Mundo do Trabalho

Este artigo foi escrito tendo como base entrevistas com nove mulheres sindicalistas, de diferentes categorias, realizadas por Luíza Costa. As falas das entrevistadas revelam que já existe uma certa cultura do feminismo na política, dotada de um discurso próprio

Ao analisar as entrevistas feitas com nove mulheres sindicalistas em diferentes categorias e provenientes de várias regiões do país, pensei que o resultado poderia ser uma espécie de "Vestidas para mandar - parte 2" (ver artigo com este nome em T&D nº 21, sobre as vicissitudes da relação das mulheres com o poder). É verdade que alguns temas se repetem, e penso que já existe uma certa cultura do feminismo na política, dotada de um discurso próprio, em que se encontram elaborações autênticas da experiência das mulheres na convivência em espaços tradicionalmente masculinos, ao lado de fórmulas recentes que já se tornaram clichês ou seja, aquilo que se repete maquinalmente para dar coerência ao pensamento, mas que exclui a própria necessidade de pensar.

Entre as elaborações originais e os clichês, escolhi escrever esta reportagem a partir das primeiras, embora considere que os lugares comuns do feminismo atualizado também mereçam algum tipo de análise. Por exemplo, a idéia de que o autoritarismo é masculino e o modo feminino do exercício do poder seria mais doce, mais suave (mais sedutor?), indica sempre uma valorização deste segundo estilo, sem questionar se a suavidade e a doçura não podem ser maneiras muito mais eficazes e invisíveis de se exercer o poder... de forma autoritária. Afinal, todos nós conhecemos famílias em que o matriarcado se exerce através de muitas gerações, mantido a custo de usos e abusos do "jeitinho feminino" de dominar. Mansidão, doçura e sedução são muito mais eficientes do que a tradicional brutalidade masculina, já que não provocam o confronto e sim a "rendição" dos que são dominados quase sem perceber. Aliás, embora doçura e sedução possam ser considerados recursos femininos, as mulheres não são as únicas a usá-los para dominar. E vice-versa, com a "dureza" tradicionalmente atribuída aos homens.

É verdade que as mulheres foram silenciadas e mantidas fora dos jogos públicos do exercício do poder durante séculos, mas isto não impediu que: primeiro, como oprimidas, tivessem desenvolvido todo um saber, uma esperteza própria de quem consegue ocupar espaços a partir de posições aparentemente frágeis; e, segundo, a falta de poder público não tenha sido compensada pelo exercício desmedido, arbitrário e invisível do poder privado no âmbito da família.

Outro lugar comum bastante usado pelas entrevistadas (observado também na primeira reportagem) é a idéia de que não é próprio das mulheres ambicionarem o poder. Com exceção de Luci Paulino de Aguiar (metalúrgica, 32 anos, membro da Executiva da CUT) - que afirmou com franqueza: "mesmo inconscientemente sempre tive relação com o poder; sempre tive potencial de domínio, mas nunca tive um desejo de poder relacionado com a ação política, ao contrário" -, todas as outras entrevistadas negam qualquer talento especial e principalmente qualquer desejo de exercer poder político. Em compensação, nenhuma das entrevistadas diz ter hesitado diante da possibilidade de ocupar uma posição de liderança, assim como nenhuma delas declara não estar gostando da experiência. "De 84 a 88 nunca fui direção. Participava de reuniões, assembléias, em atividades junto à base. Nessa época não tinha compreensão de querer o poder", diz Maria Ednalva Bezerra de Lima, 34 anos, professora e coordenadora da Comissão Estadual de Mulheres da CUT.

"Busquei o sindicato como forma de ter mais força para intervir no serviço público", conta Denise Motta Dau, 29 anos, diretora de imprensa do Sindicato dos Trabalhadores Públicos em Saúde do Estado de São Paulo. "Não é ambição de poder". Isabel Conceição da Silva, 33 anos, integrante da diretoria da Federação dos Químicos de São Paulo, relata as condições em que foi levada a disputar um cargo de poder: "Quando o companheiro presidente (do Sindicato dos Químicos) pediu licença e surgiu a possibilidade de assumir, pensei: por que não? Apareceram outros candidatos ao cargo e eu resolvi assumir a disputa. Tinha trabalho e representatividade - por que não assumir? Não foi preciso disputar. Os outros candidatos retiraram suas candidaturas e eu fui eleita. Mas antes de surgir esta situação, nunca tinha passado pela minha cabeça a presidência."

"Deixa eu entender esse poder. O poder em si não me atrai, não. Não é minha ambição. Estar numa instância em que se tenha poder para influir nas decisões, contribuir com propostas e soluções, sim, acho que sempre tive essa ambição". Quem fala assim é Rose Pavan, 45 anos, da Secretaria de Políticas Sociais da CUT. Depoimentos como este, nos levam a pensar se existe diferença entre ambicionar o poder "em si", como fim, ou desejar o poder como meio para se conseguir outras coisas. Afinal, o que é o poder "em si"? Prestígio, aparência, privilégios. Pouca coisa diante da idéia do poder como meio - tomadas de decisão, influência em questões importantes, contribuição para mudar aspectos importantes da sociedade em que se vive... As mulheres que desejam o poder como "meio" não são menos ambiciosas do que aquelas que só desejariam o poder "pelo poder". Ambição que parece estar adormecida, ou reprimida na maioria das mulheres, mas só até que a primeira oportunidade se apresente. "Acho que o poder é importante", diz Dehonara de Almeida Silveira, 28, da Secretaria de Formação do Sindicato dos Trabalhadores em Saúde Pública de Minas Gerais. "No processo fui descobrindo que era importante estar no poder, porque era ali que rolavam as decisões". E quem quer tomar decisões quer poder - por que não?

Em 1991, Luci Paulino de Aguiar passou a integrar a Executiva do Sindicato dos Metalúrgicos de Santo André. "Não tinha noção que o meu nome era cogitado, até pelo fato de ser mulher. Na votação, não votei no meu nome. Foi uma disputa acirrada, obtive 12 votos contra 11 do outro companheiro". De 92 em diante, Luci está envolvida com as atividades da Confederação Nacional dos Metalúrgicos: "Fui convidada para organizar as mulheres metalúrgicas em nível nacional e acabei me envolvendo em coisas mais gerais". "As mulheres querem o poder", conclui Maria Ednalva. "É importante que tenham o poder e que ele seja trabalhado de forma mais leve e livre. As mulheres têm vários poderes: competência, capacidade, entre outros".

Que forma "mais leve e livre" do exercício do poder é esta a que Ednalva se refere? "Quando uma mulher dirigente chega em porta de fábrica, muitos trabalhadores pensam que é uma funcionária e não um diretor", conta Isabel. "Conduzi lutas em fábricas exclusivamente masculinas e aí tive muito respaldo, talvez porque fosse algo que eles não esperavam. Trabalhadores chegaram a me dizer: "vá lá, ou mande outra igual a você". A fala de Isabel sugere que o "jeitinho feminino" de conquistar espaços pode superar os preconceitos iniciais, que a presença de uma mulher pode despertar em espaços considerados exclusivamente masculinos. "Houve uma época em que eu achava que para nós mulheres ocuparmos esses espaços, tínhamos que nos masculinizar até no modo de vestir", diz Maria Santiago de Lima, 30 anos, trabalhadora rural e do Departamento Nacional dos Trabalhadores Rurais da CUT. "Hoje não; vou continuar brigando por esse espaço sem perder minha feminilidade". O depoimento de Luci vai de encontro aos de Maria e de Isabel: "Acho que consegui me fazer respeitar dentro do movimento sindical por ser mulher e ter uma posição política. A bagagem da Comissão de Mulheres me ajudou muito; eu me firmei combatendo a masculinização do sindicato".

A discussão das quotas

Até aqui, a questão das dificuldades enfrentadas pelas mulheres sindicalistas está no seguinte pé: as mulheres desejam o poder e, quando têm oportunidade, sabem exercê-lo. Se levam algumas desvantagens em função de preconceitos masculinos, muitas vezes aprendem a tirar partido do fato de serem mulheres, descobrem como conquistar espaços sem se confrontar diretamente com os adversários, desenvolvem um estilo feminino" de exercício de poder. O que nos leva a questionar a política de cotas de 30% para as mulheres em cargos de direção assumida pelo PT, em seu Congresso em 91, e pela CUT, em sua Plenária Nacional em 93.

As mulheres precisam da proteção das quotas para passarem a integrar cargos de direção, junto a partidos e sindicatos? E se precisam, num movimento inicial de ocupação de espaços até que possam provar sua competência, quanto tempo deve durar essa fase inicial?

Pessoalmente, ainda penso que a política de quotas é discriminatória: se as mulheres precisam se garantir com uma reserva obrigatória de 30% dos cargos de direção, estão inconscientemente assumindo um handicap que fundamenta a própria discriminação de que seriam mais frágeis, menos combativas, não conseguiriam chegar ao poder por si mesmas, precisariam de proteção... O único argumento que me convenceu (relativamente) foi o da "fase inicial", ou seja, a "proteção" dos 30% é uma medida contra a discriminação. Quando as mulheres ocuparem cargos de direção e mostrarem sua capacidade, não precisarão mais de quotas para garantir seu espaço, Vá lá. Mas, então, as quotas deveriam ser aplicadas por um prazo bem estabelecido - três ou cinco anos - e depois se extinguiriam automaticamente. O que não foi incluído nas propostas. Até quando as mulheres precisarão deste espaço protegido?

Nossas entrevistadas não questionam absolutamente a política das quotas, mas usam argumentos diferenciados para defendê-la. Aprendo um pouco com seus relatos, mesmo não tendo a mesma opinião. A luta pela aprovação dos 30% foi considerada, em si mesma, um enorme avanço para o movimento de mulheres. "30% tá bom", diz Sandra Cabral, 37 anos, presidente da CUT em Goiás e coordenadora da Comissão Nacional da Mulher Trabalhadora da CUT. "O movimento foi crescendo por baixo, a partir dos estados. Foi amadurecendo na cabeça das pessoas. Quando sentimos que havia um campo fértil, por mais que tivesse disputa na plenária, nos organizamos. Isto exigiu da Comissão de Mulheres da CUT uma maturidade muito grande. Tivemos que mostrar que estávamos acima das forças políticas, e ver a melhor tática e estratégia para aprovar as quotas. Foi uma vitória importante e bonita". Minha dúvida permanece depois do depoimento de Sandra: Com tanta capacidade de organização e mobilização, por que as mulheres precisam das quotas? "A grande maioria (dos que votaram na plenária da CUT) tinha certeza de que era necessário ter mulheres na direção" (ainda Sandra). Mas então, por que não disputar votos lado a lado com os homens, em condições de igualdade?

A opinião de Luci também é de que o processo vivido pelas mulheres até a aprovação das quotas foi de amadurecimento político: "Após o IV Concut as mulheres tornaram-se mais visíveis: elaboramos propostas, discutimos. Isso causou, na direção, o medo de estar sendo arbitrária." E depois de conquistado o espaço dos 30%? "Para nós é uma grande responsabilidade no que tange mudar as coisas do dia para a noite. Nós vamos ter que estar empenhadas para que as coisas dêem minimamente certo. Muita gente diz que é uma experiência a ser avaliada. Essa experiência passa mais pelo trabalho de mulheres que a Central irá desenvolver como um todo. Claro que isso traz algumas preocupações: atualmente, é ainda frágil a participação das mulheres nos espaços de intervenção sindical; há necessidade de formação, de responder ao que a estrutura sindical considera um quadro". Para Isabel, a política de quotas vem responder à necessidade de se "ampliar a participação das mulheres para alterar o quadro de exclusão; tínhamos que dividir o poder. ( ... ) No começo, alegavam que era paternalismo e não se propunham a discutir o assunto. ( ... ) Na Plenária Nacional, exceto a corrente O Trabalho, nenhuma outra conseguiu centralizar posição na questão das quotas. As mulheres foram muito solidárias entre si e na tentativa de convencer os companheiros. A solidariedade foi bastante responsável pela aprovação". "Os 30% significam o reconhecimento do trabalho que as mulheres vêm desenvolvendo ao longo dos anos para que a Central incorpore a questão do gênero no mundo do trabalho e dos sindicatos", diz Ednalva. "A quota vai ser uma experiência que as mulheres vão acompanhar com muito carinho", afirma Junia Gouveia, 33 anos, da Executiva Nacional da CUT. "Pode ser um instrumento que contribua para ampliar a participação das mulheres. Porém, há que se considerar que a resolução sobre as quotas se deu dentro de um marco de crise política e bloqueio da democracia interna na CUT". Diante disso, Junia acha que é difícil essa decisão evoluir. Para ela, as perspectivas em relação às quotas está vinculada à necessidade de superar, no V Concut, a situação de crise da Central.

"Não acho que as quotas vão resolver os problemas, a ausência de mulheres no movimento sindical. Mas chama a atenção de todos para a discussão da questão das mulheres. Com a votação das quotas, todos tiveram que assumir uma posição ou apresentar uma contraproposta, e isso enriqueceu o debate", diz Maria Santiago. "Houve um tempo em que eu acreditava que o critério para se chegar a cargos de direção fosse exclusivamente a competência", acrescenta Rose Pavan. "Mas ao entrar para a Executiva, vinda de um sindicato de base predominantemente feminina (professores), me dei conta de que a questão do gênero está presente nas relações de poder. ( ... ) Eu já era defensora das quotas na V Plenária. Vejo essa decisão como muito positiva. A partir do reconhecimento da discriminação e da necessidade de ações afirmativas para superar essa discriminação, aprovamos a quota. Além de representar hoje 40% do PEA, as mulheres estão na linha de frente das decisões. Temos excelentes quadros femininos no movimento sindical", continua Rose. "Com experiências e vivências diferentes, 30% de mulheres vai ser um elemento impulsionador de novos padrões de relações ( ... ) Eu tenho certeza de que essa experiência, para a CUT, e o reflexo disso para outros espaços públicos da sociedade, ampliará a democracia". Assim, a política de quotas surge no depoimento de Rose como uma forma de se conciliar diferenças, um aperfeiçoamento democrático. Denise Motta Dau diz algo parecido: "A mulher que milita, milita em condições diferenciadas. Não dá para tratar diferentes igualmente. Daí a idéia de uma política de ação afirmativa de quotas, que leva em conta a dupla jornada, a dificuldade de acesso à formação. A quota trata a diferença de forma especial".

Mas finalmente temos com Denise um depoimento em que é mencionada outra desvantagem das mulheres, que coloca dificuldades e limites nas disputas pelo poder: a dupla jornada de trabalho ou, se quisermos ser mais precisos, os encargos da maternidade, já que entre nossas entrevistadas, somente as que têm filhos (Rose, Luci) relatam que o fato de serem mulheres - isto é, mães - lhes impõe uma carga dobrada de trabalho fora da militância.

O depoimento de Luci, que tem uma filha de quatro anos e está esperando o segundo, também ilustra os impasses e dificuldades da militância para a mulher que é mãe: crise em relação à militância, diz ela, veio principalmente depois que a filha (Fernanda, hoje com quatro anos) nasceu. "Lembro por exemplo de uma madrugada em que estava saindo de casa para levar a Fernanda, que ardia em febre, ao médico, quando um operário veio me chamar para que fosse até a fábrica porque alguns companheiros estavam retornando ao trabalho, furando greve. Insistiu que se eles voltassem, perderiam toda a possibilidade de vitória. Nesse momento, o Sandro, meu marido, disse que levaria a menina ao médico. Fui para a fábrica, falei com os companheiros que haviam entrado; eles saíram e a greve acabou vitoriosa". Esta foi, segundo Luci, uma situação que demonstra como às vezes a militância exige decisões que não são fáceis. E mais: "a importância do companheiro é muito grande. O gesto dele me ajudou, e ajudou os trabalhadores que estavam em greve".

Militância compartilhada

A solidariedade do companheiro é importante, e freqüente, já que as relações mais duradouras das mulheres que militam, em geral, se dão com companheiros de militância. Do contrário, a diferença de objetivos de vida afasta os parceiros e termina com muitos casamentos. A militância compartilhada, ao contrário, enriquece a relação. O marido de Junia, por exemplo, é também previdenciário, militante e dirigente da Central. Para ela, isto traz muito mais prós do que contras à relação amorosa: "Nossa relação é mais que casamento, é companheirismo, é partilhar problemas, elaborar juntos, compartilhar". Junia espera um filho para o próximo outono, o que pode não consistir obstáculo às suas funções na Executiva Nacional da CUT, se o padrão de companheirismo e solidariedade no casal se mantiver.

Manutenção de creches junto aos sindicatos, condições diferenciadas para a militante que é mãe de família, ação política conjunta entre as mulheres para combater a discriminação; estes são pontos comuns lembrados por nossas entrevistadas, no que concerne à elaboração de uma política que atenda às necessidades da mulher. Mas há um outro caminho a ser percorrido em direção ao reconhecimento da mulher como ser humano de potencialidades equivalentes às do homem, que não passa tanto pela elaboração de programas políticos e sim pela convivência do dia-a-dia. Em primeiro lugar, há que se reconhecer que a mulher também sai ganhando muito, pessoalmente, ao entrar para a vida sindical. Sandra, por exemplo, observou que "quando as mulheres se dão conta dos mecanismos de opressão, ficam mais exigentes, já não aceitam mais determinados comportamentos e passam a valorizar outros". Dehonara, que concedeu entrevista junto com Sandra, acrescenta: "Além da gente ficar mais exigente, começa a comprar uma briga cotidiana, porque você sai do padrão do que é ser mulher. Isto cria dificuldades de relacionamento. Você escolhe com quem quer ficar. Não fica mais com os babacas. Exige uma relação que complete, que seja positiva.
Não entra em fria, nem em barca furada, em relações que acabam desgraçando. Tem mais clareza do que quer".

E como os homens reagem a esta mulher que se transformou a partir da militância, que deixou de ser a mulher à qual eles estavam habituados? Luci afirma que para as mulheres que não tiveram uma experiência como a sua (metalúrgica, uma categoria predominante masculina), a vivência nos sindicatos é mais chocante. Ela lembra que, da primeira vez que participou de uma assembléia, foi chamada de "gostosona" por alguns companheiros na saída. "Se eu não estivesse acostumada, não teria voltado. ( ... ) O machismo choca, mas com o tempo você vai se habituando, aprendendo a lidar, descobrindo estratégias que são mais eficientes do que enfrentamento". Para Junia, o machismo e a violência expressa na luta de classes, freqüentemente, se confundem. Esta última traz para o sindicato a necessidade de uma postura de enfrentamento que não permite muitas diferenciações entre atitudes masculinas e femininas: "As mulheres têm que assumir a condição de dirigentes em quaisquer circunstâncias. Se elas tiverem clareza da diferença entre o machismo, a masculinização e as outras características do movimento, terão clareza de que a burguesia é violenta. As derrotas do machismo estão vinculadas às condições de dar respostas. A luta sindical exige que todos os dirigentes tenham clareza do enfrentamento colocado pelas condições sociais e históricas". Para Junia, portanto, não é hora de se tentar diferenciar as mulheres pela suavidade, a doçura - nem de se confundir opressão de classe com opressão de gênero.

Os depoimentos de Sandra e Dehonara, mais subjetivos que o de Junia, não deixam de contribuir com essa discussão. "A maioria das mulheres dos dirigentes sindicais não milita", diz Dehonara. "Nós (militantes) não servimos para eles porque questionamos. Às vezes, eles têm medo de engrenar um relacionamento positivo. Mas depois, alguns deles chegam a admitir: - eu não sabia que me relacionar com uma feminista era tão bom". Sandra também acha que, no plano afetivo, os companheiros de militância seriam "os melhores caras para a gente se relacionar". Mas nem sempre é possível: "Com a conscientização das mulheres e a descoberta de que o espaço sindical não é naturalmente masculino, acaba havendo competição, o que diminui as possibilidades de paquera, namoro e sedução. Os homens passam a nos encarar como adversárias. Esse tipo de relação faz com que a gente deixe de ter tesão. Há uma certa admiração mútua, mas eles nos encaram como adversárias, embora não sejamos as competidoras que eles pensam ( ... ) É necessário haver mais afetividade no dia-a-dia. O meio sindical é duro para homens e mulheres".

Apesar das disputas, dos receios, da grosseria de alguns companheiros de militância, que ainda tentam minimizar a participação das mulheres e reduzi-las à posição de "gostosonas", que não deveriam estar nas assembléias e portas de fábricas, o fato é que a crescente participação das mulheres na vida sindical - inclusive em posições de poder - só traz crescimento para ambos os sexos. Se, de um lado, os homens vão aprendendo que o relacionamento com uma feminista - ou seja, uma mulher que se sente em pé de igualdade com eles - é muito mais enriquecedor do que com uma mulher submissa, dependente e choramingas, por outro, as mulheres reconhecem estar rompendo com uma alienação secular e conquistando cidadania, autonomia e competência. "A militância sindical foi uma escola que me ensinou a solidariedade e a democracia", diz Dehonara. "Que características têm que ser universais, para homens e mulheres?" - pergunta Sandra - "Meiguice, saber chorar, doçura? A mulher tem que ter direito a exercer a rebeldia também. A feminilidade passa pelo direito a ter emprego, salário, igualdade. A gente assume a feminilidade reconhecendo que a fraternidade é atributo universal de homens e mulheres."

Maria Rita Kehl (texto final) é membro do Conselho de Redação de T&D.

Luíza Costa (entrevistas) é coordenadora da Secretaria de Mulheres do DR-PT/SP.