Nacional

As novas perspectivas para os habitantes da área se inscrevem sobretudo no contexto mais amplo de um projeto de desenvolvimento nacional. Neste, a região não deve aparecer apenas no capítulo das ações emergenciais e compensatórias, como em geral acontece.

Nordeste, região-problema. Nordeste da seca e da miséria, dos homens-gabirus; Nordeste de uma economia incapaz de gerar empregos para sua população e, por isso, histórico fornecedor de mão-de-obra para outras regiões do país. Nordeste, berço das "hostes errantes", dos emigrantes que "incham" as cidades do Sul e Sudeste ou "vagam" pelas fronteiras da expansão agrícola ou dos garimpos do Centro-Oeste e do Norte.

Nordeste sempre ávido de verbas públicas, verdadeiro "poço sem fundo", onde as velhas e conhecidas políticas sociais compensatórias, de caráter essencialmente assistencialista, são sempre reclamadas pelas elites regionais em nome da massa de miseráveis, que aumenta a cada dia.

É assim que a região é vista pela maioria dos brasileiros e até por estrangeiros. Essa é a caricatura moldada pelo discurso hegemônico dos que têm voz, dos que têm poder para falar pelos nordestinos. Discurso construído e divulgado pelas elites locais. Discurso que funciona eficazmente para emocionar mecanismos econômicos e políticos que servem a essas elites: para mantê-las e reproduzi-las. Porque a reprodução econômica e política da grande parte da elite local depende da exploração e da manutenção da miséria da maioria dos nordestinos. Mesmo às vésperas de século 21, e apesar das exceções.

Celso Furtado, num dos capítulos do Relatório do Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento do Nordeste (GTDN), analisou, com detalhe, como a chamada política hidráulica, centrada na construção de açudes (dentro das grandes propriedades), ajudava a reprodução econômica dos fazendeiros-pecuaristas, evitando, em momentos de seca, as perdas do rebanho bovino, principal patrimônio e fonte de renda dos "coronéis" sertanejos. Essa política, ao mesmo tempo, mantém intocadas, até hoje, as estruturas econômicas e sociais prevalecentes no semi-árido.

O fundamento dessa política é a velha tese de que o problema do Nordeste é a seca e a miséria. Com ela, para a maioria dos sertanejos atingidos pela seca, sobravam as migalhas das ações de emergência que apenas evitavam a mortalidade ou o êxodo em massa. E, ao final de cada seca, o monopólio da terra e da água (mais grave que o da terra em certas partes do sertão) não se alterava. Nem os mecanismos de exploração dos produtores rurais, via sistemas de financiamento e comercialização, haviam mudado, como bem enfatiza José Otamar de Carvalho, em seu livro A economia política do Nordeste quando analisa o papel do velho capital comercial, ao explicar a crônica incapacidade da maioria dos pequenos produtores sertanejos para se capitalizar, para acumular. Essa "incapacidade" transforma o fenômeno natural da estiagem - típico de toda zona semi-árida - numa crise econômica e num drama social, no Nordeste brasileiro.

No período mais recente, o discurso da "região-problema" e a utilização do real atraso relativo do Nordeste têm servido de justificativa para manter o mecanismo de incentivos fiscais e financeiros, inclusive e especialmente, para a agropecuária, um dos instrumentos mais poderosos do "financiamento" da modernização e do aumento do patrimônio privado das novas gerações de "herdeiros" da oligarquia nordestina.

Mais recentemente, no Brasil e no exterior, um dado novo aparece no discurso das elites nordestinas. Um ponto positivo da região é destacado: o potencial para o desenvolvimento do turismo. Ao Nordeste da miséria e da fome adiciona-se, agora, o do mar de águas mornas, das praias de areias alvas e dos coqueirais tropicais. Deste adendo ao velho discurso emergem novas reivindicações por verbas públicas, infra-estrutura e incentivos, que beneficiam segmentos mais modernos da elite nordestina, ligados especialmente à construção civil e ao capital imobiliário, vez que turismo no Nordeste tem se traduzido sobretudo em expansão da rede hoteleira.

Por trás desse retrato simplificador do Nordeste, a explicação apresentada para o atraso relativo e a persistência da miséria costuma ser externa à região. O Sudeste aparece no discurso dos conservadores como um grande vilão, sugador de parte da renda gerada na região. Daí para a tão cara tese do colonialismo interno é um pulo!

Parte da força do discurso tradicional e ainda atual das elites nordestinas vem do respaldo que encontra na realidade, pois funda-se numa verdade parcial. Não dá para desconhecer que o Nordeste é um dos maiores bolsões de miséria do mundo: as estatísticas ou uma simples visita à região confirmam isso. A seca continua expondo de forma aguda a miséria crônica do sertão semi-árido, embora estudos tenham mostrado sempre que as condições de vida na zona úmida e rica, coberta pela cana, são ainda mais dramáticas, do que também não escapam as periferias urbanas da região. O potencial para o turismo existe e, se ele estivesse ligado ao rico potencial da produção artesanal e cultural da região, poderia disseminar riqueza, como se faz na Espanha, Itália e tantos outros lugares. Em alguns momentos houve evasão de renda do Nordeste para o Sudeste, embora o tamanho da expansão econômica daquela região não possa ser explicado por meras transferências do Nordeste, como tem insistentemente demonstrado Wilson Cano.

A fraqueza do discurso conservador é que ele revela apenas parte da verdade. A realidade do Nordeste é muito mais rica e complexa.

Realidade complexa

Nas últimas décadas, mudanças importantes remodelaram a realidade nordestina, especialmente no campo econômico, colocando em xeque as teses tradicionais sobre a região.

O relatório do GTDN, que deu origem à criação da Sudene no final dos anos 50, ressaltava dois pontos que merecem destaque. Primeiro, os dados recolhidos revelavam que o Centro-Sul ia muito bem e o Nordeste ia muito mal; segundo, isso acontecia porque a indústria (setor dinâmico da economia nacional) se expandia sobretudo no Sudeste. O Nordeste carecia de atividade que pudesse empurrar a retomada do crescimento econômico, senão as diferenças regionais iriam se aprofundar. A miséria era, assim, subproduto de estruturas arcaicas e estagnadas.

A partir dos anos 60 assistiu-se ao crescimento, à diversificação da base econômica do Nordeste. As atividades urbanas se expandiram ampliando a participação no PIB regional de setores como os intermediários financeiros, a indústria de transformação e o comércio, que entre 1965 e 1990 aumentaram, respectivamente, de 13% para 20%, de 14% para 19% e de 17% para 21%, seu peso na economia regional, conforme dados da Sudene. Paralelamente, a agropecuária teve uma redução de sua participação de 29% para 12%.

O maior dinamismo das atividades urbanas acelerou o processo de urbanização. Como no resto do Brasil, a população passou a residir cada vez mais nos quadros urbanos, empurrada pelo avanço do capital e de novas técnicas no campo, e pela crescente proletarização de numerosos produtores rurais, especialmente na Zona da Mata e no Agreste, no Maranhão e no vale do São Francisco.

Novos eixos econômicos se constituíram, a exemplo do eixo químico (que vai da Bahia a Alagoas), do eixo minero-metalúrgico (instalado no Maranhão a partir do Projeto Carajás), do eixo de expansão da moderna agricultura de grãos (do oeste baiano ao sul maranhense), do pólo agroindustrial vinculado aos perímetros de irrigação (do vale do São Francisco), do pólo têxtil e de confecções (especialmente localizado no Ceará). A indústria de transformação mudou de perfil, e a predominância dos bens de consumo não-duráveis (alimentar e têxtil) cedeu lugar a uma crescente especialização nos segmentos produtores de bens intermediários.

Se entre 1960 e 1990 o PIB regional quase sextuplicou, passando de 8,6 para US$ 50 bilhões, se em alguns momentos a economia regional cresceu mais que a média do país (nos anos de crise recente, o Sudeste, por centralizar os setores mais afetados pela recessão, recebeu um impacto maior, como mostram dados de nível de atividade e de emprego) e se a participação da economia nordestina na produção brasileira cresceu (de 13.8% em 1960 para 15.7% em 1988), como continuar atribuindo ao Sudeste e à estagnação as razões da persistência e ampliação da miséria na região? Como não reconhecer que em fases de intenso crescimento pode haver concentração de renda e aumento da miséria para muitos? Como desconhecer as causas internas, ligadas ao padrão de reprodução econômica de amplos espaços no Nordeste? Como não identificar as causas gerais, ligadas ao padrão de desenvolvimento adotado no país, que disseminou bolsões de miséria em muitas outras áreas brasileiras, e ao qual o Nordeste se vinculou fortemente?

E esta é outra mudança importante. Hoje, quando o Brasil vai bem, o Nordeste vai bem. Quando a recessão se impõe, atinge o Sudeste, o Sul, e o Nordeste também. O diagnóstico do GTDN não se aplica mais porque a economia brasileira se integrou e solidarizou o destino das regiões, na expansão como na crise. As nuances ficam por conta das particularidades locais, mas o padrão é o mesmo. Essa mudança foi muito bem retratada por Francisco de Oliveira em sua Elegia para uma re(li)gião, ao afirmar claramente que o avanço dos oligopólios, aliado à moderna infra-estrutura de transportes e telecomunicação, produziu a consolidação do mercado interno brasileiro. E a disseminação do grande capital em regiões periféricas (Nordeste inclusive) soldou o movimento de acumulação. "Não temos mais economias regionais, mas uma economia nacional, regionalmente localizada", afirmou, com exatidão. Oliveira. A região, entendida como locus da reprodução autônoma de capitais, deixa de existir quando a economia nacional se integra. A afirmação escandalizou muitos geógrafos, mas é verdadeira.

A passagem do domínio da articulação meramente comercial entre as diversas regiões brasileiras (predominante nos anos 40 e 50) para a integração produtiva (consolidada nos anos 60 e 70) foi muito bem explicada por Leonardo Guimarães Neto no livro Introdução à Formação Econômica do Nordeste. Nos anos 80, o oeste nordestino também se integrou às novas formas de articulação da economia brasileira na economia mundial, contribuindo para a produção de grãos exportados para gerar parte dos brilhantes saldos comerciais que, até hoje, viabilizam o pagamento dos pesados serviços da dívida externa brasileira, como mostra estudo da Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj).

A percepção desta nova realidade remete a questão nordestina ao plano nacional. Não há mais saída isolada, e novas propostas para o Nordeste requerem de pronto a consideração dessa intensa inserção no conjunto do país. A proposta inicial da Sudene de constituição de um "centro autônomo de expansão manufatureira" não foi implementada e ficou definitivamente inviabilizada neste novo contexto. A industrialização recente, incentivada pela própria Sudene e apoiada pelo BNDES e BNB, foi uma mera extensão do movimento da industrialização nacional. Aqui desembarcaram filiais de grupos empresariais já atuantes em outras regiões, aprofundando o grau de complementaridade entre a estrutura industrial nordestina e as estruturas instaladas em outras regiões, especialmente no Sudeste.

O debate da questão nordestina remete necessariamente ao debate da questão nacional. Os rumos do desenvolvimento nacional funcionam como uma determinante cada vez mais forte do que acontece no Nordeste. Eleito com o aceno de "Cresce Pernambuco", o atual governo estadual tem amargado o desgaste da impotência para criar um oásis de crescimento num Brasil mergulhado na recessão determinada pelos rumos da política federal.

Meras filiais

No bojo das mudanças que vêm ocorrendo, um dado merece destaque. É que a integração aqui tratada articulou fortemente porções do espaço regional nordestino predominante para fora da região. A Bahia (com Camaçari e o oeste) e o Maranhão (agrícola e minero- metalúrgico) se ligam muito mais ao Sudeste, Centro-Oeste, Norte ou exterior do que ao restante do Nordeste.

Arrastada pela dinâmica econômica do país para o Oeste e o Sul. coloca-se a pergunta: ainda existe um Nordeste tal como define o IBGE, do Maranhão à Bahia? A forte identidade cultural terá forças para continuar soldando uma região submetida às tendências econômicas aqui descritas? Do ponto de vista econômico, o Nordeste tendeu a se encolher no canto oriental do mapa brasileiro, a partir da dinâmica dos focos de modernização acolhidos em seu território nos últimos anos. O que resta do Nordeste tradicional ainda tem força para impor o discurso que foi explicitado e que ainda atende aos interesses da elite conservadora da região. Mas, até quando?

Não é preciso ir muito fundo na análise do discurso e de práticas modernizantes da nova elite cearense, por exemplo, para perceber a complexidade e a diferenciação da realidade nordestina. No Ceará, diferentemente do que acontece em Pernambuco e na Bahia, o novo complexo industrial montou-se numa articulação estreita de capitais extra-regionais com capitalistas locais, conforme revelam dados de recente pesquisa feita pela Sudene e BNB: mais de 80% do capital integralizado nas indústrias incentivadas do Ceará tem essa composição mista. Em Pernambuco e na Bahia predomina largamente o capital extra-regional. Não houve essa articulação: receberam meras filiais, comandadas de fora.

A crescente presença econômica destes novos segmentos urbanos no Ceará serviu de base para uma ruptura política. Os velhos coronéis foram massacrados e a população mantém elevados os índices de popularidade dos seus novos dirigentes, destoando do que acontece no resto da região. O setor público não precisa mais ser usado ao exagero como "cabide de emprego". É que a reprodução econômica e política desta nova elite não passa mais pelos mecanismos tradicionais usados pela oligarquia sertaneja. Movimento episódico para alguns, nova tendência para outros: o caso cearense gera polêmica. Chama a atenção. Aponta para a complexidade, que se opõe à visão simplista do discurso conservador.

Novas distinções

De região a território: apenas espaço concreto onde frações do grande capital buscam realizar-se com vantagens, gerando focos de modernização que se destacam no interior da antiga região. Os anos recentes foram marcados pela modernização intensa, mas seletiva, de certas atividades econômicas e pelo desenvolvimento rápido de novas. As áreas metropolitanas, parte do submédio S. Francisco, o oeste baiano, o noroeste maranhense, partes do sertão e sobretudo do agreste onde a pecuarização avança, são alguns dos principais pontos de diferenciação. Mesmo assim, não é possível deixar de observar novas distinções entre as áreas metropolitanas; por exemplo as tendências de Salvador não são as mesmas do Recife ou de Fortaleza.

O Nordeste apresenta uma diferenciação econômica que alcança partes restritas e seletivas de seu território e simultaneamente, como já se destacou antes, articula esses espaços, onde as mudanças foram mais intensas, de modo diferenciado, com as demais regiões do país e com o exterior. Visto sem a lente deformadora do discurso conservador, o Nordeste não é apenas miséria, seca e praias bonitas. Além do mais, as diferenciações internas se ampliaram nos últimos tempos. É preciso apreender a complexidade e a riqueza desses nordestes, que se distinguem em muitos casos mais de outras áreas do próprio Nordeste que de espaços de outras regiões: o oeste baiano tem padrões produtivos e características econômicas mais próximas de espaços da região Centro-Oeste que das vizinhas áreas sertanejas da própria Bahia, para dar apenas um exemplo.

Vista no contexto nacional, cabe ressaltar que a integração econômica avançou, alcançando inclusive o Nordeste, embora não tenha levado a uma homogeneização completa do espaço nacional. Muito ao contrário, diferenças importantes continuam existindo e o Nordeste guarda algumas que merecem referência especial.

A importância da velha questão agrária é uma delas. O Nordeste organizou desde cedo uma economia fundada na grande propriedade, tanto na Zona da Mata como na zona semi-árida. A elevada concentração da terra é um dos principais determinantes da forte concentração de renda. Todos os estudos mostram que até hoje a região apresenta os mais altos índices de concentração de renda do Brasil, com efeitos óbvios sobre a ampliação do mercado interno. O monopólio da terra também atua como elemento de resistência à diversificação agrícola e ao avanço da modernização em vastas áreas (inclusive entre as mais férteis) do Nordeste.

Calcanhar de Aquiles

A rigidez da base fundiária é um dos determinantes da dificuldade estrutural de desenvolver, no Nordeste, uma agricultura mercantil de alimentos para o mercado interno, coisa que o Sul e Sudeste fizeram há muito. Os nordestinos continuam até hoje a importar de outros espaços do país os alimentos que consomem, o que influi nos preços e nos níveis de consumo alimentar. A opção pela expansão da produção agropecuária nas terras pouco ocupadas da fronteira oeste e norte do país tornou secundário o enfrentamento da questão agrária. Com a utilização dessa "margem de folga", no plano nacional, deixou-se de tocar num dos "calcanhares de Aquiles" do Nordeste. A questão agrária permanece viva e atual no Nordeste, o que não acontece em outras áreas do país.

A resistência à mudança na mata úmida e no miolão semi-árido é outra das marcas particulares do Nordeste. Na Zona da Mata, por exemplo, à escravidão não se sucedeu o assalariamento, como ocorreu nas áreas cafeeiras do Sudeste. A transição se arrasta até hoje: o escravo liberto transformou-se em morador, que só muito mais tarde passou para fora do latifúndio para ser um bóia-fria.

Mesmo nessa nova condição, a grande massa dos nordestinos dessa área é composta de assalariados apenas temporários, com trabalho certo na fase da colheita, que dura cerca de seis meses. No restante do ano é preciso fazer biscate, ou migrar para buscar uma ocupação também temporária em outras áreas, inclusive muito distantes. Nos anos recentes, em vez da diversificação e da modernização, a Zona da Mata viu consolidar-se o monopólio da cana, estendido para novas áreas, impulsionadas agora pela alternativa da produção do álcool, ao lado dos tradicionais açúcar e melaço destinados à exportação. As elites locais ganharam novo alento e força para manter o apoio governamental que ajuda a manter o status quo.

Também no sertão seco a força da oligarquia resiste às mudanças. Ainda dominam nesta parte do Nordeste relações sociais como a parceria e o arrendamento, único mecanismo, para muitos, de ter acesso à terra para produzir e sobreviver. Conseguir o mínimo para viver é o que resta para a enorme parcela da população que habita esses espaços nordestinos. Importante ressaltar que justamente neles o Nordeste guarda quase 45% da população brasileira que vive da agricultura.

Uma terceira característica diferenciadora é o evidente maior peso relativo do estado no Nordeste. A região metropolitana de Recife, um dos maiores centros urbanos do Nordeste, tinha até os anos 80 metade da sua renda gerada pelo setor público, segundo estudo da Fidem. Em muitas pequenas cidades do interior, se tirarmos os servidores públicos e os aposentados, restarão poucos residentes com renda permanente. A economia também é muito dependente do setor público. Basta ver que a participação do governo na formação bruta de capital fixo foi muito maior, nos últimos anos, no Nordeste do que na média do Brasil.

Novas Tecnologias

Finalmente preocupa a tendência a concentrar as novas atividades - como a produção da informática, da biotecnologia e dos novos materiais - no Sudeste, onde a concentração do aparato produtor de ciência e tecnologia gera uma vantagem difícil de superar a curto prazo. A pouca preocupação das elites nordestinas com o avanço do conhecimento, sua transformação em novas tecnologias e sua incorporação à economia é um traço regional. Num mundo onde a matéria-prima estratégica não é mais o petróleo, mas conhecimento dessa herança pode se transformar num novo foco de atraso. E há centros de excelência na região que precisam ser salvos do desmonte procedido pelo governo central.

Há, entre outros, um Nordeste da engenharia de Campina Grande ou da Física de Pernambuco que são pontos de apoio para a construção do futuro. Já surgem nesses lugares empresas de base tecnológica, apesar do pouco estímulo que recebem e da conjuntura adversa. Elas servem para reafirmar a possibilidade de um futuro diferente para o Nordeste. No entanto, é certo que para a construção desse futuro o Nordeste terá que merecer tratamento particular para resolver questões específicas, algumas antigas e renitentes.

Mas as novas perspectivas para os nordestinos se inscrevem sobretudo no contexto mais amplo de construção de novos rumos para o desenvolvimento nacional. Rumos de um projeto onde o Nordeste não apareça apenas no capítulo das ações emergenciais e compensatórias, como no Projeto de Reconstrução Nacional. Isso porque as diferenças regionais deverão ser concebidas como um potencial e a heterogeneidade considerada como uma riqueza, ao contrário das propostas generalizantes de hoje, cujos resultados concentradores e excludentes são por demais conhecidos.

Rumos que advenham de um projeto que concebido a partir do "esforço permanente para que as propostas sejam retiradas de um bom cruzamento entre a consciência técnico-científica e as legítimas aspirações das comunidades locais", como propôs Aziz Ab'Saber para a Amazônia, mas que vale também para o Nordeste.

Rumos que se fundem no que já construímos a duras penas e que partam do desenvolvimento de nossos abundantes recursos.

A capacidade de resistir, de se adaptar, de criar, e a força dos nordestinos são uma marca.

Por que não acreditar que, no futuro, poderá haver um outro Nordeste, que não seja o da fome e da seca, como continuam a divulgar os velhos e novos formuladores do pensamento conservador da região?

Tânia Bacelar é economista, diretora do Departamento de Economia da Fundação Joaquim Nabuco.