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O prefeito petista de Porto Alegre desfruta de um alto índice de popularidade e provavelmente fará seu sucessor. À frente de uma equipe competente e objetiva, Olívio Dutra explica por que é considerado um dos melhores administradores do país

A administração petisca de Porto Alegre vem se destacando pelos bons índices de aprovação alcançados nas pesquisas de opinião pública. Olívio Dutra foi eleito em 88 com cerca de 35 dos votos. Aconteceu uma evolução significativa do nível de popularidade de seu governo, segundo as pesquisas do Data Folha. Enquanto em julho de 90, somente 10% dos entrevistados consideravam sua administração ótima ou boa e 55 % a achavam ruim ou péssima, na última pesquisa divulgada em janeiro último o índice de ótimo e bom subiu para 38%, enquanto o de ruim e péssimo caiu para 22%. Certamente, uma pesquisa realizada hoje apresentaria números ainda melhores, confirmando essa curva ascendente. A solidez do prestígio da administração petisca é tão considerável que, apesar de enfrentar partidos consolidados na cidade como o PDT e o PMDB, as pesquisas colocam o atual vice prefeito e candidato do PT à sucessão, Tarso Genro, em 1° lugar.

A eleição de Olívio foi das mais disputadas e a vitória só se consolidou na reta final. Concorrendo com três outros fortes candidatos, seu sucesso não deixou de surpreender a muitos.

Nascido no interior, no município de Bossoroca, onde começou a trabalhar como bancário, além de dar aulas de inglês, Olívio só mudou para Porto Alegre em 70, transferido pelo banco. Rapidamente se integrou à atividade sindical e em 75 se elegeu pela primeira vez presidente do Sindicato dos Bancários. Como tal, e ao lado de Lula e Jacó Bittar, teve participação ativa na articulação da corrente sindical combativa e na fundação do PT. Eleito deputado federal (o mais votado do estado) em 86, mais tarde exerceu o cargo de presidente do PT, do qual se afastou para concorrer à prefeitura.

Nesta entrevista, realizada nos últimos dias de 91, Olívio fala de sua gestão à frente da prefeitura, demonstrando grande entusiasmo e segurança no trabalho realizado sob sua liderança. Para deixar isso claro, como diria o próprio Olívio: "bueno, vamos à entrevista!"

Em 89, pesquisas feitas pela Folha de São Paulo, colocavam o índice de popularidade da Prefeitura de Porto Alegre entre os mais baixos do país. Hoje, é consenso que há um alto índice de popularidade da administração petista. A que você credita essa "virada"?
Nós chegamos ao governo, em 89, com uma expectativa muito grande da área popular sobre o que iríamos fazer é também com uma herança muito pesada que a administração anterior nos passou.

Você foi eleito com quantos votos?
Com 35% dos votos. No início de 89 pesquisas apontavam que nós tínhamos um percentual mais alto do que tínhamos recebido nas urnas. Depois, naturalmente, começaram as cobranças da população e também o nosso trabalho para controlar a máquina, para definir prioridades, para demarcar uma linha de atuação. Isso demanda tempo. Eu tenho dito que no primeiro ano nós estávamos arando a terra e semeando. Ocorre que o povo não fica esperando a colheita. Ele tem necessidades imediatas. Enquanto arávamos a terra e semeávamos, o povo aumentou suas demandas e se angustiou com a demora da safra. E, no entanto, era um trabalho indispensável e necessário. Sabíamos que não tínhamos todo o gás de que precisaríamos para reverter as prioridades e fazer a máquina funcionar corno queríamos, imediatamente. A esquerda nunca governou esta cidade nos seus 219 anos de existência formal. Tivemos que enfrentar toda a máquina dos poderes constituídos na cidade. Nós assumimos o governo, que é uma fatia do poder mas não é todo o poder da cidade. Soubemos encarar o fato de ser governo sem ser poder e, a partir disso, ir construindo formas de alterara relação da cidade como poder público municipal.

Você considera que o desgaste nesse primeiro momento é parte de um processo necessário?
É um desgaste natural de quem está exercendo um cargo executivo numa cidade cheia de contradições, diferenças e desigualdades. Quem tem que exercer um mandato executivo tem que ter claro que não vai poder atender a todos os interesses. Até porque nós somos do PT e, junto com o PCB e o PSB, temos um programa com origem nas camadas populares e a cidade não tem só classes populares. A cidade tem as classes mais privilegiadas, tem a ideologia dos setores dominantes sendo veiculada com muito mais facilidade e constância pelos meios de comunicação. Não vejo como poderíamos chegar aqui e sair fazendo tudo bonitinho como se a cidade fosse feita por anjos, um paraíso, uma ilha. Talvez esta ilusão passasse por algumas de nossas cabeças. Creio que não de forma consciente, mas no nosso imaginário. Antes estávamos fora desta casa, gritando e denunciando. Mas, na realidade, não tínhamos o conhecimento interno dela. E a máquina pública tem uma história, tem uma cultura e também não se direciona por decreto. Ser governo, controlar a máquina, estabelecer relações com a população, com o partido e com a militância não são coisas que possam estar prontas por antecipação. É algo que se constrói, que se aperfeiçoa no processo. Quem não tem paciência ou disposição para esse aprendizado, se choca com a máquina ou se apavora e acha que não tem que consultar mais ninguém, que o partido e a militância estão atrapalhando. O governo também não é de uma pessoa, é de uma proposta. E estamos construindo bem esse alinhamento. Mais do que isso, também estamos aperfeiçoando nosso programa no debate coma população, não só com os setores populares, de onde surgimos, mas com a cidade como um todo.

Existe uma velha polêmica dentro do PT que acha que nós vamos governar para os trabalhadores e aqueles que acham que vamos governar a cidade como um todo. Como você vê essa polêmica?
Nós estamos aqui para governar a cidade do ponto de vista dos setores populares, mas governar toda a cidade. Nós não estamos administrando a cidade apenas para um setor, para uma classe ou para uma área. Governamos toda a cidade com uma proposta vinda do setor popular e que pode ser discutida com os outros setores. Não só no discurso, na palavra, mas também na eficiência para resolver os problemas da cidade.

Como tem sido a relação do governo popular de Porto Alegre com os setores empresariais, comércio, indústria etc?
Temos tido relações respeitosas, francas, democráticas. Enfrentamos adversários também no campo popular. Não vamos achar que só temos adversários no campo empresarial. Aqui no Rio Grande do Sul e, particularmente em Porto Alegre, o PDT é muito forte e tem trabalho de base popular, mesmo que seja numa linha populista que nós sempre condenamos. Nós temos uma visão da cidade e queremos disputar no nosso próprio campo propostas específicas, além de levar a luta com o setor adversário.

Como tem sido a relação com o funcionalismo municipal?
Num primeiro momento nossa relação foi corporativa, seguindo o raciocínio de que companheiros municipários são trabalhadores assalariados e temos que atender às suas demandas porque senão estamos traindo nosso discurso. Num segundo momento percebemos que a cidade tem outros trabalhadores que, mesmo não sendo empregados da Prefeitura, dependem da ação do governo municipal para ter melhoria na sua qualidade de vida. E se o poder público municipal empatar a maior parte do que arrecada no pagamento dos seus próprios funcionários, no consumo da máquina, ele não vai poder melhorar a vida de tantas outras categorias de trabalhadores que formam a maioria. Em um terceiro momento vimos que os municipários são um importante setor de trabalhadores, a máquina funciona na medida em que eles estiverem trabalhando com dedicação, com competência, dando respostas ágeis e atendendo bem à população. Para isso têm que ser atendidos no básico das suas reivindicações. Apesar disso, precisamos ter uma relação entre receita e despesa na folha de pagamento diferente da que herdamos. Quando chegamos aqui, 98% de tudo que se arrecadava estava comprometido com a folha de pagamento. O governo passado, no último mês de sua gestão, fez aprovar na Câmara uma revisão da política salarial e algumas mudanças no quadro de carreira que triplicaram a folha.

Como é que vocês enfrentaram isso?
Era lei e nós cumprimos. No primeiro mês tivemos que fazer um empréstimo no sistema financeiro de Cr$ 100 milhões, ou coisa parecida, para atender à folha de pagamento. Achamos que eram antigos direitos e reivindicações que realmente não podiam ser simplesmente contestados. Passamos o ano de 89 rolando essa dívida. Era uma conquista do funcionalismo e trabalhamos para ver se a assegurávamos na prática, mesmo com problemas seríssimos com outras questões na cidade. Claro que não poderíamos manter esta posição em 90. Afirmamos que precisávamos contrastar propostas, interesses e discutir política: o papel da máquina pública, do serviço público etc. Discutimos com os funcionários uma visão que superasse o meramente categorial, o corporativo. O funcionário público municipal também depende dos serviços públicos. A máquina pública não deve se limitar apenas a pagar os funcionários. Ela tem que dar respostas às demandas populares, em vários setores, como transporte, saneamento, serviços básicos etc. Em 91 conseguimos alguns acordos parciais e fomos melhorando os serviços públicos na cidade. A coisa. ficou bem mais clara. Era preciso um confronto final. Os municipários foram à greve que, se não me engano, durou dezessete dias. No final, numa das assembléias mais concorridas de toda sua história, eles acabaram aprovando a proposta salarial do Executivo.

Qual era a proposta?
Essa proposta salarial assegurava aos municipários um básico que está na média, melhor do que qualquer outra prefeitura nas proximidades.

Qual é o piso hoje?
Um gari está ganhando noventa e poucas mil cruzeiros (valor de dezembro de 91). O reajuste dos salários se dá na medida da recuperação da receita e da relação receita-despesa. Colocamos um teto de 75% da receita a ser atingido até dezembro de 91, que ainda é bastante. Estabelecemos para 92 uma relação da folha de pagamento com a receita no patamar máximo de 65%, conforme determina a Constituição. Se a arrecadação não for aquela prevista, a folha de pagamento também terá quedas. Os funcionários têm acesso a essas informações através de duas comissões: uma na Secretaria da Fazenda, outra na da Administração, que trata da política de pessoal. O sindicato indica pessoas para essas comissões, e tem espaço constante para discutir propostas de áreas específicas com o governo. O sindicato hoje está instalado num prédio próprio municipal, não tinha instalação nenhuma quando chegamos aqui. E a direção anterior era adversária, até inimiga do governo. Era uma diretoria eleita numa aliança entre a direita e a ultra-esquerda. Agora, tem uma nova composição que não é pró-administração mas que tem uma linha conseqüente, uma relação de respeito, sem eliminar os eventuais conflitos necessários nesse processo de negociar salário e condições de trabalho.

Como vocês conseguiram aumentar a capacidade de investimento da prefeitura?
Bueno, temos a visão de que os ricos, os muito ricos, os que têm propriedades constantemente valorizadas na cidade, têm que pagar mais impostos do que vêm pagando historicamente. Em 89, para o orçamento de 90, preparamos uma reforma tributária na área do município. Nós propusemos à Câmara um aumento do Imposto Predial e Territorial Urbano e de outras taxas. Nem para os conjuntos habitacionais nós cedíamos anistias ou isenções, junto com uma política de diminuir as despesas supérfluas, de mordomia etc.

Você continua vindo trabalhar na Prefeitura de ônibus?
Eu venho de ônibus todo dia e isso não é nada anormal, até porque é muito mais prático para mim, além de ser simbólico, exemplar. É que eu moro na Avenida Assis Brasil e, às 7 horas da manhã, de dois em dois minutos passa um ônibus que me deixa aqui no centro, perto do prédio da Prefeitura. Eu não dirijo e o carro da Prefeitura que está a meu serviço fica com o companheiro que mora na outra ponta da cidade. Eu não vou fazer o cara levantar de madrugada para ir lá do outro lado me apanhar. Eu venho de ônibus, e às vezes tenho que pegar um táxi. Nenhum secretário tem carro para vir de casa para o trabalho. É claro que durante o expediente, no dia-a-dia, nós temos carro oficial para nos deslocarmos com a rapidez necessária para as pontas da cidade onde estamos atuando. Com esta atitude agimos corretamente e isso traz uma redução de despesas, não só no combustível, como também na conservação dos veículos. Bueno, com essa política de redução dos gastos supérfluos e a nova política tributária conseguimos inverter a relação que encontramos. Quando chegamos aqui, 52% da receita do município dependia das chamadas transferências do governo da União e do governo do estado.

Você quer dizer no fundo de participação dos municípios (FPM) e do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS)...
Sim. A maior parte da receita do município dependia dessas transferências. Nossa reforma tributária alterou essa relação. Em 91, a situação inverteu-se: 52% vem da arrecadação própria e 48% das transferências. A transferência não é nenhum favor da União, ou do estado, para o município. É dever constitucionalmente determinado repassar um certo percentual. A gestão estadual anterior e o próprio governo de Collares nos devem pagamentos antigos dessa receita, com juros e correção monetária. Não só para nós mas também para vários outros municípios no estado. A reforma tributária alterou essa relação e por isso hoje, mesmo nessa crise enorme com a política da recessão do governo Collor, que vai se aprofundar em 92, ternos um relativo controle.

No início do governo, vocês tiveram uma experiência em várias empresas de transporte. Hoje, nas Prefeituras petistas, existem companheiros que questionam a proposta anterior que tínhamos de municipalização total do transporte. À luz da experiência vivida em Porto Alegre, como você vê essa questão?
Quando chegamos aqui, tínhamos uma frota de uns 1200 ônibus. Hoje, são 1500 ou 1600. Tínhamos quatorze permissionárias de transporte coletivo e uma empresa municipal, a Carrís, que não era maior do que as outras. No segundo mês do nosso governo os empresários nos desafiaram e fizeram um locaute. Retiraram ônibus daqui de Porto Alegre e esconderam nas suas chácaras de recreio. Nós respondemos imediatamente com uma intervenção nas seis principais permissionárias do transporte coletivo da cidade e essa intervenção, mesmo que atabalhoada, foi necessária. Ela nos deu um conhecimento concreto da situação do transporte coletivo, como ele vinha funcionando há muitos anos. A relação dos permissionários com a administração era, no mínimo, ambígua, uma relação de favores que beneficiavam pessoas e não o serviço público. Com a intervenção nós conhecemos por dentro o funcionamento do sistema e também detectamos nas empresas sob intervenção as maracutaias existentes. O sistema de transporte coletivo em Porto Alegre tem uma única fonte de renda, oriunda do pagamento da passagem pelo usuário. Esta fonte de receita estava confundida com outros negócios. Dentro das empresas permissionárias havia negócios de turismo, venda de pedras preciosas, tudo misturado. Levantamos todas as irregularidades e dissemos às empresas que para trabalhar conosco teriam que assumir alguns compromissos. À medida que foram se comprometendo a cumprir as regras do governo, fomos suspendendo as intervenções, até porque não tínhamos e não temos recursos, enquanto poder público, para encampar a totalidade ou sequer a maioria dessas empresas e fazer investimento. Isso significaria tirar dinheiro do saneamento básico, de uma série de outras coisas. Na primeira discussão do Orçamento Participativo a população não colocou o transporte como prioridade primeira ou básica. Graças às intervenções pudemos determinar condutas para os empresários permissionários do transporte coletivo e definir políticas globais. Hoje, temos uma política de tarifa real do transporte coletivo.

Quanto é essa taxa em Porto Alegre?
É Cr$ 260 (valor de dezembro 91). Mas, durante todo o ano de 89, praticamos uma política de tarifa abaixo da inflação. Encerramos o ano de 89 com o reajuste 400% abaixo da inflação real. Foi um equívoco que nos colocou numa situação que até hoje estamos tentando resolver. Tínhamos as passagens mais baixas de todas as capitais brasileiras. A população, porém, não sentia melhorias no sistema de transporte coletivo porque não havia dinheiro para comprar ônibus e a frota estava sendo sucateada. Com a intervenção nas empresas, ou seja, com muitas delas sob nossa direção não tínhamos sequer recursos para manutenção, compra de combustível etc. Hoje, temos uma política diferente. O poder público municipal tem a definição da política de transporte coletivo e tem a autoridade para fazer com que ela seja cumprida. Mas a execução pode ser feita por permissionários, com fiscalização cotidiana do governo municipal.

Você tem investido mais em que área?
O principal ponto dos nossos investimentos é o saneamento básico, que significa água, esgoto fluvial e cloacal e benfeitorias: pavimentação de ruas, tapamento de buracos e iluminação.

 

Quem define essas prioridades?
Elas foram definidas no Orçamento Participativo em 89, em 90, e reafirmadas agora em 91. Nós temos o Departamento Municipal de Água e Esgotos que trabalha a questão do fornecimento de água potável para a cidade: 95% da cidade beneficia-se desse serviço. Nós temos problemas ainda na área de esgoto fluvial e cloacal misto ou separado. Apenas 60% da cidade é servida por esse serviço, mas é um percentual que, comparado ao de muitas outras cidades, é bastante grande. Porto Alegre é uma cidade banhada pelo Rio Guaíba, que na verdade é um estuário com cinco rios, que já vêm poluídos de outras regiões.

Nós temos o projeto "Guaíba Vivo". Estamos recuperando os balneários desse rio e também espaços próximos, do ponto de vista não só paisagístico, de lazer, mas também cultural e histórico. O Guaíba, que é a característica da cidade, tem um grau de poluição incrível. Nós temos projetos e estamos trabalhando para que o esgoto antes de ser jogado no rio seja tratado, mas são milhões de dólares, que nós não ternos. Apesar disso estamos trabalhando com pequenos e modestos projetos que estão recuperando a balneabilidade das praias do rio.

Como tem sido a relação com a Câmara Municipal?
A relação tem sido de disputa constante. A Câmara de Vereadores tem 33 cadeiras. Nós tivemos até pouco tempo onze representantes do governo lá: PT, PCB e PSB. Agora temos nove. O certo é que tivemos, no máximo, um terço da Câmara. Independentemente disso nós sempre procuramos estabelecer canais com diferentes bancadas para negociar pontualmente as questões que o governo queria aprovar. É bem verdade que no primeiro ano nós achamos que a Câmara tinha que ser patrulhada. Só aprofundamos a nossa relação com o Poder Legislativo municipal em 90. E nós; temos uma relação qualificada com o Legislativo, tanto que nós podemos dizer que o orçamento para 92 foi aprovado com algumas modificações mas, sem dúvida nenhuma, na direção que o Executivo propôs. Primeiro o Executivo disputou lado a lado com a própria comunidade pelo Orçamento Participativo. Então, a população discutiu conosco o orçamento para 92 e também um plano de obras, definindo prioridades. A peça orçamentária não foi para a Câmara numa relação fria entre o Executivo e o Legislativo. Foi com todo o calor da participação popular e o povo foi lá, através dos seus representantes eleitos diretamente no Foro de Orçamento Participativo e no Conselho do Orçamento Participativo, disputar sua aprovação.

Como se deu esse processo de participação popular?
Quando chegamos ao governo, fazíamos reuniões na cidade praticamente todas as noites, e a população interessadíssima, batendo palma, e nós fazendo discurso. Era a festa da posse. Passado o primeiro mês, já ficaram mais esvaziadas, menos entusiásticas e a cobrança começou. Passados três, quatro meses, o nosso discurso ideológico, classista, denunciador da herança que recebemos já não colava mais. A população começou a cobrar: "Vocês já estão há uns três, quatro meses no governo. Nós temos problemas de água, de esgoto etc".

O que vocês fizeram?
Não adiantava querer ir para a reunião fazer um discurso ideológico propagandístico do socialismo, da transformação, se não tivesse uma proposta ligada ao problema local, de como é que íamos resolver essa questão. O partido também estava um pouco frio na relação com os seus militantes dentro do governo. Nós começamos a elaborar o Orçamento de 90 e a discutir algumas coisas com a população. Para isso reuníamos o povo, discutíamos a renda da cidade, a receita e preparávamos o Orçamento. Nós aprendemos muito nesse entre choque do discurso da campanha com a realidade da vida. Através disto, fomos germinando o processo para que a própria população se integre naquilo que a gente propõe: o domínio do cidadão sobre a cidade. Surgiu uma qualidade maior na nossa relação com a comunidade, com as associações comunitárias, reuniões de bairros etc.

Foi a partir daí que surgiu o Movimento de Pavimentação Comunitária?
Sim. Da administração passada ficaram várias ruas em que a comunidade tinha dado alguma contribuição para melhoria e não tinha aparecido melhoria nenhuma. A população queria saber para onde tinham ido os recursos com que ela havia contribuído. Fizemos um balanço em várias regiões da cidade, de ruas que tinham esta situação e de ruas que poderiam e deveriam receber melhorias, definindo prioridades. Num primeiro momento, nos comprometemos com um número de ruas a serem pavimentadas maior do que realmente podíamos arcar com os recursos que tínhamos. Contávamos com recursos que pudessem vir do financiamento tal, do projeto tal etc. A população ficou na expectativa. No Movimento de Pavimentação Comunitária tivemos enormes disputas. As lideranças comunitárias vinham à Prefeitura e diziam: "ou vocês fazem na rua o que nós já discutimos ou nós vamos fechar aquela rua e fazer tal movimento de pressão sobre o poder público". No início de 90, tivemos que adotar o projeto de pavimentação comunitária de acordo com a realidade da receita. Nós só poderíamos nos comprometer com a comunidade na pavimentação comunitária em cima de recursos dados por nós. Aprendemos e rediscutimos; o projeto de pavimentação. Houve um desgaste grande, mas também houve um aprendizado, tanto nosso quanto no campo popular, a respeito do que são recursos. Isto nos amadureceu para avançar na relação com o movimento popular. Nós tínhamos despertado essa expectativa e tínhamos que saber como nos reeducar, reeducando também os companheiros. O movimento popular comunitário, com o nosso governo, não vai ser apenas um indicador de demandas que o governo vai ter que cumprir. O governo não vai atender todas as demandas, nós vamos ter que definir prioridades. Por isso foi surgindo o Orçamento Participativo, conversando com as lideranças populares comunitárias, respeitando um movimento que já existia, mas também debatendo com ele essas questões.

Como está organizado esse movimento?
Existiam dezesseis microrregiões na cidade, onde realizávamos plenárias, reuniões abertas à participação direta do cidadão, junto ao poder público para discutir receita e despesa do município. Depois, o próprio movimento reduziu para dez as microrregiões e nessas dez plenárias abertas elegeram o Conselho dos Representantes do Orçamento Participativo e do Foro do Orçamento Participativo, por um mandato de um ano.

Que função tem cada um?
O Foro tem seiscentos representantes da comunidade, eleitos diretamente nessas plenárias. O Conselho tem 32 representantes populares também eleitos diretamente e que acompanham no dia-a-dia a construção da peça orçamentária com os nossos secretários e técnicos. O Foro se reúne uma ou duas vezes por mês. O Conselho se reúne duas ou mais vezes por semana com a administração, elaborando a peça orçamentária, depois das plenárias que já indicaram as principais demandas da comunidade. Isso não quer dizer que o Foro e o Conselho ignorem a União das Associações de Moradores de Porto Alegre (Uampa) ou a Federação das Associações do Rio Grande do Sul (Fracab) que aqui em Porto Alegre têm um papel importante, ou as Uniões de Vilas Independentes. Elas também participam. Não queremos substituir estas organizações naturais já existentes mas às vezes temos que disputar com elas. Até porque muitas delas têm uma democracia interna discutível.

Como são encaradas pela prefeitura essas deliberações que vêm da base?
Nós temos disputas constantes como movimento porque assim como um sindicato pode ter uma visão corporativa também o movimento comunitário tem uma visão particular, bairrista, localizada. Nós temos que ganhar esses movimentos para uma visão global da cidade. A comunidade aprende que a sua relação com o poder público não pode ser de ir lá porque o fulano de tal é representativo do bairro e por isso o governo deve atendê-lo. Tem que consolidar bem a reivindicação. Isso não quer dizer que nós não estejamos dando atenção para a reivindicação localizada. Damos, mas sempre relativizando com a questão global da cidade. Somos pressionados pelo poder dos grupos econômicos poderosos localizados na cidade, e queremos, estando no governo, fortalecer a construção do poder popular que se expressa na comunidade de bairro, na vila, nas organizações categoriais. Ao mesmo tempo queremos que esse poder não tenha uma visão particular, estreita, corporativa. Nós sempre temos disputas dentro do nosso próprio campo, e eu acho que esse é o novo socialismo que agente quer construir.

Ricardo Azevedo é diretor de Teoria e Debate.

Adell Sell é secretário de Políticas Públicas do PT/RS.

Marco Aurélio Schuster é jornalista.