Política

Uma política própria de comunicação é vital para o PT. Da grande imprensa, o partido e suas administrações nada têm a esperar, a não ser o silêncio, o ostracismo, a distorção, a manipulação e ataques diretos e indiretos. Temos de encontrar maneiras eficazes de fornecer informações ao público e de desmentir e corrigir dados e notícias incorretas

[nextpage title="p1" ]

A presença do PT nas prefeituras de dezenas de cidades recoloca em debate uma questão central e ainda não resolvida, a das relações entre governo, partido e população.

Um dos aspectos relevantes dessa questão é o da comunicação. Começo reconhecendo meus erros durante o tempo em que fui encarregado dessa área no primeiro ano da gestão petista em São Paulo (01/01/89 a 01/01/90). Não consegui aplicar um plano integrado e exequível de comunicação, em parte por não ter logrado transformar a angústia dos demais membros do governo com essa questão em fator capaz de resolver os problemas; e, também, por não ter tido suficiente empenho e paciência para mobilizar as forças partidárias com o mesmo propósito. No entanto, creio que algumas observações podem constituir subsídio para uma reflexão sobre o problema.

O Partido dos Trabalhadores ainda não conseguiu gerar uma política própria de comunicação, ao contrário do que já fez em outras áreas de atividade. No PT, todos se queixam da "má comunicação", há muitas opiniões e nenhuma sistematização.

Partido político que, em grande parte, deve seu crescimento à extrema capacidade de persuasão de Lula e à enorme visibilidade de suas principais lideranças, à clareza de posições, ao apelo de siglas, cores, estrelas, das grandes massas e das caras individuais de seus seguidores, o PT parece navegar desorientado na trama das comunicações, cujos processos e mecanismos não consegue utilizar adequadamente.

Mesmo quando eventualmente obtém algum êxito nesse terreno, o PT nem sempre compreende o porquê, e, assim, não consegue socializar a experiência.

O caminho para começar a desbastar esse emaranhado não é o do exclusivo saber acadêmico, dos técnicos, profissionais e especialistas. Mas também não é o das imposições emanadas de direções centralizadoras ou dos arroubos de personalidades carismáticas. Ou se busca uma síntese, no sentido dialético do termo, ou não se chegará a lugar algum.

A população de uma cidade - sobre a qual vai incidir mais diretamente a atuação do partido e de sua prefeitura - varia enormemente de acordo com numerosas características do município e da região.

Para os organismos e filiados do partido a população vai gradativamente perdendo seu aspecto genérico de "massa amorfa" para assumir contornos de crescente nitidez, à medida que o PT vai alastrando sua influência na cidade. Nesse sentido, o que originária e precariamente parecia uma "população" indiferenciada vai mostrando ser um conjunto desequilibrado, porém interligado, de classes sociais, subclasses, frações de classe, camadas e grupos sociais, setores organizados, "massa" alienada e dispersa etc.

Quando o partido se coloca no ponto de vista do governo municipal tende a tornar mais precisas as distinções. Dessa ótica, o governo tende a "ver" a população de, pelo menos, duas formas básicas. Uma é o conjunto aparentemente caótico e heterogêneo de pessoas, fragmentado, segmentado em individualidades privadas e privatistas, atomizadas, distintas e diferenciadas entre si. Outra é como um conjunto finito de "munícipes".

Usuário múltiplo

O "munícipe" é sempre uma síntese de vários atributos pelos quais ele não apenas se relaciona com os demais munícipes mas também com as instituições, com as leis, com os espaços físicos, com entidades e forças culturais, sociais e político-partidárias e com o governo instalado na prefeitura. O "munícipe" é pessoa, cidadão, trabalhador, contribuinte, consumidor, eleitor, tem atividades em determinado setor econômico, participa de culturas e subculturas, de partidos, sindicatos, associações, clubes, igrejas etc. É, também, usuário múltiplo de serviços privados e públicos, federais, estaduais e municipais. Finalmente, o munícipe participa, diretamente, por representação ou delegação, por ação ativa ou por omissão, da condução da vida da cidade.

É nessa intrincada trama de óticas diferenciadas, de inter-relações que se justapõem, sobrepõem e intercruzam, de expectativas recíprocas, que o PT e seu governo precisam formular e aplicar uma política de comunicação. Para tanto se torna necessário, basicamente, detectar as numerosas e diferentes demandas e organizar-se para oferecer variadas formas de comunicação e possibilidades de auto-expressão.

Há pessoas que têm alguma relação jurídico-comercial ou administrativa com a prefeitura (comerciante que paga taxas e licenças, construtor ou fornecedor-empreiteiro, cidadão que recorre da multa de trânsito, proprietário que pede revisão do IPTU etc). Esse cidadão tem uma demanda definida e quase permanente por informações relacionadas com o "seu caso", o "seu processo". Sistemas eficazes e descentralizados de informações que permitam fácil e rápido acesso do munícipe aos assuntos de seu interesse imediato atenuam o drama do "acompanhamento" de processos e podem imprimir marca altamente positiva na sua relação com o Estado e na imagem que passará a ter de um governo petista.

Mas a maior parte dos moradores de uma cidade não tem esse tipo de relações específicas com o governo municipal. Tem outras e mais complexas demandas diversificadas desde saber quais os serviços de plantão no feriado até quais as linhas de ônibus para ir de um ponto a outro, como fazer para socorrer uma árvore prestes a cair etc.

Nas cidades médias e grandes, muitas vezes, o cotidiano do cidadão depende da soma e da combinação de informações que ele pode dominar e reter. Os "itens urbanos" a respeito dos quais o munícipe precisa estar informado podem ser oferecidos pelo poder público, municipal, estadual ou federal, pelo privado "regulamentado" ou "normatizado" pelo poder público (funcionamento de supermercados, farmácias etc). É preciso dar conta dessa demanda, que nem sempre é explícita. Cabe ao governo municipal petista "despertar" e organizar a demanda de informações, para poder oferecê-las principalmente para as camadas mais pobres da população (direitos de cidadania, benefícios do contribuinte, bom funcionamento dos serviços públicos de saúde, educação, transporte, saneamento, abastecimento, cultura, lazer etc). É preciso também lembrar que o munícipe em geral não faz qualquer distinção entre as esferas de poder, privado ou público, e, neste, entre os níveis federal, estadual ou municipal.

A imprensa geralmente ocupa-se dessa questão apenas para destacar aspectos particulares e isolados a fim de fabricar imagens positivas ou negativas de governantes ou para aproveitamento explícito ou implícito de publicidade comercial ou propaganda ideológica. Portanto, caberá ao governo petista - novamente de acordo com as características de cada cidade - providenciar, por sua própria conta e risco, um enorme volume praticamente diário e permanente de informações para a população.

Uma forma de compreender a intercomunicação entre o governo petista e a população é pensá-la em dois planos interrelacionados porém distintos.

Num plano, o público das informações pode ser concebido como o munícipe-usuário-múltiplo dos serviços públicos municipais, e, nesse caso, o conteúdo das informações corresponde ao que usualmente se designa por "atividades-fim" da administração pública (saúde, educação, transporte, trânsito, habitação, saneamento, abastecimento, cultura, recreação e esporte etc). Embora possa haver linhas comuns nessas informações, a eficácia da orientação aumenta se elas forem basicamente programadas, produzidas e fornecidas por órgãos especializados que integrem os organismos-fim da prefeitura (secretaria ou departamento da saúde, da educação, do transporte etc). A credibilidade e a eficiência das informações aumentarão se os meios de divulgação forem os mais diversificados porém os mais simples e baratos possíveis, de acordo com as características específicas daquele público-usuário em particular: volantes, panfletos, cartazetes e cartazes, boletins, murais, faixas, desenhos, placas, mensagens por alto-falante, vídeos etc.

Noutro plano, as informações devem ser planejadas para atingir "o público geral", expressão sem conteúdo preciso mas que aqui pretende significar o cidadão "despido de sua condição de usuário direto", ou, em outras palavras, o conjunto de aspectos comuns a todos os cidadãos, além e acima de suas características de usuário.

O conteúdo de tais informações corresponde, por isso mesmo, ao significado das características gerais do governo petista, naquilo que ele tenha de comum a todas as atividades-fim, e, portanto, de identificador do caráter petista do governo, e de diferenciador em relação aos governos de outros partidos ou de outras épocas. As informações desse tipo são baseadas nas atividades-meio da administração, e, mais particularmente, nos seus significados políticos.

Estão nesse caso a forma de tomar decisões no governo; o relacionamento do Executivo com o Legislativo e com outros partidos; os mecanismos de captação das necessidades populares para a elaboração de planos e orçamentos de governo; a real participação dos setores organizados da população no processo decisório do governo; a diferenciação de prioridades, a urgência e importância do atendimento às necessidades da população de acordo com critérios que devem ser clara e permanentemente explicitados e debatidos; as relações do governo petista com as grandes corporações privadas e privatistas que loteiam e dominam a cidade (construtoras, empresas de lixo, empresas de comunicação, fornecedoras de veículos, máquinas e equipamentos, hospitais, fábricas de remédios, bancos, associações e lobbies de empresários etc) bem como com os governos de outros níveis, estado e União.

Há a idéia, lamentavelmente bastante generalizada, de que o governo petista poderia, num ou noutro plano, passar informações ao público "através" da imprensa. É uma idéia bastante ingênua, porque supõe que as empresas privadas de comunicação sejam sócias, aliadas ou cúmplices do governo petista, ou, ainda, que há "espaços democráticos" onde o PT teria condições de igualdade para competir com outras forças sociais.

Muito ao contrário, e a não ser por exceções esporádicas que só vêm confirmar a regra, as empresas privadas de comunicação comportam-se como adversários políticos do PT e de seus governos. Primeiro porque, enquanto empresas e portadoras das características gerais das empresas capitalistas, estão exclusivamente interessadas em reproduzir e acumular o próprio capital e o das demais empresas das quais dependem enquanto fornecedoras de espaço/tempo para publicidade comercial (empreiteiras, fábricas e lojas de veículos auto-motores e de outros materiais de construção, de alimentos, de remédios e serviços hospitalares etc). Segundo porque, enquanto empresas de comunicação, os chamados "meios" comportam-se como entidades político-partidárias, disputando, com pretensões à exclusividade, a mediação entre a sociedade e o Estado, contrapondo-se, assim, aos partidos políticos e a seus representantes nos legislativos e nos executivos.

Generalizações e equívocos

Da imprensa, portanto, o PT e seus governos nada têm a esperar, a não ser o silêncio, o ostracismo, a distorção, a manipulação e ataques diretos e indiretos. Não obstante, os governos petistas precisam tratar com urbanidade e cordialidade a imprensa, seus agentes e empregados, bem como facilitar-lhes ao máximo o acesso às informações da administração. Não com a suposição de que esse tratamento possa despertar reciprocidade ou mesmo tolerância, ou com a esperança de que as informações venham a ser utilizadas em benefício da população. Mas para tentar neutralizar, ao menos em parte, uma das inúmeras alegações incorretas com que a imprensa trata o PT e seus governos: a de que as informações são sonegadas. Ao lado disso, os governos petistas devem manter serviços cotidianos e permanentes, tanto jornalísticos quanto jurídicos, para acompanhamento de toda a produção da imprensa, para esclarecimentos, contestações, exercício do direito de resposta, processos contra manipulações etc.

Outra idéia generalizada e equivocada é a de que "as autoridades públicas têm o dever de prestar contas ao público e, por isso, não podem deixar de atender a toda e qualquer solicitação da imprensa". A frase mistura duas afirmações correlatas porém diferentes, e estabelece, entre uma e outra, uma relação causal que não encontra sustentação lógica. É verdade que as autoridades públicas têm o dever de prestar contas ao público, e a recíproca é verdadeira: o público, os contribuintes, os cidadãos, os munícipes têm o direito de exigir do governo todas as informações a respeito da administração pública.

Mas é falsa a identificação entre "o público" e a imprensa. Não apenas a imprensa não é o público como também não tem mandato eletivo para representá-lo. Embora alguns jornais, e mesmo alguns jornalistas, possam gostar de ser vistos como portadores de um mandato representativo popular, a verdade é que não o têm. A população não elege o jornal ou a televisão como seus representantes; portanto, eles não estão mandatados para coisa alguma. A circunstância de serem lidos, ouvidos, vistos e adquiridos não equivale, em nada, ao ato cívico e político do voto, da escolha para a representação política.

Um jornalista é, no máximo, representante da empresa da qual é assalariado. E uma empresa privada de comunicação dado o caráter sacramental da propriedade privada no Brasil - não representa mais que os interesses de seus próprios proprietários, embora ela possa exprimir - mas nunca representar - os interesses de setores amplos da população.

Assim, o governo petista deve prestar contas ao público e fornecer informações aos munícipes, mas jamais deve esperar fazê-lo "através da imprensa". Para fornecer informações deve criar meios próprios. E para prestar contas ao público, além de usar meios próprios, o governo petista pode valer-se do Legislativo, dos sindicatos, das entidades do movimento popular, dos segmentos organizados da sociedade, do próprio Partido dos Trabalhadores.

Isso quer dizer que o governo petista terá de enfrentar única e exclusivamente com os próprios meios não apenas a necessidade de produzir e fornecer informações para a população, como, também, a de desmentir e corrigir informações incorretas a seu respeito. Nas cidades minúsculas e pequenas, o governo petista pode aproveitar as lições do movimento sindical e popular e comunicar-se com a população através de meios baratos e simples: faixas, cartazes, cartazetes, murais, volantes, panfletos, vídeos e alto-falantes, "boca-a-boca" etc.

Nas capitais e nas cidades grandes e médias, além desses, o governo petista pode lançar mão de outros meios, sempre levando em conta necessidades e características específicas bem como a existência de recursos humanos e materiais: boletins, jornais, compra de espaço e tempo em jornais, revistas, rádio e TV para publicação regular e esporádica de matérias pagas etc. E, sobretudo, com base na Constituição, o PT e seus governos devem empenhar-se para obter a concessão de canais de rádio, de TV e de TV a cabo.

[/nextpage]

[nextpage title="p2" ]


Ética e política

A iniciativa, por parte do governo petista, de produzir e fornecer o próprio material informativo suscita não poucas questões teóricas e práticas, algumas das quais já foram vividas concretamente, embora não resolvidas, por algumas administrações no quadriênio 88-92, e mesmo antes. A mais importante dessas questões é de caráter ético e político. Tem o Estado o direito de fazer jornalismo? A informação "oficial" não contém o risco de confundir-se com publicidade e propaganda? Quando a informação "oficial" conflita com a "não-oficial", que critérios tem o público para escolher entre uma e outra? Quais os mecanismos capazes de garantir objetividade, isenção, neutralidade, eqüidistância nas informações "oficiais", a fim de que não se transformem em instrumentos de doutrinação? Quem deve ter acesso à possibilidade de produzir, organizar e fornecer informações governamentais? Apenas o Executivo? Também o Legislativo? Apenas o partido no governo ou também os de oposição?

Para resolver a questão, é escusado buscar amparo na Constituição de 88. No seu famoso artigo 37 - que trata da administração pública -, a Constituição é genérica, superficial, ambígua e contraditória.

Ao estabelecer que a administração pública deve obedecer aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade, a Constituição quis dizer que os atos dos órgãos públicos só têm sua vigência iniciada quando são publicados - e daí a necessidade de um "Diário Oficial" ou coisa similar - mas também quis dizer que o exercício da administração pública não pode ser secreto, clandestino ou escondido, e que qualquer munícipe tem direito de acesso ao conhecimento desses atos.

Mas o parágrafo 1° do mesmo artigo, aparentemente tentando coibir abusos com o uso indevido da máquina e do dinheiro público governamental em benefício próprio e privado, acaba por confundir tudo e misturar conceitos e concepções quando diz, textualmente: "A publicidade dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos deverá ter caráter educativo, informativo ou de orientação social, dela não podendo constar nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos."

Tudo ou nada

O que significa, nesse contexto, "promoção pessoal"? O uso de imagens, símbolos e nomes que não caracterizem promoção pessoal pode constar da publicidade oficial? Basta não usar o nome ou a foto do governante para que a peça publicitária não seja pessoal? O que quer dizer "orientação social", "caráter educativo" etc? Dependendo da interpretação dada a tais termos, tanto pode tudo quanto não pode nada!

A outra questão relacionada com o problema de o Estado poder ou não produzir e difundir informações ao público refere-se às relações entre governo e partido. Novamente a Constituição e as leis parecem omitir-se e confundir-se a respeito. Pela legislação eleitoral e partidária vigente no Brasil, somente pode concorrer a qualquer posto eletivo, majoritário ou proporcional, em qualquer nível, o cidadão que tiver sua candidatura registrada na justiça eleitoral por intermédio de um partido político legal e devidamente registrado. Todo o processo eleitoral, do registro da candidatura à votação, passando pela campanha, pelos debates, pela propaganda e até pela utilização de horários específicos de rádio e TV, é feito sob a égide do partido político.

Mas, uma vez eleito o candidato, a proverbial hipocrisia burguesa pretende que o cidadão se "despartidarize", ou, melhor dizendo, que "faça de conta" que não é de partido algum, que se comporte como se tivesse caído dos céus diretamente sobre a cadeira de mandatário sem atravessar processo político-partidário algum. É óbvio que o prefeito, o governador, o presidente da República devem governar para todos os cidadãos dos âmbitos respectivos: não devem privilegiar correligionários nem discriminar os que não forem filiados e simpatizantes de seu partido: devem permitir o livre fluxo do debate democrático na sociedade e o confronto das idéias de seu partido com as de outros para escolher sempre o melhor caminho e evitar erros fatais.

Mas é totalmente absurdo querer que o governante deixe de ser partidário. É inconcebível e principalmente incorreto pensar num mandatado abstrato, total e radicalmente despartidarizado. Apesar de ser esse o desejo da burguesia, cabe ao PT e a seus governos agir sempre em sentido radicalmente contrário, não deixando de afirmar suas convicções e vinculações partidárias, mostrando - para o bem e para o mal - que a forma de praticar o exercício do governo está fundamentada nos princípios, nas resoluções, nos documentos do partido, e que é essa, exatamente, uma das virtudes do PT e dos governos petistas.

Esse é um aspecto particular porém importantíssimo do campo da comunicação do PT e de seus governos, não só pelo ingrediente pedagógico e politizante que contém, mas também porque aí irá se constituir um dos alvos dos ataques inimigos: a identificação partido-governo - identificação vista não como fusão, mas como estreita vinculação que para os petistas é uma de suas virtudes, é facilmente transformada em "defeito", dado o caldo tradicionalmente farisaico em que se movem adversários conservadores e inimigos direitistas: estes procuram passar a idéia de que há uma dupla tentativa, por parte do governante petista, de fazer "promoção pessoal" e "propaganda partidária". Portanto, é indispensável dedicar a essa questão uma particular atenção na prática partidária e administrativa cotidiana.

Clássica divisão

Ainda duas últimas questões.

A primeira refere-se à conveniência ou não de conceder-se uma relativa autonomia à área da comunicação no governo petista. Em outras palavras, a comunicação (principalmente no seu aspecto de pesquisa. produção, organização e fornecimento de informações ao público), quando é vista apenas como uma atividade auxiliar e subordinada às demais atividades, pouco pode contribuir para o êxito do governo petista. Assim, é incorreto dividir a administração em atividades "substantivas" e "adjetivas" e colocar entre estas últimas a comunicação. Ou colocá-la como atividade-meio na clássica divisão entre atividades-meio e atividades-fim.

As informações devem ser fornecidas à população do mesmo modo que saúde, educação, saneamento, habitação, abastecimento, transporte, meio-ambiente preservado etc. Além disso, à população também deve ser oferecida a oportunidade concreta de informar, de exprimir seus anseios, de auto-expressar-se, de comunicar-se, enfim. Isso implica conferir algum tipo de estrutura própria à área da comunicação nos governos petistas, sem o que não se poderá atuar autônoma e eficazmente. Ao mesmo tempo, é indispensável que a preocupação com a comunicação faça parte integrada do planejamento das decisões de governo e constitua ingrediente inseparável da atuação em qualquer outra área de atividade do governo petista. A aceitação dessa idéia leva à conclusão de que, de alguma forma, o responsável pela comunicação deva fazer parte do núcleo dirigente central do governo petista, ao lado do governante principal, em pé de igualdade com o chefe de gabinete, os responsáveis pelo planejamento e pelo orçamento, o representante do Executivo no Legislativo etc.

A segunda questão, provavelmente a mais polêmica, consiste em avaliar se deve ou não ser mantida a forma tradicional e convencional de propaganda e publicidade. Sobre essa questão, há duas posições. Uma, de manutenção, porém moderada e seletiva. Outra, de eliminação total, radical e completa: nada de placas comemorativas, nada de "marcas" ou "caras", nada de "inaugurações festivas", nada de matéria paga propagandística na televisão, no rádio ou nos jornais e revistas, nada de folhetos e revistas meramente propagandísticos, nada de atos públicos e encenações organizadas para a louvação dos governantes, e da administração petista etc. Minhas inclinações pessoais tendem para essa segunda posição.

Para os que defendem a eliminação completa, a publicidade, a propaganda, o marketing constituem os espaços privilegiados das forças de direita, do empresariado, das classes dominantes e dos setores conservadores da sociedade. É o terreno deles, e o PT só tem a perder se nele entrar. Seria ilusório supor que o problema é apenas de competência, e que, se o PT for mais competente que os outros no marketing, na publicidade e na propaganda, pode ganhar. O PT nunca poderia vencer nesses terrenos, pois são arenas em que as premissas e os métodos não combinam com os princípios do partido. Por isso, o governo petista, nessa ótica, deve eliminar radical e totalmente qualquer publicidade, propaganda, inauguração e, também, quaisquer dos símbolos e sinais que procuram materializar o marketing, a propaganda e a publicidade: o logotipo, o slogan. a marca, o desenho, a figura, a camiseta. o bottom etc.

[/nextpage]

[nextpage title="p3" ]

Posição radical

A adoção da posição radical implica que o governo petista só pode ter alguma chance de "vencer" na área da comunicação se empregar todo seu talento e empenho nestas três armas: relações cordiais porém formais e críticas com a imprensa; o máximo de informações corretas para a população; disputa ideológica permanente.

A palavra ideologia está sendo empregada, aqui, no seu significado mais amplo e elementar: um conjunto de idéias, ou "o plano" das idéias. As idéias, é claro, exprimem valores que, por sua vez, representam interesses, aspirações, concepções e projetos, emanadas de grupos diferenciados e conflitantes dentro da sociedade. Disputa ideológica é o confronto recíproco dessas idéias e valores. Exige organização perfeita, planejamento rigoroso, recursos humanos e materiais, controle e acompanhamento, avaliações sistemáticas e periódicas, eventuais correções de rumo e, de tempos em tempos, a contagem de avanços e recuos dos dois lados para verificação de saldo negativo ou positivo.

A disputa ideológica é o estado permanente de uma sociedade heterogênea e dividida em classes e grupos sócioeconômicos diferenciados. Portanto, estar inserido na disputa não depende de um ato de vontade. Não se "entra" ou "sai" da disputa ideológica por deliberação própria: está-se nela, e o mínimo que se tem de fazer é tomar plena consciência da situação e atuar de acordo com essa consciência.

Ocorre, porém, uma particularidade: a disputa ideológica na qual está imerso todo e qualquer governo petista pode ser muito mais eficaz se for travada não exclusivamente pelo governo, mas conjuntamente pelo governo e pelo partido. Isso porque, embora.o alvo aparente seja o governo petista, o alvo real é o PT. É o partido, portanto, que, em última instância, precisa preparar-se para travar essa disputa contra os inimigos, o que somente conseguirá fazer se agir de forma totalmente integrada com seu governo.

Conflito permanente

Enquanto governo e partido não resolverem a questão das relações entre as instâncias partidárias e as governamentais, não conseguirão êxito nessa disputa. Portanto, é preciso criar formas e mecanismos de integração em que várias instâncias do partido e do governo estejam presentes ou representadas, em pé de igualdade, de maneira que se estabeleça um processo decisório comum e unitário. Evidentemente, as dificuldades são maiores e mais complexas nas situações em que o PT governa em coligação.

O principal instrumento de disputa ideológica é a combinação da atuação concreta com a expressão simbólica e verbalizada dessa atuação.

O partido e o governo petista devem prever, planejar e executar atos que tenham caráter simbólico, emblemático, elucidativo, pedagógico e exemplar. Tais atos são de natureza variada: o envio de determinado projeto ao Legislativo, a realização de uma obra, o embargo de outra, a fiscalização de uma atividade do setor privado, a modificação concreta da forma de atendimento de um setor público etc.

Qualquer que seja a natureza do ato, ele deve ser sempre pensado como um ato de efeito-demonstração. Sua realização deve demonstrar, de forma clara, uma tese uma idéia, o valor que ela encerra, os interesses e as aspirações que o valor representa. Por isso, na disputa ideológica, a atuação deve ser planejada tendo em conta os diversos segmentos sociais, as diversas áreas da cidade, o engajamento do movimento popular e sindical, e, principalmente, a identificação e a mobilização da militância petista.

A representação e a verbalização são empregadas para reforçar e clarificar os atos concretos, e dependem, fundamentalmente, de uma tese clara e nítida, sem tergiversações (pode-se ou não ocupar áreas de mananciais, pode-se ou não entrar no serviço público sem concurso etc) de informações completas, precisas, de fácil acesso e facilmente assimiláveis, de um raciocínio límpido e lógico, sem furos, de uma conclusão insofismável e de um reforço destinado a fixar na lembrança a tese original que se quer demonstrar.

Tanto na atuação quanto na verbalização, a disputa ideológica exige uma nítida identificação dos setores sociais que serão beneficiados e dos que serão prejudicados; a delimitação do campo de disputa (um assunto de cada vez); o fracionamento dos adversários e inimigos (um inimigo de cada vez); a busca de adesões e de alianças de setores da sociedade; a hierarquização e a priorização de metas acessíveis e factíveis; a avaliação sistemática dos processos e dos resultados e a conscientização das vitórias e das derrotas.

É essencial, na disputa ideológica, tomar a iniciativa de definir os alvos, as metas, os inimigos, os aliados, o momento, o ritmo, a forma etc. Muitas vezes, porém, a disputa ideológica é travada como resposta ou reação a iniciativas tomadas pelos inimigos e adversários. Essa é uma situação desvantajosa para o PT e para o governo petista, que tenderá a se sentir encurralado e meio derrotado. Às vezes, é preferível não travar uma disputa nessas condições, adiá-la para oportunidade melhor e, no seu lugar, tomar a iniciativa de travar alguma outra disputa, em condições mais vantajosas.

Finalmente, a disputa ideológica exige a presença e o exemplo de lideranças petistas reconhecidas, mas também de um conjunto de dirigentes e assessores na coordenação política central, capaz de traçar o planejamento e o acompanhamento. Essa "coordenação central" será tanto mais capaz de dirigir com êxito a disputa se for constituída por companheiros das instâncias orgânicas do partido e do governo. Um dos principais papéis dos líderes e dos dirigentes é o de mobilizar, engajar, esclarecer e entusiasmar a militância e os simpatizantes do partido, sem o que toda e qualquer disputa já estará de antemão perdida.

Perseu Abramo é membro da executiva Nacional do PT.

[/nextpage]