Mundo do Trabalho

Depois de muita disputa, a CUT defende a filiação da Contag, procurando trazer para o seu campo uma das mais importantes confederações

Enquanto os homens exercem seus podres poderes
Morrer e matar de fome, de raiva e de sede
São tantas vezes gestos naturais

Caetano Veloso

 

A Confederação Nacional dos Trabalhadores da Agricultura (Contag) foi fundada em 1963, sofrendo intervenção militar quatro meses após. Setores progressistas retomaram seu controle em 1968 e, em 1981, participaram da 1ª Conferência Nacional das Classes Trabalhadoras e da Comissão Pró-CUT, afastando-se mais tarde para criar a Coordenação Nacional das Classes Trabalhadoras (Conclat), que daria origem à Central Geral dos Trabalhadores (CGT). Durante o período da ditadura militar, a Confederação tornou-se a principal representante das reivindicações dos trabalhadores rurais, sendo seu interlocutor nas negociações com o Estado.

Em 1985, a Contag participa da campanha das Diretas Já e, após a derrota da emenda Dante de Oliveira, passa a defender a participação no Colégio Eleitoral e o apoio à candidatura Tancredo/Sarney (PMDB, PFL). Neste mesmo ano, realiza o 4º Congresso Nacional dos Trabalhadores Rurais (CNTR), um dos mais acirrados, o primeiro em que há participação organizada de novos atores, emergentes do novo sindicalismo cutista e dos movimentos populares que disputavam a hegemonia com a direção da Contag. As principais divergências eram o apoio ao 1º Plano Nacional de Reforma Agrária (PNRA) da Nova, República, defendido pela Contag, e questões como liberdade e autonomia sindical, relação com o Estado, papel dos sindicatos e a democratização do Movimento Sindical dos Trabalhadores Rurais (MSTR), com fóruns transparentes, participativos e eleições em congresso nacional para direção da Confederação.

A Contag e sua concepção de sindicalismo sofrem desgaste, enfrentando uma grave crise, que tem seu auge após o golpe dado pela direção, que desrespeitou a decisão de realizar eleições em congresso, tirada no 4º CNTR. Alegando falta de recursos, as eleições são realizadas nos estados. A CUT e várias federações não participam do processo e até hoje não são conhecidos os resultados deste pleito.

Procurando analisar sucintamente este esgotamento, poderíamos afirmar, entre outros motivos, que havia uma descrença frente ao discurso de autonomia em relação ao Estado e ao governo, pois a Contag havia apoiado a Nova República, que sofria um desgaste. As reivindicações dos trabalhadores eram negociadas com o Estado, seu principal interlocutor, e a quem eram dirigidas as demandas, o que se passou a chamar de "via administrativa" de encaminhamento dos conflitos, tudo dentro dos limites da lei e dos poderes constituídos. Quanto à organização e estrutura sindical, faltavam transparência e democracia, e a prática sindical era pautada pelo assistencialismo e atrelada aos órgãos estatais.

A criação e consolidação da CUT e o surgimento de outros atores no campo, com organizações e demandas próprias, como o Movimento dos Sem Terra (MST), Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), Conselho Nacional dos Seringueiros (CNS), estabelecem uma crise de "mediação" no MSTR, fazendo com que a representação dos trabalhadores rurais deixasse de ser exclusividade da Contag. Em abril de 1990, a CUT reforça sua organização no campo com a criação do Departamento Nacional dos Trabalhadores Rurais (DNTR) e dos departamentos estaduais, enquanto estruturas orgânicas da Central, com a finalidade de articular as lutas dos trabalhadores rurais e a implementação do "novo sindicalismo".

Enquanto os homens exercem seus podres poderes
Morrer e matar de fome, de raiva e de sede
São tantas vezes gestos naturais

Caetano Veloso

 

A Confederação Nacional dos Trabalhadores da Agricultura (Contag) foi fundada em 1963, sofrendo intervenção militar quatro meses após. Setores progressistas retomaram seu controle em 1968 e, em 1981, participaram da 1ª Conferência Nacional das Classes Trabalhadoras e da Comissão Pró-CUT, afastando-se mais tarde para criar a Coordenação Nacional das Classes Trabalhadoras (Conclat), que daria origem à Central Geral dos Trabalhadores (CGT). Durante o período da ditadura militar, a Confederação tornou-se a principal representante das reivindicações dos trabalhadores rurais, sendo seu interlocutor nas negociações com o Estado.

Em 1985, a Contag participa da campanha das Diretas Já e, após a derrota da emenda Dante de Oliveira, passa a defender a participação no Colégio Eleitoral e o apoio à candidatura Tancredo/Sarney (PMDB, PFL). Neste mesmo ano, realiza o 4º Congresso Nacional dos Trabalhadores Rurais (CNTR), um dos mais acirrados, o primeiro em que há participação organizada de novos atores, emergentes do novo sindicalismo cutista e dos movimentos populares que disputavam a hegemonia com a direção da Contag. As principais divergências eram o apoio ao 1º Plano Nacional de Reforma Agrária (PNRA) da Nova, República, defendido pela Contag, e questões como liberdade e autonomia sindical, relação com o Estado, papel dos sindicatos e a democratização do Movimento Sindical dos Trabalhadores Rurais (MSTR), com fóruns transparentes, participativos e eleições em congresso nacional para direção da Confederação.

A Contag e sua concepção de sindicalismo sofrem desgaste, enfrentando uma grave crise, que tem seu auge após o golpe dado pela direção, que desrespeitou a decisão de realizar eleições em congresso, tirada no 4º CNTR. Alegando falta de recursos, as eleições são realizadas nos estados. A CUT e várias federações não participam do processo e até hoje não são conhecidos os resultados deste pleito.

Procurando analisar sucintamente este esgotamento, poderíamos afirmar, entre outros motivos, que havia uma descrença frente ao discurso de autonomia em relação ao Estado e ao governo, pois a Contag havia apoiado a Nova República, que sofria um desgaste. As reivindicações dos trabalhadores eram negociadas com o Estado, seu principal interlocutor, e a quem eram dirigidas as demandas, o que se passou a chamar de "via administrativa" de encaminhamento dos conflitos, tudo dentro dos limites da lei e dos poderes constituídos. Quanto à organização e estrutura sindical, faltavam transparência e democracia, e a prática sindical era pautada pelo assistencialismo e atrelada aos órgãos estatais.

A criação e consolidação da CUT e o surgimento de outros atores no campo, com organizações e demandas próprias, como o Movimento dos Sem Terra (MST), Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), Conselho Nacional dos Seringueiros (CNS), estabelecem uma crise de "mediação" no MSTR, fazendo com que a representação dos trabalhadores rurais deixasse de ser exclusividade da Contag. Em abril de 1990, a CUT reforça sua organização no campo com a criação do Departamento Nacional dos Trabalhadores Rurais (DNTR) e dos departamentos estaduais, enquanto estruturas orgânicas da Central, com a finalidade de articular as lutas dos trabalhadores rurais e a implementação do "novo sindicalismo".

A CUT se organiza em praticamente todos os estados, fazendo oposição ao sindicalismo assistencialista, representado, em grande parte, pelas direções de federações e sindicatos, passando a disputar as eleições de federações, ora com chapa própria, ora compondo com setores progressistas. Apesar desta atuação, a Central define sua participação no 5º Congresso da Contag, em 1991, após inúmeras controvérsias e calorosos debates, articulando uma chapa com os setores progressistas. Os documentos apresentados pela Central, extremamente genéricos, refletem a falta de clareza e as contradições da CUT em relação à Contag. Apontavam a necessidade de disputar sua direção, mas tinham como principal finalidade a construção dos departamentos. Adotaram a estratégia de polarizar as questões em que se evidenciavam as maiores divergências políticas e de concepção sindical, e compuseram a direção indicando dois de seus quadros para compor a Executiva Nacional da Contag.

Os resultados do Congresso geraram uma profunda crise na Central, pois existiam setores que discordavam da disputa da "estrutura oficial" e que queriam "bater" chapa no Congresso. Esta polêmica só foi resolvida na 1ª Plenária Nacional do DNTR, realizada em agosto de 1993, quando mais de 90% dos delegados definiram-se por disputar a Contag e federações, iniciando a preparação de uma jornada de lutas nacional e unitária, que deu origem ao 1º Grito da Terra Brasil.

No 6º Congresso da Contag, em abril de 95, a CUT deverá participar com a responsabilidade de garantir a aprovação da filiação da Confederação à Central e de assumir sua direção, tornando-a a única representante sindical dos trabalhadores rurais. Diante deste novo quadro, o DNTR passará por um período de transição, mudando seu caráter de entidade de organização e representação dos trabalhadores rurais.

Fortalecer o movimento

Depois de muita disputa política, avanços, recuos e amadurecimento do movimento sindical, a CUT vem defendendo a filiação da Contag neste congresso, procurando trazer para o seu campo uma das mais importantes confederações. Num período em que o movimento sindical passa por um processo de redefinição de seu papel e de suas formas de organização, a filiação dará mostras do fortalecimento do projeto político da CUT, de um sindicalismo plural, democrático, autônomo e de lutas.

Nestes onze anos, desde sua fundação, a CUT se consolidou como a maior central sindical do país, tornando-se peça importante na política brasileira. A Contag deverá participar ativamente na definição do conjunto das políticas do movimento sindical, ganhará um grande aliado para discutir as questões relativas ao campo, os trabalhadores urbanos, abrigados nos principais sindicatos do país e na maior central sindical da América Latina.

Apesar da importância da filiação da Contag à CUT e da eleição de sua nova direção, alguns desafios, que precisam ser melhor debatidos neste congresso, estarão colocados ao movimento, tendo presente a realidade brasileira e os temas da reforma constitucional.

Combate ao projeto neoliberal

Para combater o projeto neoliberal não basta somente dar declarações aos meios de comunicação, tampouco escrever notas e ofícios aos órgãos do governo federal afirmando posições e pedindo providências. É preciso articular as ações de massa com a formulação de alternativas para um novo Brasil, a partir de reformas estruturais, disputando a hegemonia com propostas concretas, visando alcançar novos padrões de distribuição de renda e de qualidade de vida para o conjunto dos trabalhadores, em especial, para a parcela que está excluída de qualquer processo produtivo.

A realização do 1º Grito da Terra Brasil, em maio de 1994, que mobilizou mais de 100 mil trabalhadores rurais de 23 estados, foi considerada a maior mobilização nacional unitária, com negociações em níveis federal, estadual e, em alguns casos, municipal. Este é um dos exemplos (não o único) desta articulação. Apesar das diversidades, unificou as lutas dos trabalhadores rurais através de suas entidades representativas, construiu propostas para negociação imediata com o Estado e elementos de um projeto alternativo de desenvolvimento para o campo, comum entre as diversas organizações e combinou a negociação com um intenso processo de mobilização na base.

Nas diversas instâncias do movimento sindical e popular, nas ONGS, nos partidos políticos progressistas, a avaliação foi extremamente positiva, todos com a expectativa de contribuir para promoção do 2º Grito da Terra Brasil em 95. Ação que não é mais patrimônio do MSTR, como querem alguns, mas sim de todos os trabalhadores, representados, ou não, pelo movimento sindical. A articulação com a sociedade civil torna-se importante, pois é necessário ampliar o leque de aliados, trazer para o debate na sociedade a importância da reforma agrária e da agricultura familiar como elementos centrais de um projeto de desenvolvimento para o país. A Ação da Cidadania adotou como eixo central de sua atuação, neste ano, a democratização da terra. Os movimentos sindical e popular devem participar ativamente deste debate, articulando suas reivindicações com as experiências e propostas acumuladas para solucionar os problemas enfrentados pelos trabalhadores.

Estrutura e organização sindical

O debate sobre sindicalismo e sua organização deverá acontecer sem subterfúgios, com a coragem e ousadia de avaliar e propor alternativas aos grandes problemas vividos pelo MSTR, sob pena dos trabalhadores saírem deste congresso com sua principal "ferramenta" de luta desarmada. Na 3ª Consulta Sindical sobre os rumos do sindicalismo rural, promovida pela Coordenadoria Ecumênica de Serviços (Cese), em julho de 1994, contando com a participação da CUT, Contag, federações, movimentos e ONGS, foi constatada a existência de uma crise no MSTR, que se expressa diferenciadamente em cada região, afetando formas de organização, relações com as instâncias de poder, com as entidades patronais, com os movimentos populares e com outros segmentos da sociedade.

Partindo desta avaliação e das novas demandas colocadas ao movimento sindical, como a proposta de Contrato Coletivo de Trabalho, é preciso debater a questão da liberdade e autonomia sindical, mas não deslocada do questionamento dos pilares do modelo corporativo, como a unicidade e imposto sindical. Também não se pode proclamar a Contag como a única representante dos trabalhadores rurais brasileiros, sem reconhecer a legitimidade e a importância dos movimentos sociais, como MST, CNS, MAB, Movimento Nacional dos Pescadores (Monape), Movimento de Mulheres Trabalhadoras Rurais etc, que se constituíram como atores políticos e representam parcela importante de trabalhadores rurais, na grande maioria aliados do movimento sindical, respondendo às demandas que o MSTR não conseguiu representar, seja pela incapacidade organizativa, pela sua burocratização, por novas demandas ou pela não priorização destes temas.

O papel dos sindicatos, sua organização, através de sindicatos diferenciados de pequenos produtores e assalariados, sua regionalização, a auto-sustentação financeira, a política de formação profissional, organização da produção devem merecer maior espaço no debate.

A CUT, visando a elaboração de uma plataforma para a Contag de forma democrática e participativa, realizou um seminário nacional, dezesseis seminários estaduais, cinco seminários regionais, e um Encontro Nacional, envolvendo 24 estados em todo processo. As condições de vitória da CUT e dos trabalhadores estão dadas, resta-nos conferir.

Gerson Bittencourt é engenheiro agrônomo, assessor do DNTR/CUT e membro do Grupo Superior de Coordenação do Instituto de Pesquisa e Estudos de Governo da Escola de Governo/SP.