Otavino Alves da Silva, começou a militar no Partido Comunista Brasileiro a partir de 1951, participou da fundação da Polop e foi membro da direção nacional da organização. Filiou-se ao PT e foi presidente do partido em Contagem e membro da Direção Estadual na Bahia. Nesta entrevista a TD ele conta sobre sua participação na resistência ao golpe de 64, na organização da Greve de Contagem e sobre a clandestinidade e o exílio.
Onde e quando você nasceu?
Eu nasci em 18 de fevereiro de 33. Quando meu pai foi ao cartório de Jequié, registrou três filhos de uma vez: eu que nasci em 33 e fui registrado como se tivesse nascido em 32, o meu irmão que nasceu no dia 17 de fevereiro de 35, como se fosse em 34 e só uma irmã que nasceu em 37 foi registrada corretamente. Nasci em Jequié, Bahia, e lá fiquei até os 17 anos. Depois, fui para Itapetinga, no sudoeste da Bahia, com meu pai, que era carpinteiro e muito se orgulhava de nunca ter trabalhado de empregado para ninguém. Quando aparecia uma cidadezinha nova íamos para lá com as ferramentas trabalhar. Eu tinha feito o curso primário até o 3º ano.
Seus pais influenciaram sua formação política?
Minha mãe, Orlinda Silva Pinto, não tinha participação política. O meu pai, Sebastião Alves da Silva, não era filiado a nenhum partido e também nunca foi empregado de carteira assinada. Ele era getulista, mas não era do PTB. Ele me influenciou mesmo foi numa certa obrigação de estar trabalhando: cinco ou seis horas da manhã ele já me acordava. Profissionalmente também foi muito importante. Meu pai era um profissional que fazia de um carro de boi a um violão, viola, cavaquinho, fazia todos os móveis. Dizia: eu pego o terreno e entrego a chave da casa mobiliada. Embora o sonho de toda a esquerda fosse ser metalúrgico, ser marceneiro também abriu espaço para a participação política e cultural, porque é uma profissão que exige uma influência na arte, o gosto pela leitura.
Quando você tomou contato com o Partido Comunista?
Eu tomei contato com o PC através da imprensa. Um farmacêutico chamado Otávio Rolim, que era do PSD mas era amigo do Partidão, assinava o jornal do partido, O Momento, e deixava-o em cima da mesa. Então eu lia. Era um jornal diário, de Salvador, um standard de quatro a seis páginas. Foi aí que tomei contato com a imprensa de esquerda e quase que com a imprensa propriamente dita. Comecei a conversar com as pessoas que entregavam o jornal, e aos poucos fui sendo cooptado para o partido.
Quando você foi recrutado?
Nunca fui oficialmente integrado sendo assimilado aos poucos, a partir de 51. A primeira vez que falei em público foi no 1º de Maio de 54, representando o Sindicato da Construção Civil, em Itapetinga. O partido tinha me mandado a história do 1º de Maio e foi em cima disso que preparei meu discurso. Meu primeiro emprego foi numa serraria do velho Norberto Odebrecht, em Itapetinga. Já como militante do partido do Comitê Distrital, vinculado ao Comitê Zonal do Sul da Bahia. Passei por uma série de treinamentos, como, por exemplo, organizar um sindicato, uma associação civil e, claro, o partido. Eu participava de uma célula. O pessoal era de classe média e só dois eram operários, eu marceneiro e um companheiro encanador, o Silvino, que trabalhava como bombeiro hidráulico. Fundamos o Sindicato da Construção Civil, o presidente era da Igreja Católica, o Rozaivo Cipriano de Souza. O Rozaivo morreu há uns cinco anos. Chegou a ser vereador pela Arena, teve um filho que morreu na Guerrilha do Araguaia, o Mundico. Quando eu estudava no ginásio à noite, em Itapetinga, ele estudava de dia.
Voltando ao Rozalvo Cipriano...
Ele era Congregado Mariano, mas dava para trabalhar. Porque como comunista naquela época, no interior, era meio segregado, tínhamos uma vida meio de seita, um grupo muito fechado, fazendo as coisas clandestinamente. Minha primeira greve foi em Itapetinga, em 54, quando saiu o salário mínimo. Nós tínhamos uma base do partido na própria serraria, éramos oito companheiros clandestinos lá dentro, e achávamos que tínhamos que peitar a empresa. Fizemos uma assembléia e comunicamos ao partido, através de um dirigente zonal do extremo sul da Bahia. O assistente tinha uns 45 anos, Carlos dos Santos Friedick. Era austríaco, naturalizado brasileiro, remanescente de 35, ligado aos marinheiros. Foi uma espécie de referência, como o Eric Sachs foi depois. Dissemos a ele que tínhamos que entrar em greve para que o patrão pagasse o salário mínimo. Então fizemos uma reunião, o dono da empresa, eu e o representante do partido, que chegou lá como representante do Ministério do Trabalho. O dr. Evandro abriu a reunião dizendo que eu era comunista, que estava lá para fazer subversão. Mas fez um acordo de que pagaria o salário mínimo, e logo em seguida me mandou embora.
Como o partido viu isso?
O partido botou o problema em cima de mim. Eu estava divergindo da linha do partido, de implantação da revolução democrática burguesa. E que esse cidadão devia ser ganho para a revolução e que tinha faltado habilidade minha e uma série de coisas. Isso rolou durante um ano, as coisas na clandestinidade demoram muito a acontecer. Eu fui chamado a uma reunião em Itabuna, onde me fizeram uma série de críticas. Mas eu não me convenci de que estava errado. Mas eu não tinha uma formação teórica para discutir essas questões. Líamos a imprensa do partido, tinha a Tribuna do Sul, que era quinzenal e impressa numa gráfica em Salvador; O Momento, diário; Imprensa Popular, porta-voz do Comitê Central; Classe Operária, que divulgava a política de massas do movimento operário do partido. Tinha Novos Rumos, que era o jornal da juventude, e recebíamos também a revista Problemas, com os artigos do camarada Stalin. Essa era a minha literatura, a minha formação teórica.
Você chegou a participar das disputas internas do Partidão?
Em meados de 56, me convidaram para uma discussão em Itabuna. Fui preocupado, pensando que iriam me expulsar. Havia um problema psicológico nisso. O que significaria um militante do partido comunista ser expulso? Naquela época só existiam três concepções políticas: da classe dominante, dos comunistas e dos trotskistas. E na visão do PC, o trotskista era o policial, o provocador. Então eu fui para Itabuna apavorado. Quando cheguei, tinham umas cinco ou seis pessoas, a primeira frase que ouvi foi: "Olha companheiro, o partido não existe mais, acabou." Foi um corte na minha vida. Eles mostraram-me o jornal O Nacional, que dizia que o Agildo Barata e o Pedro Mota tinham saído do PC. Eu não tinha condições teóricas ou psicológicas para analisar aquele quadro e tomar posição. É evidente que depois eu fiquei sabendo que essa crise foi mais profunda. Cortei minhas relações com o partido a partir da cisão do Agildo.
Quando você foi para Belo Horizonte?
Eu passei o ano de 56 em Itapetinga. Em 57 eu fui trabalhar na construção de Brasília. Parei em Belo Horizonte, fui na cidade industrial, vi as chaminés e decidi ficar. Fui procurar trabalho na construção civil. Nesse mesmo período, chegou o João Firmino Luzia, presidente do Sindicato dos Marceneiros, que tinha ido à União Soviética com um grupo de deputados progressistas da época. E quando voltaram a polícia prendeu João Luzia. Com sua prisão, o sindicato passou por uma crise, o 1º secretário ficou com medo e eu assumi. Fazia as atas, fui assumindo devagarinho o sindicato. Nesse período venceu o mandato, e eu entrei para a diretoria do sindicato.
Quando você tomou contato com o grupo que deu origem à Polop (Política Operária)?
Em 58, conheci um grupo de jovens que militavam na mocidade trabalhista do PTB: o Simon Schwatm, de origem judaica, sua namorada Suzana, Artur Mota, que hoje é advogado, Teotônio dos Santos Júnior, Vânia Bambirra, Betinho, Vinicius Caldeira Brant, Jair Ferreira de Sá, que depois foi da AP (Ação Popular), entre outros. O Teotônio nunca foi do Partidão. Nessa época discutia-se uma intervenção no PTB e, ao mesmo tempo, um projeto político de combate ao reformismo. O Leonel Brizola bancou o Congresso da Mocidade Trabalhista no Rio Grande do Sul, foram quatro pessoas de Belo Horizonte: o Vinícius, o Pedrinho, um menino da JOC (Juventude Operária Católica), ligado ao Sindicato dos Têxteis, e eu. Quem bancou as passagens de avião foi o Santiago Dantas. Ali nasceu a futura chapa de direção da UNE, do Congresso que ia acontecer em Belo Horizonte.
Você continuou militando no sindicato?
Eu atuava no Sindicato dos Marceneiros e fazia questão de passar para os companheiros essa minha militância política. Isso tem a ver com a passagem pelo PC, que teve várias distorções, mas quem por ele passou mantém uma certa fidelidade, disciplina ao compromisso revolucionário. E aí veio a discussão mais séria nesse período, a questão da eleição do Lott. Pessoalmente já não estava convencido de participar do processo eleitoral. Em 55, eu tinha participado da campanha do Juscelino porque achava válido, apesar de estar desvinculado do partido. Num prazo de cinco anos, cinqüenta anos, desenvolvimentista. Por isso, assumi a campanha com muita garra. Já a do Lott não, porque já se tinha elaborado alguns princípios. E a gente já discutia os textos do Marx. Os companheiros datilografavam os textos, quatro ou cinco cópias e nós reuníamos os marceneiros e discutíamos. Naquele primeiro momento foi Dezoito brumário. E a visão que tínhamos era que o Jango queria ser o Luís Bonaparte. Mas tínhamos uma certa intuição de que a burguesia brasileira e o João Goulart não tinham o pique de um Bonaparte.
Foi nessa época, então, que você teve contato com Eric Sachs?
O Eric dirigiu uma revista de intelectuais do PSB do Rio de Janeiro. Saiu antes do golpe. Era austríaco, a mãe dele era russa, morava no Rio, e não falava uma palavra em Português. O pai parece que era austríaco, não tenho bem certeza. Quando veio o nazismo na Alemanha, eles fugiram para a Rússia. O pai era bolchevique, participou junto com Lenin. Quando Eric falava da história do Partido Bolchevique, citava fatos de pessoas que ele conheceu e Rosa Luxemburgo, inspiradora da Polop conviveu. Aqui no Brasil ninguém tem muita coisa sobre ele. O Eric trouxe uma terceira visão marxista, além da trotskista e da stalinista. Colocava Rosa Luxemburgo como porta-voz dessa nova concepção. Ele sempre valorizou a formação teórica do militante. Seu sonho eram as escolas de formação onde Rosa Luxemburgo tinha sido professora.
Ele chegou a militar no Partido Comunista Alemão?
Sim, mas nunca me falou da relação dele com Spartaco (Liga Spartaquista). Eric citava como contribuição ao debate comunista Talheimer (Oposição Alemã). Ele tinha uma biblioteca toda em alemão, muito boa.
O Eric chegou a ser acusado de "agente alemão"...
O Clodomiro publicou uma matéria no jornal das Ligas Camponesas, acusando o Eric de policial, infiltração do governo alemão no movimento operário. Isso porque ele traduzia textos para a Embaixada Alemã.
Ele não vivia clandestinamente?
Não, tinha uma vida legal, o que ele mantinha reservado era sua vida pessoal. Veio rapazinho para cá, logo depois da 2º Guerra, trabalhou numa gráfica em São Paulo. Depois entrou no Ministério da Educação, no Teatro Brasileiro de Comédia. Mantinha uma vida cultural intensa no Rio, com o pessoal de teatro e cinema. Ele só usava o nome de guerra Ernesto Martins na clandestinidade. Legalmente era conhecido como Érico, só que como Érico Sachs, o sobrenome não era comum, parece que ele adotava Érico Mendes. Parece que foi uma opção de naturalização.
Na época da ditadura, ele se exilou?
Ficou no Brasil enquanto pôde, se exilou depois de mim. Foi preso no Dops e sua primeira atitude foi comer açúcar. Não falou que era diabético, para provocar uma crise e ser levado para o hospital. Outra vez, trocaram-no de cela. O Eric pegou uma corda, quebrou o vidro basculante, desceu e foi para casa. Aí montam um esquema para ele ir para o México.
Qual a opinião do Eric sobre o PT?
Entusiasmada. Para ele todos tinham que participar do PT , inclusive a Polop. Falou-se em autodissolver a organização em função do partido. O Eric também queria que trabalhássemos junto com o Perseu Abramo. A idéia era fazer um grande jornal de massas. Tínhamos uma experiência acumulada de boletim na clandestinidade, que chamávamos de caixas postais. Rodávamos o boletim e deixávamos em determinado lugar, de baixo de uma pedra ou de um tijolo, e o militante passava e pegava.
O núcleo que deu origem à Polop tinha trabalho entre os operários?
O Eric dava assistência aos têxteis do Rio e o Eder aos gráficos de São Paulo. No Sindicato dos Marceneiros, tínhamos O Serrote, um boletim que tratava dos problemas da categoria. Tinha um editorial com uma análise de conjuntura nacional, escrito por Carlos Alberto de Freitas, o Beto, estudante de sociologia, um dos fundadores do Colina (Comando de Libertação Nacional), hoje é um dos "desaparecidos", preso no Rio. O Serrote chegava todas as segundas-feiras nas marcenarias. Conseguimos organizar um grupo de uns cinqüenta marceneiros, distribuídos nas várias fábricas, mas nunca tivemos a preocupação de fazê-los militantes da Polop. A preocupação era de que atuassem no sindicato, na fábrica.