Economia

A viabilização do aparelho estatal passa pela retornada do crescimento e pela aplicação dos recursos em áreas de interesse da maioria da população. Para isso, é importante, entre outras coisas, estancar a sangria de dólares que saem do país para o bolso dos credores.

O déficit público, considerado por muitos a causa básica da inflação, tem dominado os debates sobre o Estado brasileiro. Embora reconheçamos sua importância, não o julgamos decisivo para a explicação do elevado nível inflacionário, pois diversos países apresentaram déficits públicos semelhantes aos nossos, com inflações bem menores. É o caso dos EUA. No período 85/90, seu déficit foi semelhante ao do Brasil, em torno de 4% ao ano.

Visando sua redução, as soluções até agora apresentadas apontam para a contenção de despesas via arrocho salarial do funcionalismo e corte nos serviços e investimentos públicos. Os defensores desta tese pregam, também, uma reforma tributária para recompor as receitas federais reduzidas pela Constituição de 88. Tal modelo, que subordina o Estado ao combate da inflação reduzindo-o, privatizando empresas e órgãos estatais -, foi e tem sido tentado há muitos anos, sem resultados, pelos neoliberais e conservadores.

Para nós, a viabilização do Estado brasileiro passa, em primeiro lugar, pela retomada do crescimento econômico, via redistribuição de renda, recomposição do poder aquisitivo dos salários, especialmente os da classe média para baixo; uma política de comércio exterior que priorize o consumo de massa na importação e exportação; uma política de controle rígido de preços exclusivamente sobre os monopólios, oligopólios e cartéis; renegociação soberana da dívida externa, de governo a governo, que não envolva saída líquida de recursos do país; uma reforma tributária que dote progressivamente o Estado de recursos compatíveis com sua responsabilidade constitucional, ampliando a tributação sobre a propriedade e a renda e reduzindo-a sobre o consumo, descentralizando recursos a nível municipal e simplificando o sistema.

A viabilização do Estado só se dará, contudo, quando a aplicação de recursos for reorientada no interesse da maioria, ou seja, em aplicação massiva na área social. Para se atingir estes objetivos, é necessário um diagnóstico preciso da evolução do impasse de nossa economia e, em consequência, de nosso Estado.

Nossa proposta central pode ser assim resumida: O Estado brasileiro necessita de uma ampliação substancial de recursos, redirecionando-os de forma racional e econômica para a área social. Para tanto é preciso retomar o desenvolvimento econômico, pois o baixo nível da atividade produtiva acirra a disputa entre capital, trabalho e governo, reduzindo as receitas públicas e ampliando a demanda social.

Impasse

Até a década de 70 o Estado arrecadava recursos suficientes para cobrir suas despesas de funcionamento e novas obras.

A partir de 81 isto tornou-se impossível pois, apesar da evolução das receitas, as despesas de funcionamento cresceram em ritmo maior, o que gerou a necessidade de financiamentos constantes.

Da década de 70 para a de 80 as receitas públicas cresceram 49%. As despesas para o funcionamento do Estado cresceram 87% e as despesas com obras e equipamentos 25%. Assim, o Estado endividou-se junto ao setor privado. A repercussão desse endividamento é expressa no valor crescente de seus encargos financeiros. Em 89 os encargos financeiros da dívida interna representaram 62,4% das despesas com o pessoal da ativa do setor público e foram 22 vezes superiores ao verificado em média na década de 70. Em 89 os encargos financeiros dobraram em relação a 88.

Em 90, com o Plano Collor I, o valor dos encargos financeiros foi reduzido pelo confisco dos cruzados e a conseqüente diminuição do estoque da dívida mobiliária. Mas a recessão econômica subsequente provocou a queda de 15% nas receitas públicas em 9, ampliando o déficit público. Ao mesmo tempo, o Banco Central elevava substancialmente a dívida mobiliária (títulos do governo federal) para a conversão em cruzeiros dos recursos externos que entraram para a especulação na Bolsa de Valores. Nestes últimos seis meses a dívida mobiliária federal triplicou em termos reais e as previsões indicam que até o final deste ano, retorna-se à situação existente no final do governo Sarney, o que anula todo o confisco de cruzados de 90, indicando claramente que novo choque virá para a redução da dívida mobiliária.

Este é o impasse a que leva a solução neoliberal. O governo federal, ao aprofundar as medidas recessivas para tentar conter a inflação e pagar a dívida externa, reduziu a atividade econômica e, conseqüentemente, suas próprias receitas, inviabilizando o Estado, que caminha a passos largos para déficits crescentes, apesar da redução de despesas via arrocho salarial do funcionalismo federal e da ausência de investimentos na área social e na infra-estrutura do país.

Nos primeiros quatro meses deste ano, duas principais receitas do governo federal continuaram caindo. A queda do IPI foi de 10,6%o e a do IR 33,6%o e, no conjunto, de 17,7%. Como não se pode mais arrochar os salários do funcionalismo por causa da reação dos militares, que representam 40% do volume dos salários do funcionalismo federal, o governo Collor torna-se refém de sua política econômica e não são vislumbradas novas saídas.

A questão é que não estamos apenas diante de um problema conjuntural, mas sim dentro de uma crise estrutural e a "solução" neoliberal passa ao largo dela.

Causas estruturais da crise brasileira

De 40 a 80 o país cresceu em média 7% ao ano. Neste período, a participação do trabalho na renda nacional era de 55% e a do capital era de 45%. A relação capital/trabalho era de 0,82% (45:55).

A partir de 80 foi se deteriorando progressivamente a participação dos salários na renda nacional. A relação capital/ trabalho passou de 0,82%, que vigorou do período pós-guerra até 80, para 2,64 (72,5:27,5) em 90, piorando mais do que três vezes na década de 80.

Além da deterioração da relação capital/trabalho, ampliou-se a concentração de renda no país. Os 10% mais pobres que detinham 1,9% da renda, em 60, passaram a deter apenas 0,8% em 90; em compensação, os 10% mais ricos que detinham 39,6% da renda em 60 passaram a deter 49,7% em 90.

Os 10% mais ricos, que tinham uma renda 20,8% vezes maior que os 10% mais pobres em 60, passam a ter 62,1 vezes mais em 90. A concentração de renda triplicou neste período, acompanhando a deterioração da relação capital/trabalho, que também triplicou.

O salário-mínimo, referência básica dos salários dos trabalhadores, evoluiu de forma que, na década de 90, ficou reduzido a um terço do seu valor em 60.

Enquanto a relação capital/trabalho se deteriorou em três vezes, a distribuição de renda piorou três vezes e o salário-mínimo caiu a quase um terço, o PIB brasileiro, que cresceu 8,6% ao ano, em média, na década de 70, baixou para 1,5% ao ano na década de 80, ficando abaixo do crescimento populacional.

Até 80 o país pôde crescer, pelo ingresso líquido de recursos do exterior, e apresentou melhor perfil de distribuição de renda e da relação capital/trabalho. A partir do início da década de 80 começou nossa crise estrutural com a inversão do fluxo financeiro de recursos para o exterior, passando o país a pagar volumes crescentes de sua dívida externa.

Ao priorizar estes pagamentos, seguindo as diretrizes impostas pelo FMI de arrocho salarial para reduzir o consumo interno, estimular a exportação, reduzir a importação, gerando mega superávits comerciais, o país aprofundou sua crise estrutural. Suas causas residem, basicamente, na relação capital/trabalho, onde o trabalho representa apenas 30% da renda nacional, quando nos países desenvolvidos a participação fica entre 60% e 70%; na péssima distribuição de renda, onde os 10% mais ricos detêm 50% da renda nacional quando a média internacional é de 24%; nos baixos salários, onde o salário mínimo vem se situando em torno de US$ 60, um dos mais baixos do mundo. Nestas condições, 30 milhões de pessoas participam do mercado de consumo, ficando à margem 80%o da população brasileira.

Tendo o país potencial produtivo, subutilizado na indústria e no campo, é impossível resolver a crise sem a utilização progressiva deste potencial humano de trabalho, capaz de gerar riquezas incomparavelmente superiores às atuais. Hoje, acirram-se as disputas entre o capital (lucros), o trabalho (salários) e o governo (impostos) sobre o baixo PIB.

A conseqüência natural é o conflito distributivo crescente, o que se expressa pelo processo inflacionário, onde o capital amplia sua vantagem sobre o trabalho, ao mesmo tempo que o governo mantém sua posição (a carga tributária expressa pela participação do governo no PIB praticamente não se alterou desde 70 situando-se na faixa de 24% a 25%).

A proposta neoliberal

Ao atribuir ao déficit público a responsabilidade pela inflação, a proposta neoliberal visa reduzi-lo, fundamentalmente, pelo corte das despesas, propondo o encolhimento do Estado, diminuindo o funcionalismo, arrochando os salários dos servidores, privatizando estatais e passando a execução de serviços públicos para terceiros.

Propõe a continuidade das diretrizes do FMI, ou seja, a geração de mega superávits comerciais para viabilizar os pagamentos da dívida externa. Para tanto deve-se manter desaquecido o mercado interno, via arrocho salarial, e praticar uma política de exportações forte para gerar divisas e compensar o baixo consumo interno. Imaginam com este ajuste negociar a dívida externa nos ditames do FMI e ganhar credibilidade do capital externo, que voltaria a investir no Brasil, alavancando novamente o país. Esta solução propõe um enorme sacrifício social, na esperança de uma solução que viria de fora para dentro:

De fato, embora o governo brasileiro não tenha renegociado sua dívida externa, alguns avanços já foram conseguidos e metas traçadas mas, no primeiro trimestre deste ano, ficamos longe do déficit público estabilizado e da queda . da inflação.
O fracasso das soluções ditas socialistas no mundo, a retomada de atividades em alguns países como México e Argentina com relativo controle inflacionário, o fluxo de recursos externos para estes países, constituem a esperança dos neoliberais. No entanto, perduram os graves problemas sociais nos países do Terceiro Mundo e já começam os problemas para os países do Segundo Mundo.

Nos últimos tempos, vem ocorrendo grande afluxo de recursos externos para investimentos nas bolsas de valores brasileiras, estimulados por ganhos fáceis e superiores aos propiciados pelos países do Primeiro Mundo. Estes capitais, visando ganhos reais de 50% ao ano, tendem a ter vida curta, pois nossa economia não cresce, e nem tem negócios que dão 50% e, conseqüentemente, quando houver o repatriamento deste capital, vai-se ampliar o rombo de nossas contas externas.

Neste quadro, não vemos perspectivas para a solução neoliberal. A expressão disto é o descrédito do governo Collor, que busca encamar esta solução.

Nossa Proposta

Recursos públicos e carga tributária. Para que o Estado brasileiro cumpra sua responsabilidade constitucional na área social (educação, saúde e creches gratuitas para todos), faça a manutenção das cidades e cuide da infra-estrutura do país, são necessários volumes de recursos bem superiores aos atuais.

A receita tributária global de 91 é estimada em US$ 96 bilhões. Esta receita é 15% inferior à de 90, pois a receita da União caiu 18%, a dos estados 13% e cresceu a dos municípios (por causa das capitais) em 21%, especialmente pelo crescimento nacional do IPTU. A atual carga tributária é praticamente a mesma desde 70, tendo, no entanto, caído no período 84/89 a 23%.

Como não dá para ampliar a carga tributária acima do nível atual, que é compatível com a renda per capita de US$ 2,2 mil do país, a única forma de ampliar a receita pública é pelo crescimento do PIB. Se o país continuasse a crescer no ritmo da década de 70, nosso PIB seria hoje o dobro do atual (US$ 400 bilhões) e, assim, com mais US$ 96 bilhões (admitindo a mesma carga tributária de 24% do PIB), o Estado brasileiro estaria viabilizado para cumprir sua função social.

A experiência internacional demonstra que a carga tributária cresce com o crescimento do próprio país, tornando o Estado, mais que o setor privado, o maior beneficiário do crescimento da economia.

Distribuição da carga tributária-Justiça fiscal. Além de sermos campeões de pior distribuição de renda, temos uma péssima distribuição tributária. Estudos revelam que quem ganha um salário-mínimo paga 30% em tributos, ao passo que quem ganha cem não paga 5%.

Isto ocorre com a tributação exagerada do consumo através de impostos indiretos (ICMS, IPI, PIS, Finsocial) atingindo cerca de 40% e, de forma simbólica, do patrimônio (IPTU, ITR, ITBI, Causa Mortis, IPVA) que não chega a 1%.

Esta situação é de tal ordem que toda a arrecadação do governo federal no Imposto Territorial Rural (ITR) de 90 em todas as propriedades agrícolas do país atingiu apenas a importância de US$ 14,6 milhões (cerca de um dia de arrecadação da Prefeitura de São Paulo).

Nossa proposta é a redução gradativa dos impostos indiretos e crescimento gradativo dos impostos diretos (patrimônio e renda). A redução dos impostos indiretos deverá se dar considerando a importância relativa dos produtos no consumo popular. Produtos da cesta básica teriam isenção total e supérfluos poderiam até ter uma elevação de alíquotas.

O crescimento dos impostos diretos deverá ser precedido de ampla campanha de esclarecimento pela mídia, evidenciando a justiça fiscal e sua relação com os benefícios de ampliação dos serviços e obras públicos.

Isto permitirá um maior poder aquisitivo à população, ajudando a retomada do desenvolvimento.

Descentralização tributária. Os municípios participam com apenas 17% dos recursos tributários, ficando 29% para os estados e 54% para a União. É importante destacar que a participação dos municípios vem crescendo, tendo passado de 11 % no período 85/88 para 12% em 89, 16% em 90 e 17% em 91.

Os municípios ficaram com a responsabilidade constitucional do atendimento na área social, além dos investimentos e manutenção das cidades e, portanto, não poderão continuar restritos à esta participação de 17%. O nível de descentralização de competências é que determinará a participação dos municípios no rateio tributário.

Propomos a descentralização da ação governamental que, além de permitir um maior controle da sociedade sobre o poder Executivo, reduz os custos de manutenção e de investimentos públicos.

Simplificação do sistema. Diversas propostas vêm sendo apresentadas para simplificar o sistema tributário, ampliar a base da tributação, reduzir alíquotas e o número de impostos. Estas propostas procuram ligar a carga tributária ao número exagerado de tributos (53). Na realidade, destes 53 tributos, 28 são taxas e 10 são contribuições sociais.

A taxa é a cobrança pela prestação de um serviço e, ao se propor sua eliminação, os que não recebem o serviço terão que pagar pelo mesmo, o que é injusto. Propostas assim passam ao largo das questões relativas à justiça fiscal e à distribuição tributária entre União, estados e municípios.

Novo sistema tributário (Reforma Tributária). Nossa proposta prevê o seguinte sistema: oito impostos; uma contribuição social; taxas e contribuição de melhoria.

Quanto às competências, seriam atribuídas da seguinte forma:

- Competência da União: IR - Imposto de Renda; ICE Imposto de Comércio Exterior (Imposto de Importação e Imposto de Exportação); IOF - Imposto sobre Operações Financeiras; IGP - Imposto sobre Grandes Fortunas e CS Contribuição Social (lapas, FGTS, PIS, Finsocial).

- Competência do estado: ICP - Imposto sobre a Circulação de Produtos (ICMS, IPI, IVV).

-Competência do município: IP-Imposto sobre a Propriedade ( IPTU, ITR, IPVA); ITP - Imposto sobre a Transferência da Propriedade (ITBI, Causa Mortis) e ISS - Imposto Sobre Serviços.

As taxas e contribuição de melhoria constituem competência dos três níveis de governo e correspondem à contraprestação de serviços ou participação em custos de obras.

Como princípios gerais propomos que as receitas públicas sejam compatíveis com as responsabilidades constitucionais; o sistema tributário deve ser progressivo e respeitar a capacidade contributiva dos cidadãos; os recursos públicos devem ser descentralizados e compatíveis com o nível de responsabilidade dos três níveis de governo (União, estado e município) e o sistema deve ser simples, para facilitar a fiscalização e a compreensão do contribuinte.

Reforma tarifária e de preços públicos. As tarifas e preços públicos devem ser alterados para cobrir os custos e investimentos dos serviços e mercadorias oferecidos. Devem ser, ao mesmo tempo, adaptados às reais condições dos consumidores. Tarifas públicas, como, por exemplo, a de energia elétrica, fazem com que o consumo doméstico subsidie o industrial.

As tarifas deveriam ter uma maior progressividade (quem consome mais paga mais) do que atualmente e fazer com que o subsídio às empresas pelos consumidores fosse invertido.

Quanto aos preços públicos, constata-se, hoje, o maior saque da história do setor público pelo privado, quando os preços dos insumos e serviços das estatais embutem um forte subsídio aos monopólios, oligopólios e cartéis privados.

É fundamental a inflexão total da política neoliberal de o Estado subsidiar o setor privado monopolista da economia. Exemplos flagrantes são o da nafta da Petrobrás, que é matéria-prima básica para a petroquímica, e cujo preço está cerca de 50% abaixo do nível internacional; da energia elétrica para a produção de alumínio para a exportação, que engrossa o lucro do setor; da chapa de aço para a indústria automobilística etc...

Os preços públicos devem cobrir os custos e investimentos, devendo ser calculados de forma socialmente justa, ou seja, rebaixados quando se destinam ao consumo de massa e aumentados quando envolvem vantagens ao grande capital. Isto permitirá uma forte redistribuição de renda no país. Pouco se fala sobre isto por razões óbvias. A transparência das planilhas de tarifas e de preços é condição essencial para o sucesso desta proposta.

Reforma dos Fundos. Importantes recursos coletivos estão centrados nos diversos fundos existentes no país. Não vamos nos estender sobre isto, mas apenas comentar o principal fundo dos trabalhadores: o FGTS.

Até o final do governo Sarney e desde a criação do Fundo de Garantia, portanto durante 23 anos, os 8% dos salários dos trabalhadores do mercado formal ficavam durante 90 dias sem correção monetária: 42 dias a favor do sistema bancário, 30 para as empresas e 18 para a Caixa Econômica Federal. Este foi o maior saque que o capital fez sobre o trabalho. É espantoso, criminoso. Foram 23 anos de apropriação indébita de 90 dias de inflação sobre 8% dos salários dos trabalhadores de todo país. Quem denunciou isto? A resposta precisa ser dada.

Melhor seria evitar a criação de fundos e destinar seus recursos diretamente aos salários. Mas enquanto perdurar sua existência, a gestão terá que ser transparente e sob o comando de entidades representativas de trabalhadores e usuários.

Reforma administrativa. Nossa proposta visa redirecionar a máquina pública para atender sua função social de prestação de serviços, ampliando as ações nas funções-fim (educação, saúde, bem-estar social, transportes, cultura e esportes) e reduzindo sua ação burocrática expressa nas funções-meio.

Ações políticas e leis deverão ser desenvolvidas para permitir um combate duro ao corporativismo, que impede o remanejamento de servidores das funções-meio para funções-fim, e um maior controle social da população sobre o trabalho dos servidores quanto aos índices de absenteísmo, de licenças médicas, de eficiência e produtividade.

Ao mesmo tempo precisam ser garantidas aos servidores melhores condições de trabalho, de salário e treinamento, com cursos de reciclagem e de desenvolvimento profissional. Os salários devem ser totalmente transparentes e objeto de ampla discussão com a sociedade, pois são os trabalhadores que pagam os salários dos servidores.
Além disso, as despesas de pessoal devem ser fixadas no orçamento público após debate de prioridades e plano de ação na cidade, de forma aberta e transparente.

O Estado deverá ser profundamente descomplicado para reduzir sua burocracia. Deve-se partir do princípio que o cidadão é honesto, salvo prova em contrário, e em função disso reduzir as exigências de controle do Estado sobre os cidadãos, quanto à documentação para obtenção de atestados ou licenças públicas. Isto reduz a necessidade de servidores para a função burocrática e facilita a vida do cidadão.

Reforma financeira. Os encargos financeiros da dívida mobiliária (títulos públicos) cresceram dada a necessidade de financiamento dos déficits do setor público. Com isto ocorreu uma forte transferência de recursos do setor público para o setor privado via juros elevadíssimos, pagos para a rolagem dos títulos.

O perfil desta dívida deve ser alongado, reduzindo as necessidades da rolagem. Consequentemente, cairão fortemente os juros.

Além disso, ficando o Estado mais racionalizado em seus custos como resultado de um maior controle social pela descentralização de suas funções no plano municipal e ampliando seus recursos via retomada do desenvolvimento e reforma tributária, serão reduzidas substancialmente as necessidades de financiamento, o que por sua vez baixa os juros pagos pelo setor público ao setor privado.

Renegociação da dívida externa. O impasse da renegociação da dívida externa já se arrasta há uma década. Os credores querem receber seus empréstimos de um país sem condições imediatas de quitá-los.

Na realidade, o total pago supera largamente o montante originalmente tomado e esta situação não é apenas do Brasil, mas dos países devedores do Terceiro Mundo. Um processo de negociação deve ser estabelecido de forma a atender alguns objetivos: A negociação deve se dar diretamente de governo a governo, acompanhada pelo Congresso Nacional e informando a sociedade de seu curso. Deve ser estabelecido o fluxo zero de recursos como patamar mínimo de negociação, ou seja a cada pagamento devem corresponder novos recursos em montante equivalente. O prazo de pagamento do principal deve ser longo e compatível com a capacidade internado país, sem sacrificar a retomada do desenvolvimento.

Atendidos esses objetivos, fica estancada a sangria de recursos do país, que vem atingindo, nos últimos dez anos, cerca de 4% do PIB por ano. Este montante é fundamental para a retomada do desenvolvimento e deverá ser investido na infra-estrutura necessária à sustentação da retomada de produção pelas nossas indústrias.

Sendo a negociação da dívida um fato eminentemente político, é necessário que o Congresso Nacional e a sociedade civil acompanhem todas as suas etapas.

E, exatamente por seu caráter político, tais negociações devem ser efetuadas diretamente de governo a governo, de forma soberana, sem a intermediação de entidades técnicas como o FMI, Clube de Paris e Comitê dos Bancos Privados, cujas intervenções vêm redundando em fracasso há uma década.

Muito resta a fazer. Vamos ocupar nosso lugar no debate nacional. Mãos à obra.

Amir Antônio Khair é secretário municipal de Finanças de São Paulo.