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Antenas parabólicas captaram uma conversa informal entre o ministro da Fazenda Rubens Ricúpero e o repórter da Rede Globo

Antenas parabólicas captaram uma conversa informal entre o ministro da Fazenda Rubens Ricúpero e o repórter da Rede Globo Carlos Monforte, antes da gravação de uma entrevista no estúdio da emissora em Brasília, na noite de 1/9. No sábado dia 3, um mês antes do primeiro turno das eleições, a Folha de S. Paulo publicou o surpreendente diálogo.

Quando a gravação começa, o assunto é a taxa muito alta do IPC-r de agosto, índice que a equipe econômica encomendara ao IBGE. Ricúpero ataca o instituto: "Eles fizeram um tremendo erro metodológico. (...) Há uma tese também, um grupo que diz que o IBGE é um covil do PT".

Referindo-se aos empresários, confirma a queda das alíquotas de importação para segurar os preços, "o único jeito de garantir que não vai faltar produto, porque esses caras... Porque você está jogando aí com bandidos, você entende. É tudo bandido. Você conhece aquela história da máfia?"

Instado pelo repórter a anunciar as indicações de uma taxa bem menor do IPC-r em setembro, alega que deveria conversar primeiro com os economistas da Fazenda, "senão eles me matam. (...) Vão dizer: 'Pó, você proibiu da vez anterior que era ruim, agora que é bom...' No fundo é isso mesmo. Eu não tenho escrúpulos. O que é bom a gente fatura, o que é ruim, esconde".

Monforte muda de assunto: "Uma curiosidade minha: você andou batendo no PSDB, dando umas porradinhas? ". E Ricúpero: "A única forma que eu posso provar meu distanciamento do PSDB é criticar o PSDB ". Outra pergunta: "Esse negócio da gasolina não é um pouco precipitado? Falar que pode baixar o preço e tal?". 0 ministro justifica: "Eu faço essas coisas um pouco por instinto, sabe? De vez em quando armo uma confusão. Não tenha dúvida: esse país não é racional".

Em seguida, se oferece: "Se quiser, neste fim de semana podia ver o negócio do Fantástico. Posso gravar também, se quiser alguma coisa, eu estou à disposição. Quem é que é? É o Alexandre? (...) Pode falar porque eu estou disponível. Eu vou ficar aqui o fim de semana inteiro (...) o máximo que eu puder falar eu falo".

Sobre seu futuro, esnoba: "O governo precisa muito mais de mim do que eu dele " e, "se tudo der certo ", o problema será FHC "explicar não me convidar. (...) há inúmeras pessoas que me escrevem e me procuram para dizer que votam nele por minha causa. (...) para a Rede Globo foi um achado. Em vez de terem que dar apoio ostensivo a ele, botam a mim no ar e ninguém pode dizer nada. (...) Isso não ocorreu da outra vez. Essa é uma solução, digamos, indireta, né? (...) Ouço muita gente que não votaria nele por causa do PFL e que vai votar por causa de mim".

Tornou-se impossível a permanência de Ricúpero no cargo. Anunciou seu pedido de demissão no dia seguinte, em uma carta lida em tom emocionado e com algumas lágrimas. Alegou que, por estar muito cansado e entretido em conversa "inteiramente particular ", teria dito "palavras que não refletem o que penso ou o que sinto. Em alguns daqueles comentários nem eu mesmo me reconheço. (...) Não hesito em pedir desculpas quando erro. Faço-o agora, por tudo o que possa ter decepcionado quem quer que seja. Faço o também pela referência aos empresários brasileiros ao generalizar comportamentos individuais que já havia condenado".

Declarou que a frase sobre não ter escrúpulos se referia apenas à conveniência de divulgar indicações favoráveis sobre os índices de inflação para favorecer a estabilidade dos preços. Negou articulações com a Rede Globo: "Meus comentários pessoais sobre os possíveis efeitos do Plano Real nas eleições e sobre a cobertura do plano pelos meios de comunicação não foram mais do que impressões superficiais. Eles carecem de qualquer base concreta que os possa justificar". E terminou citando palavras de Jó e o Salmo 32.

Semanas depois, intimado a depor pela Justiça Eleitoral sobre a conversa com Monforte, Ricúpero voltou a ser apenas o diplomata frio e calculista. Nem sinal do beato ou do coitado arrependido. Declarou ter citado a Globo deforma genérica, querendo tratar da mídia em geral, e que em nenhum momento falava de qualquer candidato: o pronome "ele " designava o plano econômico, e não FHC; e a frase "isto não ocorreu da outra vez" lembrava apenas a primeira fase do Plano Real, e não 1989 (Gazeta Mercantil e Folha de S. Paulo, 21/9/94).