Política

As revelações de Maria Augusta Oliveira, dirigente do Partido Comunista na Paraíba.

Maria Augusta tem 75 anos, três filhos, sete netos e um bisneto. Paraibana, "nascida na cidade de Bananeiras, em 21 de outubro de 1918, sob os auspícios da Revolução Soviética, vou morrer sob o fracasso da União Soviética". Conhecida de muita gente das gerações mais jovens como a mãe de David Capistrano Filho, ex-prefeito de Santos (1993-96), para muitos ela é Maria Augusta Capistrano, mulher de David Capistrano, dirigente comunista assassinado pela ditadura militar em 1974, depois de uma vida que inclui a participação no levante de 1935 e na Guerra Civil Espanhola, além de passagens pelas prisões francesas e nazistas. Mas nossa entrevistada deve ser lembrada também como Maria Augusta Oliveira, dirigente do Partido Comunista na Paraíba e candidata comunista à Constituinte de 1946. Com a palavra, Maria Augusta.

Mulher e comunista, na Paraíba?
Maria Augusta - Eu era estudante e participei da anistia de 1945, que depois resultou na organização do PC. Fui uma das pessoas que organizou o PC na Paraíba, fiquei na direção estadual, na Comissão de Finanças. Na Constituinte de 1946, o partido me lançou candidata. Tinha uma companheira de chapa, Luzia Cleirot. Sabíamos não ter a mínima condição de ser eleitas. Só conseguíamos eleger um deputado, e esse deputado preferencial era o João Santa Cruz de Oliveira, um advogado de prestígio. Sofri uma campanha muito grande por parte da Igreja, algo escandaloso. Uma moça, jovem e candidata pelo PC, era uma coisa absurda naquele tempo. Dois anos atrás, o historiador da Paraíba, José Otávio de Freitas, disse que a Paraíba teve uma das primeiras mulheres candidatas a um cargo eletivo. Ele achou interessante que o candidato preferencial tenha recebido 700 votos e eu, debaixo desse fogo, sendo mulher, 150. Uma votação muito honrosa para a época, pela minha situação, candidata pelo PC e ex-aluna da Escola Nossa Senhora das Neves. Deixei a escola formal muito cedo, e me meti logo com esses movimentos políticos. Pretendia me tornar uma autodidata, como base para a atividade política. Li muito desde os 13 anos. Fui muito influenciada por Simone de Beauvoir. Com seis irmãos e três irmãs, nunca quis seguir a vida das mulheres do meu tempo. Só queria seguir a vida dos meus irmãos. Naquela época, se você tivesse um interesse político e quisesse desenvolvê-lo, era necessário mesmo que passasse a ter um comportamento semelhante ao dos rapazes. Se conformar naquela coisa da mulher não dava. Em João Pessoa tinha o Paraíba Hotel, onde só entravam homens. A única garota que teve o topete de entrar lá fui eu. Não que eu fosse excepcional, mas porque meus irmãos me aceitavam como companhia.

Você era a mais nova?
A mais nova, a décima filha. Eu me tornei bem diferente das mulheres da minha idade. Meu pai, Luiz de Oliveira, foi superintendente do abastecimento d’água da Paraíba. Lá não tinha água encanada; meu pai, apesar de não ser engenheiro nem nada, era de confiança de João Machado. Em 1930 ele era jornalista. O José Otávio de Freitas disse que meu pai foi a pessoa que mais publicou artigos durante a campanha do movimento liberal. Depois de 1930, ele rompeu com o esquema do José Américo [de Almeida]. Foi diretor de jornais, vereador na capital e prefeito de Pilar, onde nasceu. Além disso foi diretor do Patrimônio do Estado, redator do Jornal Oficial e criou um jornal chamado Brasil Novo — no qual torrou o resto do dinheiro que possuía. Antes de 1930, ele era comerciante, mas depois resolveu largar tudo, e se dedicar apenas à política; as coisas então ficaram bem difíceis em casa. Nessa época eu tinha 14 anos.

Você nasceu no interior da Paraíba?
Nasci em Bananeiras. Meu pai foi para Bananeiras porque, nessa época, tinha um surto de café e com isso um grande desenvolvimento. Ele era meio aventureiro: vendeu a loja que tinha na capital e foi para lá, ficou comprando café e chegou a ter uma boa situação. Quem também nasceu lá foi o Ariano Suassuna. O meu pai era oposição ao pai dele, o João, que era governador. Meu pai era um grande orador popular, e certa vez fez um pronunciamento que não o agradou e por isso ele mandou prendê-lo. Nessa época eu tinha 4 anos. A prisão foi na rua. Quando vieram nos avisar, nós rebolávamos no chão: meus irmãos choravam e eu não entendia nada. Lembro que também chorava, mas depois olhei para um abajur daqueles que têm pingentes coloridos e esqueci tudo. Fiquei entretida com as contas do abajur.

Como seu pai encarou a sua participação no PC?
Ele foi companheiro político do pai de Carlos Lacerda, o Maurício de Lacerda. Isso por volta de 1912. E o Maurício, muito tempo depois, quando falava do futuro político do filho, dizia que, para avançar além dele, o filho teria de ser comunista, pois populista ele já havia sido. Bem, meu pai era um populista. Para avançarmos, tínhamos de ir para o Partido Comunista. Eu não fui a primeira pessoa na família a ingressar no PC. A primeira foi meu irmão, Severino de Oliveira. Ele influenciou muito na minha formação. A esquerda que apoiou a Revolução de 1930 esperava um avanço muito maior. Esperava que o movimento mexesse nas estruturas de uma forma mais rigorosa, nas estruturas agrárias, o que não aconteceu. Meu pai nunca se conformou com isso, em conseqüência foi muito perseguido na Paraíba. Sua participação política nunca foi ressaltada, pois todo esse pessoal que continua no governo da Paraíba ainda é ligado a seus antigos adversários.

Então, sua família sempre foi oposição?
Minha avó era materialista no sentido real da palavra. Ela não se achava materialista, nem sabia classificar o que era materialismo. Mas o praticava. Suas amigas passavam para ir à missa e perguntavam: "Delfina, você não vai à missa?" Ela respondia: "O que vou fazer na missa, se os santos da minha casa são iguais aos da Igreja?"... Considerava bobagem falar do Santo Papa: "O cara papa carne e farinha igual a você." Era muito realista. Viveu a luta pela Abolição e assistiu ao lançamento de Navio negreiro, no teatro Santa Izabel. Acompanhou isso tudo. A fase do romantismo, os poetas da era romântica e a luta pela proclamação da República eram coisas que eu ouvia ela contar. Era mãe de minha mãe, chamava-se Delfina de Albuquerque Montenegro.

E sua mãe?
Minha mãe também era uma pessoa muito inteligente, uma mulher que também participou de todos esses movimentos. Apoiava meu pai em todos os aspectos, mas teve dez filhos. A primeira vez se casou com 15 anos, teve três filhos, dois dos quais morreram. Logo ficou viúva. Conheceu então meu pai e apaixonou-se por ele, mas ele em seguida partiu para o Rio de Janeiro. Resultado: minha mãe largou o filho com minha avó e foi atrás do meu pai. Esses são meus antecedentes na família...

Nesse período o David Capistrano estava fora do país?
O David tinha um processo pela Lei de Segurança Nacional, por ter participado do levante de 1935. Ele era militante do PC, foi ganho para a base da Aeronáutica pelo Ivan Ribeiro, um dos homens mais bonitos que eu já conheci. Apesar de ter sido preso e incluído em processo, ele foi libertado porque era primário. E de lá foi para as brigadas espanholas. Participou da Guerra Civil Espanhola. Como o Apolônio de Carvalho, também foi para a França e acabou preso. Quando eclodiu a Segunda Guerra Mundial e a Alemanha decidiu invadir a França, o governo francês libertou os antifascistas, oriundos da Guerra Civil Espanhola, e passou a admiti-los na linha de frente da Resistência francesa. David foi um deles. Quando os alemães invadiram a França, o David foi preso e levado para a Alemanha. Dizem que o levaram por causa do nome. Achavam que era judeu. Lá, ele passou oito meses num campo de concentração e só foi solto porque o pessoal do Rio de Janeiro organizou uma comissão para pedir ao Getúlio pelos brasileiros que estavam na Alemanha. Hoje, dizem que o Getúlio trocou a Olga Benário por essas pessoas. O fato é que as duas coisas ocorreram mais ou menos ao mesmo tempo.

Quando eles voltaram, foram presos?
David voltou e foi para o Uruguai, onde estavam outros exilados brasileiros. Mas resolveu entrar antes da anistia, e foi preso aqui dentro. Ficou na Ilha Grande, junto com o resto do pessoal do partido, e só foi solto com a anistia. O PC achou então de mandar o David para dirigir o partido em Pernambuco. Com ele foi também o Francisco Leivas Otero, oficial do Exército, que ainda é vivo. Resultado: o David, que não era pernambucano e tinha vivido na Europa, acabou sendo eleito o segundo candidato mais votado em todo o estado entre todos os partidos. O PC tinha então uma força enorme em Pernambuco, e só lá elegeu quatro ou cinco deputados federais, em 1946. Deputados estaduais, elegemos 11. Foi por isso que eles cassaram a legenda. Não agüentaram. Naquela época, Pernambuco era considerado o terceiro pólo industrial do Brasil. Já na Paraíba a situação era bem diferente. Lá, tínhamos apenas uns intelectuais, estudantes e alguns artesãos. Foi durante a campanha que conheci o David, e aconteceu esse entrosamento. A gente não estava sabendo bem o que ia fazer. Isto porque, além de ter na Paraíba o meu papel político definido, eu tinha também uma influência muito grande de Simone de Beauvoir e, portanto, casamento não estava no meus planos de jeito nenhum. Casar, para quê? A mulher ficava casada e o homem continuava solteiro, vivendo... A mulher tinha de ter um filho todo ano, esse negócio todo. Então eu tinha lá as minhas teorias que não tinham nada que ver com o PC, nem com o marxismo, nem com nada. Era uma teoria extraída da observação da própria situação da mulher na sociedade brasileira e, como eu tinha essa abertura por causa do meu pai e meus irmãos, meti a cara logo na política. Como eu não ia ser eleita, mas o David seria, combinamos que terminada a campanha eu iria para Pernambuco ficar com ele.

E você foi para Pernambuco?
Fui para o Recife e ainda peguei a campanha eleitoral municipal. Se não me engano, fizemos nove vereadores na capital. Participei dessa campanha junto com Paulo Cavalcanti — que escreveu um livro e não disse que eu estava na caravana com ele. Sempre há algum lapso com relação às mulheres! Participei dessa campanha grávida. Nossos candidatos foram eleitos, empossados. Já havia acontecido a cassação do registro do Partido Comunista. Então, demos início à campanha contra a cassação dos deputados. Organizamos comícios e manifestações. Ainda tínhamos a ilusão de que não se chegaria à cassação. Mas se chegou! Foram cassados. A essa altura eu já estava com a gravidez bem avançada: oito meses. E a polícia foi prender o David em casa. Cercou o quarteirão onde a gente morava, durante a noite. De dia, levantaram o cerco. Quando eu fui de manhã comprar carne no açougue, o cara perguntou: "O que a senhora está fazendo aqui? A polícia cercou ontem à noite isso tudo." Comprei carne e voltei logo para casa. O David estava lá, dormindo placidamente. Contei-lhe o ocorrido, ele trocou de roupa e saiu de carro com um pessoal do partido que o escondeu. Ele só viu o David (Filho) quando nasceu, por apenas cinco minutos. Só olhou para a cara do filho e foi embora. Daí então o pessoal do partido deu um jeito para que ele fosse para o Rio de Janeiro. Eu me virei lá pelo Nordeste mesmo, e só vim para o Sul quando o David tinha 8 meses. Só então ele foi conhecer o filho direito. O nascimento de todos os meus filhos foi assim, na ilegalidade. Tinha gente amiga, como aqui no Hospital das Clínicas, onde a minha segunda filha nasceu. Mas o meu nome era falso. Saía com a carteira da criança, a carteira era falsa. Era tudo falso. Se eu morresse, não era Maria Augusta que tinha morrido.

Quantos filhos vocês tiveram?
Três. O David, a Maria Cristina — que é professora — e a Maria Carolina — que é economista.

Vocês foram para o Rio de Janeiro?
Fomos. Porém, mal chegamos e o David partia para São Paulo. Fiquei sozinha, num casarão enorme. Depois de uma porção de meses eu vim para São Paulo encontrá-lo. Não militava, mas acompanhava toda essa trajetória do partido, ficava como maluca dentro de casa porque divergia de um monte de coisas... Essa época todinha de Diógenes de Arruda Câmara foi horrível. Quase larguei tudo e caí fora. No Rio de Janeiro passei uma época de ilegalidade terrível, não nessa fase, em outra. Porque eu vim para São Paulo e depois voltei para o Rio. Lá o partido resolveu que o David tinha de passar dois anos na União Soviética. E eu fiquei com os três filhos. Com a Carolina, de 8 meses (quando o David voltou, ela não conhecia o pai), o David Filho, de 5 anos, e a Cristina. Nessa época, pensei que fosse enlouquecer, no Rio de Janeiro, sem família, sem poder saber onde estava ninguém. Só tinha um cara que, de mês em mês, vinha me trazer uns tostões na esquina para eu sobreviver. Então, resolvi ir embora para a Paraíba. Já fazia dez anos que a minha família não sabia se eu estava viva ou morta.

As mulheres, para serem vistas como iguais, têm de dar de 10 a 0 nos homens...
Eu sempre conciliei muito bem essas coisas todas, e estou muito satisfeita em ver esse comportamento da mulher hoje. Porque eu sempre soube combinar minha decisão, minha liberdade e me manter muito feminina. Eu não era admiradora apenas de Simone de Beauvoir. A França teve outra mulher de grande importância, pois a importância de um indivíduo não se dá só quando ele atua politicamente num partido. A importância de um indivíduo reside no fato de ele se sobressair numa sociedade e colocar posturas avançadas. Nesse sentido, a Coco Chanel foi uma mulher que teve uma importância muito grande na França. Porque, se a Simone de Beauvoir teorizou, Coco Chanel, com sua capacidade profissional, conseguiu dar um avanço muito grande à cabeça das mulheres. Hoje a mulher moderna usa cabelo curto, comprido, como quiser. Mas naquela época os homens impunham que deveria ser comprido e preso num coque. Foi necessário que Chanel lançasse a moda do cabelo curto, como um grande passo para a mulher se libertar dessa imposição. Foi o tal do cabelo à la garçonne, que era um corte de cabelo igual ao de homem. Eu usei esse corte, acompanhei esse processo, e desde os 11 anos me meti a costurar e confeccionar minhas próprias roupas. Eu acompanhava muito a moda, os figurinos. Tenho uma porção de livros sobre a história da moda. A história da moda margeia toda a história da sociedade humana e tem uma importância muito grande.

Ela reflete o comportamento.
Muitas vezes ela se põe à frente, como foi o caso de Chanel. Então eu tinha uma cabeça diferente de algumas mulheres do partido. Nunca deixei de ser vaidosa e me vestir bem. Eu era contra umas companheiras universitárias que iam à reunião no morro de rabicho, todas maltratadas. Ora, o povo não é idiota. Sabe que somos de outra classe social. Em 1968 voltou essa onda, todo mundo saindo de casa para viver miseravelmente, fazendo de conta que era pobre. Outro comportamento que eu nunca apoiei foi esse negócio de que, para ser avançada, tinha de não ser virgem... Eram coisas muito artificiais dentro do contexto mais geral da nossa sociedade. Até hoje a nossa sociedade é conservadora.

Nos anos 40 e 50, o partido era muito moralista?
Era extremamente moralista. O David também era. Eu sempre disse que o Partido Comunista não era uma passagem com um capacho onde você deixava toda a sujeira da sociedade e entrava puro, porque era comunista. Isso não existe. A pessoa é comunista como a pessoa é. Agora, ela pode fazer uma revisão de sua educação. Mas não existe a condição de se livrar de toda a carga da sociedade em que vive. A família toda do David é extremamente religiosa. Suas duas únicas irmãs foram freiras. Ele dizia que para as irmãs isso foi um grande avanço, porque duas moças que moravam no sertão do Ceará, num lugar atrasadíssimo, iam casar com um boiadeiro e juntar dez filhos. Então, do ponto de vista social, foi um avanço pertencer a uma organização mundial. Algo parecido aconteceu com ele. Porque sua ida para o Partido Comunista foi um grande avanço social. Um menino que, ao ir para o Rio de Janeiro, começou lavando prato no restaurante, sentou praça na Aeronáutica e acabou ascendendo. Foi uma vida produtiva e interessante, que repercutiu positivamente para os filhos.

Como foi sua relação com o partido?
Eu comecei a ter problemas com a direção do PC já na Paraíba, porque discordava das orientações dos assistentes do Comitê Nacional. Eu achava que nós, como pessoas da região, conhecedoras da política local, tínhamos de orientar a política generalizadora do partido. Uma das coisas mais erradas que os comunistas já fizeram na vida foi dar uma única orientação a todas as regiões do mundo. Como poderia dar certo? O partido tinha uma linha muito geral. Ninguém podia trabalhar com aquilo na base, porque não tinha nada a ver com aquela realidade. Até porque a maioria das pessoas não estava no Partido Comunista por saber o que era o marxismo, o socialismo em sua profundidade. As pessoas aderiam porque o partido oferecia condições de luta ao povo brasileiro. Mas o partido enviava circulares, dizendo que tínhamos de fazer reuniões, organizar festas em comemoração ao aniversário da Rosa Luxemburgo...

Ninguém sabia quem era ela?
Nem eu sabia direito. Eu achava que tínhamos de cultuar os nossos heróis, os homens que lutaram pelas causas populares. Tinha ainda outro problema: eu era conhecida na Paraíba. Filha de quem eu era, uma moça diferente, e dentro do partido esses dirigentes não gostavam de mim, porque queriam que eu mudasse de postura. Queriam que me tornasse uma pessoa "séria", isto é, carrancuda. Me chamavam de espiroqueta! Eu já era comunista, mas gostava de festa. Para falar a verdade, na Paraíba eu não era conhecida pelas concepções do PC. Era conhecida pelas minhas idéias a respeito da vida. Acredito que foi por isso que tive 150 votos. Eu ia para as festas bem vestida, mostrava que era uma moça igual a todas as outras, que não tinha mudado nada por ter entrado para o PC. Tinha uns que não gostavam de mim porque eu não cultuava. Eu não cultuava porque nasci e fui criada com meu pai político, com todas essas personalidades políticas passando pela minha casa. Até o general Ernesto Geisel passou pela minha casa em 1930. Meu pai morreu pobre porque não cultuava ninguém.

Você nunca foi à União Soviética?
Primeiramente não queria filho meu indo para a União Soviética, estudando lá — com isso, o David concordava. Filho de comunista tem de estar batalhando igual aos filhos de todo mundo. Foi assim que criamos os nossos. Cristina começou a trabalhar com 15 anos de idade, Carolina com 17, trabalhava lá no Jornal dos Sports, e o Davizinho, porque fez medicina, trabalhava na faculdade mesmo. Também sempre fui muito pretensiosa. O David tinha seus compromissos de partido que o levavam a União Soviética. E eu? Ia fazer o quê? Ia ser esposa do David na União Soviética? Pera lá! Meu negócio é Brasil. Nunca aceitei sair deste país, a não ser em conseqüência de meu trabalho no Movimento pela Anistia (1979). Mas nunca como apêndice do David. Eu achava essa política errada: quando o cara se projetava como liderança popular, o partido colocava na direção e depois mandava para a União Soviética. Resultado, o cara voltava de miolo mole, sem saber mais o que ele era.

De volta à Paraíba, como foi o trabalho de organização das mulheres no estado?

Isto foi, mais ou menos, em 1952. O David foi para a União Soviética e eu fui para a Paraíba. Procurei alguns companheiros, mas eles me disseram: "Aqui não tem nada para você, o partido não tem condições financeiras." Minha família também estava muito mal de vida. Mas, quando minhas amigas souberam que eu tinha voltado, fui muito bem recebida. Consegui com elas uma casa e alguns móveis. Nesse meio tempo, a polícia descobriu um Curso Stalin*, que estava se realizando na Paraíba. Aí espirrou todo mundo. Foi gente presa. Estouraram o negócio. Então mandaram uma companheira para minha casa. A gente tinha contato com os companheiros e companheiras daqueles bairros mais modestos, atrás de desenvolver alguma atividade legal. Foi então que deu o estalo: organizar mulheres nos bairros da cidade. Primeiro, começamos a visitar mulheres de companheiros. Depois, passamos a convidar as mulheres do bairro para conversar, para saber como levantar as reivindicações do bairro. Criamos uma organização em quase todos os bairros populares de João Pessoa. Partimos, então, para a Grande João Pessoa, organizando alguma coisa nos municípios vizinhos como Santa Rita e Cabedelo. Tudo isso organização de base. Ficou um corpo sem cabeça. Durante uma conversa me falaram de uma antiga conhecida, uma poetisa, que tinha participado nas últimas eleições mas não tinha sido eleita. Ofélia Ozias, jornalista, da Associação de Imprensa. Fui falar com ela, me apresentei dizendo: "Nós temos uma organização de mais ou menos 150 mulheres. Precisamos de uma cabeça para esse corpo." Propus a criação de uma associação, em que ela ficaria com a presidência e nós com os demais cargos. Eu não queria nenhum cargo. Ela topou... Antes de oficializar a Associação, já tínhamos feito várias coisas, como levar as mulheres com reivindicações ao prefeito; construção de lavanderias nos bairros e calçamento de algumas ruas. De vez em quando, juntávamos um bando de mulheres e mandávamos para a prefeitura.

O partido acompanhava este trabalho?
Foi nesse momento que recebi o recado de que uma pessoa queria falar comigo. Fui ao encontro dessa pessoa, nunca soube seu nome. Era superclandestino, ilegal. Era de Minas Gerais e jovem. Era o tal "assistente", que explicou que queria falar comigo porque algumas coisas precisavam ser corrigidas. Eu nem esperei acabar e fui falando: "Então você veio lá de Minas corrigir um trabalho que foi feito a partir do nada, e de que vocês tomaram conhecimento porque já é até alguma coisa? E acha que tem alguma coisa para me adiantar, eu que sou dessa terra, que sempre atuei aqui, que conheço a política da Paraíba, as pessoas, os políticos? Por que vocês estão na ilegalidade, acham que têm alguma coisa para me adiantar?" Ele ficou arrasado.

Nesse tempo todo, você e o David não estavam morando juntos?
Não. Eu tinha ido sozinha para a Paraíba. Quando o David chegou ao Rio de volta de Moscou, eles mandaram me buscar. Fiquei num aparelho. Nós estávamos sem nos ver há dois anos. E eles nos deram só 20 dias para ficarmos juntos e depois mandaram o David para o Ceará, sozinho. Eu fiquei no Rio de Janeiro. Após dois meses mandaram me buscar. Cheguei ao Ceará e me vi com os três filhos numa condição terrível: na casa de uma família de dez pessoas, vivendo nas condições mais precárias. Eu fiquei como uma doida. Arranjei uma casa. Logo em seguida, mandaram o David para o Norte e fiquei no Ceará. Mas essa situação não durou muito. David voltou com as passagens, e fomos para o Recife, legalmente.

Quanto tempo durou isso?
Eu acho que David chegou da União Soviética em 1952, e nós fomos para o Recife no começo do governo de Juscelino, em 1955. Lá o David ficou na direção do jornal. Aliás, não é exagero afirmar que o jornal A Hora foi mantido por influência minha sobre o David Capistrano. Isto porque, no começo da década de 1960, o David foi chamado para uma reunião no Rio, na qual a direção informou que estava decidido acabar com a imprensa partidária, argumentando que a imprensa no Brasil tinha evoluído muito, estava moderna e a nossa imprensa não podia acompanhar essa evolução. Ora — pensei — toda vida existiu imprensa alternativa. Tratava-se portanto de uma posição liquidacionista. Argumentei, portanto, que isto era um absurdo: o jornal A Hora era o porta-voz legal do partido. Fechá-lo seria nos jogar de cabeça na ilegalidade. Então, ameacei: "Olha, David, eu já agüentei muitas outras coisas. Mas, se fechar o jornal, eu pego os filhos e vou-me embora daqui." E o jornal foi mantido.

Quando veio o golpe vocês estavam em Pernambuco?
Eu lia constantemente os jornais, principalmente o Diário de Pernambuco, e estava percebendo a movimentação da esquerda. Quando David chegava em casa, colocava o pijama e ia para o portão, eu ia atrás. Às vezes, ele dizia: "Eu não quero mais conversar sobre política, não agüento mais." Mas eu insistia em perguntar se aquela história de defesa da democracia, processo democrático, era para valer, se não existia nada além daquilo. Ele sempre respondia com outra pergunta: "Que história é essa?" Para mim, porém, se eles não tinham nada preparado para a defesa dessa tal democracia, estavam muito mal, porque o golpe estava sendo preparado, e eles não estavam acompanhando os movimentos do inimigo. Bastava ler os editoriais do Diário de Pernambuco e do Jornal do Comércio. Estava claro, para quem lesse nas entrelinhas, que se preparava o golpe. No dia do discurso do Jango [João Goulart] para os sargentos*, às vésperas do golpe, o David estava deitado numa rede na varanda e eu estava costurando com meu rádio de pilha ligado — que eu ouvia o tempo todo. Eu fiquei como uma louca. Acordei o David. Ele me perguntou o que havia de errado. Mandei ele ouvir o discurso do Jango. Para mim, quando um presidente da República que apela para os cabos e sargentos é porque já perdeu os generais. Lembro que ele subestimou minha preocupação, afirmando apenas: "Lá vem você com essas coisas!" Em seguida, quando eu estava comentando que o discurso de Jango era patético, o Davizinho foi entrando e também dizendo: "Lá vem você com essas coisas!"

E o que você fez?
No dia seguinte, o David saiu de casa naquele jipe, manso. Aí começou o bafafá. Eu tinha tanta certeza do golpe que vivia com a minha roupa e a dos meus filhos arrumadinhas: não deixava uma peça suja. Por isso, escapei. Pela manhã distribuí uma porção de roupas em três sacolas, dei a cada um dos filhos a sua, peguei a minha e saí. Fui em direção ao centro da cidade, para o Sindicato dos Feirantes. Quando estava andando na rua, lá veio o David na maior placidez, dirigindo aquele jipe. Perguntei o que eles estavam fazendo, desfilando de jipe, enquanto havia um golpe na rua. Ele disse: "E você e esses meninos?" Respondi: "Ah me deixa, te manda." Eu fui para o Sindicato dos Feirantes, e lá encontrei aquele pessoal num fala-que-fala. Tinha chegado uma petebista do esquema do Jango, do interior do Rio de Janeiro, para preparar a passeata e estava lá falando abobrinha. Conversei com um companheiro que me explicou que estavam preparando uma passeata. Argumentei que estavam loucos, não tinham armas com que reagir ao golpe. Ele me acusou de pessimista. Pedi então a palavra e fiz um discurso. Falei que ninguém estava preparado para a luta armada, que o golpe estava ali, e que teríamos de saber recuar. Os caras do partido diziam que a orientação era ir para a rua em passeata, e que Maria Augusta, mulher de David Capistrano, não apitava nada. Davizinho sugeriu que fôssemos para o Sindicato dos Bancários, onde os estudantes estavam reunidos e poderia encontrar o Jonas (que era como um irmão para ele). Quando chegamos em frente ao Sindicato, veio uma Kombi toda mal pintada com um dirigente do partido. Ele mandou que eu entrasse. Pensei que já haviam percebido o perigo e queriam esconder a mim e a meus filhos. Mas que nada! Ele queria me levar para o Sindicato das Tecelãs, onde as mulheres estavam reunidas. Eu fiquei puta! Lá, a história se repetiu: a orientação do partido era para as mulheres saírem em passeata. Discursei outra vez: "Passeata o quê, minha gente! O golpe está na rua, e a primeira coisa que vai ser feita é o cerco dos sindicatos. Então vocês fiquem aqui, eu estou indo." Um companheiro veio atrás da gente. Ele e uma companheira cabeleireira. Andamos uma quadra. Quando olhamos para trás, o Exército já estava descarregando. Os meninos que estavam reunidos no Sindicato dos Bancários foram para a frente do Palácio, que estava todo cercado. Eles foram para lá em passeata, com duas bandeiras brasileiras. O Exército abriu fogo e matou dois meninos. Quando eu saí dali, imediatamente os ônibus ficaram lotados, as pessoas todas em pé. E o ônibus que tomamos passava exatamente em frente ao Palácio do Governo, quando o povo passou em frente e viu o Exército, as lágrimas corriam. Um silêncio imenso naquele ônibus. Eu fui para a casa de uma amiga de infância que morava afastada. Os meninos ficaram na sala. Eu fui para o fundo e ligamos o rádio. Os meninos haviam levado outro rádio, que ouviam na sala. De repente, ouço um grito que nunca mais saiu dos meus ouvidos. O grito mais sofrido que já ouvi. Corremos para a sala, e o Davizinho disse: "Mamãe, mataram Jonas e Ivan." Eram os dois amigos mais ligados a ele. Eram duas crianças. Se o David não tivesse a mãe que tem, teria morrido também.

O David estava com quantos anos?
O David estava com 15 anos, o Jonas era mais velho do que ele dois anos. Desde pequenos participavam juntos das atividades secundaristas. Depois da morte do Jonas e do Ivan, eu voltei para o bairro onde morava, Campo Grande, e fiquei na casa de uma vizinha. Eu e meus três filhos não podíamos sair de casa. Nem no quintal, porque a casa era no centro do terreno. Ficamos numa situação difícil, a família era muito grande, era uma confusão, mas era muito solidária. Até que um dia recebi um bilhete de uma amiga de infância da Paraíba, casada com um banqueiro, e que estava morando em Pernambuco. Ela tinha um grande carinho por mim, e dizia que se eu tivesse dificuldade fosse para a casa dela, porque era seguro. A polícia me prendeu ao chegar na casa dessa amiga, já uns 20 dias depois do golpe. Agora, os policiais eram dois sujeitinhos jovens que, uns três meses antes do golpe, apareceram em casa, dizendo que eram de O Estado de S. Paulo, e queriam entrevistar o David. Eles levaram a mim e ao Davizinho. As meninas ficaram. Cristina tinha 13 anos e a Carolina, 10. Fui colocada numa sala com outras mulheres na Delegacia de Ordem Política e Social. Entre elas estavam a doutora Nair de Teodósio, as secretárias de Habitação e de Educação do governo Arraes, enfim todas as mulheres do tempo de Arraes e também de outras linhas políticas. A Célia Lima... E a cada dia o grupo aumentava: a Maria Celeste, que era do grupo de Julião (Francisco Julião, líder das Ligas Camponesas), foi uma das mais torturadas. Passei cinco dias nessa sala. E o Davizinho no meio dessa mulherada. Eram mulheres da Liga Camponesa, mulheres de orientação de base, algumas lideranças populares. Depois de cinco dias, pegaram todo o grupo e levaram para a cadeia pública. Foi aí que me separaram do meu filho e eu fiquei incomunicável.

O que aconteceu com ele?
Só fiquei sabendo depois que eu saí da cadeia. Levaram o David para o Juizado de Menores. Uma das minhas amigas se comunicou com a família do David no Ceará, dizendo que eu e o Davizinho estávamos presos, o pai estava foragido e queria acertar com eles o procedimento que deveriam ter com as duas meninas. Ao mesmo tempo minhas amigas procuraram minha cunhada, freira, que trabalhava num colégio de crianças abandonadas. Naquele momento a Igreja já estava meio liberada, aceitando a relação das freiras com a família comunista. Consentiram que a Irmã Luiza se interessasse pelo nosso problema. Procuraram meu filho e souberam que ele estava no Juizado. Então a freira se comunicou com o resto da família no Ceará e acertaram que alguém viria buscar os três. O juiz deu permissão ao David para ir junto com as irmãs, inclusive porque já estava perturbando o Juizado.

O que ele estava fazendo?
David começou a dar aula para os meninos, alguns até delinqüentes. Então acharam que aquilo já era subversão. Estavam querendo se ver livres dele, porque era um elemento muito estranho no meio daquela garotada. Deixaram-no ir, mas o Exército não concordou. Quando o empregado que os irmãos do David mandaram para buscar os meninos chegou no aeroporto de Fortaleza, tinha um pessoal do Exército para interditar os comunistas que tinham chegado naquele avião. Os comunistas eram David Capistrano Filho, Maria Cristina Capistrano e Maria Carolina Capistrano. O oficial que comandava o pelotão para levar os comunistas presos ficou arrasado: "Deve haver algum engano. São duas garotas, uma de 10, outra de 13, e um garoto de 15 anos..." A resposta foi que as duas podiam ir, mas o David era um subversivo e que voltaria preso para o Recife. E o colocaram na 7ª Região Militar, preso com várias lideranças comunistas adultas. Isso tudo eu soube depois. Eu não tenho a data precisa. Mas, se o golpe foi em 1º de abril, eu fui presa no dia 21, e fiquei, mais ou menos, um mês na cadeia. Quando eu soube dessas histórias, fiquei como louca, não sabia onde estava meu filho.

Foi aí que você fez contato com a família do Murici?
Recebi um bilhete de uma prima da mulher do general Murici, dizendo que eu podia ir à casa do general — veja só, do chefe do golpe — que ele iria me receber bem. Fui à casa do general muito apreensiva. Tinha um soldadinho na frente que perguntou o que eu queria. Disse que iria falar com dona Virgínia Murici. Apareceu um senhora grávida na varanda, com mais uma criança pequena no colo, mandou que eu entrasse. Cumprimentei-a, disse quem era, que tinha saído há dois dias da prisão. Ela mostrou-se indignada e ofereceu-se para ajudar. Falei que tinha sido liberada mas que meu filho continuava preso. Ela mostrou-se surpreendida, ligou para o marido e disse que eu estava lá. Queria saber onde é que estava o meu filho, que ela achava isso injusto, uma criança de 15 anos presa. Que esperava uma resposta dele. Pouco depois, o telefone tocou e era o marido, o comandante-geral, dizendo que não estava fácil, porque o menino estava com o Bandeira, que era conhecido como um dos mais temíveis. Ela disse que não tinha nada com o Bandeira: "Meu negócio é com você, a mãe vai continuar aqui esperando." Voltou, ficou conversando comigo, e em pouco tempo veio a resposta. Eu podia visitar meu filho na 7ª Região Militar. Fui lá. Fui recebida e conduzida a uma sala cheia de corredores. David chegou cercado por dois soldados armados de metralhadora. Ao passar no corredor alguém mandou que os soldados voltassem e o David veio sozinho conversar comigo.

Como foi este reencontro?
Ele estava muito animado. Sabe como é, uma criança presa junto com uma porção de personalidades. Estava até meio orgulhoso. Pediu muitas coisas, roupas para ele e para os outros. Vieram buscá-lo. Quando eu estava saindo, fui abordada por um oficial, que me levou ao gabinete para fazer a ficha do David, e voltar a visitá-lo na quinta-feira seguinte. Arrumei tudo e na quinta-feira voltei à 7ª Região. Estranhei porque o David não chegava. Um oficial me chamou no corredor e disse: "Cadê a ficha do seu filho? Seu filho não vai ter visita porque é insubordinado, está numa solitária. A senhora quer me dar a ficha dele?" Eu dei a ficha, ele a picou. Larguei os pacotes lá, apanhei um táxi e fui bater na casa da dona Virgínia. Uns três dias depois, às vésperas do aniversário do David (7 de maio), ele foi solto. Rasgar a ficha foi uma armação para tomá-la das minhas mãos, porque seria uma prova, num processo jurídico, de que estiveram com uma criança presa quase por um mês.

Quando vocês voltaram a encontrar o David pai?
Antes de ser presa, recebi um comunicado de que o David estava salvo, em lugar reservado. Não sabia onde. E foi onde ele ficou até setembro, outubro. Ele e outros, Amaro Cavalcanti foi um deles, ainda editaram um jornal mimeografado chamado O Combate. Dias depois de eu ter saído da cadeia, recebi um recado para me encontrar com alguém numa esquina. Chegando lá, era o próprio David. Achei loucura. Mas ele disse que queria ver a mim e às crianças. Foi rápido. Outra vez, me levaram para esse sítio onde eles estavam, mas não sei onde era. Só sei que era um lugar muito bonito e, no caminho, antes de deixar a cidade, alguém dentro do carro avisou: "Abaixa todo mundo que o Álvaro da Costa Lima vem num carro." Era o secretário da Segurança. David ficou nesse sítio até que fosse possível ir para o Sul. Desse sítio ele foi para o Rio de Janeiro.

E vocês ficaram em Pernambuco?
Ficamos. Quando o Exército entrou na minha casa, entrou pela porta do fundo e tirou apenas os livros, documentos. Mas depois deixou a polícia tomando conta da casa. A solidariedade dos meus vizinhos foi tão grande que, quando o Exército saiu, eles se arriscaram e tiraram algumas coisas que achavam importante salvar para mim, antes da polícia chegar. Depois veio a polícia para ficar na guarda da casa e levou tudo... Quando voltei só tinha os colchões. A casa estava imunda, louça quebrada... E ainda levavam mulher para dormir lá dentro. Os vizinhos limparam, arrumaram, trouxeram comida, roupa de cama. Tem uma amiga de infância da Paraíba, a Iraci dos Santos Souza, que foi uma pessoa incrível e me ajudou muito nessa época.

E vocês viviam com que dinheiro?
A minha filha menor, Carolina, de 10 anos, tinha aprendido uma técnica de pintar em tecido. Tinha uma vizinha que fazia pesquisa da Nestlé e convidou a Cristina para ajudá-la. Eu costurava para fora, sempre gostei de costurar. Colocamos uma placa: "Pinta-se tecido. Costura-se. Ensina-se Inglês e Admissão." Quem ensinava Inglês? David, que tinha só dois anos de curso e até hoje ainda não sabe inglês. De vez em quando o pessoal do partido me dava um pouco de dinheiro. Aos poucos, fomos conseguindo o suficiente para passar esses seis meses, precariamente. Quando estava no aperto, vendia alguma coisa de mais valor. E para vir embora fui primeiro para João Pessoa, depois Campina Grande e de lá segui para o Rio de Janeiro. Rompemos o ano na Bahia, porque o ônibus quebrou. Quando finalmente chegamos, ficamos hospedados na casa de uma pessoa que havia sido companheiro do David na Revolução Espanhola, colega de turma na Escola de Aviação, o José Corrêa de Sá. A viagem durou quatro dias.

Aí vocês entraram na clandestinidade?
David era clandestino, mas a minha movimentação não. Porque eu não sou casada oficialmente com Davi Capistrano. Na qualidade de Maria Augusta de Oliveira eu tinha minha casa e fazia minha vida. Só que agora dentro da minha casa morava esse homem que tinha um nome diferente, ninguém sabia quem era. O Rio de Janeiro era um lugar muito bom, acho que o melhor do país para se viver. Eu morava na rua Andrade Neves, uma rua de classe média mais ou menos alta. Minhas filhas foram estudar no Colégio Pedro II, onde tinha uma boa base do partido. Foram eles que conseguiram matrícula para os meus filhos. Todos com o meu nome. A Cristina e a Carolina foram para o Pedro II e o David matriculou-se numa escola noturna no Méier, no último ano científico. De dia ele fazia um curso para prestar vestibular de medicina.

O partido dava alguma ajuda financeira?
O dinheiro do partido vinha por intermédio do David, mas só dava para pagar o apartamento. O resto eu arrumava costurando. Mas depois o David começou a trabalhar por intermédio do Correia de Sá, que tinha um escritório de comissões e consignações. O David usava a identidade de um companheiro aviador que morreu na Revolução da Espanha, Enéas Rodrigues da Silva. Apesar disso, passamos grandes sustos. Numa noite de Ano, o David estava em casa. Ao romper do ano, deram um tiro num apartamento vizinho. A moça do apartamento era amante de um coronel do Exército, que achou de festejar o Ano Novo dando um tiro. A bala ricocheteou e veio bater na criança, filha da amante dele, de quatro anos. Deu um rolo danado. Quando aconteciam essas coisas, o David tinha de se ausentar. No final, ele teve de se ausentar de vez, porque minha filha Cristina rachou com o partido e foi para o PCdoB.

Eles se envolveram, os três, na militância estudantil da época?
Os três não. Carolina nunca se envolveu. Ela botou na cabeça que tinha de ser o esteio financeiro da família. Com 17 anos fez vestibular de economia, já trabalhava no Jornal dos Sports no Rio, e segurava as pontas, porque o David ganhava só para o apartamento. O resto era eu na máquina.

Maria Cristina e David militavam?
David militava no PC, e Maria Cristina rachou para o PCdoB. O Pedro II foi um dos maiores redutos desse racha. Ela ainda ia fazer 17 anos. Eu tive de arrumar outro apartamento para o David morar sozinho. Porque ela era muito jovem, podia ser presa, sabia onde a gente estava morando. Ela ficou no PCdoB até 1971, quando foi presa pela Marinha do Rio e muito torturada. Foi presa junto com o Tarso, filho de Armindo Donato, um ginecologista, também do partido, que aliás é muito meu amigo. Passamos uns 20 dias sem saber de nossos filhos, até encontrá-los na Marinha.

Quando Cristina foi presa ainda morava na casa com vocês?
Já tinha saído. Ela foi presa por isso. Ela e o Tarso saíram de casa, um sem saber quem era o outro, usavam nome de guerra. Saíram para configurar um casal, para fazer um aparelho do PCdoB, e foram descobertos. Duas pessoas completamente estranhas, num bairro daqueles, um bairro da Zona Norte, o próprio pessoal do bairro estranhou.

Vocês continuavam no Rio nessa época?
É. Consegui alugar um apartamento pequeno, de um quarto, para o David, no Engenho do Meio. Depois de um certo tempo, aluguei outro apartamento para mim, na rua Barão de Mesquita, me mudei, e David veio para casa de novo. E quando ele viajou para a Tchecoslováquia, em 1971, saiu desse apartamento da Barão de Mesquita sem saber que Maria Carolina tinha sido presa. Veio a saber depois. Agora, veja só, esse negócio de morar na Barão de Mesquita tem uma singularidade. Ficava a duas quadras do quartel. David desapareceu em 1974. A minha filha saiu para trabalhar no Jornal dos Sports e, quando eu vi, estava voltando. E disse: "Mãe, papai entrou mas desapareceu." A gente já estava sabendo que ele tinha voltado, já tinha todo um esquema para me encontrar com ele aqui em São Paulo. Depois do desaparecimento do David, foram continuamente desaparecendo os dirigentes do partido. Os familiares procuravam o escritório do Modesto da Silveira, advogado de presos políticos. Fomos nos agrupando com o apoio dele e esse foi o primeiro movimento coletivo que se fez contra a repressão no Brasil. Primeiro, eram famílias que iam muito timidamente, depois formou-se um grupo, o Grupo de Familiares de Presos Políticos. Fazia-se um trabalho mais organizado de procurar o apoio da sociedade civil, a ABI (Associação Brasileira de Imprensa), a CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil).

A partir de 1974, na prática, você passou a ter atuação mais visível?
Eu fiquei abaladíssima, porque um dos primeiros lugares onde nós fomos foi o quartel da Barão de Mesquita. Levei minha cunhada, que era freira, para dar mais respeito. Fomos recebidas pelo sargento, que disse: "Ora, minha senhora, isso aqui não é prisão, é um quartel." Mas se traiu. Olhou para minha cunhada e perguntou: "Ela é irmã dele?" Minha cunhada é parecidíssima com David. Saímos certas de que pelo menos o David tinha passado por ali. Depois, saiu uma notícia daquele bandido, daquele médico que assistia tortura, o [Amílcar] Lobo, que dizia que David foi a última pessoa que ele assistiu na tortura na Barão de Mesquita. Enquanto eu estava louca pelo mundo, o David estava sendo torturado na vizinhança de nossa casa. Mais recentemente, ano passado, teve outra reportagem da Veja. Eu não acredito nessas versões, para mim isso tudo é meia verdade. Eu acho que aquela reportagem da Veja pode ter tido a intenção de nos paralisar, no sentido de procurar localizar o lugar onde foi sepultado o David.

Foram muitos os dirigentes do PCB presos naquela época, dez ou onze membros do Comitê Central. Nesse período você teve algum contato com a vida do partido?
O contato que eu tinha — depois que o David saiu — era o Luiz Maranhão, que freqüentava minha casa e me trazia uma ajuda. Naquela época eram 1.500 cruzeiros exatamente o valor do aluguel do apartamento onde eu morava. O mais estranho foi que, no auge desse processo de luta pela localização dos desaparecidos — e eu à frente dessa luta —, fui chamada para ir ao escritório do Modesto da Silveira, que me disse que o partido tinha resolvido extinguir a minha ajuda. Isso porque o meu filho já estava profissionalizado e a Maria Carolina estava trabalhando como estagiária. Eu disse que concordava e que ainda não tinha tomado essa iniciativa porque, na verdade, estava em muita dificuldade. Mas que achava muito bom, pois não queria mais ter compromisso nenhum de ordem partidária com o PC. De outra ordem já havia muito tempo que eu não tinha.

Por que motivo o David saiu do país, por três anos?
David nunca me falava o que se passava no partido, porque eu discordava muito. Chegou a um ponto que o partido não existia mais entre nós. Mas sei — não por ele — que houve uma discussão a respeito da orientação do partido naquela conjuntura, e que o David discordou. Não sei se foi só ele. Então eles achavam que quem discordasse deveria ir para fora.

Por que ele voltou? Ele voltou em 1974 por conta própria?
Com quem eu tive oportunidade de conversar a respeito, disse que voltou por conta dele. Por exemplo, o Giocondo Dias. Mas eles todos estavam sabendo que o David estava voltando.

Ele fez o que na Tchecoslováquia?
Ficou trabalhando na revista Internacional. De vez em quando ele escrevia uma carta que vinha para casa de uma amiga de Davizinho. Mandou umas três cartas durante todo esse tempo. O mal do David foi ter acertado sua volta com o partido. Ele devia ter acertado com a família. Eu tenho desconfianças do partido.

Voltando ao Movimento pela Anistia...
Nós, os familiares, tomávamos iniciativas. Por exemplo, acontecia uma conferência na OAB: íamos lá denunciar. Estávamos junto com a CNBB procurando a imprensa. Conseguimos que o Tristão de Athayde publicasse artigos. Fomos a O Estado de S. Paulo, mas eles não quiseram publicar nada. Ofereceram-se para que puséssemos aqueles anúncios: "Está desaparecido fulano de tal." Alguns familiares aceitaram. Eu não aceitei. Até que, em agosto de 1974, o D. Paulo Evaristo Arns conseguiu um encontro dos familiares com o Golbery do Couto e Silva [ministro do Gabinete Civil do governo Geisel], na CNBB. Foram familiares de 13 desaparecidos. Do partido, estavam familiares de Valter Ribeiro de Novaes, Luiz Maranhão, João Macena de Melo, Jaime Amorim Miranda, Joaquim Pires Ceveira e David. Havia também familiares de pessoas de outras linhas políticas, como os de Ísis de Oliveira, Fernando Santa Cruz, Eduardo Collier, Ana Rosa Kucinski, José Romão, Mário Alves Vieira e Luís Eurico Tejera Lisboa. Cada família levou um dossiê contando a história do desaparecimento. O Golbery veio na CNBB e prometeu a todos e a D. Paulo que daria uma resposta. D. Paulo nos preveniu para conversarmos como pessoas educadas, e no final todos foram se despedir dele. Eu apertei sua mão, olho no olho, e disse: "General, o David Capistrano era um homem público e é publicamente que ele deve ser julgado." O acerto era que o Golbery daria uma resposta a D. Paulo, que a transmitiria ao professor Cândido Mendes, por intermédio de quem a receberíamos. Passamos o resto do ano de 1974 indo toda sexta-feira ao escritório para receber essa resposta, e cada dia tinha uma desculpa diferente. A última vez que fomos lá, ele disse: "Agora não vai ter mais resposta." O que se sabe é que D. Paulo ia procurar a resposta do Golbery, até que este não quis mais recebê-lo. Por isso, eu desconfio que essas pessoas, principalmente os dirigentes do Partido Comunista, não foram trucidados quando capturados, mas que passaram muito tempo em algum órgão da repressão, esperando uma decisão política da ditadura brasileira e, depois, foram mortos friamente.

Nos anos seguintes, a sua atividade foi o Movimento pela Anistia?
O David (Filho) se formou em medicina no Rio, em 1972. Como ele não conseguia trabalho no Rio, foi para a Unicamp, em São Paulo, e me convidou para ir junto. Chegando, fui convidada por Terezinha Zerbini para participar do Movimento Feminino de Anistia. Foi por meio desse movimento que me tornei conhecida e me familiarizei com o pessoal de esquerda do estado. Lá no Rio eu estava ligada ao Movimento de Mulheres. Em São Paulo me liguei ao Centro da Mulher Brasileira. Foi aí que conheci o Luiz Eduardo Greenhalgh, a Ruth Escobar... E começaram a acontecer aquelas reuniões no Teatro Ruth Escobar, grandes assembléias. A discussão era em torno da necessidade de um movimento pela anistia que abrangesse a sociedade e não fosse só ligado ao setor feminino. Então surgiu a idéia do Comitê Brasileiro pela Anistia (CBA). Participei dessas assembléias como membro provisório da Comissão Executiva do CBA. Depois, houve eleição para a Comissão e eu permaneci.

Naquela época você era vista como porta-voz do Partidão...
Acontece que o Davizinho permanecia no PCB. Foi um dos que contribuiu para a reorganização do partido em São Paulo. Eu estava fora e discordava. Achava que ele deveria deixar o PCB e atuar no movimento pela anistia. Mas ele dizia que tinha de salvar o partido por dentro. Coisa que eu nunca acreditei. Eu falava para ele que o Partido Comunista não dava mais. Até que chegou a um ponto que deu no que deu... O impacto no Davizinho foi tão forte, que eu — em que pese a minha ignorância científica — acho que o que aconteceu com o PCB naquele momento teve uma grande influência no desencadeamento da leucemia que o acometeu. Foi um momento terrível em sua vida. Ele é uma pessoa muito forte, tanto fisicamente — porque se saiu bem da doença — como psicologicamente. No movimento pela anistia, tive a maior participação possível. Sou filha de uma família que vivia muito intensamente política e socialmente. Fiquei reprimida durante esses anos de ilegalidade e tive oportunidade de voltar a ter uma participação política. Foi muito gratificante. Eu estava numa posição que me deixava livre para raciocinar sobre o que estava acontecendo, a respeito dos acertos ou dos erros da política praticada pelo partido. Foi enriquecedor e, se não for muita pretensão, direi até que teve influência sobre os meus filhos. Na minha filha, que rachou com o partido; no David, que conseguiu ter uma visão própria sobre o que aconteceu nas últimas etapas do PCB. No momento em que o David (Filho) estava na direção do jornal do partido, e começou a perceber as coisas, a querer colocar o debate no Voz da Unidade, tornou-se um renegado. Acredito que o pai quando vinha da Tchecoslováquia já vinha percebendo muita coisa, e por isso insistiu em vir.

Você não tinha nada a ver com o Partidão?
O PCB não teve uma política para o movimento pela anistia, não participou. Todos pensavam que eu era do partido e recebi muita paulada por isso. Depois, vieram dizer: "A gente pensava que você colocava as opiniões do PC." Fui obrigada a dizer: "Oxente, vocês estão procedendo da mesma maneira que o pessoal do PCB." Não raciocinavam em cima do que falava, mas em cima do que eu era: mulher de David Capistrano, mãe de David Capistrano. "Se vocês raciocinassem com base no que eu falava, veriam que não era a linha do partido de jeito nenhum."

Por que o PCB não tinha interesse em dar força à Anistia?
Porque os elementos do PCB que estavam fora do país acertaram não participar da anistia, e entrar aqui legal, como entraram. A legalidade não dependia de um movimento popular. Tanto é que eles entraram e destituíram o David — que era filho de um desaparecido. Além do mais, ele era um dos reorganizadores do partido. Eles o destituíram do Comitê Estadual de São Paulo, do jornal — ele foi um dos que organizou e criou o jornal A Voz da Unidade — e praticamente o expulsaram do partido. Só não tiveram coragem de expulsar publicamente o filho de David Capistrano do Partido Comunista.

Isso aconteceu com o pessoal do Giocondo Dias na direção?
Eis aí, entendeu?

E Roberto Freire, você chegou a conhecê-lo, nessa época?
O Roberto Freire eu conhecia desde Recife. O David era uma liderança muito grande no meio universitário de Pernambuco, quando o Freire era estudante de direito. Outro que era estudante lá é aquele safado do Jarbas de Holanda.

Você se envolveu com a luta interna no PCB depois da anistia?
Envolvimento nenhum. Eu estou dizendo que eu deixei de me envolver com o velho ainda aqui. Quando Giocondo Dias chegou no Brasil, ele foi na minha casa me oferecer dinheiro, se oferecer para voltar a me ajudar. Olhei para os quatro cantos do meu apartamento e disse assim: "Você já ouviu falar que eu tivesse um nível de vida igual ao que estou tendo aqui, neste apartamento? É agora que você vem me oferecer dinheiro? O dinheiro do partido tem de ser para a imprensa do partido, para suas publicações, para as despesas do partido, e não para aumentar a renda familiar de ninguém. Essa ajuda me foi cortada no momento mais difícil." Aí ele disse que pessoas com mais recursos do que eu estavam recebendo ajuda. Eu digo: "Quer me convencer com isso? Errado. Isto só solidifica mais a minha posição porque vocês estão dando dinheiro a quem não precisa. De onde vem esse dinheiro? Você tem tanta facilidade de dinheiro assim? O que eu queria do partido não é dinheiro, eu queria que o partido me esclarecesse o que aconteceu com o David Capistrano, com a saída de lá e com a entrada aqui." Eu lamento só estar tendo ocasião de falar isso agora, que ele já está morto. Mas se estivesse vivo as minhas palavras seriam as mesmas e com muito mais satisfação. Falei ainda para ele que queria que me dissesse quem era o secretário político do Comitê de São Paulo, quando caíram esses companheiros. Ele ficou branco.

Era ele?
Era. Eu nunca pude me conformar que o Comitê tivesse caído todinho, exceto ele, que teve condições de ir para a União Soviética. Saiu do país e voltou com a anistia. Depois do desaparecimento do David, eu recebi um recado para me encontrar aqui em São Paulo com José Montenegro, às oito da noite, no restaurante Degas, no bairro de Pinheiros, para conversar sobre o desaparecimento do David. Eu saí do Rio de Janeiro, apanhei um ônibus. Ele estava apavorado. Conversamos, depois eu fui para a casa do Villanova Artigas e voltei para o Rio. No outro dia de manhã, quando eu cheguei no escritório de Modesto da Silveira, já corria a notícia do desaparecimento dele. Sobre esses dirigentes que caíram, no meu entender, houve queima de arquivo. O negócio estava dentro, e estava nesse negócio da União Soviética.

Muitas pessoas da sua geração se afastaram do PC, apóiam e votam no PT, mas não militam nele. Qual é a sua opinião sobre o PT?
Como uma pessoa do movimento de anistia, todo mundo pensava que o meu caminho era o PT. E eu via o partido como uma das coisas mais importantes que acontecia. Eu não fui para o PT porque me considerava com o direito a dar uma parada para descansar e me reservar para continuar na minha observação. Não me comprometer. Não politicamente, mas para não me comprometer partidariamente, no sentido de disciplina de militante. Ter passado 45 anos de vida no PC não anima ninguém a procurar novamente responsabilidade partidária. Passado um tempo, eu também fiquei sabendo, por intermédio de pessoas do movimento pela anistia, que mais pessoas pensavam que eu tinha preocupações político-eleitorais. Não eram só do PCB. Mas nessa altura dos acontecimentos jamais disputaria um cargo político. Eu faço questão de ser soldado raso dessa luta até morrer. Enquanto eu tiver alento, tiver um pouco de saúde, puder dar algo de mim para modificar a situação brasileira, eu estou aí. Agora, assumir responsabilidade é para as novas gerações. Eu estimulo e dou força. Fiquei muito satisfeita quando meu filho foi para o PT, porque eu acho que é o caminho certo para qualquer cidadão de esquerda. O PT é o partido em que as pessoas se encontram para tentar acertar. O PT hoje é o herdeiro das lutas da classe operária brasileira, o partido que defende os interesses da classe operária dentro de uma formulação de acordo com uma época que está se vivendo. Por isso, eu apóio o PT.

Valter Pomar é diretor de T&D.

Waldeli Melleiro é assessora da Secretaria Nacional de Formação Política da CUT.