Internacional

A derrota democrática nas eleições norte-americanas de 1994: um mandato conservador?

A débâcle política do Partido Democrático na recente eleição para o Congresso e a ascensão da ala direita republicana nos seus principais comitês provocou numerosas interpretações sobre seu significado mais profundo. Há um consenso geral que os eleitores estavam zangados, frustrados e desgostosos. Que o presidente Clinton foi rejeitado e que os eleitores queriam "mudança". Entretanto, por trás destas generalizações, há interpretações divergentes sobre o significado das eleições e suas implicações para a política pública. A maioria dos conservadores, comentaristas dos jornais, intelectuais e um número substancial de liberais (incluindo Clinton) apóiam a tese de que os eleitores estão "girando para a direita". Eles sustentam esta posição apontando para a preocupação dos votantes sobre "o excesso de governo", "altos impostos" e o crime. Os republicanos argumentam que eles têm um mandato para uma agenda direitista, a chamada Compact with America.

Esta linha de argumento, todavia, é muito incorreta. Primeiro, a maior parte da insatisfação pública é dirigida contra ambos os partidos. Imediatamente antes das eleições, pesquisas indicaram que uma substancial maioria rejeitava ambos os partidos e 52% preferiam um terceiro partido. Segundo, 61% do eleitorado não votou nas eleições. O "mandato" republicano baseia-se em menos de 20% dos eleitores. Terceiro, o voto republicano tem duas origens contraditórias - aqueles que ganham mais de US$ 100 mil por ano e aquelas classes cujo nível de vida está deteriorando. Os eleitores republicanos incluíam tanto aqueles que propunham diminuir os gastos do Estado para o emprego, serviços sociais, saúde e educação quanto aqueles que protestavam contra a resposta inadequada de Clinton e dos democratas para seu nível de vida declinante. Quarto, as pesquisas mostram uma inconsistência entre as preocupações sócio-econômicas dos eleitores e os resultados dos votos: muitos que votaram nos republicanos também são a favor do estímulo estatal à economia, melhores escolas e um plano geral de saúde. Em síntese, o voto foi mais contra a maioria democrata do que a favor do mandato por uma agenda conservadora. O grupo que mais consistentemente votou contra os democratas foi o daqueles que experimentaram uma queda no nível de vida nos últimos dois anos, não o dos que argumentaram que eles eram melhores. As eleições foram antes perdidas pelos democratas do que ganhas pelos republicanos.

Por que os democratas perderam? Em primeiro lugar, a grande maioria dos negros e a maioria das mulheres que são grandes bases sociais do apoio eleitoral aos democratas não se incomodaram em ir votar. Foram exatamente estes grupos - que deram a Clinton sua margem de vitória no giro para os democratas em 1992 - que ficaram em casa. A principal razão para o desencanto, a abstenção e o voto de protesto foi o fracasso da administração Clinton e do Congresso democrata em implantar sua agenda sócio-econômica. Ao contrário do que argumentam os intelectuais, que Clinton foi "muito para a esquerda", sua política alienou sua principal base social: ele fracassou em elevar o salário mínimo de US$ 4,25/hora, condenando assim milhões de negros e mulheres à pobreza; forçou a aprovação do Nafta, favorecendo a fuga de capitais e a perda de emprego pelos trabalhadores das manufaturas contra a vontade do trabalho organizado; propôs cortes na previdência e aumentos nos gastos com a polícia em vez de programas sociais para lidar com os problemas dos guetos urbanos alienando assim os negros. Clinton e os democratas propuseram um programa de saúde para aqueles sem cobertura que prejudicava empregados com melhores programas e procurou pagá-lo reduzindo a cobertura para pobres e idosos e os impostos para classe média. Em síntese, as "realizações" de Clinton, a Lei do Crime, o Nafta e a redução do déficit eram parte essencial da agenda de Reagan-Bush - que penalizaram o eleitorado democrata. O giro à direita de Clinton e do Congresso democrata encorajou e estimulou um clima conservador e um despertar direitista ao mesmo tempo em que desmoralizava os trabalhadores pobres, negros e mulheres.

O giro direitista de Clinton fracassou em ganhar os votos conservadores da classe média tradicional e da classe alta, que votou esmagadoramente pelos republicanos, enquanto perdia ou desativava o eleitorado democrata tradicional. A experiência de mobilidade para baixo e o declínio econômico da maioria dos trabalhadores assalariados foram completamente ignorados por Clinton, seus pesquisadores e assessores. Eles citavam obstinadamente números de crescimento do PNB, expansão dos empregos e aumento das exportações. Eles reduziram o problema a uma "falta de percepção" popular, à cobertura negativa da mídia e à irracionalidade dos eleitores. De fato, os dados agregados ocultavam um declínio contínuo na renda dos trabalhadores assalariados (2% a 4%) durante os primeiros dois anos da administração Clinton; o declínio dos empregos industriais bem-remunerados e o aumento dos postos de trabalho mal-remunerados no setor de serviços; o impacto negativo do crescimento do setor informal no nível de vida; e o fracasso completo em conter o crescimento do crime através da expansão da polícia e dos gastos com prisões. O estilo político racista punitivo de Clinton responsabilizou os negros pela violência nos guetos e ameaçou cortar o pagamento da previdência para as mães solteiras que não podiam encontrar emprego com o qual pudessem sustentar a família ou cuidar de seus filhos. Esta retórica encorajou o crescimento de sentimentos direitistas em setores da classe trabalhadora, que se orientaram para os mais fortes defensores das políticas de Clinton - a a direita dos conservadores do Partido Republicano.

O contraste entre a promessa democrata de reforma e a realidade do reforço do status quo provocou descontentamento e a busca de uma alternativa. Não encontrando uma mudança progressista por parte dos liberais (isto é, apoio para a saúde pública, empregos e impostos para os ricos), os eleitores voltaram-se para a direita (cortes de impostos, redução dos gastos governamentais e repressão contra os de baixo). Clinton orientou o debate para a direita e competiu pelo apoio do empresariado conservador. Presumindo que o voto dos trabalhadores, negros e mulheres estava assegurado, os democratas alienaram sua base de poder.

A atual proposta de Clinton de "mover-se para o centro" significa que ele aprofundará o abismo entre o eleitorado democrata tradicional e os remanescentes da direção do partido, abrindo grandes oportunidades para a alternativa progressista de um terceiro partido. A impressão difundida que "o país" está se movendo para a direita é fundamentalmente incorreta. A maioria dos votantes reagiu contra o Partido Democrata por sustentar as políticas republicanas. Daqui a dois anos, eles reagirão uma vez mais contra os republicanos - se houver uma alternativa política em que eles puderem confiar, o que claramente elimina populistas de Wall Street como o presidente Clinton. As políticas republicanas conduzirão a um maior declínio dos serviços urbanos, mais marginalização social, maior desigualdade de renda e um aumento contínuo dos empregos de baixos salários e não sindicalizados. Isso alimentará uma raiva e um desencantamento ainda maiores do eleitorado e possivelmente uma revolta ainda mais virulenta contra o sistema bipartidário e os grupos econômicos poderosos que os financiam e controlam.

A débâcle democrata pode ser o prelúdio do fim de ambos os partidos. O problema político fundamental é que a globalização do capitalismo norte-americano e o deslocamento para os serviços da economia doméstica promovido por ambos os partidos é a fonte de enriquecimento para 20% às custas de 80%. O descontentamento dos eleitores não será satisfeito pelo atual deslocamento do Congresso dos democratas para os republicanos. Apenas um movimento político e uma liderança capaz de lidar com as questões sócio-econômicas estruturais subjacentes pode oferecer uma saída construtiva para o crescente descontentamento público.

James Petras é professor da State University of New York at Briminghanton