Mundo do Trabalho

Vicente Paulo da Silva foi entrevistado quando se preparava para embarcar, junto com Lula, para a África do Sul, onde se encontraram com Nelson Mandela

 

No 4° Congresso da CUT, em 1991, quando você era um dos possíveis candidatos à presidência da Central, houve uma série de incidentes desagradáveis. Em 1994, Vicentinho encabeça uma chapa única, conseguindo costurar uma aliança ampla, difícil, que pouca gente acreditava possível. O que aconteceu?
Em 1991 eu não concorri contra Menegueli. Eu cheguei a me colocar como candidato num grupo muito restrito, do qual participavam Menegueli, Lula e mais quatro ou cinco pessoas. Nesse grupo, Lula concordava que eu deveria ser candidato a presidente. Nessa mesma reunião o Menegueli disse que era candidato, e encerrou-se o assunto. Sobre a diferença do 4° Congresso da CUT para hoje, tem um pouco a ver com a nossa história. No Congresso de 1991, defendi que deveria haver mudanças profundas na direção da CUT. Houve um erro gravíssimo, não se mudou ninguém. Até se ampliou o número na porta da Mercedes Benz, em São Bernardo, de pessoas, quem sabe para tentar resolver desta maneira o problema. É por isso que as mudanças do Congresso agora foram tão grandes, quase 80%, o que eu considero também um erro, mas advindo do fato de não ter renovado em 1991. Temos que trabalhar para que nos próximos congressos a renovação seja de no mínimo 50% de cada direção. A renovação é fundamental para a nossa dinâmica. Também quero fazer aqui uma autocrítica como membro da direção da Central. Nós não tivemos a capacidade de trabalhar as divergências na convergência. Agora, havia a necessidade de renovarem função das dificuldades e do desgaste que ela vinha sofrendo por causa de algumas greves gerais e alguns comportamentos. A candidatura do Lula foi fator fundamental para que também tivesse essa unificação maior. E descobrimos que no Congresso passado a briga repercutiu mais do que as resoluções. Esse sentimento permeou os debates nesse período. Não foi fácil, houve muitas tensões durante o Congresso, mas havia um acordo tácito de garantir um debate de alto nível. Havia uma intenção de - se não houvesse chapa única - pelo menos trabalhar conjuntamente.

As posições vencedoras se contrapõem às correntes mais à esquerda do movimento sindical. Você, que representava uma posição de diálogo, defensor das Câmaras Setoriais, era combatido por esses segmentos de maneira feroz. Como vocês conseguiram essa unidade, apesar dos conflitos?
Existem conceitos diferentes do que é diálogo e do que não é. Como também tenho uma visão diferente do que é mais e menos à esquerda. Não me considero mais ou menos à esquerda, como não considero outros mais ou menos à esquerda e nem mais ou menos radical. Posso considerar mais ou menos inconseqüente, mais ou menos apressado, é certo? Para nós é fundamental essa relação com a base, saber o que queremos e como atuar, ter a capacidade de fazer um retrato real do país.

É o pessoal que tem uma concepção do sindicalismo revolucionário?
Não, são os grupos que dizem que são mais radicais... Eu discordo do que eles dizem. Primeiro, tivemos todo cuidado de dizer que os debates não podem ser anulados. Do mesmo jeito que debatemos a necessidade de fazer com que as organizações regionais estimulassem a relação da CUT com o chão da fábrica, com o chão do banco, com o chão da escola; outras propostas defendiam que deveríamos estatizar todas as empresas, socializar o país imediatamente. Tinha tese que não queria nem o Lula presidente da República, que achava o Mandela entreguista e assim por diante. A partir das teses que defendíamos, conseguimos um acordo mínimo. Foi assegurado um debate de alto nível, nas regiões, nos estados e no Congresso Nacional. O que pautou o debate sobre a chapa única foi o fato de fazermos parte do mesmo barco, da mesma Central. No final das contas, íamos ter uma chapa única, porque tem a proporcionalidade. Agora, é melhor uma chapa única, na base do entendimento, porque você desarma os espíritos. As coisas não estão boas no movimento sindical, existe uma crise profunda. É um movimento extremamente carente, mas mesmo assim não há humildade em reconhecer seus problemas internos, que são muito sérios. Observa-se brigas homéricas, eleições em que a ética desapareceu, em que se gasta muito dinheiro. Daí a aprovação da Comissão de Ética pelo nosso Congresso.

Essa direção vai funcionar como uma federação de tendências, ou vai dar espaço democrático para que todas as tendências dêem as suas opiniões, para se definir um caminho comum?
Vamos fazer com que a minoria não seja apenas um mero espectador. Eles terão direito a participar, a ter responsabilidade, acesso a qualquer tipo de informação.

Chegou-se a um acordo sobre isso?
Chegou-se, há um documento que assegura a ação unitária da direção.

Como ficam algumas situações delicadas? Por exemplo, uma mobilização para tentar impedir o fim das CUTs regionais.
A decisão sobre as regionais foi uma deliberação do Congresso Nacional. Devemos ter cuidado para assegurar que o processo seja o melhor discutido. Tanto é errado dizer "olha, vou tirar essa regional já!", quanto dizer "vamos fazer uma campanha para ficar!" Precisamos ter habilidade no processo de transformação. A CUT Nacional tem que respeitar a autonomia de cada estado, esperando que as CUTs estaduais tentem resolver da melhor maneira possível. O fato de ter tido uma chapa única ajuda porque reflete um caminho positivo para outras direções no Brasil, é mais fácil dessa maneira, do que se tivesse rachado o Congresso.

A Folha de S. Paulo do dia 22 de maio trouxe uma entrevista com você, com a seguinte manchete: "Pacto social só com Lula". Qual é a sua posição frente a isso?
Eu jamais declarei isto. Se você analisar a entrevista, vai ver que eu digo algo parecido, mas parecido não é igual. Eu jamais diria que haveria um pacto social, nem com Lula. Pacto e parceria são duas palavras que eu tenho problemas em assimilar. Eu disse que no Brasil serão necessários - e isso você pode até chamar de pacto - acordos que envolvam os produtores, os donos das indústrias, das fazendas e o governo. Já fizemos o acordo da Câmara Setorial, que só não deu maiores passos por causa da mediocridade do governo. Nós queríamos discutir também um acordo parecido com a participação dos trabalhadores na construção civil, casas baratas, com transparência, com o segmento industrial, empreiteiras, em nível da produção de alimentos, de remédios. Devido à proposta do Partido dos Trabalhadores, é muito mais factível desenvolver essa ação com Lula no governo do que com outros governantes. Vamos ter com Lula o mesmo comportamento que tivemos até agora.

Qual a diferença entre os outros governos e o de Lula?
Com Itamar aprovamos a Câmara Setorial, no caso do setor automotivo, aprovamos a campanha do Betinho, o retorno da sede para a UNE. Mas discordamos da política que não tem distribuição de renda, que não tem emprego, que está quebrando a indústria. Somos frontalmente contrários ao plano do Fernando Henrique Cardoso, por ser eleitoreiro e arrochar salários. No caso do Lula, poderemos aprovar a doação de uma sede para a UNE, mas poderemos discutir também um projeto de crescimento no Brasil, de recuperação do salário mínimo, de redução da jornada de trabalho para 40 horas, de geração de emprego. Com Lula é possível que a CUT tenha uma participação para assegurar ainda mais que ele seja dirigente para o povo brasileiro sob a ótica dos trabalhadores. E isso não significa ferir a autonomia. Porque a CUT não pode ser nem "puxa saco" porque é o Lula, nem ser oposição sistemática porque é o Lula.

Se o governo Lula concordar com todos esses pontos, como fica a posição da Central frente às demandas existentes, às possíveis greves, ou mesmo à proposta de greve geral?
Eu aprendi com Lula e também com a vivência no sindicato que, mesmo quando as massas agirem de maneira equivocada, se você teve a oportunidade dizer a elas o que pensa e apresentar propostas, tem que estar junto delas. Em poucas palavras, prefiro o risco de errar junto com todo mundo do que acertar sozinho. Acho equivocado dizer que vai ter greve porque é o Lula, como também é equivocado dizer que não vai ter greve porque é o Lula. Vamos pegar um exemplo concreto, salário mínimo. Não acho que o Lula deva assumir e dizer: "A partir de janeiro o salário mínimo vai ser de 485 dólares" que é o valor atual do salário mínimo, segundo o Dieese. Pular de 64 para 485 dólares não é possível. Espero do governo Lula um projeto: um mês será 60, outro mês, 100, outro mês é 101 dólares... E assim também queremos um projeto de crescimento para o Brasil.