Política

Uma política própria de comunicação é vital para o PT. Da grande imprensa, o partido e suas administrações nada têm a esperar, a não ser o silêncio, o ostracismo, a distorção, a manipulação e ataques diretos e indiretos. Temos de encontrar maneiras eficazes de fornecer informações ao público e de desmentir e corrigir dados e notícias incorretas

A presença do PT nas prefeituras de dezenas de cidades recoloca em debate uma questão central e ainda não resolvida, a das relações entre governo, partido e população.

Um dos aspectos relevantes dessa questão é o da comunicação. Começo reconhecendo meus erros durante o tempo em que fui encarregado dessa área no primeiro ano da gestão petista em São Paulo (01/01/89 a 01/01/90). Não consegui aplicar um plano integrado e exequível de comunicação, em parte por não ter logrado transformar a angústia dos demais membros do governo com essa questão em fator capaz de resolver os problemas; e, também, por não ter tido suficiente empenho e paciência para mobilizar as forças partidárias com o mesmo propósito. No entanto, creio que algumas observações podem constituir subsídio para uma reflexão sobre o problema.

O Partido dos Trabalhadores ainda não conseguiu gerar uma política própria de comunicação, ao contrário do que já fez em outras áreas de atividade. No PT, todos se queixam da "má comunicação", há muitas opiniões e nenhuma sistematização.

Partido político que, em grande parte, deve seu crescimento à extrema capacidade de persuasão de Lula e à enorme visibilidade de suas principais lideranças, à clareza de posições, ao apelo de siglas, cores, estrelas, das grandes massas e das caras individuais de seus seguidores, o PT parece navegar desorientado na trama das comunicações, cujos processos e mecanismos não consegue utilizar adequadamente.

Mesmo quando eventualmente obtém algum êxito nesse terreno, o PT nem sempre compreende o porquê, e, assim, não consegue socializar a experiência.

O caminho para começar a desbastar esse emaranhado não é o do exclusivo saber acadêmico, dos técnicos, profissionais e especialistas. Mas também não é o das imposições emanadas de direções centralizadoras ou dos arroubos de personalidades carismáticas. Ou se busca uma síntese, no sentido dialético do termo, ou não se chegará a lugar algum.

A população de uma cidade - sobre a qual vai incidir mais diretamente a atuação do partido e de sua prefeitura - varia enormemente de acordo com numerosas características do município e da região.

Para os organismos e filiados do partido a população vai gradativamente perdendo seu aspecto genérico de "massa amorfa" para assumir contornos de crescente nitidez, à medida que o PT vai alastrando sua influência na cidade. Nesse sentido, o que originária e precariamente parecia uma "população" indiferenciada vai mostrando ser um conjunto desequilibrado, porém interligado, de classes sociais, subclasses, frações de classe, camadas e grupos sociais, setores organizados, "massa" alienada e dispersa etc.

Quando o partido se coloca no ponto de vista do governo municipal tende a tornar mais precisas as distinções. Dessa ótica, o governo tende a "ver" a população de, pelo menos, duas formas básicas. Uma é o conjunto aparentemente caótico e heterogêneo de pessoas, fragmentado, segmentado em individualidades privadas e privatistas, atomizadas, distintas e diferenciadas entre si. Outra é como um conjunto finito de "munícipes".

Usuário múltiplo

O "munícipe" é sempre uma síntese de vários atributos pelos quais ele não apenas se relaciona com os demais munícipes mas também com as instituições, com as leis, com os espaços físicos, com entidades e forças culturais, sociais e político-partidárias e com o governo instalado na prefeitura. O "munícipe" é pessoa, cidadão, trabalhador, contribuinte, consumidor, eleitor, tem atividades em determinado setor econômico, participa de culturas e subculturas, de partidos, sindicatos, associações, clubes, igrejas etc. É, também, usuário múltiplo de serviços privados e públicos, federais, estaduais e municipais. Finalmente, o munícipe participa, diretamente, por representação ou delegação, por ação ativa ou por omissão, da condução da vida da cidade.

É nessa intrincada trama de óticas diferenciadas, de inter-relações que se justapõem, sobrepõem e intercruzam, de expectativas recíprocas, que o PT e seu governo precisam formular e aplicar uma política de comunicação. Para tanto se torna necessário, basicamente, detectar as numerosas e diferentes demandas e organizar-se para oferecer variadas formas de comunicação e possibilidades de auto-expressão.

Há pessoas que têm alguma relação jurídico-comercial ou administrativa com a prefeitura (comerciante que paga taxas e licenças, construtor ou fornecedor-empreiteiro, cidadão que recorre da multa de trânsito, proprietário que pede revisão do IPTU etc). Esse cidadão tem uma demanda definida e quase permanente por informações relacionadas com o "seu caso", o "seu processo". Sistemas eficazes e descentralizados de informações que permitam fácil e rápido acesso do munícipe aos assuntos de seu interesse imediato atenuam o drama do "acompanhamento" de processos e podem imprimir marca altamente positiva na sua relação com o Estado e na imagem que passará a ter de um governo petista.

Mas a maior parte dos moradores de uma cidade não tem esse tipo de relações específicas com o governo municipal. Tem outras e mais complexas demandas diversificadas desde saber quais os serviços de plantão no feriado até quais as linhas de ônibus para ir de um ponto a outro, como fazer para socorrer uma árvore prestes a cair etc.

Nas cidades médias e grandes, muitas vezes, o cotidiano do cidadão depende da soma e da combinação de informações que ele pode dominar e reter. Os "itens urbanos" a respeito dos quais o munícipe precisa estar informado podem ser oferecidos pelo poder público, municipal, estadual ou federal, pelo privado "regulamentado" ou "normatizado" pelo poder público (funcionamento de supermercados, farmácias etc). É preciso dar conta dessa demanda, que nem sempre é explícita. Cabe ao governo municipal petista "despertar" e organizar a demanda de informações, para poder oferecê-las principalmente para as camadas mais pobres da população (direitos de cidadania, benefícios do contribuinte, bom funcionamento dos serviços públicos de saúde, educação, transporte, saneamento, abastecimento, cultura, lazer etc). É preciso também lembrar que o munícipe em geral não faz qualquer distinção entre as esferas de poder, privado ou público, e, neste, entre os níveis federal, estadual ou municipal.

A imprensa geralmente ocupa-se dessa questão apenas para destacar aspectos particulares e isolados a fim de fabricar imagens positivas ou negativas de governantes ou para aproveitamento explícito ou implícito de publicidade comercial ou propaganda ideológica. Portanto, caberá ao governo petista - novamente de acordo com as características de cada cidade - providenciar, por sua própria conta e risco, um enorme volume praticamente diário e permanente de informações para a população.

Uma forma de compreender a intercomunicação entre o governo petista e a população é pensá-la em dois planos interrelacionados porém distintos.

Num plano, o público das informações pode ser concebido como o munícipe-usuário-múltiplo dos serviços públicos municipais, e, nesse caso, o conteúdo das informações corresponde ao que usualmente se designa por "atividades-fim" da administração pública (saúde, educação, transporte, trânsito, habitação, saneamento, abastecimento, cultura, recreação e esporte etc). Embora possa haver linhas comuns nessas informações, a eficácia da orientação aumenta se elas forem basicamente programadas, produzidas e fornecidas por órgãos especializados que integrem os organismos-fim da prefeitura (secretaria ou departamento da saúde, da educação, do transporte etc). A credibilidade e a eficiência das informações aumentarão se os meios de divulgação forem os mais diversificados porém os mais simples e baratos possíveis, de acordo com as características específicas daquele público-usuário em particular: volantes, panfletos, cartazetes e cartazes, boletins, murais, faixas, desenhos, placas, mensagens por alto-falante, vídeos etc.

Noutro plano, as informações devem ser planejadas para atingir "o público geral", expressão sem conteúdo preciso mas que aqui pretende significar o cidadão "despido de sua condição de usuário direto", ou, em outras palavras, o conjunto de aspectos comuns a todos os cidadãos, além e acima de suas características de usuário.

O conteúdo de tais informações corresponde, por isso mesmo, ao significado das características gerais do governo petista, naquilo que ele tenha de comum a todas as atividades-fim, e, portanto, de identificador do caráter petista do governo, e de diferenciador em relação aos governos de outros partidos ou de outras épocas. As informações desse tipo são baseadas nas atividades-meio da administração, e, mais particularmente, nos seus significados políticos.

Estão nesse caso a forma de tomar decisões no governo; o relacionamento do Executivo com o Legislativo e com outros partidos; os mecanismos de captação das necessidades populares para a elaboração de planos e orçamentos de governo; a real participação dos setores organizados da população no processo decisório do governo; a diferenciação de prioridades, a urgência e importância do atendimento às necessidades da população de acordo com critérios que devem ser clara e permanentemente explicitados e debatidos; as relações do governo petista com as grandes corporações privadas e privatistas que loteiam e dominam a cidade (construtoras, empresas de lixo, empresas de comunicação, fornecedoras de veículos, máquinas e equipamentos, hospitais, fábricas de remédios, bancos, associações e lobbies de empresários etc) bem como com os governos de outros níveis, estado e União.

Há a idéia, lamentavelmente bastante generalizada, de que o governo petista poderia, num ou noutro plano, passar informações ao público "através" da imprensa. É uma idéia bastante ingênua, porque supõe que as empresas privadas de comunicação sejam sócias, aliadas ou cúmplices do governo petista, ou, ainda, que há "espaços democráticos" onde o PT teria condições de igualdade para competir com outras forças sociais.

Muito ao contrário, e a não ser por exceções esporádicas que só vêm confirmar a regra, as empresas privadas de comunicação comportam-se como adversários políticos do PT e de seus governos. Primeiro porque, enquanto empresas e portadoras das características gerais das empresas capitalistas, estão exclusivamente interessadas em reproduzir e acumular o próprio capital e o das demais empresas das quais dependem enquanto fornecedoras de espaço/tempo para publicidade comercial (empreiteiras, fábricas e lojas de veículos auto-motores e de outros materiais de construção, de alimentos, de remédios e serviços hospitalares etc). Segundo porque, enquanto empresas de comunicação, os chamados "meios" comportam-se como entidades político-partidárias, disputando, com pretensões à exclusividade, a mediação entre a sociedade e o Estado, contrapondo-se, assim, aos partidos políticos e a seus representantes nos legislativos e nos executivos.

Generalizações e equívocos

Da imprensa, portanto, o PT e seus governos nada têm a esperar, a não ser o silêncio, o ostracismo, a distorção, a manipulação e ataques diretos e indiretos. Não obstante, os governos petistas precisam tratar com urbanidade e cordialidade a imprensa, seus agentes e empregados, bem como facilitar-lhes ao máximo o acesso às informações da administração. Não com a suposição de que esse tratamento possa despertar reciprocidade ou mesmo tolerância, ou com a esperança de que as informações venham a ser utilizadas em benefício da população. Mas para tentar neutralizar, ao menos em parte, uma das inúmeras alegações incorretas com que a imprensa trata o PT e seus governos: a de que as informações são sonegadas. Ao lado disso, os governos petistas devem manter serviços cotidianos e permanentes, tanto jornalísticos quanto jurídicos, para acompanhamento de toda a produção da imprensa, para esclarecimentos, contestações, exercício do direito de resposta, processos contra manipulações etc.

Outra idéia generalizada e equivocada é a de que "as autoridades públicas têm o dever de prestar contas ao público e, por isso, não podem deixar de atender a toda e qualquer solicitação da imprensa". A frase mistura duas afirmações correlatas porém diferentes, e estabelece, entre uma e outra, uma relação causal que não encontra sustentação lógica. É verdade que as autoridades públicas têm o dever de prestar contas ao público, e a recíproca é verdadeira: o público, os contribuintes, os cidadãos, os munícipes têm o direito de exigir do governo todas as informações a respeito da administração pública.

Mas é falsa a identificação entre "o público" e a imprensa. Não apenas a imprensa não é o público como também não tem mandato eletivo para representá-lo. Embora alguns jornais, e mesmo alguns jornalistas, possam gostar de ser vistos como portadores de um mandato representativo popular, a verdade é que não o têm. A população não elege o jornal ou a televisão como seus representantes; portanto, eles não estão mandatados para coisa alguma. A circunstância de serem lidos, ouvidos, vistos e adquiridos não equivale, em nada, ao ato cívico e político do voto, da escolha para a representação política.

Um jornalista é, no máximo, representante da empresa da qual é assalariado. E uma empresa privada de comunicação dado o caráter sacramental da propriedade privada no Brasil - não representa mais que os interesses de seus próprios proprietários, embora ela possa exprimir - mas nunca representar - os interesses de setores amplos da população.

Assim, o governo petista deve prestar contas ao público e fornecer informações aos munícipes, mas jamais deve esperar fazê-lo "através da imprensa". Para fornecer informações deve criar meios próprios. E para prestar contas ao público, além de usar meios próprios, o governo petista pode valer-se do Legislativo, dos sindicatos, das entidades do movimento popular, dos segmentos organizados da sociedade, do próprio Partido dos Trabalhadores.

Isso quer dizer que o governo petista terá de enfrentar única e exclusivamente com os próprios meios não apenas a necessidade de produzir e fornecer informações para a população, como, também, a de desmentir e corrigir informações incorretas a seu respeito. Nas cidades minúsculas e pequenas, o governo petista pode aproveitar as lições do movimento sindical e popular e comunicar-se com a população através de meios baratos e simples: faixas, cartazes, cartazetes, murais, volantes, panfletos, vídeos e alto-falantes, "boca-a-boca" etc.

Nas capitais e nas cidades grandes e médias, além desses, o governo petista pode lançar mão de outros meios, sempre levando em conta necessidades e características específicas bem como a existência de recursos humanos e materiais: boletins, jornais, compra de espaço e tempo em jornais, revistas, rádio e TV para publicação regular e esporádica de matérias pagas etc. E, sobretudo, com base na Constituição, o PT e seus governos devem empenhar-se para obter a concessão de canais de rádio, de TV e de TV a cabo.