Internacional

Urge desencadear um intenso processo de discussão sobre as grandes transformações em curso no mundo pós-Guerra Fria e suas implicações para o partido. A cooperação e integração entre as nações, nos marcos da democracia, são difíceis desafios que hoje se colocam para as forças socialistas.

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As notas que se seguem são parte de um texto mais amplo destinado a ser discutido no PT a partir do segundo semestre. Não só algumas questões aqui tratadas sumariamente merecerão um maior aprofundamento, como o texto definitivo deverá contar com uma extensa discussão sobre a América Latina, que dará relevo à nossa política externa nessa área prioritária. Por esta razão, discutirá com especial atenção o Foro de São Paulo, articulação para a qual muito concorremos, e que chega em Manágua (julho de 92) à sua terceira reunião, depois dos encontros do Brasil (90) e do México (91). agrupando mais de setenta partidos do continente. Este texto, a despeito de ter sido elaborado pelo secretário de relações internacionais do PT, reflete discussões que vêm se desenvolvendo há longo tempo na Secretaria. Muitas correções e sugestões foram incorporadas a esta versão. Mesmo assim a responsabilidade integral do texto, sobretudo de suas debilidades, é do autor.

 

Durante muito tempo a direção partidária subestimou a análise da situação internacional e a necessidade de definições mais abrangentes de política externa. Apesar dos esforços da Secretaria de Relações Internacionais (SRI) e de seus sucessivos responsáveis, as questões relacionadas com a situação mundial e com a necessidade de uma política externa mais consistente sempre ocuparam um lugar secundário nos debates do Partido dos Trabalhadores.

Como conseqüência houve uma condução empírica das relações internacionais. Na prática, deixava-se freqüentemente que tendências ou grupos do PT implementassem uma política externa própria conforme suas afinidades internacionais.

Essa subestimação veio muitas vezes acompanhada da idéia de que as relações internacionais são uma atividade secundária, quando não supérflua, que permite a alguns dirigentes viajar para outros países. Era necessário eliminar estas falsas representações e transformar as relações internacionais em um elemento fundamental para a atividade política do partido.

A partir de 88, o Diretório Nacional começou a dar um novo tipo de atenção à política externa. O principal efeito desta virada se fez sentir em uma presença maior do PT internacionalmente, o que pôde ser constatado durante o 1° Congresso, ao qual compareceram 140 delegados internacionais, representando mais de oitenta partidos.

Esta transformação transcorreu com dificuldades e apresentou inúmeras deficiências. A maior de todas foi provocada pelo fato de que muitas de nossas iniciativas tiveram de ser adotadas sem uma reflexão política mais aprofundada e, sobretudo, sem que o partido como um todo participasse do seu debate.

Apesar de um saldo globalmente positivo, o momento não é para celebrações. Trata-se, fundamentalmente, de desencadear um processo de discussão sobre as grandes transformações em curso no mundo e suas implicações para a política do PT e, ao mesmo tempo, de realizar uma análise crítica da ação da SRI, permitindo as necessárias correções de rumo.

A formulação da política externa de um partido político está estreitamente ligada à análise que esta organização faz da evolução da situação internacional no curto e no longo prazo.

Um partido político como o PT não deduz sua política externa apenas da análise da situação mundial. Esta política externa não é, tampouco, a simples expressão na esfera internacional dos interesses nacionais do partido.

A orientação externa do PT deve ser uma construção política fundada em uma análise do cenário internacional e do lugar que o Brasil e o partido nele ocupam, mas que expresse também nossa vontade de alterar este quadro conforme nossos objetivos. A política externa está marcada pelas incertezas que caracterizam a situação mundial e pela escolha de instrumentos que permitam dar à nossa ação internacional racionalidade e eficácia.

Deve-se partir da premissa de que os conceitos de internacionalismo em que se basearam, até hoje, as distintas correntes socialistas e libertárias estão em crise teórica e prática, agravada pelas radicais transformações pelas quais passou o mundo nas últimas décadas.

Isto não significa negar a possibilidade de elaborar um novo conceito e prática do internacionalismo. Ao contrário, um novo internacionalismo é possível, mais ainda, é necessário, mas apresenta uma complexidade enorme que não encontra resposta nas alternativas que todas as Internacionais até hoje existentes formularam. Trata-se, pois, de construí-lo.

Para tanto, a premissa básica é a existência de alternativas nacionais e regionais de esquerda fortes e sobretudo enraizadas em amplos setores das camadas exploradas e oprimidas da população.

Finalmente, um novo internacionalismo exige uma análise aprofundada da nova realidade mundial e uma revisão dos instrumentos teóricos desta análise.

Somente assim é possível resistir à tentação de opinar, categoricamente, a partir de esquemas analíticos essencialmente ideológicos, sobre as realidades mais distintas.

Mudanças no quadro

Em 91 encerrou-se um ciclo da crise que durante os anos 80, particularmente a partir de sua metade, vinha afetando o Leste Europeu e a União Soviética. Consumou-se a anexação da ex-RDA pela Alemanha Federal. A quase totalidade das ex-"democracias populares" são hoje governadas por coligações, na maioria conservadoras, todas empenhadas no restabelecimento do capitalismo. Na Romênia, onde os comunistas detêm o poder, desenvolvem-se amplos movimentos de contestação. A Iugoslávia implodiu e, finalmente, a União Soviética desintegrou-se. Surgiram quase duas dezenas de novos Estados e não se pode dizer que as fronteiras européias e asiáticas estejam plenamente definidas.

O ano de 91 representou não só o fim do ciclo histórico iniciado em 17 com a Revolução Russa, como o colapso da ordem política internacional estabelecida nas conferências de Teerã, Ialta e Potsdam (1943-44-45, respectivamente) nas quais os "três grandes", de então, definiram qual seria o perfil do mundo do pós-Guerra. Marcou o fim definitivo da bipolaridade política e militar consolidada com o início da Guerra Fria, em 1947. Ao mesmo tempo entrou em declínio o movimento dos não-alinhados, surgido em Bandung em 55, que buscara constituir-se como "terceiro campo".

A Guerra do Golfo - independentemente dos problemas que estiveram em jogo durante todo o período desta crise - teve como resultado mais importante a afirmação da plena hegemonia política e militar dos Estados Unidos, auto-erigidos à condição de polícia do mundo.

Há um lado paradoxal nesta hegemonia político-militar: ela se dá no marco de transformações econômicas muito importantes em escala internacional, que apontam para uma perda de dinamismo da economia norte-americana. Esta situação se evidencia na crise dos EUA e revela um processo mais amplo de lenta decadência daquela que foi a grande potência econômica mundial desde os anos 40.

O declínio da economia norte-americana é acompanhado pela constituição de novos pólos mundiais de desenvolvimento, especialmente a Comunidade Européia e o Japão, agrupando os chamados "tigres asiáticos".

Estes dois grandes blocos econômicos impulsionaram enormes processos de desenvolvimento das forças produtivas, acompanhados de mecanismos de inovação tecnológica sem precedentes. Não sem razão fala-se de uma "terceira revolução industrial".

A expansão do sistema produtivo capitalista nestas regiões do mundo vem acompanhada da necessidade de criação de megamercados e está estreitamente associada ao desenvolvimento de inúmeros fatores: novas técnicas de comunicação, de gestão e de comercialização e profundas inovações nas relações de trabalho. Os padrões tayloristas até então dominantes cedem lugar a formas mais flexíveis, o que é acompanhado e facilitado pela importância crescente da microeletrônica e da robótica. Diminui o número de trabalhadores diretos - o que implica a diminuição da classe operária industrial - aumentando, em proporção menor, o número de técnicos que vão operar os equipamentos de controle numérico, supervisionar os processos de trabalho, ou dedicar-se a atividades de gerenciamento, marketing e outras que têm um papel decisivo na expansão do sistema produtivo hoje. Reaparece o trabalho industrial doméstico e regiões "atrasadas", até há bem pouco tempo fora da geografia industrial, são integradas aos grandes centros produtivos com a instalação de indústrias "maquiladoras".

Estes grandes movimentos do capital em escala internacional - acompanhados da descoberta e utilização de novos materiais e tecnologias, resultado de grandes avanços científicos - reconfiguram a divisão internacional do trabalho.

Conseqüência destes fenômenos são os grandes movimentos migratórios já em curso e que devem se acelerar nos próximos anos.

Da mesma forma, assiste-se, em muitos países, especialmente na "periferia", ao abandono de projetos complexos de industrialização nacional em proveito de programas de integração setorial e subordinada na economia mundial. Este fenômeno é particularmente visível em escala crescente na América Latina se observamos os rumos seguidos inicialmente pela economia chilena e o caminho que hoje empreendem México e Argentina.

Controle total

A constituição de um terceiro grande pólo econômico em torno dos Estados Unidos e que conta hoje com a adesão do Canadá e México depende do êxito destas políticas econômicas que vêm sendo aplicadas na maioria dos países latino-americanos. Por trás das vagas definições da Iniciativa para as Américas, do presidente Bush, está a firme intenção de colocar a América Latina sob controle total da economia norte-americana. Esta hipótese se reforça quando se examina com cuidado a evolução recente do balanço de pagamentos e da balança comercial nos países da América Latina em suas relações com os Estados Unidos.

Nos últimos anos, como conseqüência do escorchante serviço da dívida externa, a América Latina transformou-se em um grande exportador de capitais. Da mesma forma, os Estados Unidos inverteram as relações comerciais com o continente, passando a obter consideráveis excedentes em, sua balança comercial. As exportações dos EUA para a América Latina em 91 alcançaram US$ 63 bilhões, perdendo apenas para aquelas destinadas à Comunidade Européia (US$ 100 bilhões) e para o Canadá (US$ 90 bilhões) e ficando à frente das destinadas ao Japão (US$ 50 bilhões).

Para que esta política se materializasse, os Estados Unidos impulsionaram políticas visando estabelecer uma vasta zona de livre-comércio, com a eliminação de todas as barreiras alfandegárias e o abandono de qualquer medida protecionista.

No mesmo projeto figura um plano massivo de privatizações e de retirada do Estado de qualquer capacidade de iniciativa na definição e implementação de uma política de desenvolvimento. Este ficaria totalmente subordinado às "leis do mercado", que se encarregariam de definir quais os setores competitivos em escala internacional.

O primeiro resultado desta orientação global é um processo de desindustrialização do continente, agravado pelo quadro recessivo que atinge a maior parte das economias latino-americanas nos últimos doze anos. A desindustrialização apresenta uma dupla face. Não só significa a queda quantitativa da produção como a crescente obsolescência tecnológica do parque industrial dos países periféricos, cada vez mais distantes da "terceira revolução industrial" em curso nos centros avançados do mundo.

A crise do "campo socialista", emblematicamente apresentada como crise das economias planificadas, reforçou a gravitação das idéias neoliberais em escala internacional.

Apesar da persistência de práticas abertas ou disfarçadas de protecionisno no Japão, na Comunidade Econômica Européia e nos Estado Unidos, a propaganda liberal apresentou até agora uma vitalidade jamais vista neste século. As teses do livre comércio, o império do mercado e a retirada do Estado da economia e de outras responsabilidades sociais ganharam uma audiência cada vez maior, contaminando inclusive setores importantes da social-democracia que abandonaram, na prática, as políticas de Welfare em favor da busca de "ajustes macroeconômicos".

Os efeitos concretos destas políticas não se fez tardar. Tanto nos Estados Unidos da era Reagan, como na Grã-Bretanha de Thatcher, produziu-se uma considerável concentração de renda, revertendo tendências anteriores. Ambos os países pagam hoje um preço elevado por mais de dez anos de receitas liberais: estagnação, perda da competitividade internacional, crescimento do desemprego, aumento das polarizações sociais internas. Os acontecimentos de Los Angeles chamaram dramaticamente a atenção da humanidade para estes dados.

É significativo que os países onde as políticas neoliberais foram aplicadas de forma mais persistente - EUA e Reino Unido - sejam coincidentemente aqueles que mais dificuldade têm revelado dentre os "grandes" para realizar transformações em seu aparelho produtivo. O conflito atual entre Japão e EUA é um exemplo vivo desta incapacidade.

Nos países do Primeiro Mundo os ajustes liberais não foram capazes de criar uma dinâmica consistente de crescimento. As fortes tendências recessivas que hoje se manifestam, somadas às transformações em curso no sistema produtivo capitalista, provocam um crescimento do desemprego e, em conseqüência, do pólo de pobreza. Por outra parte, as vítimas do desemprego nos países industrializados estão cobertas por um conjunto de garantias sociais conquistas de classe trabalhadora no passado - incomparavelmente maiores e mais eficientes do que no Terceiro Mundo.

Mas todas estas formas de proteção não são suficientes para contrabalançar os graves efeitos sociais e políticos do desemprego, que atinge principalmente jovens, mulheres e pessoas mais idosas, além, evidentemente, dos trabalhadores imigrantes. Estes, depois de haver cumprido um papel fundamental nas economias centrais, são hoje virtualmente expulsos para seus países de origem.

O desemprego acirra a concorrência entre os trabalhadores, mina a unidade da classe, faz declinar a sindicalização e estimula, em muitos casos, o nacionalismo e o racismo.

Na França, Bélgica, Áustria, Alemanha e até mesmo na Itália desenvolvem-se movimentos de extrema direita que tendem a atribuir aos imigrantes a responsabilidade pelas perdas de emprego ou de fatias do orçamento destinadas à proteção social. É inquietante que em muitos destes países, contingentes importantes dos votos da extrema direita sejam originários de bases eleitorais de esquerda, comunista ou social-democrata.

A crise da URSS e da Europa do Leste, somada às crises da África, boa parte da Ásia e da América Latina, aumenta o fluxo migratório para os países centrais, intensificando as tensões sociais e políticas. Esta polarização interna que as políticas liberais provocam nas áreas mais desenvolvidas do mundo capitalista reproduz-se de forma ampliada em escala internacional.

A desindustrialização do Terceiro Mundo e sua descapitalização, em virtude da cobrança da dívida externa e da degradação crescente dos termos de intercâmbio, contribuem para o processo de marginalização de seus países do sistema produtivo e das esferas mundiais do consumo.

Cada vez mais o Terceiro Mundo produz e consome menos. O comércio mundial se faz crescentemente entre os países capitalistas avançados. Mais grave ainda: as transformações tecnológicas do processo produtivo eliminam progressivamente as "vantagens comparativas" que os países da periferia possuíam no passado para atrair capitais externos, dado que as matérias-primas do Terceiro Mundo perdem sua importância relativa em proveito de novos materiais produzidos nos países centrais; a força de trabalho barata hoje já não tem a mesma importância devido à sofisticação dos processos de trabalho que exigem mão-de-obra menos numerosa e mais qualificada; os países do Terceiro Mundo que dispunham de mercados importantes - reais ou potenciais - perdem este atrativo na medida em que o empobrecimento interno empurra milhões de pessoas para fora das esferas de consumo.

Estes fenômenos geram uma espiral diabólica. A desindustrialização não é somente um processo de redução quantitativa da indústria. Ela afeta também seu nível de qualidade tecnológica. Cresce a obsolescência das indústrias da periferia que perdem sua capacidade de competitividade internacional.

É neste momento que o economista neoliberal aparece com a receita clássica: é preferível importar um produto industrial do estrangeiro, mais barato e de melhor qualidade, do que produzi-lo nacionalmente. Mas esta defasagem tecnológica e de preço é conseqüência de uma política sistematicamente aplicada de destruição da indústria.

Se esta tendência não for revertida, em pouco tempo economias industriais complexas como Brasil, México ou Argentina poderão enfrentar uma situação semelhante àquela da RDA quando da sua incorporação à Alemanha Federal: fechamento quase que completo de seu parque industrial por se tratar de um setor "não-competitivo". Com o agravante de que não farão parte de um novo Estado Nacional, como a ex-RDA que foi anexada, constituindo-se apenas como apêndice econômico absolutamente secundário do sistema capitalista.

Como conseqüência da hegemonia das políticas neoliberais em escala mundial houve o aprofundamento do abismo entre o Norte e o Sul do planeta, ao qual se incorporou quase todo o Leste Europeu, inclusive a ex-URSS.

Os efeitos desta nova ordem para o Sul são: recessão (mais especificamente desindustrialização); agravamento de uma situação social interna, que já era grave, com um processo de concentração da riqueza, como vem ocorrendo em toda a América Latina, cujo resultado visível são as distintas epidemias que reaparecem, o aumento do analfabetismo, a degradação das condições de vida etc; aprofundamento do "gap" tecnológico entre os países do Sul e os países capitalistas centrais; desengajamento de suas responsabilidades históricas na formulação e implementação de políticas econômicas e sociais; renúncia a um projeto industrial, quando não a um projeto econômico como parte de um processo mais amplo de perda de soberania nacional (em alguns países da América Latina esta perda se traduz na presença ativa de tropas sob o pretexto de combater o narcotráfico); ao assumir um papel secundário em uma nova ordem econômica internacional, muitos países do continente são obrigados a revogar conquistas históricas do campesinato, impulsionando processos de verdadeira contra-reforma agrária como ocorreu no Chile e vem ocorrendo no México e no Peru. No Brasil este fenômeno só não é visível pelo fato de ser um dos únicos países da América Latina onde nunca houve qualquer processo de reforma nas relações de propriedade no campo. A mais recente manifestação do agravamento do contencioso Norte-Sul pôde ser observada na reunião da Rio-92, quando os Estados Unidos, abertamente, e outras grandes potências, de forma mais velada, recusaram-se a assumir suas responsabilidades na preservação do meio ambiente e esvaziaram (ou simplesmente recusaram-se a assinar) os tratados que poderiam representar uma clara inflexão na política de combinar desenvolvimento e ecologia. A intransigência dos Estados Unidos e a insensibilidade de outros países industrializados suscitou uma agressiva resposta de amplos setores da opinião pública mundial, que contaminou muitos governos do Sul, fazendo com que se falasse no surgimento de uma nova "guerra fria" opondo o Norte ao Sul.

O item final do receituário neoliberal para a América Latina é a proposta de "integração" do continente. Além das vagas formulações da Iniciativa para as Américas, estão sendo desenvolvidos vários projetos regionais (Mercosul, Pacto Andino, Mercado Centro-americano e múltiplas negociações bilaterais entre países da América Latina e Estados Unidos).

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O papel das forças de esquerda do continente não é o de rejeitarem princípio a tese da integração, mas situá-la dentro de novos parâmetros, distintos daqueles propostos pelo neoliberalismo. Para tanto é fundamental resgatar algumas idéias que devem estar na base de qualquer política de integração:

- respeito à autodeterminação e à soberania nacional;
-garantia de um papel para o Estado (democrático e socialmente controlado) nas políticas de desenvolvimento industrial e econômico;

  • prioridade para políticas de crescimento econômico com redistribuição de renda;
  • definição e implementação de programas de complementariedade econômica articulando distintos países do continente;
  • preservação e, sobretudo, ampliação das conquistas democráticas das classes trabalhadoras, permitindo que estas tenham um papel decisivo nas políticas econômicas e sociais nas esferas nacional e multinacional. Esta preocupação deve se refletir particularmente no que se refere às leis e dispositivos de proteção ao trabalho conquistados em décadas de luta e que hoje se encontram ameaçados em todo o continente;
  • políticas de preservação ambiental comuns.


"Fim da História"

O fato de se falar em fim de um período não significa dizer que chegou-se ao "fim da história". Ao contrário: um simples olhar na situação da ex-URSS e do Leste Europeu permite prever situações de instabilidade e antecipar a ocorrência de grandes movimentos sociais nesta parte do mundo. A preocupação que os EUA, o Japão e a Europa dos 12 hoje manifestam com a situação do Leste é um claro indício.

A própria situação dos EUA e do resto dos países capitalistas avançados indica que as graves contradições que atravessam suas economias afetam suas sociedades e seus sistemas políticos e apontam para a persistência de fatores de instabilidade.

Esta constatação não pode induzir as esquerdas a diagnósticos catastrofistas - como ocorre frequentemente-prognosticando o colapso iminente dos EUA e do capitalismo.

O mundo está em movimento. A história não acabou. As condições de funcionamento do capitalismo se modificaram. É fundamental entendê-las para poder traçar melhores estratégias de intervenção nacional e internacional.

A construção de uma nova ordem mundial, nos marcos da democracia, de uma cooperação e integração internacionais com respeito à soberania nacional, à autodeterminação dos povos e com justiça social, está proposta como grande e difícil desafio para as forças democráticas e socialistas.

A preeminência político-militar dos Estados Unidos e a emergência de novos blocos econômicos se traduzem na recente concentração de poder nas mãos de uns poucos países que buscam reconfigurar o mundo segundo seus interesses particulares.

Em muitas circunstâncias, decisões fundamentais, que afetarão a vida de dezenas de milhões de pessoas, são tomadas no âmbito de grandes corporações econômicas multinacionais sem levar em conta a vontade dos Estados e, o que é mais grave, de suas populações. Verifica-se uma mudança importante nas relações internacionais, com a crise das instituições mundiais e de muitos dos instrumentos clássicos da diplomacia.

Na ONU aumentou exorbitantemente o papel do Conselho de Segurança, onde os cinco membros permanentes (com direito a veto) - EUA, Reino Unido, França, Rússia e China -, têm-se, invariavelmente, posto de acordo, como se viu durante a Guerra do Golfo, e, mais recentemente, no embargo contra a Líbia.

Mas, por outra parte, as Nações Unidas têm-se revelado absolutamente incapazes para fazer cumprir suas resoluções sobre a questão palestina e conter o terrorismo do Estado de Israel, ou determinar a evacuação das tropas americanas do Panamá ou, ainda, impedir o bloqueio de Cuba.

O governo norte-americano tem exercido unilateralmente sua autoridade para bloquear toda e qualquer iniciativa internacional que entre em contradição com os interesses particulares dos círculos dominantes naquele país. A posição adotada por Washington antes e durante a Rio-92 é uma prova clara do papel conservador que os EUA desempenham e do que se pode esperar da "nova ordem internacional" propugnada por Bush.

Na configuração da ordem econômica mundial, além dos instrumentos clássicos controlados pelas grandes potências – FMI, Banco Mundial etc. – desenha-se, com a consolidação do Grupo dos Sete, um novo organismo que busca definir normas imperativas para o conjunto do mundo.

Estes poucos exemplos, que retratam a crescente concentração de poder no mundo, colocam na ordem do dia a luta pela democratização das relações internacionais, que passa por uma reforma radical da ONU e pelo estabelecimento de novos foros internacionais em que os problemas do planeta não fiquem exclusivamente submetidos à vontade das grandes potências.

Hegemonia e declínio

É improvável que os Estados Unidos possam manter intacta sua hegemonia política e militar ao se acentuarem os traços de seu declínio econômico.

Na medida que a sua crise se aprofunda e que começam a aparecer seus aspectos mais estruturais, o próprio discurso neoliberal entra em crise. Erguem-se vozes que começam a propor uma volta às práticas do New Deal, dos anos 30, para recuperar a grandeza perdida. O discurso protecionista e o isolacionismo político começam a aparecer de novo na cena americana.

É positivo, por outra parte, que a crise econômica internacional force a aceleração da política de desarmamento, o que contribui para a paz mundial.

Mas o declínio relativo dos EUA não significa o fim da agressividade da política externa norte-americana. Pode, em certas circunstâncias. produzir um resultado oposto.

A manutenção de uma posição intransigente em inúmeros aspectos da política internacional, o agravamento da guerra comercial entre as grandes potências e o aprofundamento do conflito Norte-Sul supõem a manutenção de mecanismos militares, ainda que não esteja totalmente claro qual será a nova doutrina militar norte-americana para este período de pós-Guerra Fria.

Os indícios até agora revelados apontam para uma estratégia intervencionista em conflitos locais, seja nos ditos de "baixa intensidade", seja naqueles que possuem um potencial explosivo maior, como os dos Balcãs ou os situados no território da ex-União Soviética.

Na América Latina, intensifica-se a presença militar dos EUA em ações contra o narcotráfico, sobretudo na área andina, ao mesmo tempo que o Pentágono faz as primeiras sondagens para operar uma considerável redução das forças armadas nacionais, eliminando o risco de constituição de potências militares regionais de porte médio que pudessem transformar-se em um novo Iraque.

A política norte-americana é, no entanto, contraditória. Ao mesmo tempo que favorece a negociação política na resolução de conflitos regionais, como em El Salvador, Etiópia, África do Sul e, em certa medida, na questão palestina, mantém uma posição agressiva e intransigente em Cuba, no Panamá, no Iraque e na Líbia.

O fim da URSS - a despeito de nossa crítica radical ao Estado soviético - e a evolução pragmática da política externa da China - independentemente da condenação a seu regime político - contribuíram para a preeminência absoluta dos Estados Unidos. Esta situação é nova. Bastaria lembrar o que significou no passado, a despeito de todas as ambiguidades da política soviética, ou da China, o apoio político e militar de um desses países (ou dos dois) à luta do Vietnã, aos processos de libertação nacional na África e Ásia, à Revolução Cubana etc.

Os povos em luta pela liberdade, pela autonomia, pela democracia e justiça social não possuem hoje "retaguardas" políticas nem militares (por mais problemáticas que fossem), como tiveram no passado, e somente uma complexa, nova e difícil política de reconstrução de laços de solidariedade internacional é que permitirá contrabalançar, em parte, o peso dos Estados Unidos e a capacidade que este país tem tido de arregimentar em torno de suas posições as principais potências capitalistas.

Os desequilíbrios econômicos mundiais, a emergência de novas potências econômicas - como o Japão e a Comunidade Econômica Européia e, dentro dela, a Alemanha - poderão desencadear conflitos e alterar as relações de força internacionais, sobretudo se esses países reivindicarem o peso político e militar que consideram dever corresponder à sua importância econômica. Os debates entre a Otan e o eixo França-Alemanha, tendo como pano de fundo a construção de uma força militar européia dão uma idéia dos complexos problemas que vão ocupar a agenda das grandes potências nos próximos anos.

Era conservadora

A partir dos já doze anos de administração republicana nos EUA, da longa presença de Thatcher-Major à frente do governo britânico, do prolongado período CDU-CSU na Alemanha Federal, tem-se a impressão de que o mundo ingressou irreversivelmente em uma era conservadora.

Esta impressão se reforça quando se constatam os êxitos eleitorais dos conservadores no Leste Europeu e em boa parte da América Latina. Mesmo zonas do mundo de forte tradição social-democrata, como a Escandinávia, se encontram hoje sob controle de partidos de centro direita, como ocorre na Suécia ou na Dinamarca.

A onda conservadora, que se traduziu em termos econômicos na hegemonia das propostas neoliberais, beneficiou-se ideologicamente da crise da URSS e do Leste Europeu e acabou por influenciar setores de esquerda, particularmente alguns governos social-democratas da Europa, mas igualmente partidos socialistas na oposição.

A esta realidade soma-se o colapso dos partidos comunistas em quase todo o mundo e se agrega o fato de que correntes críticas originárias dos PCs – PDS ou Refundazione Comunista, na Itália; Izquierda Unida, na Espanha; e PDS nas cinco províncias que formavam no passado a República Democrática Alemã - atravessam dificuldades decorrentes do período geral de defensiva, do esforço em dissociar-se de seu passado político e da necessidade de formular novas e credíveis propostas de esquerda.

Esta crise se dá no marco mais amplo de uma crise que afeta os mais variados sistemas políticos e que aparece como profunda crise de representação. Os processos eleitorais dos últimos anos em quase todo o mundo têm dado provas cabais de sua profundidade, o que compromete a democracia.

Intensifica-se o absenteísmo eleitoral. Em alguns países, como Estados Unidos, os governantes são escolhidos por um número cada vez menor de cidadãos, inferior a 50% do eleitorado.

Os partidos políticos, alguns com longa tradição, fortes bases sociais e arraigadas referências doutrinárias, perdem espaço para aventureiros que fazem da "luta contra a política" o essencial de sua pregação. Como alguns exemplos da presença crescente de outsiders na política temos o milionário Timminski, que ameaçou Walesa nas eleições polonesas; Fujimori, no Peru; Collor, no Brasil e, mais recentemente, a candidatura de Ross Perot nos Estados Unidos. Como indícios do processo de fragmentação eleitoral e crise dos partidos políticos tradicionais temos o bloqueio do crescimento dos Trabalhistas no Reino Unido, o declínio dos Democratas nos Estados Unidos mas, sobretudo, a multiplicação de pequenas formações de perfil indefinido - o fenômeno das Legas na Itália ou o bizarro Partido dos Cervejeiros na Polônia.

A crise das utopias socialistas e libertárias reforça a "crítica das ideologias". Mas o anúncio de uma era em que as ideologias, quando não a história, chegaram ao seu "fim" encobre uma outra ideologia que busca submergir a política nas regras da eficiência gerencial e tecnocrática, confundindo as formas de organização dos Estados e das sociedades com as normas que presidem o funcionamento das empresas capitalistas.

A crise que a política atravessa em escala internacional é agravada pela multiplicação de escândalos de corrupção ou pelo desvendamento de aspectos da vida privada dos homens públicos.

A ineficácia dos políticos e a crise da noção de política, além de propiciar o advento de alternativas tecnocráticas que marginam a sociedade em nome de métodos gerenciais de governo, pode abrir espaço para "homens providenciais" ou alternativas autoritárias, ou mesmo totalitárias, de direita ou "de esquerda" (do tipo Sendero Luminoso). Elas exploram o desgaste da política tradicional, inclusive aquela praticada pelas esquerdas, junto a amplos setores da população, especialmente aqueles que enfrentam maiores dificuldades em seu cotidiano.

A luta contra a corrupção, contra a apropriação privada do Estado, pela transparência administrativa e política, é, pois, um componente fundamental de ação das esquerdas que tenham um claro e irreversível compromisso com a democracia.

A recomposição de um projeto socialista e democrático passa, entre outras coisas, pela reconstrução de um espaço público, com a conseqüente reabilitação da política como atividade transformadora e instrumento de libertação de homens e mulheres.

Momento de Impasses

Instalada no governo de importantes países europeus (França e Espanha, por exemplo) ou na condição de principal força de oposição em outros (Grã-Bretanha, Alemanha ou Suécia), a social-democracia vive hoje uma crise cuja explicação, em grande medida, está nas mudanças sofridas pelo capitalismo nos últimos 20 anos e nas opções político-ideológicas que os partidos socialistas adotaram diante destas transformações.

A partir dos anos 70 produziu-se grosso modo uma aceleração do processo de internacionalização da economia, que afetou o sistema e traduziu-se, igualmente, numa crescente internacionalização dos mercados. Uma nova divisão do trabalho começa a surgir com a correspondente concentração de capitais e necessária inovação tecnológica. O padrão fordista de desenvolvimento começou a romper-se.

O declínio do fordismo significou para o capital não mais poder contar somente (e, em muitos casos, principalmente) com os mercados nacionais. Era preciso buscar a ampliação destes fora das fronteiras do país. Esta tendência é causa e conseqüência da formação dos megamercados (a Comunidade Européia, por exemplo) e do extraordinário incremento do comércio mundial. Na medida em que o capital não busca mais somente "realizar-se" no mercado nacional, cai a preocupação da burguesia em manter políticas nacionais de pleno emprego ou de aumento dos salários reais. Aumenta, por outra parte, a preocupação com a competitividade internacional da empresa, o que se obtém, sobretudo, através de um incremento da produtividade, isto é, da intensificação da exploração do trabalho.

O declínio do fordismo está ligado também ao esgotamento dos modelos de inspiração taylorista de organização do processo de trabalho, tendo em vista a queda relativa de produtividade provocada pelo desinteresse dos trabalhadores, o absenteísmo, que eram favorecidos pelos altos níveis de proteção que as classes trabalhadoras haviam atingido até então. A fábrica fordista era, igualmente, o local de grande concentração operária, controlada por sindicatos poderosos e com longa tradição de luta.

A nova resposta da burguesia a esta forma de organização da produção é a flexibilidade do trabalho, acompanhada (e ajudada) pelas grandes inovações tecnológicas, no plano da microeletrônica, e de novos processos de comunicação. Reaparece o trabalho doméstico, quebram-se os grandes conjuntos produtivos em proveito de pequenas unidades flexíveis que adotam formas cooperativas, menos hierárquicas, no processo de trabalho. Intensifica-se a qualificação do trabalhador. Acompanhada do fechamento de setores industriais "obsoletos" (a siderurgia francesa, por exemplo), provoca uma mudança quantitativa e qualitativa na composição da classe operária industrial com profundos impactos sobre o pujante sindicalismo europeu e a base dos partidos operários, comunistas e social-democratas.

O trabalho desqualificado fica por conta da força de trabalho imigrante, estrangeira, com pequena capacidade de organização, pouca tradição de luta e colocada em uma situação de marginalização total. Estes trabalhadores não dispõem de direito de voto e de outros atributos de cidadania que lhes permitam interferir sobre os rumos da política nacional. São objeto de escassa atenção do sindicalismo tradicional e sofrem, hoje, adicionalmente, a discriminação étnica com o aprofundamento da crise de desemprego. Em muitos países da Europa há uma forte tendência por parte de grandes contingentes de trabalhadores brancos, desempregados e de meia idade, de responsabilizar imigrantes pela perda de seus empregos ou por uma "exagerada" proteção dos órgãos de seguridade social do Estado para estes personagens "diferentes" na língua, na cor da pele, na religião etc.

O abandono pelos sindicatos e/ou partidos operários de uma perspectiva de solidariedade social e aposição defensiva que adotaram frente à agressividade nacionalista da extrema direita, associada à sua incapacidade de resolver problemas como o do desemprego, contribuem para que setores dos trabalhadores se constituam hoje em uma importante base para as forças de extrema direita, em cidades como Marselha, Antuérpia e Viena (para citar as três concentrações mais importantes de extrema direita na Europa). Boa parte destes trabalhadores eram até bem pouco tempo eleitores comunistas ou social-democratas. Fenômeno semelhante começa a ocorrer no chamado "cinturão vermelho" de Paris.

Esta virada da social-democracia européia, que se traduz na renúncia às políticas do Welfare State em proveito dos ajustes macroeconômicos com forte inspiração neoliberal, foi facilitada pelo abandono por parte dos partidos socialistas da crítica ao capitalismo.

Os impasses da crítica marxista ao capitalismo, evidentes a partir dos anos 20, foram resolvidos no pós-guerra pelos partidos socialistas com a adoção de políticas econômicas autocíclicas de inspiração keynesiana, que representavam muito mais uma resposta de frações da burguesia frente à crise do sistema do que uma proposta operária de superação do capitalismo. A partir daí, o marxismo se transformou em um "entulho ideológico" para a social-democracia. Seu abandono, como ocorreu pioneiramente com o SPD (alemão) no congresso de Bad Godsberg foi apenas uma conseqüência inevitável da aceitação desta lógica.

Este fenômeno não impediu, no entanto, que parte da social-democracia se mantivesse como referência fundamental para as classes trabalhadoras de seus países já que funcionou, junto com os sindicatos a ela ligados, como principal canal de expressão de suas demandas. Tal é o caso da Alemanha e dos países escandinavos, por exemplo.

Por outro lado, a evolução dos partidos comunistas europeus não foi capaz, muito pelo contrário, de criar uma alternativa à claudicação socialista. O reformismo dos PCs europeus - apesar dos esforços intelectuais de comunistas italianos e em escassa medida franceses empurrava estes partidos para o mesmo terreno que a social-democracia.

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Pesava sobre eles - em menor proporção sobre o PCI - a defesa intransigente do modelo soviético, que pouco tinha a dizer em termos econômicos e sobretudo políticos, para a Europa Ocidental. Os partidos comunistas não foram capazes de ir além de uma posição defensiva, que se enfraquecia na medida que as transformações do capitalismo minavam suas próprias bases sociais. As sucessivas políticas comunistas do pós-guerra - da União Nacional, versão requintada das "Frentes Populares" ao "compromisso histórico" do eurocomunismo dos anos 70 - introduziam uma contradição insuperável para os PCs. Ao mesmo tempo que tendiam a manter uma pressão de caráter sindical (muitas vezes com fortes componentes corporativos), revelavam uma disposição de unidade com frações da burguesia que, na maioria das vezes, não a aceitava.

Se é verdade que a social-democracia abandonou rapidamente uma perspectiva nacional, não é menos verdade que os comunistas se aferraram a uma posição nacionalista retrógrada ("comprar produtos franceses", como pregava o PCF) que não levava em conta a dinâmica integracionista que o capitalismo revelava cada vez mais. Ambas as posições favoreceram a maré de extrema direita nacionalista que hoje ocorre na Europa. Os social-democratas subestimaram a questão nacional e os comunistas desenvolveram um discurso nacionalista velho, que coincidia com boa parte do discurso da extrema direita e que não aparecia credível tendo em vista seus notórios laços internacionais.

A emergência de uma esquerda revolucionária a partir de 68 não foi além dos primeiros anos da década de 70. Para o seu declínio, contribuiu o refluxo da "revolução mundial" nos seus focos do Terceiro Mundo, o desprestígio da idéia do socialismo nos países onde ele "realmente existia" - na URSS, China, Cuba, Vietnã etc - e sua incapacidade de entender as transformações anteriormente descritas e de formular alternativas.

O esfacelamento da esquerda revolucionária desembocou na cooptação de uma parte de seus quadros pela social-democracia, no direcionamento de pequenos grupos para projetos terroristas (sobretudo na Alemanha e Itália) ou na persistência de organizações de caráter extremamente minoritário, paralisadas em seu crescimento e que se limitam a preservar a doutrina.

O futuro dirá qual a influência que a esquerda organizada ou os grupos "alternativos" tiveram na formação dos distintos partidos "verdes" na Europa. Esta influência é real não só no plano de temas e idéias-força, como pode ser constatada em muitos casos pela análise da composição da base militante e dos grupos dirigentes dessas organizações.

O que se pode observar, no entanto, é que se chega ao final do século 20 observando o esgotamento de um quadro da esquerda mundial (européia, em particular) gestado entre as duas grandes guerras: a clássica divisão socialistas/comunistas, afetada em algumas conjunturas pelo surgimento de uma terceira força; a extrema esquerda ou esquerda revolucionária.

Voltando a uma fórmula já utilizada, o mundo ingressa em um período pós-comunista e pós-social-democrata e, para afirmar-se, uma nova esquerda deverá diferenciar-se tanto dessas alternativas como da extrema esquerda ou da esquerda revolucionária.

Perspectivas do socialismo

É natural que a partir deste quadro venha de novo a pergunta sobre o futuro do socialismo. A resposta a esta interrogação não pode ser conseqüência nem do ceticismo daqueles que "perderam a fé" a partir do fracasso das experiências "realmente existentes" - comunistas e social-democratas - nem dos que se aferram dogmaticamente à idéia de que o "verdadeiro socialismo" não fracassou, mas sim suas "deturpações", ou ainda, que ele permanece "preservado" em um Estado, partido ou pequeno grupo.

A atualidade da questão do socialismo, ou de uma perspectiva anticapitalista ou pós-capitalista está dada pelos desdobramentos concretos do "capitalismo realmente existente" em escala mundial: concentração de riqueza em poucos países, aprofundando cada vez mais o abismo Norte-Sul e concentração de riqueza nas áreas centrais do capitalismo, estimulando os focos de pobreza, quando não de miséria, mesmo no "centro".

Sem compartilhar análises catastrofistas, pode-se constatar que o capitalismo vive economicamente dificuldades importantes em meio a uma colossal transformação marcada pela constante inovação científica e tecnológica.

Estas dificuldades se traduzem de forma brutal no plano social: desemprego, aumento da pobreza, migrações incontroláveis. marginalização de jovens, velhos e mulheres, destruição do meio ambiente, movimentos racistas, fundamentalismo religioso, nacionalismo exacerbado - estes dois últimos , fenômenos como conseqüência das tentativas de globalização que o capitalismo realiza, violentando culturas e sistemas de valores particulares.

Pode-se estabelecer igualmente uma geografia da crise. A ex-URSS, mas também o resto da Europa Central e do Leste, o Oriente Médio e a instabilidade latente ou explícita do Terceiro e Quarto Mundos, América Latina e África.

É claro que na Europa coloca-se para a social-democracia, como setor menos afetado pela crise do socialismo, o desafio de renovar-se ou desaparecer (ainda que não nominalmente), confundindo-se com o conservadorismo. Em situação semelhante estão aqueles ex-partidos comunistas (associados a outras sensibilidades de esquerda) que, por vários e opostos caminhos, buscam um aggiornamento: PDS (ex-PCI), Refundazione Comunista, PDS (da ex-RDA), Izquierda Comunista, na Espanha etc.

Os outros PCs deverão prosseguir seu processo de fracionamento e crise, a menos que consigam enfrentar o difícil desafio da renovação.

Hoje, a América Latina oferece ao mundo o espetáculo da emergência de alternativas de esquerda - com definições explícita ou implicitamente socialistas - num movimento que aparece na contramão da tendência histórica atual. Partidos e movimentos de esquerda são hoje opções de poder não só no Brasil como no Uruguai, Chile, Paraguai, Colômbia, Nicarágua, El Salvador e México e, em certa medida, na Venezuela.

O que unifica estas experiências políticas tão distintas, da mesma forma que outras significativas que se desenvolvem na Bolívia, no Peru, na Guatemala etc, é o fato de serem expressão de amplos setores sociais e de estarem preocupadas com um processo de renovação teórico-política capaz de dar conta dos complexos problemas de nosso continente.

Por cima das diferenças sociais, programáticas, orgânicas, a esquerda latino-americana está unificada igualmente por sua preocupação de fundir socialismo e democracia, pensando esta última em suas complexas dimensões econômica, política e social.

A democracia latino-americana, depois de ter superado os regimes militares que infelicitaram quase todo o continente, enfrenta um novo desafio: aprofundar o processo de democratização política do Estado e da sociedade e, ao mesmo tempo, propor e implementar políticas de desenvolvimento econômico que sejam capazes de resolver as graves desigualdades sociais existentes no continente.

A experiência do "socialismo real", particularmente na ex-URSS e no Leste Europeu, mostra que a ausência de democracia política acaba por comprometer a democracia econômica e social.

A esquerda latino-americana está hoje diante de um outro dilema: ou combina a construção de uma cada vez mais necessária democracia política com uma indispensável democracia econômica e social, ou se vê ameaçada de perder a democracia tout court.

A democracia econômica e social tem um poderoso componente anticapitalista nas condições específicas da América Latina e a democracia política, por não restringir-se à esfera do Estado e das instituições, se realiza como distribuição de poder.

Unir socialismo e democracia não significa adicionar oportunisticamente dois termos estranhos entre si, mas articular em um só movimento o que a realidade latino-americana e mundial tem colocado lado a lado. Afinal é chegada a hora de pensar o socialismo, também e principalmente, como socialização da política.

Marco Aurélio Garcia é secretário de Relações Internacionais do PT.

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