Política

Filha de um operário e fundador do PC, mulher de um historiador, ela conta a sua trajetória de militante

Presa pela primeira vez aos quinze anos de idade e usando sucessivamente os nomes de Vanda, Antônia Elza, Toni, Haydée, ou simplesmente Idê, Idealina da Silva Fernandes Gorender, hoje com 71 anos, conta a história de uma mulher que, apesar de ter estado sempre ao lado de homens como seu pai, Hermogênio da Silva Fernandes, ou seu marido, Jacob Gorender, escolheu e traçou seus próprios caminhos, seu próprio destino. Sua entrevista à equipe de Teoria & Debate foi realizada em três sessões, com uma duração total de quinze horas, sete das quais de gravação. Bem-humorada, com uma jovialidade e uma mordacidade que o tempo apenas apurou, Idê como é chamada pelos amigos-, apesar de problemas de saúde, não se entrega: para ela, em que pese tudo o que tem acontecido - que não ignora nem nega -, o mundo ainda pode e deve mudar.

A primeira coisa que, provavelmente, todos querem saber é de onde vem o nome Idealina.
Meu pai era carioca, filho de um anarquista espanhol com uma mulata. Militante desde cedo, ele escolheu para os filhos nomes alusivos aos seus ideais de mundo. Assim, a filha mais velha chamou-se Liberta, em homenagem a Tiradentes; o segundo Mayo Uruguay, por ter sido o Uruguai um dos primeiros países da América do Sul a se tornar, digamos, mais democrático. A terceira, Socialina, por causa do socialismo. Depois veio Paz, por ter nascido no final da primeira guerra. E o meu, Idealina, devido às idéias novas surgidas no mundo. Em seguida vem o Marat, em homenagem ao Marat da Revolução Francesa. Para homenagear a família, tenho duas irmãs com os nomes das avós paterna e materna, Catarina e Laudelina, e uma terceira, Julieta, com o nome de mamãe. Escolheram, para outra filha o nome de Vera Natura, natureza verdadeira. E, para o caçula, Neno Vasco, o mesmo nome do português que traduziu a letra da Internacional.

Você nasceu quando, representando assim essas idéias novas?
Nasci na cidade de Cruzeiro, em São Paulo, no dia 12 de março de 1922. Treze dias depois, no dia 25, meu pai e um pequeno grupo de camaradas fundaram o Partido Comunista. De origem anarquista, ele passara a ter idéias socialistas. Fui registrada então com o nome de Idealina da Silva Fernandes, filha de Hermogênio da Silva Fernandes - operário eletricista - e Julieta da Silva Fernandes - ex-doméstica. A revolução bolchevique já havia triunfado.

Como seus pais foram parar em Cruzeiro, e como era a vida de vocês lá?
Meu avô, espanhol, chegou ao Brasil ainda na época do Império. Papai nasceu no Rio e casou-se com minha mãe, cuja família era de lavradores do município de Parati, no estado do Rio. Eles se conheceram porque a família de minha mãe foi morar nas Furnas, uma região muito pobre, no bairro do Alto da Boa Vista, o mesmo local onde ele morava.

Quando eles começaram a namorar, minha mãe era doméstica, trabalhava num colégio de freiras, e era filha-de-maria. Essa ligação com a igreja, porém, não sobreviveu ao casamento. Aliás, o casamento dos dois foi realizado somente no civil pois meu pai era não apenas ateu, mas anticlerical. Casados, mudaram-se para Cruzeiro, em 1913. Papai trabalhava na Light e sempre militando no movimento operário e sindical. Quando chegam à cidade, meu pai já começava a se afastar de suas idéias anarquistas iniciais, e a tomar contato com novas correntes socialistas - com o marxismo e o leninismo que o levaram em 1922 a fundar, com um pequeno grupo de companheiros, o Partido Comunista. Cruzeiro nessa época era uma cidade pequena, mas um importante entroncamento ferroviário, com oficinas de manutenção e reparo de máquinas e vagões e, inclusive, uma fábrica de vagões.

O forte era a rede mineira de viação. Além disso, tínhamos lá o Frigorífico Cruzeiro, uma indústria de laticínios, algumas pequenas fábricas (torrefação de café, processamento dê açúcar etc) e algumas oficinas bem pequenas e a Light. Ainda existia uns restos de fazendas de café e algumas de gado. Logo que meus pais chegara m na cidade, que já tinha uma certa tradição de luta, encontraram os operários da rede mineira de viação com os salários atrasados há oito meses. Meu pai e outros companheiros organizaram uma grande greve. Conseguiram várias vitórias e, até o ano de 1917, se não me engano, foram organizados pelo menos quatro grandes movimentos desse tipo. Uma das reivindicações principais da quele tempo era a jornada de oito horas. Essas greves eram dirigidas pela união 1º de maio, uma organização operária de cunho sindical que meu pai e seu companheiros fundaram por volta de 1917. Mais tarde, eles fundaram ainda a Associação 23 de Agosto, também operária, e que teve esse nome em homenagem a Sacco e Vanzetti, que foram executados nessa data. Essa associação ocupava uma casa grande, bem em frente aos portões da rede mineira. A 23 de agosto também dirigiu muitas greves e movimentos e em vários momentos foi invadida pela polícia. Nela funcionava uma pequena biblioteca, com literatura socialista, organizavam-se conferências, realizavam-se assembléias e comemorações.

Diferentemente de hoje, de todas essas atividades, mesmo das assembléias, participavam não apenas os operários, mas suas famílias. Mamãe participava de tudo e levava os filhos junto, e até minha tia Maria - casada com o irmão dela, tio Luís, que morava também em Cruzeiro. Acho que foi por freqüentar desde cedo a associação, que fomos aprendendo e tomando gosto pela luta. Foi bom.

O que se fazia na Associação?
Nessa época já tinha também o partido e o Socorro Vermelho. Mas eram coisas diferentes, não funcionavam no mesmo local. A associação era para todos os operários e suas famílias. O partido era só dos comunistas. Então, na associação, as atividades eram abertas para todos: faziam conferências sobre diversos temas políticos, sindicais e culturais, pessoas da própria cidade, como meu pai, o José Mendes - que era ferroviário, muito inteligente e de muita cultura -, o Crisóstomo de Oliveira e pessoas convidadas, como o Astrogildo Pereira. Além das palestras, tínhamos festas e comemorações. Cantava-se muito, nessas ocasiões, sobretudo canções revolucionárias. Minha mãe tinha uma voz muito bonita, de soprano, e havia aprendido canto com as freiras francesas da escola onde trabalhou. Em várias festas, ela cantava inclusive a ária do coro dos escravos hebreus da ópera de Nabuco, de Verdi, junto com os operários. Só que eles puseram outra letra na melodia, onde saudavam a chegada do mês de maio e a primavera dos povos. Começava assim, a letra: "vem, ó maio, saúdam-te os povos, vem trazer alegria..." Liberta, minha irmã mais velha, também era soprano e fazia alguns solos. Organizávamos também as passeatas, todos com bandeiras vermelhas, cantando a internacional pelas ruas da cidade. Sempre no 1º de maio.

Como eram os comunistas nessa época e como era ser comunista em Cruzeiro?
Bem, os comunistas de Cruzeiro, nessa época, eram todos operários, a maioria ligada à ferrovia. O único que não era operário, era o tabelião. Além de meu pai, lembro de alguns camaradas do partido em Cruzeiro: José Mendes, Crisóstomo de Oliveira, Sebastião Monteiro, Sebastião Pereira - conhecido como Sebastião da Luz -, Antonio Luiz, José de Barros, Joaquim de Barros - que era carpinteiro -, Joaquim César - o alfaiate -, argentino pisão, Juca Leal e vários outros. Havia também as mulheres que, embora não fossem filiadas ao partido, atuavam nele. Nesse caso estavam, por exemplo, minha mãe, a Hercília Mendes, a Berta e muitas outras. Ser comunista era participar de tudo que citei. É claro que havia perseguições de várias maneiras. Imagine, por exemplo, ser ateu e anticlerical, numa cidadezinha daquelas, e não batizar nenhum filho! Ora, ali havia muito a mania de ir à igreja, e é claro que as "baratinhas de igreja" não viam nossa família com bons olhos. Na escola, pequenos, fomos perseguidos muitas vezes pela professora, que era dessas "baratinhas de igreja" e que na verdade queria pressionar meus pais para nos batizar. Depois, tinham as perseguições mais sérias, contra o meu pai e os outros camaradas.

Quantas vezes seu pai foi preso?
Cinco ou seis vezes. Ele e os camaradas eram presos em Cruzeiro por um destacamento do exército sediado em Lorena. Daí, eram levados para o próprio quartel de Lorena ou transportados de caminhão para o presídio da Liberdade ou para o Maria Zélia, no Paraíso, ambos em São Paulo. Cada vez que iam prendê-lo em nossa casa, minha mãe discutia muito com o coronel. Lembro que este ameaçou, um dia, levá-la junto. Mas ela não tinha medo, era muito valente. E nós pequenos nunca chorávamos, acho que já estávamos acostumados com essa coisa toda. Além do mais, o partido tinha uma organização clandestina de solidariedade, o Socorro Vermelho, que dava todo tipo de assistência às famílias dos presos. Por volta de 1930 ou 1932, toda a direção do partido em Cruzeiro foi presa. Nós morávamos, nessa época, numa casa no fundo do prédio da Light. Mamãe decidiu então que ia soltar os camaradas. Chamou um operário de nome Benedito, subiram na casa de força e desligaram a luz de toda a região: Cruzeiro, Lavrinhas, Cachoeira etc. Na cadeia, meu pai logo percebeu quem havia sido a responsável pela falta de luz. O delegado propôs que ele saísse para resolver o problema, mas papai condicionou a que todos os camaradas fossem soltos. E o delegado teve que soltar todo mundo.
E as Revoluções de 30 e 32, como repercutiram na cidade?
Eu era bem pequena, nessa época. Em 30 eu tinha apenas oito anos. Mas lembro que papai teve que ficar longe da família e mamãe pegou todos os filhos e foi se esconder na Serra da Bocaina, perto da hidrelétrica, pois ela e papai tinham contato com o gerente dessa usina. Na verdade, o que se temia mesmo era que os soldados abusassem das filhas maiores que já eram moças. Em 32, não. Mamãe decidiu que não ia sair de Cruzeiro, que era tolice. Papai tinha sido transferido pela direção da Light para São Sebastião. Ela então mandou as filhas mais velhas para a casa de parentes e ficou com os pequenos. Aquela foi uma região de combates, pois as tropas do governo estavam na Mantiqueira. Às vezes, vinha um aviãozinho vermelho e bombardeava pontos da região. É interessante porque à noite ou víamos tiroteio na serra e só depois é que descobrimos que não eram combates: os soldados ficavam batendo matracas para fingir guerra! Até que um dia as tropas comandadas pelo general Góis Monteiro chegaram à cidade que estava praticamente vazia. O general chegou bêbado, quase caindo, escorado por dois soldados. Ficaram ali uns dias, depois foram embora, acredito que sem incidentes. Mamãe e outras mulheres fizeram comida para as tropas. Quando acabou aquela briga, papai e os comunistas voltaram. A cidade estava acéfala e eles poderiam ter ocupado a prefeitura. No entanto, acharam melhor convidar um médico progressista de lá, o doutor José Diogo Bastos - pai do Márcio Thomaz Bastos - para ocupar o cargo de prefeito. Ele aceitou e deve ter gostado, porque permaneceu no cargo por muitos anos.

Como foi em Cruzeiro a Aliança Nacional Libertadora e o levante de 1935?
Bem, 1934 foi um ano complicado para a nossa família. Mamãe ficou grávida e decidiu abortar. Já éramos onze filhos - além dos quatro mais velhos que ela havia perdido ainda bebês, em conseqüência de disenterias e outras doenças infantis desse tipo. Papai havia sido demitido da Light no ano anterior. A situação estava difícil. Quem fez o aborto foi uma parteira polonesa, inclusive diplomada na Polônia. Era uma boa parteira, mamãe já tinha feito cinco abortos com ela. Só que dessa vez deu algum problema, e mamãe acabou morrendo. Sua morte foi um grande baque para todos nós. Ela era muito forte, muito cheia de vida e tinha somente 39 anos. Ficamos morando com papai, e tio Luiz e tia Maria nos davam uma grande assistência.

Nessa época, também os integralistas de Cruzeiro resolveram se organizar. Armaram então um comício no coreto da praça e levaram ilustres fascistas de outras cidades para discursar, entre os quais o Miguel Reale. Meus irmãos e vários camaradas fomos acabar com o comício. Chegamos gritando: "integralistas fora, fora!", e quem podia, jogava pedras. E acabamos com aquela concentração. Eles fugiram e nunca mais foram para a praça.
Cruzeiro então era bem agitada...
Era uma cidade com muita movimentação política. Tanto que em 32, quando o Getúlio e o Oswaldo Aranha fizeram uma parada lá, de trem, rumo a São Paulo, o Oswaldo Aranha comentou que Cruzeiro era a "Moscouzinha brasileira". Em 35, prosseguindo o que estava contando, os camaradas fundaram lá um núcleo da ANL. Foi um pessoal do Rio na cidade: Castro Lucena, Everardo Dias, Maria Lacerda de Moura, Pontes de Miranda, Caio Prado Jr., o Mauricio de Lacerda e o sobrinho dele, o Carlos Lacerda - que era mocinho da juventude comunista, e depois virou o que virou, não é? Houve a festa da inauguração desse núcleo, e depois muitas conferências. Em seguida, Getúlio proibiu o funcionamento da ANL e em pouco tempo houve o levante de 35. Em Cruzeiro se intensificaram as perseguições aos comunistas, a todos os companheiros que mesmo não sendo do PC defendiam e lutavam a favor da classe trabalhadora e do povo. Tanto que, no ano seguinte, 1936, papai e outros camaradas tiveram que se esconder ou fugir. Papai foi para o Rio, clandestino.

Vocês ficaram sozinhos em Cruzeiro?
Não. Tinha meus tios, que moravam perto, e todo o apoio e solidariedade do Socorro Vermelho. Acontece, porém, que o cerco foi aumentando e em outubro de 1937, época que eu tinha apenas quinze anos, fui presa, delatada pelo diretor da escola, o senhor José de Castro - que se passava por democrata - , ao delegado de Cruzeiro. O pretexto foi uma discussão que eu tinha tido durante uma aula com o professor, onde eu afirmava que na União Soviética a vida era melhor que no Brasil, pois não havia tanta miséria. O professor informou ao diretor e este me delatou. A verdade, porém, é que eles fizeram isto para forçar o meu pai a se entregar. Era uma tática que eles usavam. Tanto assim, que eu fui presa com uma colega, à tardezinha, passeando na praça. Essa colega, que tinha dezessete anos e hoje é minha cunhada, a Elza Martins, era também filha de um comunista que estava sendo procurado, o José Roberto Martins. Ficamos as duas um mês na delegacia, alojadas na sala do delegado, onde colocaram colchões, pois o juiz de menores proibiu que fôssemos levadas para as celas. E, enquanto eu estava presa, meus irmãos permaneceram numa espécie de prisão domiciliar: polícia na porta de casa proibindo que qualquer um dos mais velhos saísse. Somente as crianças entravam e saíam. Eram as pequenas, então, que faziam contato com o socorro vermelho, levando e trazendo mantimentos numa cesta que os policiais revistavam e, escondidos na barra das saias, bilhetes e mensagens que eles nem desconfiavam. Como conseqüência da minha prisão, além de mim, dois irmãos meus foram expulsos da escola; Liberta, que era professora, e o Marat que fazia o primeiro ano ginasial. Tudo mudou, então. Quando saímos da cadeia, Elza e eu ainda ficamos seis meses sem sair dos limites da cidade e com um soldado guardando as portas de nossas casas, e nos seguindo, escoltando para todos os lugares. Nós duas, então, andávamos o dia inteiro por toda a cidade, para dar a maior canseira nos soldadinhos.

Como vocês conseguiram ser soltas?
Nunca soube. Sei que foram os camaradas do partido em Cruzeiro e no Rio que mexeram os pauzinhos, falaram inclusive com o prefeito de Cruzeiro, o dr. José Diogo Bastos, sobre quem já comentei, e que continuava no cargo. O fato é que quando saímos, a repressão já havia deixado de vigiar meus irmãos e, através de esquemas montados pelos camaradas, eles já tinham ido se juntar ao meu pai, no Rio. Esses seis meses que fui vigiada, passei em casa dos meus tios. Fui a última a ir para o Rio.

E o Rio, como foi?
Com o pessoal do Rio (o pessoal do partido e os parentes) meu pai arranjou uma casa. Mas era uma situação de miséria. A gente morava numa vila, no Pedregulho, em São Cristóvão, um lugar bem pobre. Uma casa de dois quartos. Mas fomos levando, meu pai morava conosco. Lá a polícia não sabia onde ele morava. As comunicações naquele tempo eram muito mais difíceis. Era o auge do terror do Estado Novo, mas eles não conheciam papai, nem tinham sua fotografia. Ele trabalhava em obras como técnico de montagem de elevadores. Elevadores Atlas, da Villares. Trabalhava mas nunca dava muito as caras. Tanto que quando uma das filhas se casou, e o marido dela era parente de um delegado, papai não foi ao casamento porque podia ser reconhecido e preso.

O que mais você lembra da militância do seu pai, nesse tempo?
Bem, ele participava mas na clandestinidade. Participava fundamentalmente com o pessoal do sindicato. Pouco antes de 45, esteve em casa o Mauricio Grabois e outro camarada do partido para convidá-lo para a conferência da Mantiqueira. Ele não aceitou participar, nem sei por quê. O fato é que ele continuava em desacordo com a idéia de o Prestes permanecer na direção. Ele achava desde o começo que o Prestes "entrou pela janela", direto na direção e desde então se mantinha afastado do partido, só voltando depois de 45.

O que ele levantava contra o Prestes, além de que este teria caído de pára-quedas?
Bom, é difícil saber isso. Ele não falava para a gente. Além disso, nessa época, a gente já tinha que trabalhar. Saíamos bem cedo e trabalhávamos até doze horas por dia.

Onde você trabalhava?
No primeiro café expresso que surgiu no Rio, café expresso na avenida Rio Branco, era caixa. Eu tinha 17 anos. Mas tive que tirar uma carteira de 18, pois do contrário, eu ganharia apenas meio salário mínimo. Nessa época retomei os estudos. Entrei num curso do "artigo 91", uma espécie de madureza da época, na rua do Ouvidor, que ficava pertinho do trabalho. Trabalhei nesse café mais ou menos de 1939 a 1943.
E sua militância, como ficou?
Minha família e eu participamos sobretudo da campanha pela entrada do Brasil na guerra contra o nazi-fascismo e, em seguida, das campanhas de esforço de guerra, quando safamos recolhendo alumínio e sucata para levantar dinheiro para os aliados. Trabalhamos tanto nisto que, quando o meu irmão Marat foi convocado para integrar a Força Expedicionária Brasileira (FEB), eu também quis me alistar como enfermeira. Mas papai não deixou. Disse que, de lá de casa, bastava um ir para a Itália. Daí foi apenas o Marat, que trabalhou na intendência. Interessante, que através das cartas que ele nos enviava e através de um código que tínhamos combinado, sabíamos aqui no Brasil dos contatos que manteve e reuniões que fez com os camaradas comunistas da Itália. Mas, só fomos nos filiar ao PC, depois de 45, quando ele foi legalizado.

Todos os seus irmãos se filiaram?
Não todos. Filiaram-se Catarina, meu irmão Marat, Laudelina e eu. A Socialina, que sempre participou de toda a luta, não se filiou. Nessa época ela já era casada. Participava, emprestava a casa para as reuniões e fazia o que fosse necessário. Mas nunca se filiou.

Depois do café, você trabalhou onde?
Consegui um emprego num escritório. O que já era melhor: menos tempo, menos trabalho. Aí trabalhei de 1943, durante a guerra, até mais ou menos 1952. Depois trabalhei em escritórios.

Como era o tratamento dado à mulher que trabalhava nessa época?
Eram poucas mulheres que trabalhavam, e ninguém sabia que a gente era comunista. Mas as mulheres nessa época eram muito discriminadas. Trabalhavam mais e ganhavam menos. Certa vez, perguntei para um chefe o porquê desses "dois pesos e dessas duas medidas". Ele era fascista e ficou danado. Depois, então, que ele me viu em cima de um caminhão, com minha irmã Lila (Socialina), que trabalhava no mesmo escritório, fazendo propaganda do partido, ele ficou possesso. Não nos mandou embora porque era apenas gerente. O irmão dele, o Fausto, que era também fascista, foi que decidiu que não seríamos demitidas. O Fausto queria empregado bom. Queria tirar a pele da gente, e não estava se importando se éramos comunistas ou não.

Você fazia o que nesse escritório?
Era um escritório imobiliário e casa bancária. Fazíamos todos os serviços. Tanto que eu aprendi muita coisa sobre negócios imobiliários.

E quando você se filiou ao PC em 45, como era a sua atividade no partido?
Eu fazia parte da célula Auguste Elise, o nome de guerra da mulher do Harry Berger. Depois do levante de 35 ela foi presa, torturadíssima e entregue junto com Olga Benário aos nazistas alemães. Como Olga, foi morta num campo de concentração. A célula funcionava na mesma rua em que nós morávamos. Ali, fazíamos reuniões e propaganda: a campanha da constituinte; a campanha pela paz, na época do apelo de Estocolmo - quando os EUA romperam com URSS e começou a guerra fria. Distribuíamos panfletos, fazíamos colagens e pichações.

Quantas pessoas tinham nessa célula?
Éramos mais ou menos 25, a maioria homens, da classe média pobre: pessoas que trabalhavam no comércio, em escritórios, e funcionários públicos. A célula funcionava no Rocha, bairro para onde minha família mudou quando saímos de São Cristóvão, e onde a Socialina e o marido também moravam. Ficava na mesma rua da nossa casa, num porão de propriedade de umas senhoras de muita idade.

Seus irmãos também estavam nessa mesma célula?
Sim. Minha irmã Laudelina, a Laude, era mecânica e trabalhava na fábrica nacional de motores, FNM, em Petrópolis - foi demitida depois que descobriram que era comunista. O Marat fazia serviço de eletricista, mas não estava com emprego fixo porque voltou da guerra com fortes seqüelas de uma bronquite que pegou na Itália. E a Catarina trabalhava em casa. Mas todos militavam na célula. Socialina, que não se filiou, mais tarde teve uma filha a quem deu o nome de Auguste Elise.

Vocês faziam trabalhos nas favelas?
Na favela de Jacarezinho certa vez nós tentamos fazer trabalho de organização, mas durou pouco tempo. Não fazíamos também trabalho de organização no bairro, as pessoas não queriam saber de nada.

Como era a formação política do militante, na célula?
Tinha o curso Stalin. Jacob foi professor de um deles. Foi quando conheci os cursos e o Jacob. Mas o curso era mais uma exaltação a Stalin. Lembro que uma vez cheguei em casa depois desse curso e falei com papai: "é, papai, é o Stalin quem manda". Ele riu. Papai também era contra o Stalin.

A célula conseguiu manter-se depois da cassação da legenda do PC?
Não. Começamos com 25 e em 1950, mais ou menos, éramos apenas 12 militantes. Acho que cada um foi tratar de sua vida. Vai ver que não estavam acreditando em mais nada. Havia também o medo, por causa das perseguições aos comitês. O pessoal tinha muito medo de ser preso, embora ninguém da célula tenha sido preso.

Você ficou nessa célula até que ano?
Até 54, quando fui para a União Soviética fazer um curso. E não, sei, até hoje, por que me mandaram fazer esse curso, pois eu era uma militante sem expressão!

E como lhe anunciaram a viagem?
Não disseram que íamos para lá. Só disseram que arrumássemos passaporte, que iríamos viajar e para não falar com ninguém. Nem o pessoal de casa sabia que eu ia viajar. Foi tudo feito na clandestinidade. A minha família só soube no dia do embarque. Neste dia, minha irmã paz e meu irmão Marat me acompanharam até o porto. Na verdade, embora nenhum de nós soubesse para onde eu ia, todos supúnhamos.

A crítica do seu pai a Prestes e a Stalin era uma coisa muito forte para você ou eram apenas comentários?
Eram comentários, mas a gente sabia que ele tinha razão. Nunca conversamos sobre isto com ninguém. Além do pessoal de casa, é possível que o papai falasse sobre essas coisas com os antigos companheiros que moravam no rio. Nessa época ele militava na célula do catete, que reunia operários eletricistas e mecânicos.

Você embarcou com algum companheiro para Moscou?
Embarquei sozinha. No navio é que encontrei os companheiros. O navio, do Cais Mauá, seguiu para a Espanha, e depois para a Itália, de onde pegamos um avião para a Tchecoslováquia e em seguida outro para Moscou. Fiquei em Moscou um ano e oito meses.

Durante sua permanência em Moscou, com quem ficava seu passaporte?
O pessoal do partido da União Soviétíca ficava com o nosso passaporte. E durante toda a viagem havia uma operação complicada com os passaportes. Não lembro dos detalhes, nem nunca soube como eles faziam. Sei que tudo era coordenado pelo chefe da nossa delegação, o pessoal do PC soviético e camaradas dos países por onde passávamos. Alguns vistos de entrada em certos países não podiam constar dos nossos documentos.

E esse chefe da delegação, você encontrou com ele já no navio?
Fui contatada por ele ainda no navio, depois que saímos do Rio. Ele contatou a mim e aos outros dois camaradas que estavam também naquele navio. Foi ele que nos apresentou uns aos outros. Depois, em Moscou, é que encontramos todo o grupo que participaria do curso. Aí éramos uns cinquenta.

O passaporte estava em seu nome?
O passaporte era legal, em meu nome. Na célula Auguste Elise, meu nome de guerra era Vanda. Já na União Soviética, a direção do partido colocou-me o nome de Antônia Elza, com apelido de Toni. Lá, ninguém se conhecia pelos nomes reais durante o curso.

Como foi a chegada a Moscou?
Era verão. Então chegamos lá com o clima quente. Não tínhamos tido qual quer orientação sobre o tipo de roupa que devíamos levar, talvez para não descobrirmos o destino. Uma besteira. Mas o partidão aqui era muito fechado. Era horrível mesmo.

E você já achava horrível?
Não. Não achava horrível. Mas, sim que tolhia a liberdade. Não se podia fazer crítica nenhuma ao partido, nem, aos chefes, nem aos chefões.

Nem àqueles rapazes que iam dar o curso Stalin para vocês?
Esses iam logo contar tudo para chefe Prestes. Lembro até que o Arrudão (Diógenes de Arruda Câmara), certa vez também deu aula no curso Stalin. E dizia que a gente não devia fazer crítica ao partido da União Soviética, nem ao brasileiro. Segundo ele, não podíamos também criticar Prestes e Stalin. Uma coisa mesmo idiota, não é?

Como era o curso em Moscou?
O grupo ficava alojado numa "datcha" (casa de campo) nos arredores de Moscou. Era um lugar muito bonito. O curso acontecia lá mesmo. Era um curso onde recebíamos não só orientação política, como aulas de russo, aulas de história, de geografia e, principalmente, aulas sobre a política da União Soviética. Durante esse tempo, estudamos O Capital, de Marx. Para nós, era difícil à beça, pois no Brasil não tínhamos o hábito de estudar essas questões, não líamos. Na verdade, éramos muito bitolados e nossa participação, de fato, se dava na qualidade de tarefeiros.

Como era feito o estudo sobre O Capital?
Um professor da Escola Superior do PCUS fazia as exposições e nós tínhamos O Capital em espanhol. Como em qualquer curso, fazíamos provas de avaliação. No meu caso o que consegui entender com mais facilidade foi a parte referente à renda da terra. Mas hoje, se eu retomar essa leitura, acho que não vou entender mais nada.

O grupo do curso era homogêneo?
Não, era bastante heterogêneo. Tinha operários, pessoal de classe média, estudantes e também muitos quadros do partido com um conhecimento maior que os demais. E esse grupo heterogêneo constituía uma única classe, tínhamos juntos as mesmas aulas. Éramos originários de diferentes estados do Brasil, e a grande maioria era de homens. Mulheres eram apenas umas dez.

Vocês conversavam sobre o Brasil?
Ouvíamos a Voz da América, pelo rádio. Toda noite ficava um camarada de plantão ouvindo o noticiário sobre o Brasil. Mas nada conversávamos sobre as atividades como militantes no nosso país. Tínhamos muitos afazeres...

Até namorava, não é?
É. Foi lá que eu comecei a namorar o Jacob. Uma neve danada, a gente passeando, "amassando neve"... era terrível.

O pessoal que estava fazendo o curso ficava só na "datcha", ou podia sair livremente?
Não saíamos, exceto quando organizavam algum programa: óperas, balés etc. Além disso, depois de um ano tivemos umas férias de 20 ou 30 dias. A programação foi uma viagem pelo Volga. Navegamos uns nove dias, pelo Volga, e fomos para Ulfá, capital da, Bashkiria. O pessoal de lá é moreno, com traços puxados para oriental. Tanto que várias pessoas do lugar pensavam que eu fosse da região e tentavam conversar comigo. Podíamos conversar, mas não podíamos revelar nossa nacionalidade. Interessante é que ali nunca tinham visto uma pessoa negra, e no nosso grupo haviam cinco ou seis. Mais de uma vez, moradores daquela cidade se aproximaram e esfregaram os dedos sobre a pele dos negros para se certificarem de que não se tratava de tinta. Era um lugar muito pobre, com uma agricultura muito atrasada.

Vocês tinham contato com a população da URSS normalmente?
Não. Nem mesmo quando a gente ia ao médico ou dentista. Tínhamos sempre uma tradutora ao nosso lado, e tratávamos apenas sobre o assunto pertinente à visita que estávamos fazendo. Quando íamos comprar alguma coisa em Moscou, também não conversávamos com ninguém.

Qual a imagem da URSS que ia se formando nessa época para você?
Olha, eu achava aquilo lá muito pobre, que ainda estavam muito atrasados, até mesmo em relação ao Brasil. Faltava muita coisa. E nossa expectativa era de chegar na União Soviética e encontrar um país fabuloso, que tivesse de tudo... Mas não tinha "maquinaria" nem perfume. Não existia sequer desodorante e comida. A nossa comida era especial, mas a gente sabia pelas empregadas lá da "datcha" que havia problema nessa área.

E o lazer de vocês mais regular, qual era?
Fazíamos festas lá na "datcha". Se não me engano, todo sábado tinha um bailinho. Senão, morreríamos de tédio. Apesar de ser um lugar bonito, era muito isolado. Como tínhamos levado discos brasileiros, dava pra fazer bons bailinhos. Era o tempo de "Eu vou para Maracangalha, eu vou". Mulheres, como já disse, eram poucas. Mas todos dançavam. Lembro do Grabois dançando. Ele dançava muito engraçado. Era um bom camarada, se relacionava bem com todo mundo.

E quem mais esteve nesse curso e que depois se transformou em dirigente e/ou figura pública?
Além do Jacob é do Grabois, que eu já tinha encontrado no Brasil, conheci o Apolônio e a Renée de Carvalho, de quem já nessa época me tornei amiga. Os dois eram o único casal do curso. Quem também esteve conosco foi o David Capistrano, o pai.

Foi durante sua permanência em Moscou que se realizou o XX Congresso?
Estava em preparação, mas quando aconteceu eu já havia retornado. Fomos voltando em meados de 1956 em pequenos grupos, como tínhamos ido. Só que meu roteiro de volta foi URSS-Tchecoslováquia-Suíça-Brasil. Nossa volta foi antecipada em função dos acontecimentos de 56 no Brasil, aquela crise em torno da posse de Juscelino. Por causa disto, era preciso que estivéssemos no Brasil, para agirmos nessa crise.

E como agiram para intervir na crise?
A crise se resolveu sem precisar de nossa intervenção. Em seguida, tivemos diversas reuniões com o pessoal da direção, quando relatamos nossa permanência em Moscou. E, depois, a militância de sempre.

De volta para a célula Auguste Elise?
Não. Voltei com uma responsabilidade maior. Passei a fazer parte do Comitê Distrital do Méier, que era responsável pela atuação nessa região. Quando havia comícios, íamos para a praça do Méier, onde fazíamos discursos e propaganda. Além disso, tentamos organizar células naquele distrito. Uma inclusive conseguiu funcionar durante certo tempo, ao pé do morro do Jacarezinho. Embora fizéssemos um trabalho de propaganda no morro, nunca conseguimos organizar uma célula dentro da favela. Aliás, nessa época, fui destacada para dar aula numa escolinha para crianças lá no morro do Jacarezinho. Eram 150 crianças. Imagine o fuzuê. O trabalho era de alfabetização, e a escola era mantida pela própria população da favela. Quando voltamos de Moscou, também fizemos várias palestras sobre a União Soviética. Meu pai organizou algumas em Cruzeiro, e outras foram organizadas no Rio. Só que falávamos para a platéia, como se tivéssemos estudado o assunto aqui mesmo no Brasil. Fui do distrital até 64. Daí veio o golpe...

E o partido cresceu, se expandiu, com esse trabalho que foi de 56 a 64?
Embora naquela época o PC tivesse prestígio, as pessoas não se interessavam muito em entrar para o partido e participar das coisas. Apesar de todo nosso esforço, eu percebia que o partido não estava crescendo. Alguma coisa, portanto, estava errada. Mas eu não percebia o quê. Veja bem, naquela época tínhamos muitas dúvidas, mas não podíamos questionar a direção.

Como foi a sua reação com o resultado do XX Congresso?
Para mim, foi uma surpresa. Embora eu tivesse estado em Moscou até pouco antes do Congresso e por um período longo, não tive acesso a todas aquelas informações. Talvez os camaradas da direção soubessem, mas eles não se reuniam conosco. Acho que esse fechamento foi o grande mal, foi o que levou o partido a acabar do jeito que acabou. De todo modo, apesar da surpresa, achei já naquela época muito positivo. Saber o que Stalin fez - e ali só ficamos sabendo de uma pequena parte - foi muito bom porque não se constrói nenhum socialismo daquele jeito. Meu pai também ficou surpreso porque não esperava que o Stalin fosse ser exposto daquele jeito pela direção do partido soviético. No entanto, embora não soubesse daquilo tudo, ele achava que pelo rumo que Stalin seguia, só podia dar mesmo naquelas misérias. E é sempre bom que as coisas sejam desmistificadas.

Foi nessa época também que você casou com o Jacob?
Sim. Nós fomos morar juntos em 1957. Eu o conheci ainda na época da célula Auguste Elise, mas o namoro só começou em Moscou. Ele sempre me chamou a atenção pela inteligência, pela cultura, pela seriedade. Em Moscou ele era um dos melhores alunos do curso, e dos companheiros com quem dava para conversar sobre muitas coisas. Porque não era a qualquer um que se podia dar bola não, não é mesmo? Se bem que vários deles davam em cima das moças da delegação. Com a clandestinidade a gente acabava sabendo quase nada sobre os companheiros. Sobre o Jacob, por exemplo, além do que já falei, sabia apenas que ele havia lutado na FEB na Itália, através do meu irmão Marat que também só o conheceu depois que regressaram ao Brasil no final da guerra. O Salomão Malina também já havia me falado sobre essa história da FEB, e contara que o Jacob era elemento muito ativo no front, e fazia parte da turma dos que atuavam nas zonas cinzentas instalando telefones. Quando decidiram que devíamos voltar ao Brasil, ele veio antes. Daí, começaram intrigas por parte de alguns companheiros, tentando nos afastar. Nessa época, até mandei avisá-lo que ele era livre, que não tinha nenhum compromisso, que ficasse à vontade. Em alguns círculos restritos, chegaram mesmo a falar mal de mim, calúnias. O problema, soube ainda naquela época, é que estavam preparando, guardando o Jacob para casar com a filha do Prestes, a Anita Leocádia. E acho que era mesmo verdade, porque depois que passamos a morar juntos, em todas as ocasiões em que o Prestes nos encontrava, tratava-nos com uma certa frieza, uma certa distância... Um certo ar de superioridade.

Então foi a sua primeira insubordinação explícita contra o Prestes?
Não só minha. Do Jacob também. Quando cheguei ao Brasil pensei que não ia mais dar em nada aquele namoro. No entanto, uns quinze dias depois, o Jacob me procurou e, a partir do ano seguinte, fomos morar juntos. Primeiro, ficamos morando na casa da minha irmã Lila (Socialina), lá no Rocha, porque ainda estávamos sem emprego e a "mesada" do partido era muito pequena. Depois o Jacob começou a trabalhar na imprensa do partido e arrumamos um apartamento pequeno no Engenho Novo. Ainda era 1947. Eu também consegui um emprego, num escritório imobiliário.

E como sua família via o fato de vocês viverem juntos sem serem casados?
Minha família era muito aberta, não via nenhum problema nisso. Além do mais, havia uma necessidade prática imediata para que não formalizássemos um casamento: a clandestinidade. Embora eu não fosse conhecida, o Jacob já era uma figura pública como dirigente e jornalista do partido. E o melhor era que não se soubesse dos seus laços com ninguém. Isso, estou falando de casamento civil porque religioso... Não era hábito da nossa família. Na verdade, nós só fomos formalizar nossa união em 1975, no dia 22 de março, em São Paulo, no Cartório de Perdizes, na Cardoso de Almeida.

A filha de vocês nasceu em que ano?
Ela nasce em 1961. Demos o nome de Ethel em homenagem à Ethel Rosenberg, morta com o marido na cadeira elétrica, nos Estados Unidos, acusados de passar o segredo da bomba atômica para a União Soviética.

No Golpe de 64 você e o Jacob estavam no Rio?
Ninguém no partido esperava o golpe. A idéia que nós tínhamos é que estávamos em pleno ascenso e que nada deteria aquele processo. Achávamos que o socialismo estava às vésperas de vencer. Até que no dia 31 de março o sonho acabou. Em resumo, foi assim o golpe para nós, comunistas. Não só para o pessoal de base. Para a direção também. Foi mais uma coisa que o Prestes não conseguiu enxergar. Nessa época, Jacob e eu morávamos no Leblon, e a nossa filha, a Ethel, já estava com dois anos. O Jacob tinha viajado para fazer conferências em Goiânia, por deliberação da direção. O meu pai estava na minha casa, me fazendo companhia, pois eu estava sozinha com Ethel. No dia 31, meu pai e eu da varanda do apartamento vimos um grande movimento de tropas. Ali perto tinha um quartel e a mobilização era para prender o Aragão que morava na mesma rua do nosso prédio. Meu pai comentou que aquilo cheirava a golpe. Ligamos o rádio e dito e feito: no dia seguinte, 1º de abril, estava tudo acabado. No partido, foi um salve-se quem puder. Papai, eu e um camarada jovem do partido que também estava em casa, começamos a rasgar toda a papelada: documentos políticos do Jacob e meus. E, enquanto eles picavam o papel, eu ia jogando tudo aquilo na privada. Como era um prédio pequeno, essa operação acabou entupindo o encanamento do edifício. A sorte foi que o zelador era simpatizante, e conseguiu retirar o papel sem que os moradores do prédio percebessem. Aliás, os moradores daquele edifício eram todos bem reacionários mas, como nossa atuação se dava no Méier, eles jamais suspeitaram que fôssemos comunistas. Papai voltou então para o Rocha, para a casa da minha irmã Laudelina. Pouco tempo depois, eu também deixei o apartamento do Leblon, mandei a mobília para a casa da Socialina e fomos - Ethel e eu - para a casa da Laudelina.

E o Jacob, ficou onde?
Do Jacob só fomos ter notícias uns nove meses depois. Aliás, chegamos até a pensar que ele tinha sido morto. De Goiânia ele fugiu para São Paulo, e daí para o Rio Grande do Sul. A primeira notícia que tivemos dele, já em 65, foi de São Paulo, através de um camarada do partido que ia sempre nos procurar na casa de minha irmã. Depois, já em Porto Alegre, ele organizou as coisas e Ethel e eu tomamos um ônibus no Rio, ficamos alguns dias em São Paulo na casa de uns camaradas, Suzana e Benedito Sampaio, e partimos para o Sul. Ethel estava com pouco mais de três anos e chorou a viagem toda. Em Porto Alegre, não chegamos a ficar nem um ano. É aí que começa meu isolamento. De um lado, a clandestinidade, que fazia com que eu só me relacionasse com dois casais de camaradas. Além disso a situação do Jacob que, além de clandestino e conhecido, era da direção do partido. Pusemos Ethel na escola, no Scholem Aleichen, como filha de Haydée Fernandes e Carlos Weber, que era o nome usado pelo Jacob.

Quando vocês saem de Porto Alegre?
As perseguições se intensificaram no Sul. Decidimos sair de lá em 66, quando assassinaram o Manuel Raimundo Soares, um camarada da Marinha de Guerra, amarrando seus braços e jogando-o no rio. Nesse curto período de Porto Alegre, a situação estava tão difícil que mudamos umas três vezes de casa. Um camarada nos levou de carro até São Paulo e daí Ethel e eu fomos para o Rio, onde ficamos quase um ano.

Agora já estamos em 67, desde o ano anterior começa todo um processo de dissidências no PCB, e você?
O Jacob, o Mário Alves, o Apolônio de Carvalho e vários outros camaradas expulsos do PCB criaram um novo partido, o PCBR - Partido Comunista Brasileiro Revolucionário. Mas eu não quis participar desse novo partido, pois não via horizontes para essa organização. Achei que não ia dar em nada, como não deu. Decidi que continuaria comunista, mas sem partido.

Onde vocês estavam em 68?
Depois de ficarmos no Rio por cerca de um ano, Ethel e eu viemos para São Paulo, encontrar novamente o Jacob, e nessa época morávamos na rua Iperoig. Minha filha foi estudar no Scholem de São Paulo, e minha vida era apenas cuidar da casa e dela. Ouvia as coisas pelo rádio ou lia os jornais. Não tinha contato com nenhum camarada nem com vizinhos. Conversar mesmo, além do Jacob - que falava muito pouco -, só quando ia pegar a Ethel no Scholem e então dava para falar um pouco com a Walkyria Britto e uma outra moça, professora de iídiche, que também era de esquerda. Fora isso, em reuniões da escola eu conversava com algumas mães de outros alunos. Mas aí, eram conversas mais gerais. Eu e minha filha vivíamos isoladas. Não tínhamos televisão o que foi bom porque a Ethel lia revistinhas. Não ficou como as criancinhas de hoje que desde cedo a mãe já bota com a mamadeira vendo televisão...

Enfim, você estava bem isolada quando veio o Ato Institucional nº5...
Pois é. Eu vi aquilo como um período de novas dificuldades para todos nós. Em dezembro, depois do AI-5, no período das festas de fim de ano, fui para o Rio levar a Ethel passar férias com minha família. Antes de viajar, mudamos da rua Iperoig, em Perdizes, para a rua Dr. José, no Tucuruvi, pois a região de Perdizes estava muito quente. Quando voltei do Rio, o Jacob havia sido preso - eu não sabia e me pegaram quando cheguei em casa. Dali me levaram para o Dops, no largo General Osório, onde fui interrogada pelo famoso delegado e torturador Sergio Paranhos Fleury. Eles não chegaram a me bater ou torturar. Depois de responder a um interrogatório - nada constava contra mim nesse processo do PCBR - me mandaram para a carceragem, e dali para a cela, no fundo do corredor, onde formava um T e onde ficavam as celas das mulheres. Na passagem, falei rapidamente com o Sérgio Sister. Nessa época, aliás, eu ainda não conhecia ele e nenhum dos que estavam presos em São Paulo. Falamos rapidamente pela janelinha da cela - pelo "guichê", como dizíamos - e fui para o "fundão". Na cela para onde me levaram, encontrei várias companheiras: a Elza Lobo, a Maria Metralha, uma outra cujo nome real não lembro mas que conheci na União Soviética como Eva, as Beloque: Denise e Maria Luísa, que são cunhadas, e a Terezinha Zerbini, que era uma pessoa muito engraçada.

O que Fleury queria saber de você?
Ele queria saber se eu conhecia alguns camaradas como o Mário Alves, o Marighela, o Apolônio e vários outros. Ora, a maioria havia sido candidato em 46 e tínhamos feito campanha para eles. Esses, eu disse que conhecia. Depois, ele me interrogou sobre o pessoal de lá de casa. Queria saber se era todo mundo comunista. Claro que eu disse que dos irmãos somente eu era comunista e, além de mim, na família, era comunista o meu pai, que tinha sido fundador do PC. Além desse fato ser público, meu pai combinara com todos os filhos que, sempre, assumissem isto. Fiquei no Dops 25 dias, e depois fui mandada para o Presídio Tiradentes, um prédio que havia sido depósito de escravos. Era uma cela grande na ala feminina. Lá encontrei Nair Benedicto, Dulce Maia, Cida Costa, Cidinha, Rose Nogueira, Ana Wilma, Áurea e Edith Negraes, e outras. Havia uma que era do interior, cujo nome não lembro, que tinha sido presa porque na casa dela tinha uma metralhadora e quando os policiais lhe interrogaram ela disse que a metralhadora era usada para matar passarinho...

Como era a vida na cadeia?
Logo que eu cheguei, algumas companheiras estavam muito tristes, e não era pra menos. A Dulce Maia, por exemplo, ainda estava muito arrebentada em conseqüência de torturas. Ela foi uma das que mais sofreu, certamente. Como eu sempre fui uma pessoa alegre, resolvi animar um pouco o pessoal. Daí, eu contava muitos casos, muitas histórias e a gente ria bastante. O dia-a-dia também tinha coisas engraçadas. Por exemplo, cada dia da semana duas de nós a "dupla" - era responsável pela cozinha, pela preparação da comida. No Tiradentes, podíamos cozinhar. E me puseram de "dupla" com a Edith, que era jornalista. Era um desastre. Nenhuma das duas sabia cozinhar direito. Fazíamos sempre a famosa sopa "Lavoisier", aquela onde "nada se perde, nada se cria, tudo se transforma, tudo se aproveita".

Comenta-se que você cantava...
Ah! Uma Maria Callas! Mas, e verdade sim que eu cantava bastante. Desde o Dops. Eu me sentia assim com uma passarinha: presa e cantando.

E as visitas da família?
Não, não cheguei a receber visita no presídio. Fiquei lá somente até abril (de janeiro a abril de 1970) e a minha família, toda no Rio, não sabia que Jacob eu estávamos na prisão. Como ficaram sem notícias nossas, até imaginaram que teríamos sido presos. E era impraticável procurar saber se estávamos ou não na medida em que procurar seria um forma de delatar que algo podia esta acontecendo. E a repressão não deixava sair notícia nenhuma. Só consegui avisar, já perto da minha saída do presídio quando uma moça que visitava o presídio e que era do Rio, levou um recado para a Socialina. Mas era complicado alguém com o nome de Socialina se dirigir aos organismos da repressão. Tanto assim que, quando fui solta e já tinha ido ao Rio, na volta fomos à Auditoria de Guerra pedir autorização para visitar o Jacob, e aquele sargentão negro, o Robertão, quando viu o nome da minha irmã - Socialina - ficou entre incrédulo e surpreso, e foi levar o pedido direto ao juiz auditor, o Nelson Machado Guimarães. Conseguimos a autorização e fomos as três - Socialina, Ethel e eu - visitar o Jacob. Na entrada do presídio, era aquela revista miserável, aquelas mulheres da Polícia Feminina que botavam a gente pelada e nos apalpavam. A Ethel deve ter estranhado muito aquilo tudo. Foi nas visitas ao Jacob que conheci melhor meus companheiros de processo, alguns dos quais já havia visto no Dops: Adilson (Pena), Aytan (Sipahi), Sérgio (Sister) e Valdizar (Pinto do Carmo).

Enquanto o Jacob estava preso, você e a Ethel ficaram no Rio ou em São Paulo?
A Ethel ficou no Rio, com minha família. As condições eram melhores para ela. Tinha toda a família e, sobretudo, os primos com quem ela sempre se deu muito bem. Eu permaneci em São Paulo porque não podia me afastar daqui exceto por poucos dias e com autorização - toda vez - da Auditoria Militar. Então eu fiquei morando numa pensão para moças, no Bom Retiro, na rua Júlio de Castilhos. Ali ninguém sabia da minha história, pensavam que eu trabalhava. Por isto, eu tinha que sair todos os dias, fingindo que ia trabalhar, e passava a maior parte do tempo andando pela cidade. Andava muito. E era impossível arranjar emprego na minha situação. Sobrevivia com a ajuda da minha família de antigos companheiros do PCB. A família do Jacob também foi solidária.

Você foi julgada e condenada?
Minha prisão preventiva foi pedida em abril de 70 e logo relaxada. Isto é, fui denunciada e incluída no processo. Depois de quase dois anos é que fomos julgados e eu fui absolvida por insuficiência de provas. O mais ridículo, é que durante esse tempo que fiquei esperando julgamento, percebi várias vezes que tinha alguém me seguindo pelas ruas.

E quando Jacob foi solto?
Jacob foi solto em 72. Fomos nessa época morar num quarto que alugamos na rua Bartira, em Perdizes, pois não tínhamos dinheiro e queríamos ficar em São Paulo. Ficamos ali dois meses, até o Jacob conseguir algum trabalho, depois do que mudamos para um apartamento na rua Heitor Penteado. Nessa época e durante algum tempo, eu funcionava como testa de ferro do Jacob: os trabalhos (freelance de tradução) saíam em meu nome, porque ele era muito conhecido e muitas empresas não queriam se comprometer lhe dando trabalhos. É a época também que trazemos a Ethel do Rio - onde estava numa escola pública - e a colocamos outra vez no Scholem, agora já no ginásio. Esse é um tempo em que a gente começa a se relacionar com vizinhos, com as pessoas em geral, mas sem que eles soubessem da nossa trajetória. A Ethel também começa a se relacionar mais na escola, a ter mais amigos.

Por que a escolha sempre de escolas judaicas para a Ethel?
Não foi bem escolha. Isto aconteceu em Porto Alegre e em São Paulo. No Rio, por exemplo, ela foi para escola pública. O problema é que na clandestinidade ficava difícil atender com segurança aos requisitos de informação e documentação que as escolas exigiam. Por outro lado, era nessas escolas judaicas que tínhamos companheiros, simpatizantes de esquerda ou camaradas, que nos arranjavam as coisas, como o Max Altmann e o Odenis em São Paulo.

Como ficou essa história para Ethel?
Ethel foi sempre muito estudiosa. É claro que muitas vezes as coisas foram difíceis. Quando o Jacob e eu estávamos presos, por exemplo, ela estava na casa da Socialina e chorava muito. Ia para o quintal, se isolava e chorava muito. Mas a família e os primos estavam sempre com ela, dando muito apoio. Uma vez no presídio, a Nair Benedicto tinha me chamado a atenção para o fato de que Ethel andava muito triste. E era verdade. Também, com aquela situação toda, como é que ela podia ser alegre ou de outro jeito? Quanto ao choro, as minhas irmãs lá no Rio sabiam como lidar com isso...

Pelo menos supomos que sabemos...
É. Mas sabiam, porque já tínhamos passado quando criança por uma situação semelhante. Então, elas já sabiam. Ethel fez medicina na Universidade de São Paulo e hoje exerce a profissão na especialidade de oncologia pediátrica. Tem 31 anos e é uma filha excelente. Tem muitos amigos e nos dá muita atenção. É muito ligada aos pais e sobretudo... a mim. Toda a família gosta muito dela.

Então, estamos em 1972, no Governo Médici. Como fica sua vida daí pra frente?
Uma droga! Uma droga. Eu ficava parada, não podia nem mesmo trabalhar. Quer dizer, não podia me relacionar abertamente com ninguém. Ainda tinha uma dose de clandestinidade. Melhorou porque estávamos juntos em uma casa, e tínhamos já os companheiros que eram as pessoas amigas com quem podíamos conversar. Mas, por exemplo, com vizinho, qualquer outra pessoa, só era bom dia, boa tarde...

E o trabalho do Jacob com as traduções, rendia o suficiente para vocês poderem viver?
Dava para viver, assim com as contas todas na ponta do lápis. O Jacob nessa época, além das traduções, continuava estudando e escrevendo o seu Escravismo Colonial. E eu fazendo apenas tarefas de casa, cuidando da Ethel e dele. Se eu fosse trabalhar não teria com quem deixar Ethel. Todo trabalho de tradução, antes do Jacob ser contratado pela editora Abril, era eu quem ia buscar e levar.

No final dos anos 70 e começo dos 80, greves em diversos setores, campanha pela Anistia, criação de novos partidos etc. E você?
Vontade de participar e trabalhar, eu tinha. Mas não tinha mesmo nenhuma condição. Certa vez até pensei em escrever as histórias que conheci. Depois, achei que não tinha cultura suficiente para levar essa idéia em frente.

E quando surgiu o PT...
Sabe, eu não tive a menor vontade de me filiar ao PT. Eu tinha, como ainda tenho, dentro de mim, esse negócio de ser comunista. E o pessoal do PT, no começo, sobretudo, era um saco de gatos tremendo. Eu tinha medo. A Ethel se filiou, em Perdizes. O Jacob e eu não. Embora a gente colabore, vote no PT, a gente não se filiou.

Então, desde os anos 70 você deixou qualquer militância partidária?
Sim. Mas é que além das dificuldades que já apontei, veio também um período em que a minha saúde se complicou bastante. Primeiro, há mais de dez anos, uma estereoctomia, seguida de dez anos de radioterapia. Logo depois da cirurgia, o parkinson, que me acompanha até hoje, colocando sempre mais limitações. Se eu tivesse saúde eu não levaria essa vida amorfa. Gostaria de poder participar mais das coisas, da vida. Hoje, eu não participo de nada.

Como você viu a derrocada do Leste Europeu e União Soviética?
A primeira sensação foi a de termos sido ludibriados durante muito tempo. Depois, no entanto, percebe-se que as coisas na União Soviética não andavam mesmo boas, o que aliás já era possível supor desde que estivemos lá. O problema é que em 1991, de uma hora para outra acabou tudo. Tudo aquilo que acreditávamos que iria para frente e garantiria uma vida melhor para os povos, que nos fazia sonhar que "a classe operária iria ao paraíso", caiu de repente. Daí então, nos questionamos se não vivemos uma grande utopia.

Você acha que viveu uma utopia a vida inteira, ou o mundo ainda muda?
Eu acho que pode mudar sim. E deve mudar. Os povos agora estão mais alertas e a reação também. Não vai ser fácil. Vai ser uma luta sangrenta. Isto é, já está sendo.

Seu pai chegou a ver tudo isso?
Não, ele morreu em 1976, com 89 anos, ainda sob o governo Geisel. Ele morreu ateu, acreditando na vitória do socialismo, do marxismo, do partido. Tanto que, no seu enterro, no cemitério do Caju, cumprimos uma vontade que ele sempre externou: apesar da ditadura, nós da família e alguns camaradas do Rio cantamos a Internacional. Foi um canto baixinho, sufocado. Mas cantamos. Se papai estivesse vivo em 91 entenderia o que aconteceu. O problema é que ele ia ficar muito sentido.

Você continua materialista e atéia?
Sim. Aqui em casa nós três somos materialistas. Isto não mudou. Mudou a nossa relação com a Igreja, no sentido de que desde os anos 60, com os papas João XXIII e Paulo VI, a própria Igreja Católica foi diminuindo sua intolerância não apenas com as outras religiões, como também com os comunistas e ateus. Os tempos mudaram.

Como você vê o Brasil e o Mundo?
O Brasil, vejo como um país onde para o povo, para os trabalhadores, ainda falta conquistar, quase todos os direitos. Enquanto isso tem uma meia dúzia por aí com todas as garantias, roubando a torto e a direito e nada acontece para eles. Quanto ao mundo - pode ser que seja um exagero meu - acho que está caminhando para uma nova era fascista. Desde que aquele avião pilotado por um alemãozinho aterrissou na Praça Vermelha em Moscou e não houve qualquer reação, passei a acreditar que as coisas já haviam degringolado. Em outra época, teriam metralhado o avião... Agora, pegaram o alemãozinho, prenderam e depois soltaram logo! Eu tenho o pressentimento de que os nazistas, os fascistas, podem tentar voltar, mas não conseguirão.

No pasarán?
No pasarán. Pelo menos, desejo que no pasen.

Mas, frente a tudo isso, você acha que valeu a pena?
Em parte sim. Claro que valeu a pena viver tudo isso, ter participado ativamente da política, ter me engajado desde bem cedo na política de esquerda, ter conhecido tanta gente legal, decente, digna, não só do PC, como em outros partidos dos quais nos aproximamos, com os quais nos aliamos ou apoiamos. O que não foi muito bom, é que eu deveria ter lutado mais pelos meus direitos e pelos direitos da minha filha.

Bem Dona Idealina Silva Fernandes Gorender, acabamos as nossas perguntas. E a senhora gostaria de declarar ainda alguma coisa perante este Tribunal da História?
Não, doutor, eu não fiz nada disso. Foi meu pai, ele era comunista. Minha família toda era comunista. Eles me levaram para fazer essas coisas. E tá-tátá: Teje presa!

Alípio Freire é editor de T&D. Carlos Eduardo Carvalho é membro do Conselho de Redação de T&D. Rose Nogueira é jornalista e videomaker.