Economia

"Submissos ideólogos do poder" esperam que os trabalhadores sorriam, apesar das medidas de arrocho e concentração de renda

"Aliás entre os meus economistas com mais uma semana de campanha, o Mailson seria de esquerda perto deles... Já é um pouco de gozação, mas quando foi chegando perto de ganhar eu tive que segurar o pessoal. Então, o negócio de suspender a dívida externa não era bem assim, a dívida interna não era bem assim... "

Luis Inácio Lula da Silva,
Sem medo de ser feliz: uma eleição entre a ética e a política.

 

Muito provavelmente, os primeiros anos da "era Collor" serão lembrados pelos historiadores do futuro como anos marcados, acima de tudo, por um amplo e forte movimento de generalização da desesperança e do descrédito popular com relação aos gestores da coisa pública e do Estado burguês no Brasil. A novidade deste movimento se encontra no fato de que, mais do que os "políticos" (que sempre estiveram sob suspeição), é o discurso tecnocrático mesmo, através de seus principais arautos, que passa a ser julgado e condenado pelo conjunto da população.

O nível de descrédito que o "saber econômico" alcançou nos últimos tempos entre os setores mais críticos e organizados da sociedade civil é algo que ainda não foi devidamente avaliado pelos profissionais desta área, contrastando de forma chocante com a sobranceira segurança e auto-suficiência que insistem em aparentar nossos tecnocratas de plantão. Em um artigo quase irado, publicado na revista IstoÉ Senhor logo após a edição das medidas provisórias constitutivas do Plano Collor II, um dos mais produtivos e ponderados intelectuais brasileiros, Raymundo Faoro, explicitou esta perspectiva de maneira que não poderia ser mais clara:

"Nunca os economistas falaram tanto, acerca de tantas coisas e de nada... Estes 'intelectuais públicos' têm o encargo - talvez a missão - de desagradar a todos, o centro, a direita e a esquerda, gregos e troianos, em nome da verdade... Mas, adverte Rusel Jacoby: ...o perigo de ceder a um novo latim, uma nova escolástica isolada da vida do grande público, torna o futuro cada vez mais sombrio. ...No economista, escudado no título universitário ou no economês, nada mais há do que o disfarce, a simulação de uma independência mentirosa. É raro o que não se diga professor, ainda que a escola em que ensine não pague, como salário, nem a gravata que ostenta, com mau gosto e agressividade. Empresários, consultores de empresas, banqueiros, todos escondem a real profissão, que lhes denuncia o vínculo de classe ou a lealdade partidária ...Trata-se, na verdadeira profissão confiscada, de intelectuais que se passam por intelectuais, herdeiros de uma gloriosa linhagem, títeres de interesses não confessados, aspirantes à tecnocracia, que é, mudadas as letras, uma bancocracia, uma empresariocracia, ou uma cracia em busca de empregos e de patrões!

A crítica é, sem dúvida alguma, feroz e surpreendente por sua inflexão generalizadora, particularmente se considerarmos que parte de um intelectual de orientação política liberal, não identificável com qualquer "esquerdismo" ou "iconoclasmo infantil". Por isto, a virulência do julgamento e sua abrangência deve ser ponderada e avaliada (auto) criticamente por aqueles que não se identificam com a prática teórica e política dos "economistas do poder".

Na raiz da crítica faoriana - como bem o sabe qualquer leitor que acompanhe sua atividade como jornalista, historiador e jurista - está um ataque ao autoritarismo das soluções "tecnocráticas" que, na sua arguta perspectiva, mais do que ineficazes não passam de manipulações dos instrumentos coercitivos do Estado para a articulação de interesses sociais que são perversamente mascarados sob a forma de "imposições técnicas". E, neste sentido, é pertinente o conteúdo generalizador de sua crítica, pois não atinge apenas aqueles economistas que atuam no interior do poder e se identificam política e conscientemente com as práticas tecnocráticas. Atinge igualmente aqueles que, mesmo sem ter consciência do fato, se subordinam à lógica da tecnocracia através da assimilação de seus fundamentos. Para entender este processo é preciso investigar os determinantes elementares da leitura tecnocrática de mundo, segundo a qual entre o "tecnicamente possível" e o "política e idealisticamente desejável" existe uma distância quase infinita, somente compreensível pelos portadores de uma saber técnico-científico que é inassimilável pelas grandes massas populares.

Evidentemente, o fundamento primeiro do tecnocratismo é o materialismo vulgar, a perspectiva segundo a qual o homem é um ser que carece totalmente de liberdade, sendo seus movimentos determinados (e passíveis de apreensão) a partir do mesmo padrão lógico que preside o movimento (e a apreensão do movimento) de toda coisa material.

É bem verdade que tal perspectiva - que nada mais é do que o senso comum das sociedades mercantis - não pode conformar urna leitura consistente de um mundo em permanente transformação, vendo-se compungida ao desenvolvimento. Tal desenvolvimento se dá dialeticamente pela (auto) negação do materialismo vulgar, através da conformação de seu contrário idêntico, o idealismo vulgar, segundo o qual o homem carece de toda e qualquer determinação material, sendo um ser livre, capaz de autodeterminar sua trajetória a partir do exercício de sua razão soberana.

A despeito dos limites presentes no tratamento simplificado e apressado de questões tão complexas, poderíamos dizer que os principais projetos teóricos metodológicos que orientam contemporaneamente o exercício científico na área das "humanidades" aurem sua expressão da tentativa de articular e sintetizar (superando ou não) estas duas leituras elementares, formalmente antagônicas.

Dentre estes projetos salienta-se, por sua ampla aceitação e mediocridade, o projeto positivista. Em tal perspectiva, a síntese pretendida não é outra coisa que a simples justaposição das leituras contrário-idênticas anteriormente citadas: a uma crença simplória (e congenitamente autoritária) na objetividade e capacidade socialmente impulsiva do conhecimento científico, vem se somar a (re)afirmação da perspectiva materialista mais primitiva. O desenvolvimento desta justaposição espúria de suas leituras formalmente opostas conduz, inexoravelmente, à concepção de que não só podemos como devemos tratar as questões sociais como questões eminentemente técnicas.

Ora, duas coisas chamam a atenção no discurso tecnocrático positivista: sua plena adequação ideológica enquanto discurso do poder instituído, negador que é das "fantasias revolucionárias e transformadoras"; e sua contradição intestina com a peculiar historicidade das sociedades burguesas, onde "tudo o que é sólido se dissolve no ar".

Na tentativa de enfrentar esta contradição, impõem-se o último grande movimento de determinação do projeto metodológico positivista: a defesa da segmentação e parcialização dos objetos do conhecimento científico, particularmente das ciências ditas sociais e humanas. Isto abrirá espaço para duas ciências sociais básicas: a economia pura, cujo objeto será o comportamento humano racional de base hedonista e elementarmente intransformável, e a sociologia, que se ocupará dos comportamentos arracionais (não necessariamente irracionais), especificamente culturais e transformáveis. Este esforço de delimitação e parcialização do objeto não é, contudo, um esforço inocente, mas comporta, como explicita Lukács, uma insofismável funcionalidade ideológica na medida em que permite "enviar os problemas decisivos da vida social de uma disciplina especializada (que, enquanto tal, não é competente para resolvê-los) para uma outra disciplina especializada, a qual, por sua vez, e com igual razão, declara-se incompetente. Trata-se sempre, naturalmente, das questões decisivas da vida social, diante das quais o interesse da burguesia decadente expressa-se cada vez mais no sentido de impedir que sejam claramente formuladas e eventualmente resolvidas" (George Lukács. Determinações para a crítica particular do desenvolvimento da sociologia).

É evidentemente impossível ler esta passagem de Lukács sem que nos venham à lembrança as colocações daqueles economistas que, frente às críticas crescentes em torno da ineficácia das políticas econômicas recentemente adotadas para enfrentar a crise sócio-econômica brasileira, passam a reconhecer sua múltipla determinação, a presença de insofismáveis dimensões políticas, sociais e culturais na conformação da mesma. Tal reconhecimento, contudo, antes de ser a revelação das debilidades do projeto positivista e tecnocrático de leitura e regulação da sociedade, acaba funcionando como uma defesa das políticas econômicas em curso,"que apenas não dão certo na medida em que seriam insuficientes, carecendo de outras políticas (igualmente articuladas de forma tecnocrática?) capazes de dar conta do enfrentamento das questões culturais e sociais".

Paralelamente, a rígida segmentação entre as ciências sociais permite a continuidade das políticas econômicas de cunho tecnocrático, na medida em que a permanente abstração das questões referentes à política e à cultura sustenta a possibilidade de montagens de modelos especificamente econômicos tecnicamente manipuláveis.

A contradição deste projeto está no fato de que independentemente do que propõe a "boa teoria", a realidade social avança e se transforma de forma global. E, mesmo em seu período de decadência, as burguesias política e economicamente implementadas de forma mais sólida vêem-se instadas a articular transformações em seu padrão de dominação social e econômica com vistas à manutenção de sua hegemonia de classe. Isto se reflete numa "flexibilização" dos postulados metodológicos fundamentais do positivismo que se apresenta sob a forma de um movimento pendular de recuperação/ negação da economia política frente à economia pura. Tal movimento só parece ser efetivamente assimilável por aqueles economistas que atuam como "quadros políticos" e "intelectuais orgânicos" das burguesias mais dinâmicas, aptas e dispostas a articular e bancar as transformações sociais necessárias à reprodução de sua própria dominação.

Neste sentido, ele contrasta violentamente com a prática e a leitura da imensa maioria dos economistas brasileiros, estejam ou não participando do poder. Tal fato não pode ser pensado como uma casualidade ou como a revelação de uma pretensamente crônica incompetência de nossas escolas e profissionais de Economia. Seguindo a própria lógica da crítica de Faoro e das argutas observações de Lukács, é preciso entender por que o padrão de dominação burguesa em nosso país solapa a constituição de quadros políticos e teóricos capazes de transcender a mediocridade da lógica parcializadora, mecanicista e esquizofrênica própria do tecnocratismo positivista. Quer nos parecer que a resposta se encontre - como explica um dos maiores autores marxistas deste país, Florestan Fernandes - no fato de que o padrão de dominação burguesa aqui instituído padece de uma fragilidade estrutural, a ponto de impedir todo e qualquer movimento de efetiva racionalização do processo de regulação econômica e social capaz de dar conta da adoção concertada de políticas de reformas sociais para enfrentar o quadro de profunda crise de reprodução da sociedade. A comprovação contraditória desta leitura pode ser obtida pela observação do fato de que a América Latina e o Brasil, no período que vai de meados da década de 40 a meados de 60 - e como reflexo da fase áurea do processo de industrialização e crescimento capitalista desta região -,conseguiram constituir uma expressiva tradição teórica que operava nos marcos da economia política. Estamos nos referindo à Cepal e seus afiliados teóricos. Sintomaticamente, contudo, esta memorável escola do pensamento econômico entrou em crise juntamente com a crise geral do padrão de desenvolvimento capitalista dependente que se generalizou neste subcontinente a partir de meados da década de 70. Daí para a frente, a economia política latino-americana sofreu uma séria inflexão crítica, denunciada pela crescente perda de capacidade de intervenção política autônoma e concreta de seus cada vez mais parcos representantes.

A fragilidade estrutural da dominação burguesa não se reflete, contudo, numa crise de hegemonia, que seria manifesta pelo avançar da crítica à ordem instituída em todos os níveis (práticos e teóricos). Infelizmente, não é isso que vemos no Brasil. Aqui, o grau de solidez da hegemonia burguesa se reflete de forma exemplar na fragilidade da articulação teórico-crítica às leituras e práticas visceralmente tecnocráticas de gestão e regulação social. E, no interior do estrato social intelectual - como bem nos lembra a inflexão generalizadora da crítica de Raymundo Faoro - os economistas constituem hoje um padrão de subordinação teórica e ideológica à lógica do poder. Tal subordinação revela-se na participação ativa de alguns dos mais importantes economistas do país de distintas extrações teóricas na articulação dos diversos "pacotes econômicos" dos dois últimos governos e, de forma ainda mais preocupante, pelo silêncio conivente daqueles que se ausentam do poder. Tal silêncio não implica necessariamente uma concordância política com o jogo autoritário e tecnocrático, mas, inúmeras vezes, indica tão-somente uma subordinação ideológica inconsciente cujas determinações se encontram na própria incapacidade de articulação de um discurso teórico alternativo ao discurso do poder.

Exemplo mais do que representativo desta submissão teórica (que se desdobra em submissão ideológica) é dado pela participação da maioria dos economistas "críticos" nos inumeráveis debates em torno da evolução do salário real após os diversos pacotes econômicos que redundam em congelamento dos salários sem a recuperação integral da inflação passada. O discurso governamental - que propugna que, mesmo na ausência de reposição integral da inflação pregressa, o congelamento envolve um elevação de salário real para os trabalhadores - é enfrentado nos próprios termos em que os economistas do governo propõem a questão. As objeções mais contundentes à lógica governamental raramente transcendem os débeis questionamentos em torno da efetividade do controle dos demais preços e, portanto, da inflação futura, ou mesmo da justiça social da nova estrutura distributiva consolidada. A estes questionamentos, os economistas do governo respondem com promessas de livre negociação futura e com a simplória declaração de que chegou-se a este quadro de distribuição graças às inexoráveis determinações do mercado, e que nada pode ser feito para enfrentá-las; sem que se fira a estratégia de enfrentamento do inimigo público número um: a inflação que se quer debelar.

Uma vez assimilada a lógica do discurso do poder torna-se quase impossível articular uma resposta a estas colocações que fique além das declarações de que "a veracidade das afirmações dos economistas do governo de que haverá uma elevação de salário real só pode ser definida pela evolução futura do próprio nível geral de preços e dos salários nominais" (sic).

A fragilidade deste pretenso contradiscurso é notória e facilmente perceptível por uma população que sofre as conseqüências dramáticas de uma inflação continuada, associada a uma política de arrocho e desemprego. Neste momento os economistas "críticos" sentem o peso de vestirem como que "por livre e espontânea vontade" a camisa-de-força teórica imposta pela lógica do poder através do descrédito crescentemente generalizado da população em torno da própria probidade científica e política de suas leituras. Por que os economistas críticos chegam a este impasse político e teórico? A resposta é simples: porque enfrentam o discurso do poder como economistas, sequer como economistas políticos, mas rigorosamente como especialistas em teoria econômica pura (sic).

Esta autocircunscrição - que determina que o objeto de investigação econômica caiba dentro dos limites das relações de mercado definidas na esfera da circulação, onde atuam proprietários livres e iguais - só pode ser rompida na medida em que se faz rigorosamente a crítica da economia pura e política enquanto discurso e objeto.

Tal processo envolve o resgate radical do marxismo, que propõe que a economia política seja e não seja - rigorosa e simultaneamente - uma ciência. Isto porque seu ponto de partida e objeto - a reificação das relações sociais e a subordinação dos homens à lógica da mercadoria e do capital - é uma contradição que nada mais faz do que se desenvolver. A subordinação dos homens à lógica das coisas é real e não imaginária. Entretanto, a lógica à qual se subordinam não é imanente às coisas enquanto tal, mas sim a uma certa ordem social que se desenvolve impositivamente e que, ao fazê-lo, não apenas nega crescentemente seus próprios princípios constitutivos e aparentes - a igualdade substancial entre os agentes e entre as relações de intercâmbio -,como o faz em termos tais que impedem a continuidade de qualquer processo de auto-regulação pelos "mecanismos inconscientes do mercado". Assim é que a luta de classes, o Estado e as crises não são desenvolvimentos externos à lógica da mercadoria e do capital, mas rigorosamente imanentes a estes. Mais do que isto: se as classes, o Estado e as crises não podem ser entendidas antes da compreensão da lógica pura da mercadoria e do capital (como Marx mais de uma vez afirmou em seus textos metodológicos), estes últimos - dialeticamente tampouco podem continuar sendo compreendidos de forma autônoma, a partir do momento em que (lógica e historicamente) põem os primeiros. Estes princípios - tantas vezes ensinados por Marx è tantas vezes esquecidos - são o próprio fundamento da percepção de que, apesar das aparências em contrário, a economia política - a "ciência do fetiche" - não pode ser mais do que um ponto de partida impositivo da verdadeira ciência, a ciência da História, única capaz de dar conta efetivamente do processo de reprodução, regulação e transformação da sociedade capitalista.

Para aqueles que compreendem e aceitam estes desenvolvimentos é fácil romper com a subordinação ao discurso ideológico do tecnocratismo positivista que procura circunscrever todo o debate em torno da crise econômica atual e das políticas de "enfrentamento" (sic) das mesmas aos cânones assépticos da economia pura. A mera superação da subordinação ao discurso do poder permitiria a articulação de novas e efetivamente relevantes questões e respostas. Como, por exemplo: a quem serve a prática tecnocrática?; qual a funcionalidade da inflação?; qual o sentido de se pretender estar fazendo a defesa do salário real quando se institucionaliza uma economia que opera com duas moedas, uma indexada, que sustenta todas as operações intercapitalistas, e outra, não indexada, restrita às relações econômicas entre capitalistas e trabalhadores?; que sentido há em se pretender que o mercado defina cegamente a remuneração dos fatores de produção em uma economia em recessão crônica (definida por políticas públicas conscientemente articuladas), cujo processo de modernização agrícola sustenta um êxodo rural brutal, e em que as circunscrições institucionais à livre organização sindical não apenas sobrevivem em uma CLT corporativista, mas são recorrentemente colocadas sob o peso das armas e dos coturnos?; qual o sentido de se pretender que não há como recuperar as perdas referidas à inflação passada tendo em vista o componente inflacionário deste processo, quando, via de regra, os mesmos pacotes econômicos que congelam os salários pela média (sic), comportam grandes elevações das tarifas públicas, desvalorizações cambiais e políticas que levam à elevação das taxas de juros e dos custos de oportunidade dos capitalistas?; será que os demais custos não importam ou será que os economistas do poder - assim como boa parte dos leigos deste país - já entenderam que a inflação brasileira constitui em si um fenômeno da crise global pela qual passamos, não podendo ser explicada nem debelada a partir dos tradicionais mecanismos de controle de demanda e de custos, e que tais teorias só são resgatadas quando se quer justificar ideologicamente as políticas de depressão, desemprego e arrocho?

A mera colocação destas questões não nos garante, evidentemente, de forma imediata, respostas absolutamente consistentes e inquestionáveis às mesmas. Contudo em seu equacionamento está a possibilidade de respostas, que têm de ser dadas no interior de uma lógica que não pode mais ser a da pura economia. Ao se enfrentar as efetivas determinações sociais globais do processo de apropriação/distribuição de rendimentos no interior da sociedade capitalista (através da superação da esquizofrenizante proposta de análise econômica que buscam nos impor os tecnocratas de plantão), as questões referentes ao sentido interior da política de rendas dos dois últimos governos podem ser respondidas de forma científica e sem tergiversações. São - como já sabe o grande público - políticas de arrocho e concentração, embutidas em cada pacote econômico, não apenas por aquilo que estes propõem mas, igualmente, por aquilo que deixam de propor.

Por isto mesmo, não merecem outro qualificativo do que o de "submissos ideólogos do poder" aqueles economistas que descontextualizam absolutamente todo o sentido de uma política econômica (da qual os diversos pacotes são apenas momentos plenos de dramaturgia burlesca) para afirmar, diante dos ideologicamente comprometidos meios de comunicação de massa que, "como o prova a boa matemática", os trabalhadores devem sorrir, pois a melhoria de suas condições de vida é inquestionável. Para estes a crítica de Raymundo Faoro é insuficiente. Tampouco a alcunha dada por Marx a teóricos de tal calibre - sicofantas do capital resgata suficientemente o grau de submissão ideológica expressa em seus raciocínios medíocres. Tais arautos do discurso esquizofrênico merecem tão-somente o tratamento dedicado aos mesmos por uma publicação humorística nacional que estampou numa camiseta, sobre a face entre irada e atemorizada de um típico homem do povo, a sintomática frase "Eu odeio economista!". Evidentemente, os tecnocratas que - por uma questão de princípios - não dão qualquer valor às manifestações críticas de inspiração popular, não serão atingidos pela mesma. Temos, contudo, alguma esperança que tal perspectiva não se encontre hoje tão generalizada que impeça aqueles que se pretendem arautos de uma perspectiva "critica" de se questionarem frente a mais esta demonstração de descrédito profissional que não distingue exceções ou filiação ideológica.

Carlos Paiva é professor de Economia da Universidade Federal de Uberlândia.