatizadas.

Parece que é a única cidade da América Latina que tem isso...
É a única cidade da América Latina que tem um computador central no pronto socorro e computadores nas policlínicas. Se você chegar em uma delas, ela já tem uma análise de sua vida. Se der entrada no pronto-socorro, sua ficha já estará lá. Isso economiza minutos preciosos. Hoje, nos aperfeiçoamos ao ponto de chamar o paciente em casa, caso ele falte às consultas. Damos atendimento dentário e temos um programa exclusivo para crianças. Onde nós esbarramos? Na retaguarda hospitalar: Santos não tem hospital municipal. O hospital que poderia nos dar cobertura é o Hospital dos Estivadores. Ele ficou fechado muito tempo e, porque é conduzido pela Força Sindical e pelos setores conservadores, foi usado na luta política contra nós. Estamos tentando uma saída para essa questão: vamos inaugurar no nosso pronto-socorro uma pequena unidade hospitalar, com alguns leitos, e fizemos um hospital com trinta leitos, em Bertioga, também no primeiro ano. Até o final do ano estaremos elaborando o programado hospital domiciliar, onde quem se desloca é o médico para a casa do paciente. Nosso setor de saúde dá o tom da Prefeitura de Santos.

E no caso da saúde mental, o que foi feito?
Como professora de Psicologia, tenho especial carinho pela ação em saúde mental e essa é outra marca da cidade. Santos sempre conviveu com uma nódoa, uma cumplicidade silenciosa, em relação à Casa de Saúde Anchieta. Todos sabiam que ela existia, que era um lugar onde cabiam duzentas pessoas e existia uma superlotação, com 650 internos; sabiam que o choque elétrico era usado, que havia um só psiquiatra por dia para o conjunto dos pacientes; que as pessoas escolhiam o remédio para tomar por cor etc. Enfim, uma verdadeira casa de horrores. Diante deste quadro resolvemos agir e um dia tomamos de assalto a casa de horrores. Se a emoção da greve geral do dia 28 de fevereiro de 91 foi grande, a emoção de ter entrado lá foi algo extraordinário, porque tudo aquilo que nós sabíamos dos hospitais, das casas de loucuras, nós encontramos. A Casa de Saúde recebia uma verba mensal de 300 milhões do Inamps e gastava doze. O choque elétrico, por exemplo, era usado em larga escala, porque custa caro e é possível cobrar muito do Inamps.

Como se chama o dono de casa?
Edmundo Maia. Ele é uma pessoa sinistra. Absolutamente insensível. É negociante da loucura. E quando nós decidimos fazer essa intervenção,entramos com toda coragem. Foi o ato mais difícil do meu governo.

Como está a situação hoje?
No dia 16 de outubro, tivemos o julgamento de uma liminar que foi impetrada pelos antigos donos e o juiz deu ganho de causa à Prefeitura. A Casa de Saúde Anchieta se tomou uma unanimidade local, regional, nacional e internacional. Antes os internos trabalhavam por um prato de comida melhor, a chamada "bandeja laborterápica", e um cigarro. Não existe mais a laborterapia. As pessoas trabalham com arte, pintura, música, teatro, tem a rádio Tam-Tam, a TV Tam-Tam, um jornalzinho, bijuterias, existe uma grife Tam-Tam.

Quantos internos estão lá?
Temos duzentos e poucos pacientes, mas as pessoas não ficam internadas, nós mantemos todo um trabalho com as famílias.

Na época da intervenção você disse que havia um psiquiatra por dia. E hoje, quantos trabalham lá?
Atualmente temos 35 psiquiatras e oito psicólogos concursados, doze enfermeiras, seis terapeutas ocupacionais, dez assistentes e dois arte-terapeutas. A Casa de Saúde Anchieta deflagrou uma luta nacional. Hoje, com a ação do PT, vemos em Minas Gerais, no Rio de Janeiro, a entrada de comissões de saúde nos chamados hospícios. Essa ação é reforçada pelo projeto-lei do deputado federal Paulo Delgado "Por uma sociedade sem manicômios". Aqui em Santos, nós descentralizamos a Casa de Saúde Anchieta. Temos pequenas filiais nas zonas mais carentes, onde a loucura e o alcoolismo, basicamente, são mais evidentes. Temos os Naps - Núcleos de Ação Psicossocial. Um dos Naps, que fica na zona noroeste, fundou a Associação dos Familiares dos Pacientes da Casa de Saúde Anchieta. E os familiares estão se articulando, porque entendem que não basta a ação da Prefeitura, é preciso uma ação social mais organizada. Santos é referência internacional para a questão e nos baseamos, evidentemente, na ação de Franco Basaglia em Trieste e de Franco Rotelli.

Ainda na área de saúde, Santos é a primeira cidade do Brasil, em número de aidéticos. Como é que a Prefeitura vêm enfrentando este problema?
Eu penso que não é verdade que nós somos a primeira mas a versão é de que somos. Nós admitimos que há Aids, não importa em que patamar, e admitimos que esta cidade tem que lutar sem nenhum pudor e sem nenhuma covardia. A questão da Aids está ligada às drogas, à sexualidade, à loucura, quer dizer, é o apocalipse moderno. Nós temos um programa muito ambicioso. Estamos recebendo a visita de um médico norte-americano, Dr. Andrew Mass, que disse que nós temos um programa com perfil de Primeiro Mundo. Várias de nossas ações foram muito criticadas no início, principalmente pelo fato de eu ser mulher: "a prefeita de Santos distribui camisinhas". Nós criamos uma policlínica dentro do centro velho, onde existe o meretrício, que foi a primeira a distribuir camisinhas. Nós temos a Casa de Apoio e Solidariedade aos Pacientes de Aids. Lá estão aqueles aidéticos que são os portadores do vírus ou aqueles que já têm a doença desencadeada, que não são mais aceitos pela família. Mas além disso nós resolvemos agir no combate ao preconceito, juntando as famílias dos pacientes de Aids. Hoje temos um programa para o imuno-deprimido, a distribuição dos preservativos, campanhas educativas, o Disque-Aids, onde os psicólogos respondem às perguntas da população.

As realizações da Prefeitura de Santos e seu estilo pessoal agradam muito aos trabalhadores. Mas como tem sido sua relação com o empresariado e a elite local?
Eu acho que tem sido uma relação bastante positiva. Há três semanas eu me tornei rotariana, por oferecimento do Rotary-Club de Santos, com quem mantemos uma ação conjunta na área social. Depois de dois anos e meio o nível de governabilidade da nossa administração aumentou consideravelmente e, mesmo sem ter o voto e a adesão destas pessoas, conquistamos o seu respeito.

Qual sua opinião sobre a famosa polêmica que existe dentro do PT entre se fazer um Governo para os trabalhadores ou um Governo para toda a Cidade?
É uma falsa questão. Quando você é eleito, você tem que gerenciar os interesses do conjunto de uma cidade. Você pode priorizar setores mas jamais torná-los exclusivos. Você tem segmentos mais ricos, mais pobres e tem que governar para todos. Nosso objetivo é fazer com que a qualidade de vida seja cada vez mais homogênea para o conjunto da população. Evidentemente, para os setores que já têm uma infra-estrutura mais sólida, precisamos fazer uma ou duas ações, enquanto para os setores mais pobres, temos que fazer muitas.

Jamais excluir setores. Há que ter um governo para o conjunto da população, invertendo as prioridades para as regiões mais carentes sem esquecer as outras.

Dizem que você tem uma relação autoritária com o funcionalismo. Como é que você vê isso?
Com certeza, não. Existia um sindicalismo atrelado, que não se manifestava e hoje existe, através de uma ação enérgica de sindicalização dos funcionários, um grande número de trabalhadores da Prefeitura que pertencem aos quadros do sindicato. Isto foi uma ação nossa.

Da administração ou do PT?
Da administração.

E a última greve?
Essa foi a primeira greve significativa. Foi feita fora da época do dissídio. Ela foi desleal, equivocada e deveria ser direcionada contra Collor.

Qual era a reivindicação dos grevistas?
Era a recuperação de perdas pelo índice do Dieese. Nós temos uma regra básica que foi acordada com o sindicato: de acordo com a Lei Orgânica dos Municípios, 60 % da receita é para a folha de pagamento; 40% para as obras sociais, mesmo porque o funcionário antes de tudo é um munícipe. Ele não quer só o salário; ele tem direito às policlínicas, à escola, a usar o transporte etc. E eles propuseram o rompimento desta regra que, além de ser lei, é correta. E eles entraram em greve por uma política salarial que ultrapassaria esse teto de 60%. Eu jamais abrirei mão dessa norma que garante à máquina responder ao conjunto das demandas sociais e não exclusivamente ao funcionalismo.

Qual é o piso salarial na Prefeitura de Santos?
O piso é Cr$ 111 mil (outubro de 91). O prefeito anterior ganhava 64 vezes mais que o menor salário e, hoje, o meu salário é dezessete vezes o piso. Portanto, mudamos o leque salarial. Recuperamos o poder aquisitivo dos salários mais baixos em 84%, segundo o ICV-Dieese. Só que eu não vou prejudicar a população e fazer uma Prefeitura exclusivamente voltada para o funcionalismo. A relação que o funcionalismo tem que ter com a Prefeitura é uma relação de negociação sempre, mas dentro desse quadro. É necessário entender que estamos diante de um cenário nacional de profunda recessão. E as pessoas não estão mais pagando impostos. Sem eles, as Prefeituras deixam de ter a receita garantida e isso evidentemente causa problemas para todos.

Em qual setor da administração Nilo há avanços importantes?
Com certeza na habitação. Ela é de longe a questão mais difícil, principalmente porque não pertence ao âmbito exclusivo do município. E, no caso de Santos, porque os nossos estoques de terra não existem mais. Nós só temos terra nos morros, geralmente em áreas de risco. Mesmo assim, conseguimos avançar tendo um projeto de reforma agrária no morro de José Menino, onde a Prefeitura tinha o maior estoque de terra. Nós readequamos as glebas em função do número de famílias que existem lá e recolocamos pessoas que estavam em áreas de risco. Temos uma ação muito enérgica nos nossos morros, nunca aconteceu nenhum problema grave ou morte; e nós tomamos muitas iniciativas para conter os deslizamentos. Tivemos que começara fazer o mapa de drenagem, que sequer existia. Hoje, já mapeamos basicamente toda cidade. Amenizamos a questão porque temos, com os poucos estoques, conseguido assentar, realocar e já construímos mais de mil casas, garantindo o solo e facilitando a compra dos materiais através da nossa fábrica de blocos. Nossa resposta ainda não é significativa porque a demanda mais reprimida desse país é a da habitação.

Para encerrar, qual a "menina dos olhos" de todas essas realizações?
A nossa ação na questão da saúde mental. É incrível você ver o resgate da cidadania e as pessoas novamente erguendo a sua coluna vertebral e se sentindo cidadãos, como está acontecendo, aliás, com esta cidade.

Ricardo Azevedo é diretor de T&D.

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