Mundo do Trabalho

As transformações do capitalismo – introdução de tecnologia de ponta e de novas formas de dividir a produção – criaram para os trabalhadores a necessidade, e a oportunidade, de repensar o caráter da formação profissional.

Historicamente, até o advento do capitalismo, a formação profissional esteve a cargo dos trabalhadores. Instaurada a racionalidade capitalista em escala mundial, deu-se uma perda progressiva dessa competência, que foi sendo assumida pelo Estado e pelos empresários. Simultaneamente a uma crescente identificação da formação educacional com o trabalho intelectual, dava-se um esvaziamento do conteúdo político da formação profissional, cada vez mais subordinada à lógica lucrativa/utilitarista do capital.

Na década de 70, o Estado do Bem-Estar Social, enquanto expressão da ordem internacional capitalista emergente no pós-Segunda Guerra Mundial, e o fordismo começaram a dar sinais de esgotamento no sentido de assegurar a hegemonia das classes dominantes. Tornou-se cada vez mais difícil conciliar serviços públicos, direitos sociais e trabalhistas e poder de barganha dos trabalhadores (adquiridos via organização e luta sindical) com o imperativo da lucratividade. A crise do petróleo, por sua vez, precipitou um reordenamento desse estado de coisas. O liberalismo foi revisitado e atualizado através de referenciais compatíveis com as alterações que se faziam necessárias no processo produtivo. Como resultado, enfatizou-se na bandeira política do neoliberalismo, a concentração de renda, o "enxugamento do Estado" e o reforço às leis de mercado. A sua tônica é a da privatização crescente, cujo alvo principal tem sido a esfera das políticas sociais.

A chamada "Terceira Revolução Industrial", marcada pelo acelerado desenvolvimento da ciência e da tecnologia, complexificou ainda mais essa conjuntura internacional, implicando transformações significativas no mundo do trabalho. Caminha-se para um neofordismo/toyotismo em que novas formas de produção e gestão estão sendo implementadas no Japão, no Ocidente desenvolvido, no Terceiro Mundo industrializado. Análises recentes dessas transformações apontam para a informatização como algo "irreversível", para novos experimentos de flexibilização da produção e para a descentralização das unidades produtivas, o que repercute diretamente sobre a classe trabalhadora. Verifica-se a sua fragmentação e heterogeneidade crescente, a perda de conquistas trabalhistas e a necessidade de novas regulamentações, a terceirização do processo produtivo, dando novas dimensões à organização e divisão entre trabalho manual e intelectual. O desemprego estrutural é uma dura realidade.

Evidentemente, os resultados dessa apropriação privada do progresso científico e tecnológico são extremamente desfavoráveis aos trabalhadores, sobretudo em sociedades como a brasileira. Nela, a "modernização" da economia dependente vem se processando na perspectiva de uma privatização crescente dos serviços públicos e em um quadro de crise econômica e de recessão que agrava as tensões provenientes de uma desigualdade social profunda e empurra cada vez mais os trabalhadores para o mercado de trabalho informal, onde cerca de 40% da população economicamente ativa já se encontra hoje.

A sociedade brasileira, que tem uma das mais altas concentrações de renda do mundo, tem poucas perspectivas de pôr em prática uma distribuição de riqueza mais equitativa e uma retomada do crescimento econômico, caso se mantenham as atuais propostas neoliberais de administração da crise. A modernização neoliberal, competitiva e excludente, que introduz alterações tecnológicas e organizacionais no mundo do trabalho, não vem se pautando por medidas efetivas que se contraponham à miséria, aos nossos altos índices de analfabetismo, ou mesmo à precariedade do ensino básico. Sob a égide dessas idéias poderemos, no máximo, chegar à reorganização de setores de ponta do mundo do trabalho, com a melhoria da formação profissional para eles, e a manutenção dos demais num passo vegetativo de obsolescência consentida.

É neste quadro que a questão da formação profissional ganha novos contornos. Ela implica a tentativa recente de resgate do seu conteúdo político, seja na perspectiva da efetiva participação dos trabalhadores no processo de definição da política de formação profissional, seja na dimensão da apropriação do conhecimento científico sobre o processo produtivo, a partir de uma visão crítica.

Sabe-se que a formação profissional, no Brasil, surgiu no contexto da industrialização dos anos 30 para atender aos ditames do modelo econômico de "substituição das importações". O seu objetivo tem sido, desde então, preparar para as atividades produtivas e para o mercado de trabalho, como se pode analisar nas sucessivas legislações educacionais, a partir da década de 40. O sistema educacional brasileiro, nacionalmente organizado desde então, consolidou uma estrutura dual e elitizante (educação para o trabalho pelo chamado ensino profissionalizante e educação para a cidadania via ensino propedêutico regular), caracterizando-se, sobretudo, por sua função de reprodução da força de trabalho, da estrutura de classes e das relações de dominação capitalistas.

Hoje, no contexto da chamada "pós-modernidade” de final de século, há uma crescente receptividade às teses de que o novo paradigma tecnológico provocará alterações substanciais no papel da educação, atribuindo aos sistemas de ensino maior responsabilidade no sentido de oferecer uma formação geral básica, científica e tecnológica que responda de maneira mais adequada à inserção dos trabalhadores na esfera produtiva.

Contrariando a tradicional inércia e o conservadorismo do empresariado em termos de educação, setores do patronato vêem neste novo panorama a necessidade de uma atualização urgente no ensino técnico e de uma melhora radical no ensino básico, pelo temor de ficarem condenados a uma marginalidade progressiva nos mercados internacional e nacional.

Há os que propugnam que, ainda que a indústria brasileira tenha uma base técnica predominantemente taylorista, os rumos da economia mundial levam quase que inexoravelmente à necessidade de modernização da economia brasileira como imperativo para a sua inserção na competitividade internacional. Isto poria em xeque a estrutura dual, o clientelismo e a fragilidade do sistema educacional brasileiro, levando a reformas radicais. Essas teses merecem exame cuidadoso, mediante confronto com as peculiaridades do sistema produtivo nacional e com a operacionalização das propostas pedagógicas das agências formadoras de mão-de-obra.

Nas esferas do Executivo e Legislativo, o quadro é, no mínimo, indefinido e contraditório. Durante o governo Collor, ao lado da dubiedade e da frouxidão da ação governamental neste campo, o Ministério do Trabalho se revelou, a seu modo, atento a esta problemática, criando uma comissão de estudos voltada para a definição de uma política nacional de formação de mão-de-obra que reúne representantes da Secretaria Nacional do Trabalho, do Departamento Nacional de Formação Profissional, da Secretaria de Ensino Técnico do MEC, do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia, do Conselho Nacional de Pesquisa, do Sesc, Senai, Senac, Sebrai, Senar, Febraban e das centrais sindicais existentes no país. As discussões giraram em torno da definição de uma formação profissional, dentro do conceito de educação como um todo, que contribua para a requalificação da força de trabalho, como vem sendo colocado, aliás, nas câmaras setoriais e no próprio Mercosul. Já sob o novo governo, o Ministério do Trabalho divulgou uma "Síntese das Orientações Gerais e Plano Básico de Ação 93/94". Por seu lado, o atual projeto de LDB (Lei de Diretrizes e Bases) que tramita no Congresso Nacional aponta para o coroamento da dualidade educacional, ao criar um Sistema Nacional de Formação de Mão-de-Obra paralelo, ainda que conectado ao Sistema Nacional de Educação, reforçando a perspectiva do ensino profissionalizante como adestramento/treinamento para as demandas da indústria e do mercado.

O documento do Ministério do Trabalho revela preocupação com "desempregados, jovens de baixa escolaridade, trabalhadores do setor informal, das áreas rurais (...), pequenos e médios produtores urbanos e rurais, trabalhadores ameaçados pelo desemprego decorrente do reordenamento administrativo e produtivo", além de manifestar-se pela introdução, no setor produtivo, de "uma dinâmica que venha a elevar a qualidade de vida dos trabalhadores".

Entretanto, não há nesta nem em outras manifestações do governo preocupação em enfrentar a questão crucial do paralelismo entre os sistemas de ensino profissional e regular que marca a sociedade brasileira – e que corroborará o tratamento discriminatório dispensado à formação do trabalhador jovem ou maduro.