Sociedade

Se é verdade que as decisões oficiais da conferência sobre o meio ambiente ficaram aquém das expectativas, também é certo que as ONGs mostraram-se empenhadas em elaborar propostas factíveis para os grandes problemas que afligem a humanidade

Sem dúvida ainda é muito cedo para se fazer um balanço definitivo da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, a chamada Eco-92.

Até o momento, decorrido um mês desde o seu encerramento, ainda não foram sequer publicados os documentos oficiais aprovados no Riocentro pelos 178 países que dela participaram. Uma vez que várias questões polêmicas foram decididas de última hora em reuniões fechadas, tornam-se inevitáveis algumas importantes lacunas de informação.

De qualquer maneira, dificilmente haverá grandes surpresas para quem acompanhou de perto o processo de preparação da Conferência, onde já estava delineado, no fundamental, o conteúdo de suas principais resoluções. Embora ainda não conheçamos os termos exatos de muitas delas, sabemos quais eram as alternativas que estavam em discussão, o que define um leque de possibilidades para as decisões finais.

Nada nos impede, portanto, de fazer uma primeira avaliação política de todo esse processo, começando por uma constatação que tem sido quase unânime entre os observadores da sociedade civil que estiveram presentes no Riocentro: os resultados da Conferência oficial ficaram muito aquém das expectativas que a cercavam inicialmente.

Objetivos políticos

Para se entender quais eram essas expectativas, é importante lembrar que a Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (CNUMAD) foi convocada em dezembro de 89 como uma espécie de teste para o novo papel que a ONU se propunha a assumir a partir daquele momento. A queda dos regimes do Leste Europeu e o conseqüente fim da Guerra Fria pareciam desobstruir os canais de diálogo e da busca do consenso entre os Estados Nacionais, abrindo espaço para uma postura mais ativa por parte das Nações Unidas no cenário mundial. A ausência dos antagonismos políticos, que marcaram quase toda a segunda metade do século 20, fazia emergiras grandes preocupações globais, de caráter supranacional, como os desequilíbrios ecológicos, os direitos humanos e o crescimento populacional.

A ONU programou uma série de conferências mundiais sobre esses temas, respectivamente para os anos de 92, 93 e 94, que deveriam culminar com o cinqüentenário de sua fundação em 95. Esse cinqüentenário está sendo encarado pela burocracia da ONU - que, como toda burocracia, tende a adquirir uma certa autonomia em relação ao corpo político que a sustenta - como um marco dentro do seu processo de reestruturação, que prevê, entre outras coisas, uma maior abertura para a participação da sociedade civil nos órgãos que compõem tanto o "sistema" (OIT, OMS, Unesco etc) como a "família" (FMI, Banco Mundial, Gatt etc.) da Organização das Nações Unidas. Isto fará com que ela deixe cada vez mais de ser um mero fórum de debates dos governos nacionais para se aproximar de algo parecido com um "governo mundial".

A CNUMAD aparecia como um verdadeiro laboratório para todas essas idéias e propostas. Tudo levava a crer que havia chegado a hora do mundo encarar seriamente os graves problemas sócio-ambientais que o afligem, podendo vir a tomar medidas concretas para resolvê-los. A época de paz que se anunciava criava todas as condições para o estabelecimento de uma efetiva cooperação internacional. A própria indústria bélica poderia encontrar no novo mercado de tecnologias limpas e seguras, a ser criado, uma excelente oportunidade para realizar a sua conversão.

Por outro lado, a inclusão do tema do desenvolvimento no próprio título da Conferência do Rio desfazia a grande polêmica instaurada na sua predecessora - a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano de Estocolmo, em 72 - entre países pobres e ricos, na qual os primeiros acusavam os últimos de usarem as questões ambientais como pretexto para mantê-los no subdesenvolvimento. Ela atendia a uma recomendação expressa do Relatório "Nosso Futuro Comum", elaborado pela Comissão Brundtland, em 87, sob encomenda da ONU, que estabelecia um vínculo indissolúvel entre meio ambiente e desenvolvimento.

Esse relatório foi o grande responsável pela vulgarização do conceito de "desenvolvimento sustentável", cujo objetivo fundamental seria "promover a harmonia entre os seres humanos e entre a humanidade e a natureza". Ainda segundo a definição do próprio Relatório Brundtland, "o desenvolvimento sustentável é aquele que atende às necessidades do presente sem comprometer as possibilidades das gerações futuras atenderem às suas próprias necessidades". Para tanto, requer:

· um sistema político que assegure a efetiva participação dos cidadãos no processo decisório;

· um sistema econômico capaz de gerar excedentes e know-how técnico em bases confiáveis e constantes;

· um sistema social que possa resolver as tensões causadas por um desenvolvimento não-equilibrado;

· um sistema de produção que respeite a obrigação de preservar a base ecológica do desenvolvimento;

· um sistema tecnológico que busque constantemente novas soluções;

· um sistema internacional que estimule padrões sustentáveis de comércio e financiamento;

· um sistema administrativo flexível e capaz de auto-corrigir-se". (Nosso Futuro Comum, Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, FGV, 1988).

Esses pressupostos acabaram determinando toda a pauta da CNUMAD. Na medida que a promoção do desenvolvimento sustentável passava a ser, em última instância, o seu grande alvo, ela se comprometia implicitamente com a criação de todas as condições necessárias à sua viabilização. Não há dúvida de que se tratava de tarefas muito grandiosas para serem realizadas por uma única conferência, por mais bem-sucedida que ela fosse. Não obstante, as palavras do seu secretário-geral Maurice F. Strong (From Stockholm to Rio: a journey down a generation. Earth Summit Publication: Number One, 1991) só poderiam contribuir para inflar ainda mais as expectativas em torno dela:

"O que se busca é nada menos do que uma nova., revolução “eco-industrial', que não apenas irá preservar e estender os benefícios trazidos pela revolução industrial, como criar toda uma nova geração de oportunidades econômicas e reparar os grandes desequilíbrios entre pobres e ricos, que são tão incompatíveis com o desenvolvimento sustentável quanto com a justiça e a equidade."

Diante destas metas tão ambiciosas, nada parecia mais apropriado do que a logomarca e o slogan adotados pela CNUMAD: uma mão estilizada segurando um globo terrestre sobre a inscrição in our hands ("nas nossas mãos").

Dificuldades

Ao que tudo indica, porém, as mãos que hoje seguram o globo terrestre ainda não são propriamente as "nossas", ou seja, as da sociedade civil mundial, que certamente desejava mudanças muito mais significativas no atual modelo de desenvolvimento do que as aprovadas pelos governos na CNUMAD. Como explicar essa enorme defasagem entre as promessas e os resultados concretos da Conferência? Era tudo uma grande farsa ou teria havido algum erro de cálculo no momento de sua convocação? O que mudou desde então?

Seguramente, as coisas no plano internacional tomaram um rumo bastante distinto daquele que se esperava três anos atrás. A derrocada dos regimes socialistas dos países do Leste Europeu foi muito mais abrupta do que se poderia prever, a ponto de se transformar num processo de desintegração nacional em muitos deles. Nem mesmo os anticomunistas mais ferrenhos suspeitaram da gravidade da crise que iria atingir a ex-União Soviética, levando-a da noite para o dia da condição de superpotência para a de um país que hoje mendiga de pires na mão a ajuda econômica dos seus antigos parceiros de divisão do poder em escala mundial.

A integração européia, por sua vez, esbarra numa série de obstáculos e caminha a passos muito mais lentos do que supúnhamos em 1989. Em contrapartida, a reunificação da Alemanha se realizou mais rapidamente. Isso implicou um certo atraso na emergência da Alemanha Ocidental enquanto pólo de poder capaz de se contrapor aos Estados Unidos no cenário internacional, devido aos encargos econômicos e sociais que esse processo acarretou. O enfraquecimento dessas potências impede que o Japão consiga traduzirem influência política sua hegemonia econômica, já que não lhe interessa um conflito direto com os americanos.

O fato é que, em vez da nova ordem internacional multipolarizada que se esperava com o fim da Guerra Fria, agora temos o monopólio do poder por parte da única superpotência que restou. Em franca decadência econômica, os Estados Unidos usam e abusam da sua hegemonia política e militar para defender a qualquer custo os interesses de algumas das suas grandes empresas, como bem demonstrou a Guerra do Golfo no ano passado - que representou uma espécie de balde de água fria nas esperanças de paz mundial. Essa mesma postura despótica e mesquinha caracterizou suas posições na CNUMAD, o que explica, em grande, parte as limitações dos documentos aprovados.

A convenção de clima, por exemplo, não passa de uma declaração de boas intenções, na medida que deixa extremamente vagas as metas e os prazos para a redução das emissões dos gases que provocam o efeito estufa. Responsáveis pela emissão de cerca de 25% de todo o gás carbônico produzido no mundo, os EUA se recusaram a aceitar a proposta da Comunidade Econômica Européia de congelar, nos níveis de 90, a quantidade desse gás na atmosfera. Os interesses das indústrias petrolífera e automobilística americanas pesaram mais para o governo Bush do que o clamor da opinião pública mundial e mesmo de outros governos preocupados com as terríveis consequências do aquecimento global. Os EUA conseguiram impor os seus pontos de vista inclusive porque essa convenção perderia completamente o seu sentido sem a assinatura do maior poluidor.

O mesmo não ocorreu em relação à convenção de biodiversidade, que Bush recusou-se a assinar sob o argumento principal de que ela não assegurava os direitos de propriedade intelectual sobre produtos de biotecnologias. O que Bush pretendia era garantir o livre acesso dos grandes laboratórios americanos ao rico patrimônio genético disponível nos países tropicais, sem oferecer a eles nenhuma participação na exploração das biotecnologias desenvolvidas a partir de suas espécies vegetais e animais. O governo norte-americano não aceitou sequer o item da convenção que propunha a transferência de recursos financeiros e tecnológicos para serem aplicados na preservação da biodiversidade nesses países. Nesse aspecto, ele acabou sendo seguido pela França e pelo Japão.

Os países subdesenvolvidos, por sua vez, foram os principais responsáveis pela timidez do protocolo sobre florestas, que desde o início já era concebido como uma simples declaração de intenções. A insistência desses países em colocar a defesa de sua soberania acima das preocupações com a preservação de um patrimônio universal terminou por esvaziar ainda mais esse documento. Numa economia já globalizada, essa defesa retórica da soberania funcionou na verdade como uma espécie de moeda de troca na barganha de recursos financeiros com os países do Norte. Já que esses se mostraram tão arredios na concessão desses recursos, o destino das florestas tropicais tende a continuar à mercê dos projetos de desenvolvimento elaborados por governos muito pouco democráticos e ainda menos atentos aos problemas ambientais dos seus respectivos países.

No que depender das resoluções da CNUMAD, as populações do mundo subdesenvolvido vão ter que continuar na situação de miséria e de marginalização em que se encontram hoje. A Agenda 21, documento que deveria lançar as bases do desenvolvimento sustentável em escala mundial até o próximo século, não cria nenhum mecanismo novo de financiamento ou de transferência de tecnologias para os países do Sul. Coerentes com as posições neoliberais que defendem, os governos do Norte se limitam a apontar o "livre" comércio e os mecanismos de mercado como panacéia para todos os males econômicos, sociais e ambientais desses países. Eles impõem, porém, uma pré-condição para que essa solução mágica realmente funcione: o controle populacional.