Nacional

No Brasil comemora-se desde maio a figura de Carlos Marighella como símbolo dos trinta anos de resistência

Não é apenas o Golpe Militar que completa trinta anos. Também a resistência. No ensaio fotográfico da edição passada, Teoria & Debate mostra que ela começou no dia imediato ao golpe. Como acontece hoje com o neoliberalismo, o grande capital internacional tentava então reorganizar a economia mundial de modo a atender seus interesses.

Se hoje isto pode ser feito pela via institucional e "democrática", com Plano Real e candidatos "civilizados" e até um certo verniz de social-democracia, nos anos 60 era fundamental uma ruptura institucional.

A América Latina foi um dos alvos: Brasil, Argentina, Uruguai, Chile. Um a um. Ditaduras.

No Brasil comemora-se desde maio a figura de Carlos Marighella como símbolo destes trinta anos de resistência.

No dia 09 de maio de 1964, Marighella foi abordado por tiras no interior de um cinema na Tijuca (Rio de Janeiro), durante uma matinê infantil. Resistiu, discursando, gritando "abaixo a ditadura militar fascista - viva a democracia". Entre crianças perplexas e mães apavoradas, leva um tiro à queima roupa.

Era a quarta prisão de Marighella, e um movimento de solidariedade conseguiu libertá-lo, através de habeas corpus. No dia 04 de novembro de  1969, porém, em São Paulo, na alameda Casa Branca, o que poderia ser sua quinta prisão transformou-se no seu assassinato. Frio. São 25 anos.

T&D, para registrar essa memória, publica nesta edição um poema de José Carlos Capinan e um trabalho de Baravelli. (Alípio Freire)

 

Vai, Carlos, ser Marighella na vida

Ai Brasil,
Quem escapa do desamor em tuas noites ferozes
Quem se salva da ciência dos teus doutos sábios doutores
Quem foge de teus senhores algozes
Nasce com alguma forma de homem

E se não morre dos sete dias
Nem do angu de farinha
Vai um dia pro batismo
Recebe por sorte um nome

VAi ser João ou Maria
Vai ser José ou das Dores
Vai ser de Deus Jesus ou dos Santos
Ou serão Carlos que nunca foram
E serão assim brasileiros assim como tantos

E serão sempre brasileiros
Que serão de algum terreiro
Bloco sujo carnavalesco
Lesco-lesco café ralo com torresmo
OU de nada nada mesmo
Como nós assim a esmo

E quem capitão da areia num livro de Jorge Amado
Aprende a lição das coisas
E quem insone nas madrugadas é mulher de lobisomem
Ou aprende nas ciladas que o pior lobo dos homens
Talvez seja o próprio homem
Quem retirante escapa num quadro de Portinari
Quem poeta quer ter frátria de Veloso ou de Vinícius pátria amada
Quem gracilianamente deságua desta vida seca agrária
OU na solidão urbana sonha a vida humana solidária
Quem na cartilha suburbana soletra o nome de Fulô
Quem nasce negra ou índia ou branco
E sobe ligeiro ou manco as ladeiras do Pelô
Quem descasca uma banana
E se consome no sonho da grande mesa comum
Para a imensa toda fome
Quem assim vive não morre
Vai virando jacarandá ou poesia pau-brasil
Virando samba e cachaça
Se torna gol de Garrincha se torna mel de cabaça
Se torna ponta de lança do esporte clube da raça
Se torna gente embora gente nem nascida
Mas (quem sabe?) pode ser
Um dia gauche na vida
Se torna nossa aquarela
Torna-se Carlos Marighella
Um anjo doce na morte
Que os homens tortos quiseram
Sem que te matassem ainda.
José Carlos Capinan, maio de 1994