Economia

O programa de privatização do governo está destruindo o patrimônio público e fará surgir um Estado quase incapaz de influenciar o crescimento econômico

Atualmente, tem-se discutido bastante a falência da intervenção estatal na economia, porém, quase nenhum debatedor deixa claro os motivos pelos quais o Estado adentrou no campo econômico.

No cerne desta questão, encontra-se a grande depressão econômica vivida pela economia capitalista, a partir do crack da Bolsa de Nova Iorque em 1929, com conseqüências devastadoras para a economia mundial, que perduraram por boa parte da década de 30. As causas desta crise foram várias, sendo suas ligações bastante complexas, e não constituem objeto do presente texto. Um aspecto decorrente da referida crise foi o surgimento do consenso, quase absoluto, entre os economistas, de que o livre funcionamento das forças de mercado não garantia, necessariamente, a maximização dos resultados macroeconômicos, principalmente em termos de emprego e utilização da capacidade instalada da economia.

É neste contexto que surge a Teoria Geral de J. M. Keynes, cujo principal corolário, em termos de política econômica, é que o Estado deveria ser o grande investidor da economia, com o intuito de manter o nível de investimento num patamar que garantisse o pleno emprego dos fatores capital e trabalho na economia.

Paralelamente, reforçando a idéia de limitação do mercado, o mundo assistia ao sucesso das economias centralmente planejadas, socialistas, principalmente da URSS, que saindo de uma economia semifeudal na década de 20, industrializou-se rapidamente e conseguiu passar incólume a grande depressão da década de 30.

Atualmente, tem-se discutido bastante a falência da intervenção estatal na economia, porém, quase nenhum debatedor deixa claro os motivos pelos quais o Estado adentrou no campo econômico.

No cerne desta questão, encontra-se a grande depressão econômica vivida pela economia capitalista, a partir do crack da Bolsa de Nova Iorque em 1929, com conseqüências devastadoras para a economia mundial, que perduraram por boa parte da década de 30. As causas desta crise foram várias, sendo suas ligações bastante complexas, e não constituem objeto do presente texto. Um aspecto decorrente da referida crise foi o surgimento do consenso, quase absoluto, entre os economistas, de que o livre funcionamento das forças de mercado não garantia, necessariamente, a maximização dos resultados macroeconômicos, principalmente em termos de emprego e utilização da capacidade instalada da economia.

É neste contexto que surge a Teoria Geral de J. M. Keynes, cujo principal corolário, em termos de política econômica, é que o Estado deveria ser o grande investidor da economia, com o intuito de manter o nível de investimento num patamar que garantisse o pleno emprego dos fatores capital e trabalho na economia.

Paralelamente, reforçando a idéia de limitação do mercado, o mundo assistia ao sucesso das economias centralmente planejadas, socialistas, principalmente da URSS, que saindo de uma economia semifeudal na década de 20, industrializou-se rapidamente e conseguiu passar incólume a grande depressão da década de 30.

Dentro deste contexto mundial, ou seja, da constatação de fragilidade do livre mercado e do sucesso da planificação, surge nas sociedades capitalistas um certo planejamento econômico, como forma de contornar as limitações inerentes ao livre mercado.

Assim, os países capitalistas experimentaram um crescimento da participação do Estado na economia através, basicamente, de três mecanismos: regulamentação de alguns mercados, participação direta na produção por meio de empresas estatais e constituição de uma série de benefícios/ garantias sociais, o chamado Wellfare State (Estado de Bem-Estar Social).

Em resumo, todo o crescimento da economia mundial, desde o fim da 2º Grande Guerra até a década de 70, teve uma grande participação do Estado, tanto nas economias socialistas como nas capitalistas.

A partir de meados dos anos 70, a economia capitalista mundial se retraiu passando a apresentar menores taxas de crescimento e maiores taxas de inflação. A estrutura estatal passou a ser questionada nos países industrializados, e no final da década os candidatos com propostas neoliberais venceram eleições nos EUA e Grã-Bretanha, levando a cabo políticas de diminuição da interferência estatal no campo econômico.

Nos EUA as empresas estatais praticamente não existiam e a prática neoliberal se resumiu a diminuir a regulamentação dos mercados, e à desativação de vários mecanismos do Wellfare State.

Na Grã-Bretanha, o neoliberalismo foi além, e atacou frontalmente o setor produtivo estatal, que apresenta uma grande importância relativa, em torno de 10% da economia, promovendo um processo de venda, para o público em geral, da propriedade destas empresas (privatização), o que contribuiu bastante para a difusão dos ideais neoliberais, e o surgimento de políticas com aspectos semelhantes em várias partes do mundo. Porém, mesmo no processo de privatização britânico, um dos mais radicais, em muitas das empresas vendidas o Estado continua a manter certos poderes, como a obrigatoriedade de manutenção do serviço de telefonia rural, que muitas vezes é deficitário e a indicação de diretores com poderes de veto nas empresas.

As economias planificadas, a partir da década de 70, também começaram a mostrar sinais de exaustão, sendo a "ponta do iceberg" as sucessivas insuficiências na produção agrícola.

A partir de meados dos anos 80, o chefe de Estado da URSS, Gorbachev, passou a admitir publicamente a estagnação da economia soviética centralmente planejada e o desejo do estabelecimento de mecanismos de mercado como forma de combate à situação de incapacidade de imprimir maior agilidade à estrutura econômica, paralisada pela burocracia do PCUS (Partido Comunista da União Soviética).

Em 1989, a Alemanha se unificou num país capitalista, e em 1991, as Repúblicas Soviéticas, após uma tentativa de golpe de Estado, optaram pelo fim da URSS e adoção de economias de mercado.

Todas estas modificações apontam para uma drástica redução da intervenção estatal na economia, mas esta redução por si só não garante a prosperidade.

O processo de privatização britânico foi apenas um sucesso de público, porém não combateu significativamente os males da economia, a não ser no curto período de três anos, em que o processo de vendas se intensificou, contribuindo na diminuição do déficit público e no conseqüente combate à inflação. Após a fácil entrada de recursos provenientes da privatização, a economia não havia reagido com crescimento, e o desemprego havia atingido níveis recordes (11% da População Economicamente Ativa).

Da mesma forma, o fato da extinta URSS ter optado por uma economia de mercado, não significa, em primeiro lugar, que naqueles países a influência do Estado acabará, pois uma economia que passou mais de 70 anos com planejamento centralizado, jamais será modelo de liberalismo econômico. Em segundo lugar, nada garante que esta seja a melhor solução para a crise que atravessavam.

No Brasil, como em outras economias latino-americanas, a intervenção estatal na economia também aconteceu a partir do período do pós-guerra, porém com uma motivação diferente: a necessidade de industrialização. Estava claro que a especialização na exportação de produtos primários apenas aumentava a disparidade entre os países latino-americanos e os industrializados.

A intervenção estatal na economia brasileira se deu basicamente nos setores básicos (energia, transportes, mineração, siderurgia etc) em que a iniciativa privada nacional não possuía o aporte de capital necessário, ou preferia não correr o risco do investimento.

O Estado brasileiro, desta forma, sempre cumpriu o papel do grande capitalista de nossa economia, tanto de forma direta, através das empresas estatais, gerando as bases materiais para o aparecimento da indústria nacional, quanto de forma indireta, através de financiamentos e até mesmo subsídios à iniciativa privada.

A intervenção estatal no Brasil permitiu não só a industrialização e diversificação, mas também que nossa economia fosse a de maior crescimento no mundo capitalista do pós-guerra até 1980, com uma taxa média de 7% ao ano.

A crise que se instaurou na economia brasileira nos anos 80, e que perdura até hoje, é caracterizada como crise do Estado, mais precisamente de seu modelo de financiamento. Muitos atribuíram a crise ao déficit público, dívidas externa e interna. Como proposta para solução da crise, aparece a diminuição do Estado. Pouco se discute as origens destes fatores geradores da crise de financiamento do nosso setor estatal.

O Estado brasileiro cresceu bastante, atingindo um nível gigantesco que começou a gerar disfunções. A primeira, e mais óbvia, foi a descoordenação das políticas governamentais, devido à sobreposição de tarefas entre vários órgãos e empresas estatais. Porém, a mais grave, e menos apontada, é a penetração de interesses particulares na estrutura do Estado, desviando sua atuação da originalmente intencionada. Este desvio e a total ausência de controle e fiscalização da atuação estatal são os grandes responsáveis pelos três fatores apontados como geradores da crise de financiamento do setor público: déficit público, dívidas externa e interna.

Tanto a dívida interna como o déficit público são engordados por vastas transferências ao setor privado, através de inúmeros mecanismos, que variam do subsídio direto com créditos a juros nominais pré-fixados, às operações de "salvamento" de empresas, com o Estado assumindo o controle de empresas privadas praticamente falidas, saneando suas finanças e pagando seus credores.

A dívida externa, até o final dos anos 70, era em grande parte de responsabilidade do setor privado. A Resolução 432 do Banco Central permitiu que os devedores externos pagassem suas dívidas em cruzeiros para o Banco Central, que passaria a correr o risco cambial, que até então era dos devedores.

O Estado brasileiro deixou de ser o grande indutor do crescimento econômico para se transformar na grande agência prestadora de favores a setores específicos da sociedade, num verdadeiro balcão de negociatas. O custo de todos estes favores concedidos no passado se apresentam hoje como dívida estatal (interna e externa) e a dificuldade de pagamento de seus encargos é apontada como fracasso da intervenção do Estado na economia.

Além disso, devido ao total descontrole do setor público, torna-se muito difícil saber quantos e quais setores da economia foram e estão sendo subsidiados direta e/ou indiretamente, dificultando a aferição dos resultados da intervenção estatal e fazendo com que os próprios beneficiários desconheçam o montante de recursos de que estão se apropriando.

A Petrobrás, por exemplo, tem sua lucratividade fortemente corroída pela imposição da comercialização do álcool, que não é uma tarefa originalmente sua, e os usuários de automóveis movidos a álcool não imaginam qual o subsídio implícito no combustível, mas sabem que pagam imposto municipal sobre o mesmo.

Este exemplo é bastante famoso, porém existem inúmeras distorções deste tipo nos meandros do setor estatal. Muitos deles o próprio governo conhece mas não se dispõe a modificar, permitindo que a administração aja com critérios outros que não os econômicos e sociais.

É com este diagnóstico da crise do Estado brasileiro que deve ser entendido o projeto neoliberal do governo Collor, que procura, através da privatização, transferir uma grande massa de ativos produtivos, e que gerarão renda imediata ao setor privado, em troca das chamadas "moedas podres", títulos com longo prazo de vencimento.

Os compradores de empresas públicas pagam com estes títulos porque o governo, ao contrário dos outros agentes econômicos, os aceita equiparados ao cruzeiro. Ou seja, um título de Cr$ 100, que o governo pagaria daqui a dez anos é aceito para liquidação de operações de privatização pelos mesmos Cr$ 100, quando o mercado secundário destes títulos pagava, antes da regulamentação da lei da privatização, apenas Cr$ 25.

Além disso, o preço mínimo das empresas vem sendo fixado em níveis bem inferiores ao seu valor potencial de mercado, o que implica mais perdas para os cofres públicos.

Ao final deste processo, o Estado terá a mesma dificuldade em rolar suas dívidas e equilibrar suas contas, uma vez que não está entrando dinheiro novo. Também desaparecerá boa parte do setor produtivo estatal, que poderia ser utilizado como indutor do crescimento econômico, da mesma forma como foi usado em toda a nossa história desde a industrialização.

O programa de privatização que está sendo levado a cabo pelo governo está destruindo o patrimônio público e fará surgir um Estado quase incapaz de influenciar o crescimento econômico. Por isso, faz-se necessária a proposição de um modelo alternativo, enquanto há tempo.

A alternativa para este projeto de privatização requer, em primeiro lugar, a "estatização" do setor estatal da economia, pois, como foi visto anteriormente, cada setor do Estado age de acordo com os interesses de setores privados, de forma independente, por critérios próprios, descoordenados, gerando grandes distorções. Em segundo lugar, é necessário propor um modelo alternativo de Estado, menor, mais ágil, articulado e controlado. E, por fim, a instrumentalização de um mecanismo de passagem do Estado que temos para o que queremos.

O governo deve se apossar efetivamente da parcela estatal da economia, para poder avaliar quais setores são prioritários e passíveis de serem articulados num processo de crescimento auto-sustentado a longo prazo. Dentro dos setores escolhidos, deve-se optar por quais empresas operarão, e, por fim, em quais produtos deverá se especializar cada uma destas empresas.

Os setores/empresas que não apresentarem possibilidade de articulação deverão ser vendidos à iniciativa privada, em troca de "dinheiro bom", cruzeiros correntes, para a constituição de um grande fundo de investimento. As empresas que não encontrarem compradores no setor privado poderão ser assumidas por completo pelos funcionários, ou se estes também não as quiserem, poderão ser liquidadas.

O novo modelo de Estado deverá se pautar por critérios de compromisso de intervenção intensa e localizada, em setores da economia que sejam estratégicos, no sentido de induzir o crescimento dos outros setores da economia, gerando as bases de um modelo de desenvolvimento auto-sustentado.

O Estado deverá atuar com critérios bastante claros de intervenção e meios de avaliação objetiva de desempenho, com participação de entidades da sociedade civil, do Congresso e de representantes dos trabalhadores. Uma vez comprovada a ineficácia da atuação estatal em determinado setor, as empresas deverão ser vendidas rapidamente, para que os recursos sejam empregados em empresas estatais já existentes ou em novos empreendimentos que apresentem melhores resultados para a atuação estatal.

Finalmente, cabe ressaltar que a visão acima esboçada examina o papel do Estado e aceita a idéia do crescimento sustentado apenas nos marcos de uma relação econômica internacional, onde o Brasil assume o papel de exportador de capital e de mero mercado das grandes potências.

A inversão dessa lógica, possibilitando o efetivo crescimento econômico dos países atrasados e concomitante usufruto das ciências e tecnologias-pilares da economia moderna, exigirá uma nova ordem mundial, uma nova estrutura política mundial, um novo direito internacional.

Luiz Gushiken é deputado federal PT/SP.