Nacional

O cenário das nossas grandes cidades provavelmente será marcado pela fragmentação. Esse é um dos desafios para quem enxerga a reforma urbana como parte de um projeto nacional e popular que busca a hegemonia na sociedade. Uma resposta à proposta neoliberal deve questionar o fortalecimento do Estado desenvolvimentista

Constituição promulgada em 1988 pode ser considerada um marco do período de redemocratização da sociedade brasileira. O processo constituinte foi, com efeito, acompanhado por ampla mobilização de vários setores da sociedade organizada. No seu interior surgiu o Movimento Nacional pela Reforma Urbana, constituído por várias entidades representativas dos movimentos sociais, organizações não-governamentais, entidades de pesquisa e técnicos ligados à área do planejamento urbano. Este movimento teve papel destacado na elaboração e aprovação do capítulo da Política Urbana, liderando a proposta popular de emenda ao projeto então em discussão e, posteriormente, na elaboração das constituições estaduais, leis orgânicas e dos planos diretores. Os movimentos da reforma urbana e o da reforma sanitária são dois dos mais importantes projetos capazes de influenciar decisivamente a reconstrução institucional do país. A vitória nas eleições municipais de 1988 e 1992 de coalizões políticas populares em algumas das mais importantes cidades do país fortaleceu na sociedade brasileira a proposta da reforma urbana. Seus princípios tornaram-se referência nos debates acadêmicos e políticos sobre a questão urbana no Brasil. No campo dos movimentos sociais foi criado o Fórum Nacional da Reforma Urbana, que agrupa várias entidades representativas de segmentos em luta, organizações não-governamentais e órgãos de pesquisa.

Apesar do desencanto generalizado com a experiência de planejamento urbano, os planos diretores ganharam importância estratégica na concretização dos princípios e objetivos da reforma urbana. Em primeiro lugar, em razão do dispositivo na Constituição (artigo 182), que vinculou a adoção dos novos mecanismos de regulação do uso do solo ao disposto no plano; em segundo, porque o Movimento Nacional pela Reforma Urbana passou a considerar os planos diretores importantes instrumentos de implantação de novos padrões de gestão da cidade.

Temos, hoje, material para empreender uma reflexão sobre os avanços conseguidos e os impasses enfrentados pelas administrações populares na implementação deste projeto. Esta tarefa parece-nos fundamental se considerarmos o novo quadro social gerado pelo aprofundamento da crise econômica que está redefinindo a natureza da questão urbana no Brasil. O surgimento de uma pobreza essencialmente urbana, os indícios de fragmentação do tecido social, a expansão da ilegalidade na cidade e a crise fiscal do Estado são alguns dos novos problemas cujo tratamento poderá exigir a avaliação crítica dos pressupostos teóricos do projeto da reforma urbana. Acreditamos ser esta uma tarefa fundamental, tendo em vista o crescimento das coalizões populares nas últimas eleições municipais, especialmente do PT, e a aproximação da revisão constitucional prevista para 1993.

Novos paradigmas

O Movimento Nacional pela Reforma Urbana se constituiu a partir da crítica ao fracassado modelo tecnocrático e autoritário de planejamento e consolidou o vasto conjunto de idéias e propostas que vêm sendo debatidas na sociedade brasileira desde - início dos anos 60. O objetivo central é a instituição de um novo padrão de política urbana, fundado nas seguintes orientações:

- instituição da gestão democrática da cidade, com a finalidade de ampliar o espaço de cidadania e aumentar a eficácia/eficiência da política urbana;

- reformas nas relações intergovernamentais e nas relações governo-cidadania, a primeira com a municipalização da política urbana e a segunda pela adoção de mecanismos que institucionalizem a participação direta da população no governo da cidade;

- fortalecimento da regulação pública do solo urbano, com a introdução de novos instrumentos (solo criado, imposto progressivo sobre a propriedade, usucapião urbano etc) de política fundiária que garantam o funcionamento do mercado de terras de acordo com os princípios da função social da propriedade imobiliária e da justa distribuição dos custos e benefícios da urbanização: o inversão de prioridades no tocante à política de investimentos urbanos favorecendo as necessidades coletivas de consumo das camadas populares, submetidas a uma situação de extrema desigualdade social em razão da "espoliação urbana", já que as diferenças entre as classes e camadas sociais não decorrem apenas da distribuição de renda operada pelo mercado de trabalho mas, também, e de forma importante, pela regulação seletiva do acesso ao uso da cidade.

Busca-se, para tanto, um novo formato de planejamento que seja capaz de gerar intervenções governamentais que efetivamente promovam a melhoria das condições urbanas de vida, sobretudo para o conjunto dos trabalhadores. A primeira tarefa é desenvolver uma concepção de planejamento urbano que supere os já conhecidos impasses entre as dimensões políticas e técnicas da gestão da cidade. Parte-se do reconhecimento de conflitos de interesses na produção, apropriação, uso e administração do espaço construído. A sobrevivência das populações na cidade depende fundamentalmente de um bem social cujo acesso é regulado pelo exercício do "direito de propriedade". Trata-se do solo urbano, que não se restringe a um pedaço de terra, mas a um conjunto de equipamentos e serviços que lhe são próximos, física e socialmente. O direito de acesso a esta "riqueza social", fundamento da cidade moderna, é cerceado pela cobrança de diversas modalidades de renda (fundiária, imobiliária etc), apropriadas por um conjunto de agentes sociais.

O espaço urbano é considerado como arena onde se defrontam interesses diferenciados em luta pela apropriação de benefícios não só em termos de rendas e ganhos gerados pela ocupação do solo da cidade, mas também em termos de melhores condições materiais e simbólicas de vida.

Tendo em vista esta compreensão dos processos de produção da cidade, os planos diretores foram concebidos como instrumentos de um novo modelo de gestão urbana que, abandonando a concepção tecnocrática, tem por base a identificação das forças sociais existentes no cenário da cidade e seus respectivos interesses no que concerne ao crescimento urbano e a construção de um pacto territorial em torno dos direitos e garantias urbanas. Tais direitos e garantias devem assegurar a redução das desigualdades sociais através da democratização do acesso ao uso da cidade, permitindo a conquista da real cidadania, e, também, a defesa de padrões mínimos de qualidade de vida pelo estabelecimento de normas de habilidade, preservação do meio ambiente e de identidades coletivas.

Este novo padrão de gestão urbana é experimentado num cenário de transformações profundas das grandes cidades brasileiras, marcado, sobretudo, pela multiplicação das carências sociais e pelo aumento do número de pessoas vivendo abaixo da linha de pobreza.

A cidade da crise

Num quadro nacional marcado por crises e mudanças, as teses reformistas obtêm vitórias. Na "década perdida", de 80, ocorreu uma queda do PIB per capita à razão de 0,5% a.a., retração dos investimentos e crescimento da concentração da renda. No mesmo período observa-se a reversão da tendência histórica de melhoria das condições de vida e de diminuição de pobres nas cidades. Com efeito, estudo recente indica que em 1960 existiam 41,4% de pobres no Brasil. A expansão posterior fez esta proporção cair espetacularmente para 24,3% em 1980; perto do final da década de 80, o número de pobres se elevou para 39,3%. Nas áreas urbanas, o mesmo trabalho mostra que nesta década ocorreu o aumento do número absoluto de domicílios pobres em relação à década de 70. O agravamento da concentração da renda e a diminuição do ritmo de oferta de empregos mantiveram elevados os patamares de carência e desigualdades sociais, gerando graves conseqüências sobre as condições de reprodução social. Sob o enfoque da renda, a pobreza se agudizou na década de 80, primordialmente nas regiões metropolitanas e, particularmente, naquelas mais modernas do Centro-Sul, em razão de sua maior sensibilidade aos movimentos de expansão e retração da economia nacional. O Rio de Janeiro vive situação peculiar: segunda maior metrópole do país, concentra o maior contingente de pobres, estimado em 1989 em cerca de 3,6 milhões de pessoas.

Não obstante, quando se analisa a dimensão urbana das carências e das desigualdades sociais, através do exame dos indicadores de acesso aos serviços de consumo coletivo, verificamos que, na década de 80, ocorreu um fenômeno paradoxal: ao longo deste período houve melhoria nos padrões de nutrição, alguns avanços nas condições habitacionais, saneamento e infra-estrutura, e no acesso aos serviços de saúde e educação. A manutenção e mesmo melhoria das condições urbanas de vida numa década de crise poderiam ser explicadas pela diminuição da pressão demográfica, já que nos anos 80, ocorreu sensível diminuição da taxa anual de crescimento populacional e redução da taxa de urbanização. Outra explicação podem ser os efeitos de deslocamento no tempo dos investimentos urbanos realizados durante os anos 70.

Mesmo considerando a importância destes dois fatores, concordamos que a redemocratização do país e o processo de mobilização política que ocorreu durante os anos 80, com a revalorização do jogo eleitoral e o fortalecimento das organizações populares, contribuíram, apesar da crise, para o funcionamento de uma precária política pública, o que teria impedido a deterioração do quadro de carências e desigualdades sociais. Podemos acrescentar que a mobilização e a luta em torno das conquistas dos direitos sociais na Constituinte de 1988 ajudaram decisivamente na manutenção das condições de vida, pois fortaleceram a capacidade reivindicativa dos movimentos sociais.

A intervenção do Estado, de uma forma ou de outra penetrado pelos interesses populares, teve um importante papel na estabilidade do quadro de carências e desigualdades sociais.

Devemos, porém, introduzir uma importante nuance nesta análise. É possível que os indicadores não revelem a provável inflexão deste quadro ocorrida nos dois últimos anos da década de 80, com a implantação da política de ajuste neoliberal e a conseqüente destruição do sistema público de provisão de serviços sociais e urbanos.

Muito provavelmente, o final da década de 80 é o início de um outro momento social, econômico e político que muda significativamente o quadro de carências e desigualdades sociais. Trata-se do esgotamento do padrão desenvolvimentista de crescimento econômico, de intervenção do Estado e de urbanização. O reconhecimento social de tal mudança tem sido fortemente dificultado pelas conseqüências políticas e ideológicas da estagflação que vivemos. Este esgotamento impõe a revisão dos modelos de referência usados na década de 80 para produzir a crítica das políticas sociais e orientar a elaboração das propostas reformistas consagradas pelos direitos sociais conquistados na Constituição.

Processo tardio

O esgotamento do padrão desenvolvimentista corresponde a três fenômenos: a inserção da nossa economia no movimento de globalização em curso desde a segunda metade dos anos 70; a incorporação em nosso sistema industrial de um novo modelo de produtividade baseado na flexibilização do trabalho e abandono do regime fordista de produção e reprodução; e a transformação do papel regulador político, econômico e social do Estado constitutivo do padrão desenvolvimentista.

Não pretendemos aprofundar a análise destas transformações. Fixemos apenas que a nossa industrialização ocorreu tardiamente em relação ao processo de reestruturação vivido pela a economia internacional a partir da Segunda Guerra Mundial: suas bases são nacionais, num momento em que se iniciava a internacionalização; afirmava o modelo fordista nos anos 70, especialmente com a política de substituição de importações dos bens de capital do governo Geisel, numa época em que o capitalismo adotava a flexibilização. Este processo só foi possível pela existência do Estado-desenvolvimentista, que assegurou dois elementos fundamentais: aliança estratégica entre os interesses dominantes locais e o sistema de firmas internacionais e a implantação de um sistema público de financiamento baseado no endividamento interno (inflação) e externo, para criar as bases materiais da nossa industrialização subdesenvolvida.

Para os nossos propósitos interessa assinalar três conseqüências sobre o processo de urbanização. Em primeiro lugar, a nossa crise é mais profunda e duradoura do que têm deixado transparecer os debates que atribuem as razões da estagnação aos muitos equívocos das políticas monetárias, financeira e cambial. Ela se inscreve no contexto da reestruturação econômica e no movimento de globalização. Os dados sobre os fluxos de capitais na economia internacional apontam para o incremento do intercâmbio entre os países desenvolvidos e para a marginalização das economias não-desenvolvidas, constituindo-se uma exceção os países recentemente industrializados do Sudeste Asiático.

Em segundo lugar, como a retomada do ciclo de crescimento far-se-á no novo padrão de produtividade, não é descabido admitir que o cenário das nossas grandes cidades será marcado pela desindustrialização, desmetropolização e pela desassociação profunda entre a reprodução do capital e a reprodução de um vasto contingente populacional cuja qualificação não o habilita para entrar no sistema produtivo. Dados recentes autorizam esta especulação: em São Paulo já se observou um significativo movimento de descentralização industrial e os resultados preliminares do censo de 1991 mostram não apenas diminuição importante da taxa de crescimento demográfica da população metropolitana do país, mas um crescimento maior da população dos municípios não-metropolitanos dos estados do Rio de Janeiro e de São Paulo. Outros dados indicam um processo crescente de desassalariamento da força de trabalho urbana, ganhando uma nova qualidade o clássico setor informal.

Em terceiro lugar, já não mais existem as condições econômicas e políticas que viabilizaram o modelo de intervenção do Estado-desenvolvimentista, fato expresso pelas crises política e fiscal. A coalizão de interesses que sustentou o Estado se desfaz no processo de transição e esgotam-se as possibilidades do padrão de financiamento público ao mesmo tempo que é destruído o aparato técnico-burocrático que capacitou o Estado a exercer a função de planejamento. Mais amplamente, a crise do Estado-desenvolvimentista assume a dimensão orgânica quando, por vários mecanismos e processos; a própria noção de espaço e interesse público é corroída: privatização total dos recursos públicos, sonegação fiscal aberta, consolidação de territórios do banditismo urbano etc.

A crise das políticas sociais no Brasil tem, portanto, origem mais profunda do que as conseqüências da política de reajuste estrutural praticado pelo governo Collor. Com efeito, a existência dos sistemas públicos de previdência, saúde, habitação, educação, mesmo com as limitações conhecidas, representava a garantia de um patamar mínimo de reprodução social para o conjunto da força de trabalho urbana. A sua ausência reforça a exclusão produzida pela reestruturação do sistema produtivo, bloqueando um dos mecanismos que permitiram nos últimos trinta anos integração e mobilidade social e espacial na sociedade brasileira.

Cenário contrastante

Acreditamos estar em curso a emergência de uma crise metropolitana produzida pelo efeito desses três processos. O cenário das nossas grandes cidades provavelmente será marcado pela fragmentação urbana. A total inserção do Brasil no movimento de globalização consolida a nossa adesão ao modelo internacional de consumo urbano e suas conseqüências sobre a organização das cidades. Ao lado de espaços de concentração da pobreza, muito provavelmente, encontraremos espaços comerciais e residenciais organizados segundo os padrões internacionais. Multiplicar-se-ão os shopping centers, os condomínios fechados, os cortiços e favelas. As diferenças de condições de vida na cidade não podem mais ser atribuídas à espoliação urbana, responsável pela urbanização periférica, cuja lógica era a política urbana praticada pelo Estado autoritário. A nossa inserção no novo padrão de produtividade e de política pública gera, agora, a fragmentação do espaço em pedaços que concentram as atividades e as pessoas incluídas/excluídas na nova ordem social e econômica. Nessas condições, uma importante parcela da população está passando de uma situação estrutural de exploração a uma posição estrutural de irrelevância, surgindo uma nova categoria de pobreza na sociedade brasileira.

É nesse quadro de crise e reestruturação que devemos repensar a natureza da questão urbana no Brasil.

O projeto de reforma urbana tem como pressupostos a continuidade do crescimento econômico, o aumento do poder regulador do Estado e a ascensão da mobilização política dos movimentos sociais urbanos. Como vimos anteriormente, é pouco provável que haja uma retomada a curto prazo do crescimento econômico e a crise orgânica do Estado enfraquece a função de planejamento e financiamento públicos. Por outro lado, a crise atinge as formas de sociabilidade baseadas na solidariedade que emergiram na década de 70, diminuindo a capacidade de organização e luta dos movimentos populares.

Reavaliação necessária

As informações anteriores sobre as transformações por que passa a economia brasileira sugerem a necessidade de reavaliar o núcleo da formação teórica do projeto de reforma urbana. As desigualdades sociais geradas pelo processo de urbanização espoliativo, com efeito, organizam a identificação dos conflitos sociais na cidade, e direcionam a formulação das propostas de intervenção no âmbito da distribuição dos custos e dos benefícios da urbanização. Tais desigualdades seriam produto de dois processos: a exploração da força de trabalho sob condições específicas aqui vigentes e a espoliação urbana. O primeiro distribuindo a renda segundo um determinado perfil altamente concentrado, diferencia as condições de vida; o segundo tem como base a intervenção seletiva do Estado e o mercado imobiliário. O Estado, priorizando os investimentos econômicos produtivos em relação aos sociais e os investimentos sociais nas áreas das elites, espolia os trabalhadores dos valores econômicos necessários à reprodução da força de trabalho. O mercado imobiliário (casa e terreno) distribui a população no território, selecionando o acesso aos serviços e equipamentos sociais.

Hoje, no quadro de mudanças em curso, a questão urbana brasileira não se qualifica mais pelas desigualdades, mas pela exclusão social. Ou seja, parte da sociedade urbana não terá acesso ao mercado de trabalho, a não ser de maneira precária e instável. O chamado setor informal deverá crescer fortemente, ganhando um novo conteúdo: a exclusão estrutural das relações de assalariamento.

Algumas questões devem, então, ser discutidas a partir do diagnóstico do rumo das nossas cidades. Levantamos alguns pontos que nos parecem relevantes no contexto da realidade brasileira:

- Constatamos avanços das teses da reforma urbana no plano local, com o surgimento e multiplicação de vários governos populares comprometidos com os seus princípios. Mesmo em municípios que não são governados por coalizões populares, a avaliação dos planos diretores indica a inclusão dos objetivos e instrumentos da reforma urbana. No entanto, verificamos que a implementação efetiva destas propostas tem passado por várias dificuldades, por duas razões básicas: A questão urbana nas grandes cidades do capitalismo periférico não pode mais ser apreendida da noção de acumulação de capital e reprodução da força de trabalho, em razão das mudanças do sistema produtivo na direção da flexibilização do trabalho, dissociando acumulação e reprodução da força de trabalho. E os processos econômicos que estão redefinindo a questão urbana não são mais de ordem local ou nacional, assumindo uma dimensão global.

Assim sendo, parece-nos insuficiente pensar um projeto de reforma urbana apenas em nível local. Sua eficácia depende da sua articulação com um projeto político nacional de transformações econômicas, sociais e institucionais, relacionado a uma proposta de desenvolvimento sustentável.

- O projeto da reforma urbana não pode não pode se direcionar apenas para as desigualdades sociais decorrentes da distribuição dos equipamentos e serviços urbanos. A economia deve ser o núcleo de sua formulação, ou seja, pensar como as ações de regulação do uso do solo e de provisão de equipamentos e serviços podem estar articuladas a outras que busquem a criação de emprego e renda. Para tanto, é fundamental combinar nesta política os circuitos informais, populares, empresariais e estatais de produção e distribuição de bens e serviços.

- Ao mesmo tempo, torna-se necessário conceber o projeto da reforma urbana como um conjunto de ações que extrapola o plano da produção/distribuição de bens e serviços. A reprodução da vida nas cidades, diante das transformações econômicas e institucionais, passará fundamentalmente pela restauração/criação de laços de sociabilidade que ofereçam uma alternativa concreta às estratégias individualistas, violentas e ilegais de sobrevivência. Nesse sentido, a construção de uma estratégia democrática de transformação da sociedade deve ter por base uma revolução cultural e a reforma do poder do Estado.

- O projeto de reforma urbana, como parte de um projeto nacional e popular que busca a hegemonia na sociedade, requer alianças que devem ser delimitadas tendo em vista seus objetivos e os instrumentos concretos requeridos para sua implementação. O tema da participação popular ganha aqui um enorme relevo. A construção de alternativas no campo da reforma urbana sugere a necessidade de repensar a centralidade do Estado nas formulações anteriores. Uma resposta alternativa à proposta neoliberal deve questionar a defesa do fortalecimento do Estado desenvolvimentista, em crise orgânica, e discutir a possibilidade de a sociedade, com seus múltiplos sujeitos coletivos, gerar novas práticas de gestão da vida nas cidades, a partir da construção de um movimento político-cultural pluralista com base no ideal de emancipação humana.

Luiz César de Queiroz Ribeiro é professor do IPPUR/UFRJ; pesquisador na área de Espaço e Política Urbana.

Orlando Alves dos Santos Júnior é sociólogo; membro da Comissão Dirigente Estadual do PT-RJ.