Internacional

O Exército Zapatista de LIbertação Nacional tornou-se uma nova e obrigatória referência nas reflexões da esquerda

1 O que querem os zapatistas?
Num continente marcado pelo modelo da Revolução Cubana, com experiências alternativas de tipo maoísta (Sendero Luminoso) ou nacionalista (M-19), os zapatistas chamam a atenção pela modéstia de seus objetivos. De acordo com a versão divulgada por eles próprios, não almejam conquistar o poder nem derrotar militarmente o governo, mas ser "o braço armado do povo" e ajudá-lo a realizar as indispensáveis transformações democráticas no Estado e na sociedade do México. Praticam, na definição do intelectual mexicano Joel Ortega, um "reformismo armado". Em lugar de socialismo, seu programa fala em eleições limpas, terra para os camponeses e "respeito e dignidade para os indígenas".

O recurso às armas tem, ao que tudo indica, um caráter tático. Equipados precariamente, os indígenas de Chiapas evitam o confronto com o Exército, mesmo nas situações que lhes poderiam ser favoráveis - como fariam, se seguissem o manual clássico da guerrilha. Os zapatistas constituem um movimento político, muito mais do que militar. Dependem, para sua cobertura, da opinião pública mexicana e internacional. Seu sucesso, nesse sentido, é espetacular. Em apenas dez dias de combates, em janeiro do ano passado, eles conseguiram o que as guerrilhas de El Salvador e da Guatemala levaram anos para conseguir: o reconhecimento do status de beligerantes e a abertura de negociações com as autoridades.

2 O EZLN é um movimento regional ou nacional?
Os dois ao mesmo tempo. Durante o processo de diálogo, no ano passado, o governo de Carlos Salinas tentou delimitar o conflito de Chiapas dentro dos marcos regionais. Chegou a acenar com a possibilidade de dar dinheiro ao EZLN, para projetos sociais na região, em troca da entrega simbólica de algumas armas. Os zapatistas mantiveram-se firmes em sua agenda nacional, aproveitando, com raro timing político, o momento delicado do governo com a realização de eleições estreitamente acompanhadas de fora do país. Com isso, polarizaram a sociedade mexicana e tornaram-se, mais do que a esquerda tradicional, os representantes do "outro México", pobre e abandonado, que se escondia por trás do discurso ufanista do governo. Nas palavras do próprio subcomandante Marcos, o guerrilheiro mascarado que fala em nome do movimento: "Não esperávamos que o povo do México fosse dizer: 'Olhe, lá estão os zapatistas, agora é a nossa vez', e pegasse suas facas de cozinha para atacar o primeiro policial que achasse pela frente. Achávamos que o povo iria dizer o que efetivamente disse - que existe algo de errado neste país e que alguma coisa precisa mudar."

1 O que querem os zapatistas?
Num continente marcado pelo modelo da Revolução Cubana, com experiências alternativas de tipo maoísta (Sendero Luminoso) ou nacionalista (M-19), os zapatistas chamam a atenção pela modéstia de seus objetivos. De acordo com a versão divulgada por eles próprios, não almejam conquistar o poder nem derrotar militarmente o governo, mas ser "o braço armado do povo" e ajudá-lo a realizar as indispensáveis transformações democráticas no Estado e na sociedade do México. Praticam, na definição do intelectual mexicano Joel Ortega, um "reformismo armado". Em lugar de socialismo, seu programa fala em eleições limpas, terra para os camponeses e "respeito e dignidade para os indígenas".

O recurso às armas tem, ao que tudo indica, um caráter tático. Equipados precariamente, os indígenas de Chiapas evitam o confronto com o Exército, mesmo nas situações que lhes poderiam ser favoráveis - como fariam, se seguissem o manual clássico da guerrilha. Os zapatistas constituem um movimento político, muito mais do que militar. Dependem, para sua cobertura, da opinião pública mexicana e internacional. Seu sucesso, nesse sentido, é espetacular. Em apenas dez dias de combates, em janeiro do ano passado, eles conseguiram o que as guerrilhas de El Salvador e da Guatemala levaram anos para conseguir: o reconhecimento do status de beligerantes e a abertura de negociações com as autoridades.

2 O EZLN é um movimento regional ou nacional?
Os dois ao mesmo tempo. Durante o processo de diálogo, no ano passado, o governo de Carlos Salinas tentou delimitar o conflito de Chiapas dentro dos marcos regionais. Chegou a acenar com a possibilidade de dar dinheiro ao EZLN, para projetos sociais na região, em troca da entrega simbólica de algumas armas. Os zapatistas mantiveram-se firmes em sua agenda nacional, aproveitando, com raro timing político, o momento delicado do governo com a realização de eleições estreitamente acompanhadas de fora do país. Com isso, polarizaram a sociedade mexicana e tornaram-se, mais do que a esquerda tradicional, os representantes do "outro México", pobre e abandonado, que se escondia por trás do discurso ufanista do governo. Nas palavras do próprio subcomandante Marcos, o guerrilheiro mascarado que fala em nome do movimento: "Não esperávamos que o povo do México fosse dizer: 'Olhe, lá estão os zapatistas, agora é a nossa vez', e pegasse suas facas de cozinha para atacar o primeiro policial que achasse pela frente. Achávamos que o povo iria dizer o que efetivamente disse - que existe algo de errado neste país e que alguma coisa precisa mudar."

3 De onde eles vieram?
De acordo com a polícia mexicana, Marcos é Rafael Sebastián Guillén, um antigo militante das Forças Populares de Libertação, de inspiração cubana, um dos muitos grupos revolucionários desmantelados no início da década de 70. Impossível saber se é verdade ou não. O fato é que, desde 1974, o governo tinha sinais da presença de militantes de esquerda de origem urbana que passaram a viver entre os indígenas e a desenvolver atividades comunitárias sob o abrigo da igreja progressista, liderada na região por dom Samuel Ruiz, o bispo de San Cristóbal de Lãs Casas (e, atualmente, o grande alvo do ódio da direita mexicana). Muitos dos catequistas católicos daquela época integram as fileiras zapatistas. Tudo indica que também há, entre eles, mexicanos (e, talvez, alguns estrangeiros), que participaram da experiência sandinista na Nicarágua. Este seria, provavelmente, o caso de Marcos. Apesar da influência de fora, todos os relatos disponíveis endossam a versão zapatista de que o comando do movimento pertence aos próprios habitantes da região, através de um comitê de seis comandantes indígenas, aos quais o próprio Marcos se reporta. Daí o seu título de sub.

4 Como foi possível preparar um levante desse porte, com milhares de pessoas envolvidas, sem chamar a atenção das autoridades?
Três anos antes da eclosão do movimento, em 1º de janeiro de 1994, já havia sinais dos preparativos de uma insurreição armada em Chiapas. Em julho e em agosto de 1993, o jornal La Jornada e a revista Proceso publicaram extensas reportagens sobre escaramuças entre guerrilheiros e policiais, naquela área. O governo Salinas sempre negou, enfaticamente, ter conhecimento da atuação dos rebeldes. Nos bastidores, os partidários do regime difundiram uma versão conspirativa, que apontava a ajuda aos zapatistas por parte dos "dinossauros" do partido oficialista, o PRI, supostamente interessados em desestabilizar as reformas políticas e econômicas em curso no país. Esta versão não se sustenta: Salinas, na realidade, governou em aliança com a maioria dos chamados "dinossauros", ao mesmo tempo em que os atacava da boca para fora.

Duas hipóteses são mais verossímeis. A primeira é de que o governo sabia o que se passava em Chiapas, mas preferiu adiar a repressão para depois da vigência do Nafta, o acordo de livre comércio com os Estados Unidos e o Canadá (qualquer alarde sobre uma sublevação no México teria inviabilizado a passagem, apertadíssima, do Nafta pelo Congresso norte-americano). Outra explicação plausível é a de que os chefes locais do PRI, informados do movimento, mas subestimando suas dimensões, ocultaram informações do governo federal por saberem que isto implicaria sua destituição - o que, de fato, aconteceu.

A grande quantidade de verbas federais despejada em Chiapas, através do programa Solidariedade, sem dúvida, entorpeceu a percepção do governo sobre o descontentamento na região. Em cinco anos, o governo Salinas investiu 88 milhões de dólares em Chiapas, mais do que em qualquer outro estado mexicano. Mas, boa parte desse dinheiro foi desviado por autoridades corruptas. O próprio engano do governo, além disso, traduz a visão limitada e utilitarista do projeto social que está sendo usado como modelo para o governo de Fernando Henrique Cardoso. "Os moradores de Chiapas - escreve o cientista político Jorge Castañeda em seu livro Sorpresas te da la Vida -, como milhões de outros mexicanos, não queriam apenas dinheiro a conta-gotas, mas recursos reais e participação nas decisões de como gastar, por que e onde. E, sobretudo, esperavam ser tratados com dignidade, sem ser humilhados, espancados ou reprimidos."

5 Qual a força real dos zapatistas?
As estimativas mais aceitas situam o número de combatentes do EZLN em 2 mil. Eles têm menos armas do que gente disposta a empunhá-las ou, ao menos, é o que se deduz das imagens de zapatistas empunhando fuzis de madeira. O grande trunfo a seu favor é o domínio perfeito do terreno. Os zapatistas são indígenas que passaram a vida inteira em meio às trilhas lamacentas das montanhas de Chiapas, onde qualquer forasteiro se perde com facilidade. O uso das máscaras não é uma jogada de marketing. Os zapatistas ocultam sua identidade, em primeiro lugar, para evitar a pressão da polícia sobre suas famílias. Além disso, a máscara lhes dá a vantagem do mimetismo. Eles podem integrar-se à população civil num determinado momento e, no outro, retomar sua condição de combatentes - exatamente como faziam os guerrilheiros vietnamitas, para desespero dos soldados americanos.

6 Como os zapatistas são vistos pelos mexicanos?
Com o heróico desafio a um Estado corrupto e autoritário e uma plataforma democrática que nem o próprio governo ousa contestar, os zapatistas articularam as aspirações de um grande número de mexicanos. No auge de seu prestígio, 61% dos entrevistados numa pesquisa manifestaram simpatia pelo movimento. Ao longo do processo de negociações, no ano passado, ocorreu um certo desgaste, com o relativo êxito do governo em grudar nos zapatistas a pecha de intransigentes. A própria existência da sublevação em Chiapas foi habilmente utilizada pelo PRI, durante a campanha presidencial, para assustar os eleitores com o fantasma de uma conflagração nacional em caso de uma derrota do partido oficial. A derrocada econômica, a partir de dezembro, reergueu o prestígio do EZLN como a força mais claramente identificada com a rejeição ao modelo neoliberal. Mesmo a manobra de "desmascarar" Marcos não surtiu o efeito desejado. Pesquisas efetuadas logo depois mostram uma clara maioria a favor do diálogo e contra uma solução militar em Chiapas.

7 Qual é o quadro atual?
Em meados de março, o governo encontrava-se num duplo impasse, político e militar. Suas tropas não podem se retirar do território que ocuparam em Chiapas, sob pena de desmoralização. Não há, por outro lado, condições políticas para uma ofensiva total, que inevitavelmente provocaria um banho de sangue em ambos os lados. Por falta de melhor opção, o Exército trata de manter os zapatistas confinados em áreas inabitáveis da selva Lacandona, na esperança de que, exaustos, eles aceitem dialogar em termos impostos pelo governo.

Do ponto de vista político, o governo demonstra interesse em retomar o diálogo, apesar da forte oposição dos latifundiários de Chiapas e dos setores mais reacionários da sociedade mexicana. Mas as autoridades sabem que teriam muito pouco a oferecer numa mesa de negociações. O governo mexicano não tem recursos para concessões econômicas e, no plano político, está preso numa armadilha: não tem como resolver o problema sem prejudicar os interesses de seus partidários - os mandachuvas e latifundiários de Chiapas.

Igor Fuser é jornalista, membro do Conselho de Redação de T&D e está preparando um livro-reportagem sobre a crise do México.