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A história do país tem na figura do jornalista gaúcho um ativo militante e um lúcido analista da política

Isaac Akcelrud, repórter, aprendeu o ofício servindo de escritor, ainda pequeno, para as famílias dos ferroviários em Santa Maria - RS. Militante do Partido Comunista, sempre envolvido com a imprensa do partido, rompe juntamente com outros, depois do Relatório Kruschev, no 20º Congresso do PCUS, em 56. A direção do PC negava-se a um debate sobre o significado do relatório.

Trabalhou no Correio da Manhã, nos Diários Associados. No início dos anos 80, na Folha de S. Paulo, como correspondente para o Oriente Médio. Retornou ao Brasil em 82, filiando-se ao PT. Colabora com o Jornal dos Sem Terra e com o Em Tempo.

Onde você nasceu?
Eu sou neto de um plantador de milho e filho de um plantador de milho e batata que deixou a terra, em Ijuí (Rio Grande do Sul), para ir para Santa Maria, onde tinha escola para o filho ser alfabetizado. Aí ele se tornou um pequeno comerciante. Esse é o velho Jacó, judeu, agricultor, poeta, meu pai, que morreu cedo de câncer. Que eu amo até hoje.

Morreu com quantos anos?
Morreu com 38 anos, menino ainda. Eu vou fazer 78 anos. Santa Maria é uma cidade estratégica com importância militar e econômica. É um centro ferroviário. Meus companheiros de brincadeiras eram filhos de ferroviários.

Como era a sua vida nesta cidade?
Eu era menino, estava na escola, e aos poucos fui me tornando um escriba daquela comunidade. Não tanto dos ferroviários, mas de suas mulheres, mães e irmãs, que recebiam cartas e não sabiam ler. Tinham que responder e não sabiam escrever. Nem assinavam o nome. Tive que aprender a fazer entrevista. Uma dona qualquer tinha que responder uma carta para uma prima ou cunhado. Contar as novidades da família e pedir notícias, enfim, transmitir suas coisas. Ela me contava e eu escutava, colhia as informações. Tinha que retransmitir aquilo e escrever de maneira clara, de forma que outra pessoa entendesse. De modo que eu ouvia, redigia e passava adiante. Desenvolvi uma técnica de tomar nota, registrar, de fazer perguntas para esclarecer certos pontos. Acabava me interessando pelos problemas e vivendo todos aqueles dramas familiares.

Como sua família via sua relação com os ferroviários?
Eu sou descendente de judeus ordodoxos, de uma família formada pelo encontro de judeus fugitivos de Pogroms da Europa Oriental, da Ucrânia. Minha infância foi povoada por histórias de Pogroms, de horrores contra o povo judeu. Ao mesmo tempo, na minha formação afetiva, os valores morais fundamentais, que a minha mãe me inculcou, eram feitos à base de modelos e exemplos do judaísmo, de motivos bíblicos. Dentro de casa tinha um ambiente muito judaico, muito fechado. Uma das coisas, por exemplo, que me emocionou até às lágrimas e me encheu de indignação, foi a venda do menino José aos mercadores do Egito pelos seus próprios irmãos. Para mim, isso era judaísmo e eu fui descobrindo depois, à medida que amadurecia, que isso é humanidade. Vender um irmão José, um judeuzinho, é um crime monstruoso, mas vender um irmão Antonio, um irmão Manuel é outra sacanagem, igualmente imperdoável. E tem gente que vende. Essa relação chegou a termos conflituosos também porque, para estudar - e estudar era uma lei -, eu precisei frequentar o ginásio dos maristas, onde tinha aula de religião, e era um bom aluno. Fiquei entre cristianismo e judaísmo e acabei me rebelando contra os dois. No meio de tudo isso havia uma característica: você tinha o traço judaico, e ser judeu era um defeito. Era muito engraçado porque havia um grande número de judeus que tinham emigrado da Europa Oriental. O apelido popular de judeu, naquela parte do Rio Grande do Sul, era russo. Isso era sinônimo de judeu. Depois da Revolução Russa se confundiu um pouco judeu com comunista, o que era um barato. À medida que fui amadurecendo fui reivindicando o direito de ser o que era. De ser um descendente do menino José que foi vendido como escravo. E que se revelou um grande sujeito porque depois protegeu os irmãos que o tinham vendido. Com as histórias de Pogroms, ouvi histórias de resistência. Comecei a ouvir histórias de judeus socialistas, de judeus revolucionários, de judeus que se organizavam para resistir. Um dia eu vi uma coisa que me lavou a alma: uma declaração de um líder político dizendo que era uma vergonha ser anti-semita. Era Lenin.

Influência da revolução russa?
A Revolução Russa teve um eco muito forte em todo o Rio Grande do Sul. Por ser uma zona de fronteira circulava muita literatura. Começamos a ler edições de Barcelona, O Estado e a revolução, A origem da família, do Estado e da propriedade privada. Entrava muito Stalin também.

E quando acabou o ginásio?
Entre outras coisas, eu também aplicava naquela comunidade toda. Eu queria ser o médico deles. Mas a medicina exigia que eu fosse para Porto Alegre e a família não tinha dinheiro para me sustentar. Tentaram uma matrícula numa escola de agronomia em Viamão, mas não me aceitaram porque eu era muito tampinha; sempre fui muito pequenino; tinha idade, mas não tinha estatura. Aí apareceu uma solução na Força Pública. Eles tinham um curso para oficiais e as aulas teóricas o meu curso secundário cobria, eu não precisava freqüentar as aulas, teria tempo livre para estudar medicina. Aí me arrumaram um pistolão e sentei praça. Quando entrei eles mudaram o regulamento, transformando-o em internato. Lá se foi a minha medicina e eu virei milico.

Com que idade?
Eu tinha 18, 19 anos. Um belo dia, duas coisas me atraíram à cidade de Porto Alegre: um recital da Berta Singerman. Tinha um amigo que ia levar uns versos meus para ela recitar. E tinha um comício da Aliança Nacional Libertadora no qual eu poderia dar uma espiada. Pedi licença para ir ao recital. Cheguei lá, ele fora cancelado porque a moça estava afônica. Fui ao comício mas, ingênuo, fui fardado. E fui em cana! Minha prisão repercutiu entre os jovens que estudavam para ser oficiais. Eu tinha um certo prestígio. Era escalado para falar em público em nome da tropa. De repente era preso como subversivo! Me levaram à presença do Flores da Cunha, que queria falar comigo. Ele perguntou: "Você estava numa reunião de comunistas?" Respondi que não sabia se eram comunistas, tinha ido a uma reunião da Aliança Nacional Libertadora. Ele disse: "Ia mandar largar você à noite naquele tempo frio". O Flores da Cunha largava o sujeito nu no Uruguai, na fronteira, peladinho como nasceu. Então ele falou: "Não faço isso com gaúcho. Gaúcho circunciso, mas em todo caso, gaúcho". Aí eles me levaram, o que foi uma humilhação, como menor para a minha mãe.

Você já era do Partido Comunista?
Não. Eu me sentia comunista. Eu demorei a entrar no partido.

Houve influencia da Coluna Prestes?
A marcha da Coluna foi uma coisa que ficou plantada na nossa geração. Eu queria fugir para me incorporar, mas minha mãe me segurou. Fui muito influenciado por Prestes, uma figura romântica, herói popular. A marcha da Coluna foi uma coisa realmente bonita.

E quando você entrou para o PC?
Eu já estava pagando um preço alto por ser comunista sem ser do partido. Então resolvi entrar. Em 1936, chegando a Porto Alegre, entrei em contato com Beatriz Bandeira Reis e entrei para a juventude. Pouco tempo depois aconteceu uma reunião ampliada de toda a direção regional do partido. Havia umas quarenta pessoas. Não tomaram as necessárias cautelas de segurança, a polícia chegou e prendeu todo mundo. O partido ficou mambembe. Sobrou um ou outro. A idéia foi reorganizar um nucleozinho de direção com quem tivesse sobrado. Eu virei secretário regional de Agitprop - Agitação e Propaganda. Eu sabia escrever. Mas não sabia o que fazer.

Você estava morando em Porto Alegre?
Eu era repórter da Folha da Tarde. O diretor do jornal era o Vianna Moog, que já era um escritor famoso.

Foi nessa época que você conheceu o camarada Tigre?
Eu queria lembrar do camarada Tigre. Por mais que me empenhe, jamais conseguirei traduzir quem era o camarada Tigre. Nunca ninguém vai saber a verdadeira identidade jurídica, civil desse nome de guerra. desse militante do tipo de índio, que militava em Porto Alegre, no tempo que eu andei por lá. O Tigre tinha por tarefa a discrição. Não apenas a discrição do militante clandestino que fala pouco, que não pode estar tomando nota, que não pode deixar vestígio, que não pode deixar pistas porque não pode deixar indicação nenhuma para a polícia. É algo mais sério, porque o Tigre era o encarregado do aparelho. Era encarregado da segurança. Eu estou me referindo ao PCB dos tempos heróicos, ao PCB que estava cortado nas suas ligações com o centro, no Brasil e com Moscou. Livre, feito como nós sabíamos fazer e, portanto, autêntico, revolucionário. Um belo dia o companheiro Tigre apareceu morto. E era preciso sepultá-lo, dar um atestado de óbito. Era necessário documento para identificar o Tigre. A muito custo se descobriu o buraco onde o Tigre estava enfiado: não tinha nada, não tinha vestígio de coisa nenhuma. Você mal podia perceber que lá tinha vivido um ser humano. Eu queria dados sobre o Tigre, queria escrever sobre ele, guardar a memória do Tigre. Eu descobri o Tigre depois que ele morreu e agora, passado mais de meio século, está mais vivo do que nunca, diante de mim, compreende? E afora o fato de que estou sendo forçado por vocês, que estão me embalsamando, a rememorar essas coisas, eu estou vendo o olho penetrante dele. Talvez eu seja a última lembrança do Tigre, porque dele só ficou lembrança na impressão humana que ele deixou, no vestígio humano.

Você ficou no jornal até a legalização do partido?
Fiquei, mas quando o partido veio para a legalidade eu virei profissional contra a vontade da Dona Clara, minha mulher. Pedi demissão do jornal e comecei a passar fome em nome da revolução proletária. Fui candidato à Constituinte Estadual, mas não fui eleito. Fazia campanha para os outros. Sempre tive horror do Parlamento.

Quantos o PC elegeu para a constituinte estadual?
Na Constituinte Federal o PC elegeu uma bancada de 14, para a estadual eu não me lembro. Nós fundamos um jornal, o Tribuna Gaúcha. De vez em quando eu ia lá, cobria os debates e ficava horrorizado com a passividade dos nossos parlamentares. O deputado do PC perguntava: "Que tal achou?" Eu respondia: "O senhor perdeu uma boa oportunidade de ficar calado" - "É tão ruim assim?" "Péssimo". Depois o deputado ia no comitê estadual se queixar que eu não me comportava como repórter. Eu era muito indisciplinado, vivia fazendo autocrítica, até que chegou um dia que eu prometi: não faço mais autocrítica.

Você lembra em que ano veio para São Paulo?
No início da década de 50. Estava em São Paulo quando o Brasil perdeu a copa para o Uruguai. Célebre Copa de 50. Estava aqui meio clandestino, ainda não sabia onde ficaria. Eu saí para a legalidade e fui para o Hoje. Por incrível que pareça eu fiz carreira no PC como jornalista. Trabalhar nos jornais revolucionários exige além de uma certa capacidade profissional, uma ilimitada devoção ao jornal, à causa. Porque é muito penoso. Os jornais são pobres, é difícil. Eu dirigi esse jornal por muito tempo. Não tinha dinheiro mas o pessoal precisava comer. Nós conseguimos alguns feirantes simpatizantes, fizemos uma cozinha no jornal e o pessoal comia e dormia lá, era aquela zorra. Um troço terrível. Era realmente muito penoso, um sacrifício muito grande. E a polícia em cima. Não tinha profissional, não tinha linotipista. Então pegávamos um garotão, pedíamos para ir ao Sesi e entrar no curso de linotipo, aprender um pouquinho. Depois era para vir treinar no jornal para ser nosso linotipista e ensinar aos outros. E assim nós formamos uma equipe de linotipistas profissionais que foram trabalhar na Folha, no Estadão, na Gazeta e por aí.

O jornal era diário? Qual era a tiragem?
Era diário. O PC tinha uma virtude jornalística, ele tinha jornal diário no Rio, em São Paulo, em Porto Alegre, Salvador, e tinha um semanário que circulava como Voz Operária. Tinha um jornal sindical, um feminino, um para jovens, um para camponeses. Tinha também uma revista teórica, Problemas, e ainda jornais profissionais, para marítimos, metalúrgicos, ferroviários.

Tinha uma imprensa forte?
Pelo menos numerosa. Não tinha jornalista não. Mas o jornal saía porque o pessoal da imprensa era dedicado e não era do "sábio" Comitê Central. O "sábio" Comitê Central era uma coisa pavorosa, todos burocratas.

Hoje era um jornal legal?
Legal. Isso é que era curioso. O partido era ilegal, mas a sua imprensa era legal. Os jornalistas se expunham de peito aberto para a reação e a direção ficava atrás do muro. Quando estourou o negócio do 20° Congresso do PCUS escrevi um bilhetinho para a direção dizendo que nós estávamos enfrentando a reação cara a cara e eles estavam protegidos pela segurança da ilegalidade; nós não queríamos que eles aparecessem, mas que nos ouvissem. Nós queríamos uma discussão sobre os problemas abertos pelo 20º Congresso, queríamos publicar o Relatório Kruschev, não nos bastava dizer que o relatório era uma provocação do imperialismo, nós não acreditávamos nisso.

O que a direção do partido respondeu?
O João Amazonas disse que isso era demagogia minha. Então saiu o documento do 20° Congresso. Esse Congresso foi um acontecimento histórico muito mais importante que a queda de Gorbachev, na minha opinião.

Mas como é que vocês souberam do Relatório Kruschev?
Saiu o relatório no New York Times, depois em O Estado de S. Paulo e, mais tarde, no Diário de Notícias, no Rio de Janeiro. Sair no New York Times e no Estado de S. Paulo não era uma boa recomendação, eram veículos meio suspeitos. Procura daqui, procura dali, um dia, através de um material húngaro ou búlgaro, eu não me lembro bem, tivemos confirmação de que o material era verdadeiro. Isso foi confirmado depois através do Osvaldo Peralva, que era o representante do Brasil no Cominform (Centro Internacional de Informação dos Partidos Comunistas), peixinho do Diógenes Arruda. Se era verdade, a gente não podia cruzar os braços diante de uma coisa dessas, porque aquela política denunciada pelo Relatório Kruschev tivera efeitos terríveis, desastrosos. No Brasil, através do que nós chamamos aqui de mandonismo. Não se argumentava mais, não se discutia mais, alguém mandava e alguém obedecia e acabou. Eu não participei dessa primeira resolução, mas apoiei integralmente. Resolveu-se que era preciso discutir o documento no partido e o Comitê Central, o secretariado, o Prestes não concordavam com essa discussão.

Essa resolução foi de quem?
Essa resolução foi dos intelectuais, particularmente dos jornalistas, dos quais eu fazia parte sem fazer parte, uma situação muito curiosa porque era um grupo muito coeso, muito fechado: Bento Rodrigues, Osvaldo Peralva, João Batista de Lima e Silva, Vitor Marcio Cohn, que tomou a decisão e lançou a campanha. Me convidaram post-factum, e eu entrei. Mas nem aí eu era do núcleo dirigente. Fiz minha teoria. Achava que a gente devia criticar implacavelmente, mas pela esquerda. Achava, inclusive, que a gente devia criar um outro partido, que devia criar outra Internacional. Foi aí que eu comecei a ficar trotskista, queria criar outro partido marxista. Comecei a analisar. Era a primeira vez na história do movimento operário, desde Marx, que um documento de um Congresso do partido de Lenin, o partido bolchevique, era publicado por um órgão central da burguesia e não por um órgão central dos trabalhadores, do PC etc. Não foi publicado pelo Pravda mas sim pelo New York Times. Eu me perguntei por que Kruschev o entregara aos americanos. Acho que ele o entregou para se defender caso não desse certo, e ele não fizesse maioria, para não ser fuzilado. Para ser publicado internacionalmente, ter um volume suficiente de solidariedade, de protestos para defender sua vida. Ele tomou uma medida cautelosa de autodefesa preventiva. Mas ele achou que devia fazer, e fez dentro de seus limites, porque ele também era um burocrata.

Onde vocês leram o relatório?
Nós lemos o relatório em O Estado de S. Paulo. Tem coisas de arrepiar, tem um troço no relatório que me machuca até hoje, a tortura do camarada Kedrov, ferido numa das costelas flutuantes, na guerra civil, e que ficou com uma fissura nessa costela, que doía. Era aí que ele era torturado, era aí que eles batiam, na sua ferida de honra, na sua ferida da guerra civil, quando ele lutou pelo poder soviético. Era a contra-revolução que estava batendo nele, seriíssimo. A autodefinição do stalinismo está todinha nas pancadas nas costelas flutuantes do camarada Kedrov. Muito mais do que o martelo na cabeça de Trotski. Era evidente que Trotski era um perigo para eles, mas não é evidente que o Kedrov fosse um perigo para eles. É preciso ir mais fundo.

E a denúncia?
A denúncia foi feita, foi vitoriosa. Uma denúncia saída de dentro da burocracia revelava uma ruptura. Era preciso tirar tantas conclusões, discutir com o partido. Nós lançamos a discussão.

Lançamos, quem?
Um grupo de jornalistas da imprensa, no Rio, através de um artigo do João Batista. A minha participação nisso me honra muito, eu escrevi só um artigo, mas esse artigo foi traduzido para o russo e saiu no lzvestia, porque enganou os russos. Fiz um artigo intitulado "Pela discussão contra o prato feito". Nós não queríamos o prato feito, queríamos a livre discussão dentro do partido. Eu denunciei esse hábito. Ainda com o linguajar, o jargão antigo daquele tempo, porque eu estava encharcado daquilo. Demora até você desencarnar daquele bitolamento, daqueles hábitos, daquela língua própria, porque o stalinismo cria uma língua, o stalinismo é um negócio terrível, você não desencarna assim. Levei alguns anos e não tenho certeza de ser um sujeito inteiramente purgado. De vez em quando tenho que tomar um óleo de rícino. Aí fui declarado antipartido, proibiram que falassem comigo. Inclusive chegou um companheiro da União Soviética que queria falar comigo e disseram que eu era o antipartido.

Quem era o dirigente responsável?
Quem cuidava disso era o Diógenes Arruda e o Amazonas. Eu fiz um bilhete para o Prestes: "Companheiro, você é o homem em quem todo o partido confia, pega o touro pelo chifre, abre essa discussão, segura isso na mão, ajuda o partido a emergir dessa crise. Nós estamos acossados com esses problemas todos, ajuda a gente a pensar essas dificuldades todas. Vamos superar isso". Aí ele não me respondeu, mas deu uma entrevista dizendo que partido não é um clube de debates. Eu escrevi que o partido é um clube de debates. A obra de Lenin é toda ela um debate, o partido todo é uma discussão, não há esse troço de um partido bonitinho, de um ditador de regras lá em cima e pronto.

Quer dizer que vocês publicaram nos jornais sem autorização do Comitê Central?
Sem autorização. Aí eles resolveram nos expulsar dos jornais. O cavaleiro da esperança, através de sua irmã Clotilde Prestes e com o auxílio do militar, não sei que patente ele tinha nessa época, Lincoln Oest, organizaram a invasão militar da Imprensa Popular. Um bando de vândalos armados de cassetetes para nos agredir e nos tirar, na porrada, de dentro da redação e tomar conta do jornal.

Isso no Rio?
Estava no Rio, eu era o redator chefe da Imprensa Popular.

E como foi essa operação?
Eu subi em cima da mesa e disse "vocês estão fazendo uma coisa que a polícia não conseguiu fazer: invadir essa redação. Vocês estão abaixo da polícia". Sabe que isso intimidou os caras? Prossegui, dizendo que tinham conseguido demonstrar que não eram meus camaradas. Disse que não ia ficar ali um minuto a mais porque não ficaria num jornal em que acontecia uma vergonha daquelas. Disse que eles é que deviam ir embora, tinham que interromper a agressão vergonhosa e ir embora. Nós íamos terminar o jornal, porque éramos, além de tudo, profissionais. Só cometemos um erro: não fizemos o relato da agressão no jornal. Devíamos ter feito o relato. Eles se retiraram.

E quem foi o interventor no jornal? Quem assumiu?
Não sei quem ficou lá. Depois houve mil e uma negociações. Nós queríamos recrutar gente e eu falei até com o Astrogildo Pereira: "Você, que é fundador do partido, não pode permitir essa perversão, este horror que está acontecendo". E ele disse: "Pode ser que tudo isso que você está dizendo seja verdade, mas o seu método não está certo. Eu estou aqui porque acho que você é recuperável". Eu respondi: "Mas esse partido não é recuperável, eu vou cair fora dessa porcaria, vamos fundar outra coisa". Ele não teve peito, ele ficou.

Isaac, você saiu no momento mesmo da invasão?
A invasão marcou a ruptura. Todos os membros da redação que haviam saído queriam um outro jornal.

Jorge Amado saiu nessa época? Ele colaborava com o jornal?
O Jorge Amado estava nos apoiando. Ele era um membro ativo do partido. Mas o Jorge tinha muitos interesses na União Soviética, um grande volume de direitos autorais. Eu acho que a atitude pública de Jorge Amado deixou um pouco a desejar. Mas ele estava com a dissidência.

Quem eram os dissidentes nessa época?
Nesse grupo de jornalistas que rompeu, os principais dirigentes eram o João Batista de Lima e Silva, que morreu, o Osvaldo Peralva, o Newton Rodrigues.

E aí que rumo vocês tomaram?
Bem, começamos a trabalhar na imprensa burguesa procurando empregos, porque todos nós tínhamos que ganhar a vida. Eu era casado, minha companheira resmungava contra o culto da personalidade de Stalin, que ela sempre achou um horror.

Ela era militante?
Não, ela era minha companheira e me suportava, me agüentava e gostava de mim, mas também me detestava conforme meus méritos e desméritos. Ela morreu de câncer no ano passado. Eu sinto uma falta terrível dela. Nessa época ela trabalhava e me mantinha, isso tudo é verdade. Ela não era militante, mas tinha prestígio no partido junto à direção, porque mantinha um jornalista para o partido. Mas tinha muita gente que comia fogo, passava dificuldades e nós tínhamos uma verdadeira mística de que sair era trair. Eu ouvi de vários companheiros que iam ter que "trair", mas não por eles, pelo estômago, pelo filhinho.

Onde você foi trabalhar quando saiu?
Fui trabalhar na Gazeta de Notícias, no Rio. Era um jornal que publicava resultados do jogo do bicho e perdi o emprego porque neguei um furo impossível num jornal desses: morreu uma bailarina de boate de subúrbio e eu não sabia que ela tinha importância para o jornal.

E depois desse, qual foi o novo emprego?
Quem me deu emprego foi o Assis Chateaubriand. Ele gostava muito de mim. Um dia me chamou e disse que eu era um bom jornalista, escrevia bem, que gostava de ler o que eu escrevia e estava espantado com uma coisa: aonde é que eu estava que ele não sabia que eu existia? Eu disse que um dia contaria. Mas eu quase que disse a ele: "O senhor não liga o nome à pessoa". Quando o partido veio para a legalidade em 1945, o Chateaubriand contratou um serviço para vasculhar a vida dos dirigentes comunistas, eu acho que isso não foi só em Porto Alegre, isso deve ter sido nacionalmente, para descobrir podre, sujeira dos caras, para fazer campanha de desmoralização. E o cara encarregado de descobrir os meus podres era uma colega jornalista, Frederico Renato Malta, um cara de direita, filho de um integralista. Ele escarafunchou a minha vida durante 6 ou 8 meses, não sei quanto. Passado esse tempo ele apresentou o relatório dele, veio falar comigo e disse: "eu vim te pedir desculpas porque te espionei durante tantos meses e te dar os parabéns porque não achei um fio de imoralidade, sacanagem, nada na tua vida".

Você trabalhava para o Assis Chateaubriand?
Eu trabalhei com Assis Chateaubriand até ele morrer. Ele queria que eu fosse um dos diretores associados. Queria que eu fosse assumir o Diário de Pernambuco e eu estava sentindo que estava sendo recrutado para ser um militante da reação através dos Diários Associados. O Chateaubriand era um devoto dos Estados Unidos, assim como nós éramos devotos da União Soviética. O problema dele era de classe. A minha primeira viagem ao Oriente Médio foi ele quem pagou. Ele queria uma reportagem sobre irrigação no Oriente Médio para colocar o problema da irrigação no Nordeste. Era uma concepção audaciosa, bonita, inteligente. Essa matéria me projetou muito, jornalisticamente, me deu status nos Diários Associados e fez com que os morubixabas associados vissem em mim um concorrente. Mas eu não era concorrente deles.

Que função você ocupou?
Eu fui redator chefe e depois diretor do Jornal do Comércio. Era um jornal decadente, que ele queria reviver. Queria arrumar recursos para transformá-lo no Economist brasileiro. Aí ele teve o derrame, e isso me poupou de dizer que eu não tinha capacidade de fazer o Economist brasileiro. Defender a burguesia brasileira, o acordo do café e a cafeicultura brasileira não dava não.

E a política nesse período?
Quando eu saí do PC, aconteceu uma porção de coisas. Nós fundamos O Nacional, que era um jornal que nós fazíamos para pesquisar, procurar formar uma posição política em divergência ao PC. E a pretexto de que nós precisávamos conhecer o que se passava no nosso país em primeiro lugar se adotou o título de O Nacional. Isso revela uma certa estreiteza. Neste jornal estavam o Agildo Barata, o Peralva, o Newton Rodrigues, alguns dissidentes europeus que não podiam aparecer porque não eram brasileiros natos. Nós acabamos nos separando. Um belo dia, ficamos só eu e o Agildo lá. Aí era muito trabalho. Eu tirei o número 2, não agüentei e disse: "Agildo, não dá, não posso com isso". Acabamos com aquela fantasia.

Foi nessa época que você conheceu o Erich Sachs?
Foi ele quem me indicou para o Jornal do Comércio. Ele trabalhava como editor internacional. Eu fui lá trabalhar como auxiliar dele e fiz carreira rápido. Um belo dia faltou editorial. Precisavam de alguém que fizesse o editorial em dez minutos. Me chamaram e perguntaram o que é que eu faria se tivesse que fazer o editorial do jornal. Eu respondi que leria o jornal do dia, veria os assuntos. Eu não começo a trabalhar sem ler o jornal do dia. Disse que escolheria uma notícia de quatro linhas, que tinha sido muito mal aproveitada. Era uma notícia sobre o famoso "hiato nocivo", que é um período entre os 10 e os 14 anos que o menino não pode trabalhar e não tem escola: são 4 anos sem escola, perde-se mão-de-obra e o menino perde o futuro. É um desprezo pela nova geração. Aí o cara disse: "Mas que bom assunto, você quer fazer esse editorial?" Eu disse que não queria, mas que ele tinha mandado fazer, e não tinha remédio. Disse que precisava de dez minutos. Aí comecei a marcar ponto no jornal.
Como você se sentiu?
Sair do partido para um sujeito como eu, que era comunista, criado no meio do trabalhador, militante desde a adolescência, era uma coisa traumática e a decepção muito dolorosa, muito marcante. Passei um tempão remoendo aquilo, relendo e repensando com uma dor de cotovelo terrível. É como perder alguém muito querido, brigar com a mulher amada, sei lá, é muito ruim. Eu custei muito a me refazer.

E você não se sentiu tentado a se ligar a alguma organização nesse período? A Polop (Política Operária), por exemplo?
O Erich estava disposto a me ensinar alemão para eu ler O Capital no original. O Erich me predestinava para grandes tarefas, mas depois ficou furioso porque não admitia que eu tivesse uma função dirigente dentro de um jornal burguês, ele queria que eu fosse bagrinho sempre. Um belo dia eu recebi um telegrama do Chateaubriand, sem maiores explicações: "Assuma O Jornal do Comércio". Era o jornal mais conservador da América Latina. Eu fiquei até que estourou uma greve de bancários, o jornal ficou contra a greve e eu saí. Porque eu nem queria saber se a greve era correta ou não. Eu não podia ficar contra a greve dos bancários. Por sorte estava lá um editorialista, um Padilha, que fez o editorial.

E você foi para onde?
Eu vim para São Paulo, onde o Edmundo Monteiro, do Diário de São Paulo, queria um redator chefe para assumir O Diário de São Paulo, O Diário da Noite e a parte do jornal da emissora. Era um empregão. Ele queria botar tudo isso em cima de mim, e eu queria só um naco disso, não queria tudo.

Isso foi antes do golpe?
Foi um pouco antes do golpe. Quando eu resolvi não ficar, o Chateaubriand, que já estava entrevado na casa amarela, me disse: "você não quer ir para Recife assumir O Diário de Pernambuco"?. Queria derrubar o Arraes. Eu disse que era amigo do Arraes, gostava dele, eu teria dificuldades para escrever contra o Arraes. Ele disse que não sabia que os judeus eram românticos assim, quando tinha que escrever contra alguém podia ser amigo, escrevia contra e acabou. Tenebroso! Fui trabalhar numa agência de propaganda. Até ir para o Correio da Manhã trabalhar com o Peralva. Nós fizemos o jornal até o golpe. Com o golpe de 64 eles prenderam a dona Niomar, prenderam o Peralva, prenderam todo mundo. O cara com mais autoridade que ficou no jornal fui eu, que era o editor geral. É uma questão de honra, para um jornalista, não deixar o jornal morrer na mão dele. Eu reuni todos os chefes de seção do jornal e organizamos um comitê de autogestão. Organizamos e mantivemos o jornal. Não deixamos o Jornal do Brasil tomar os melhores repórteres do Correio da Manhã. Quando dona Niomar saiu da cadeia devolvemos o jornal inteiro. Nesse período o jornal estava com uns quinze coronéis lá dentro, fazendo a censura. Driblando os militares, fizemos miséria contra a censura lá dentro. Eles censuravam, abriam buracos de meia página, às vezes uma página inteira, mas não admitiam que saíssem em branco. Eu fiz um troço para eles e tiveram que trocar a equipe. Fui ao arquivo da Agência Nacional e peguei discursos velhos de generais sobre democracia, discursos demagógicos, de solenidades, sobre liberdade, às vezes bobos. General fulano de tal declara... Agência Nacional divulga... Eles olhavam e deixavam passar. No dia seguinte diziam: "o senhor nos enganou". Quando dona Niomar saiu da cadeia, a primeira coisa que fez foi me demitir. Eu fiquei surpreso, mas cometera um erro. Tínhamos demonstrado que o Correio da Manhã podia viver sem ela.

E sua adesão ao trotskismo?
Eu quero dizer que a gente não chega no trotskismo. A gente anda aos trancos e barrancos com o trotskismo por aí. Claro que eu era antitrotskista. Era um stalinista roxo, um membro disciplinado do partido e achava que Trotski tinha feito uma porção de coisas erradas. Não conhecia a história da Revolução Russa, estava desinformado. O trabalho de desinformação e de mitificação da militância feito pelo stalinismo é um dos maiores crimes que já se cometeu sobre a consciência humana. Mas teve um momento em que todo esse sistema de mentiras explodiu, estourou. Chegou a hora de um Relatório Kruchev, em que o partido se escondia atrás de uma negativa: não existe Relatório isso é uma provocação da CIA, é uma invenção do imperialismo americano. E o Relatório Kruchev existia. E afinal de contas, apesar de estar com o espírito crítico embotado, apesar de estar embrutecido, emburrecido pelo stalinismo - mas, a gente continua vivo, não é? - você chega a um ponto em que se vê diante do seguinte problema: como é que o socialismo produz uma ditadura individual? Pessoal? Ou não é socialismo ou a história está mal contada. Mas, assim como se apresenta, não é verdade. Eu quero saber o que está havendo porque não posso ir mais nessa conversa. A minha vida está toda envolvida aí, a minha militância. Em resumidas contas a coisa era a seguinte: eu estava fazendo o combate à burocracia, pela esquerda, quer dizer, não queria abandonar a plataforma marxista. Eu queria me manter no terreno da luta de classe, do lado da classe operária. Queria me manter no campo do partido revolucionário, operário, e para fazer tudo isso tinha que ser contra Stalin, contra o PC, contra a burocracia, contra esse troço todo. A avenida que estava aberta era Trotski. Não era a única saída. Mas é que encontrei nele um raciocínio político lúcido, claro, um estilo primoroso, um rodapé político de primeira grandeza. Encontrei um dirigente e descobri a Revolução de Outubro, que não conhecia, só sabia aquela baboseira da história da Revolução Russa escrita pelo Stalin, que não corresponde a nada. O reencontro com a realidade de outubro de 17 foi um reencontro com Lenin e Trotski. A ponto de descobrir uma coisa sensacional: para os camponeses russos Lenin e Trotski eram uma só pessoa.

Com essa sua identidade e solidariedade com os oprimidos, você é um colaborador do Jornal dos Sem-Terra. Como é que você encontrou o Movimento Sem-Terra do Brasil?
Primeiro, um grande fator, um fator de ambiente geral. Eu acho que no Brasil ninguém pode ser indiferente no Movimento Sem-Terra. É muito difícil tratar de qualquer questão no Brasil sem desembocar na questão da terra. Muito difícil. Eu estava meio extraviado, um dia peguei um exemplar do Jornal dos Sem-Terra. Esse jornal começou com um boletim muito ruim, fraquinho, eu li aquele troço e me comoveu. E eu estava meio parado, decidido a entrar para a Democracia Socialista, no PT, voltar a militar. Estava procurando um lugar para me meter. Eu tinha que me meter em algum lugar através de um jornal. Eu peguei esse exemplar do jornal com o pessoal da Folha de S. Paulo, na Presidente Vargas, no Rio de Janeiro. Peguei, li aquilo. Escrevi para eles que estava interessado em colaborar nesse jornal. Me apresentei e eles me deram essa chance. Comecei a trabalhar, a ir para o interior levando o jornal, falando com os camponeses. Descobri que não sabia escrever para camponês. Tinha um aprendizado a fazer. Aquele curso que eu fiz quando era menino, com as famílias dos ferroviários, renovei com as famílias dos camponeses. Elaborei uma teoria nova: um jornal para ser ouvido e não lido. Um jornal para ser lido, você volta, recomeça a leitura, lê de novo, guarda: mas num jornal para ser ouvido, o que passou, passou. E tem que ter letrona grande, curtinho, claro. É outro estilo.

É mais para rádio?
Mais claro que rádio.

Falando em rádio, você conheceu a Rádio Venceremos de El Salvador?
A Rádio Venceremos ninguém conheceu. A maior recompensa que a luta pela terra me deu foi a chance de ir a El Salvador e conhecer os companheiros da Frente Farabundo Marti de Libertação Nacional e conhecer as áreas libertadas. Não me lembro em que ano foi, mas era o primeiro centenário do 1° de Maio. Organizou-se uma missão ecumênica de solidariedade ao povo salvadorenho e eu participei dessa missão. Houve até quem quisesse que eu passasse por padre. Nós fomos visitar a cúria metropolitana, e o arcebispo nos emprestou o carro dele para visitar o interior Participamos da passeata de 1 ° de Maio. Tinha povo pra burro, tinha tanto povo que no 1° de Maio, à luz do dia, o pessoal pichou a Embaixada Americana. Foi uma beleza! Foi muito gostoso, muito bom. Mas nós não conseguimos derrotar os americanos. A guerra civil a gente ganhou várias vezes, viu? Mas derrotar o exército americano, com a guerrilhazinha centro-americana, não.

Isaac, eu me lembro que você entrou para o PT defendendo um jornal diário.
Defendo até hoje um jornal diário para o PT. Em primeiro lugar, um jornal não é um investimento industrial, comercial, econômico. Um jornal é um investimento político. Investimento político você tem que ver se está na hora, se vale a pena, se é necessário. Em política você faz aquilo que é preciso fazer. Não faz aquilo que é conveniente, que fica bonitinho. Mesmo com sacrifício, você range o dente, você morde o beiço de baixo, e vai lá. Já na campanha eleitoral, quando atingimos a marca histórica de 34 milhões de votos, a derrota não foi não ter eleito o presidente da República, foi encerrar a campanha sem um jornal na mão. Chegamos a 34 milhões de pessoas com aquele calor, aquele fervor todo, sem ter um jornal na mão. O que nós tiramos da campanha eleitoral? Uma glória. Uma memória, um troço, uma frase, uma conversa mole, nós desperdiçamos a vitória eleitoral. Se nós tivéssemos construído o jornal no curso da campanha poderíamos até ter ganhado. E tem uma coisa: rádio, televisão, tudo isso é importante. Mas nada substitui o jornal. Porque rádio e televisão são palavras que o vento leva. O que fica impresso, circula, se guarda e bota no bolso, e manda para o compadre que passa para o vizinho e vai de mão em mão dentro da fábrica é o pasquinzinho. Feio, pequenininho, mal impresso, mal escrito, não tem importância, mas é ele: reconhecido como do PT. Aceito como do PT. Ridicularizado pela Folha de S. Paulo, pelo Jornal do Brasil, pelo Globo. Ah! o jornal do PT, olha aí que coisa horrível. Mas, experimenta parar de falar nele para ver o que te acontece. Isso é que vale. Bom, isso é o jornal.

Mas, e a viabilidade de um jornal diário?
Vamos ver a sua viabilidade. Será mesmo que nós não temos condições econômico-financeiras? Eu acho que temos. A gente precisa de fontes de renda. Eu acho que um jornal do PT não pode publicar anúncio de banco. Pode publicar anúncio de bancário, mas de banco, não. Pode publicar anúncio de supermercado, mas não pode dizer que é barato. Tem que censurar o anúncio. Tem que ter regras para o anúncio, tem que ter uma porção de dificuldades. Mas tem uma coisa muito séria: os classificados. Primeiro é um anúncio pago por antecipação. Segundo, é um anúncio que não paga comissão para ninguém. É um anúncio que o anunciante vem no guichê pagar. É um anúncio que você recolhe na íntegra o preço da tabela sem trabalho. Terceiro, cada classificado significa pelo menos dois leitores: o anunciante que vai ver se o anúncio dele saiu e o cara que vai comprar ou alugar etc. Em geral esse segundo é mais de um. Então, o classificado é um vendedor de jornal de primeira qualidade, mais do que o repórter sensacionalista.

Qual o tema que mais lhe preocupa hoje?
Estamos diante de uma nova encruzilhada da história. Acho que está havendo uma modificação qualitativa na situação internacional, de uma envergadura inusitada. Que não houve coisa igual até aqui. Eu só lamento estar sem fôlego intelectual para abarcar a situação. Marx, Lenin, Engels, Trotski e outros, correm o risco de ser reduzidos a figuras históricas pertencentes a uma etapa pretérita porque o tempo deles está se esgotando. Nós estamos entrando em uma época que não foi prevista pelo velho Marx. Precisamos reconhecer isso. Em que o capital está assumindo a propriedade da própria vida. Esse negócio da patente da vida é de uma profundidade enorme. O capital está patenteando a vida. E nós temos que reconhecer que estamos entrando numa nova época internacional.

Joaquim Soriano é membro do Diretório Nacional.

Ricardo Azevedo é diretor de T&D.