Internacional

Entrevista com Jorge Castañeda, cientista político mexicano, professor na Universidade Nacional Autônoma do México

Cientista político mexicano, professor na Universidade Nacional Autônoma do México e autor, entre outros livros, de Utopia Desarmada, publicado no Brasil pela Companhia das Letras, e Sorpresas te da la vida, Editora Aguilar, México, em que analisa a trajetória política e econômica de seu país em 1994, Jorge Castañeda concedeu esta entrevista a Igor Fuser no começo de março de 1995, num momento em que o colapso do modelo neoliberal mexicano registrava seus sinais mais agudos

O que muda na América Latina com o colapso mexicano?
A principal mudança é o fim das ilusões com o modelo neoliberal. O México foi um exemplo desse modelo. Fez todas as reformas, todas as mudanças que lhe pediram para fazer: a abertura comercial, as privatizações, a desregulamentação da economia. Essas mudanças deveriam produzir um alto grau de crescimento da economia e do nível de emprego. Aconteceu o contrário. O colapso mexicano é o colapso do modelo. Resta, é verdade, o caso chileno. Mas o Chile não pode servir como exemplo. É um país muito pequeno e isolado. A população do Chile é seis vezes menor do que a do México e, além disso, seus governantes mudaram parcialmente de estratégia a partir de 1992. No caso do México, a principal razão pela qual os Estados Unidos estão fazendo tudo para salvar o país é proteger o modelo. O que está em jogo não é tanto a economia mexicana ou o governo de Zedillo. É o modelo mexicano que eles querem conservar e defender. Mas, esse modelo tornou-se indefensável.

Como é possível um modelo defendido durante tantos anos por todos os organismos internacionais, por toda a grande imprensa, como um exemplo a ser seguido, desmoronar da noite para o dia?
Não eram opiniões desinteressadas e imparciais. Todos eles tinham interesses para falar maravilhas do México. No caso da imprensa internacional, seus editores conversavam com os integrantes do governo, com as embaixadas e preferiam dizer que tudo ia bem no México. O Banco Mundial e o FMI queriam apresentar o caso mexicano como um modelo a ser seguido por todos. Seria impossível dizer aos peruanos, aos venezuelanos, para seguir um exemplo que não funciona. Você tem sempre que dizer que o modelo é maravilhoso; senão, não é modelo. O governo dos Estados Unidos também achava o México uma maravilha. Claro, o governo Salinas vendeu tudo aos americanos. Algumas coisas, ele vendeu muito bem, a bom preço. Outras, vendeu barato demais. Mas vendeu tudo. Por isso, os americanos ficaram muito contentes. Já os governos latino-americanos e europeus, que poderiam ter tido uma atitude mais cética, preferiram dizer: "Se os americanos gostam desse modelo, nós também gostamos, não há por que se preocupar."

O Acordo de Livre Comércio da América do Norte (Nafta) está condenado?
Não, de maneira alguma. O Nafta é irreversível e permanente. A novidade é que, pela primeira vez, uma crise mexicana situa-se no contexto da união comercial com os Estados Unidos. O México tornou-se um brinquedo muito caro para os americanos. Não é fácil administrar esse brinquedo. É preciso colocar muito dinheiro. Absorver o México significa absorver um país onde muitos habitantes querem emigrar para os Estados Unidos, um país com forte atuação do narcotráfico, que vive do mercado americano. O governo americano fica dividido entre opções igualmente difíceis. Se quiser fomentar empregos no México e aumentar as nossas exportações para os Estados Unidos, isto lhe causará problemas domésticos, já que muitos dos atuais empregos americanos virão para cá. Esta é uma alternativa impossível no atual contexto da política interna americana. A opção contrária, que vigorou até o fim do ano passado, tornou-se inviável com a crise. Os americanos tentaram utilizar o México como um mercado para suas exportações, o que foi, durante certo tempo, muito bom para o mercado de trabalho e a balança comercial dos Estados Unidos. O resultado aí está. Não se produz mais nada no México. As fábricas estão fechando e os industriais estão virando donos de lojas de importados. O Nafta converte os problemas mexicanos em problemas americanos. E os problemas mexicanos são enormes.

Se a opção pelo Nafta significou integração econômica, não caberia um outro tipo de atitude dos Estados Unidos diante da crise do México, além de um simples empréstimo de emergência? Se Portugal naufragasse como naufragou o México, a atitude da Europa certamente seria outra.
Sem dúvida. A resposta de Bruxelas seria uma política deliberada, calculada, com muitos recursos. A diferença é que Clinton não tem uma estratégia. Nem para o México, nem para o Haiti, nem para a Bósnia, nem mesmo para as reformas que quis fazer no sistema de saúde dos Estados Unidos e fracassou. Clinton é um presidente sem norte, sem convicções. Se ele não tem uma estratégia nem para os Estados Unidos, como é que alguém pode querer que ele tenha alguma para o México? As respostas americanas são de curto prazo. Se o governo americano tivesse uma estratégia, teria de pesar, então, o que é melhor para os Estados Unidos: uma enorme recessão no México para ordenar as finanças ou o crescimento do México com finanças não-estáveis? É uma opção difícil.

Se você fosse imaginar o melhor cenário possível para o México a partir do quadro atual, como seria?
No melhor cenário, os mercados se estabilizam com a ajuda americana, a bolsa pára de cair, há uma queda nas taxas de juros e uma estabilização na taxa de câmbio. Ocorre uma recessão fraca, com crescimento negativo de 1% ou 2%. E há um começo de recuperação, para que em 1996 a economia possa crescer em torno de 1,5%. Mas as chances são muito reduzidas. Acho que vamos ter uma recessão muito forte, de 4% ou 5% negativos, e problemas sociais muito graves, fechamento de fábricas e muito desemprego. Os problemas políticos vão se agravar, sobretudo nos estados mais pobres, como Chiapas, Oaxaca, Puebla e Guerrero. Em conseqüência, ficará ainda mais debilitada a autoridade presidencial, que não é substituível nas condições do México atual. Não é possível atualmente qualquer ruptura institucional. E nem é desejável.

O governo de Zedillo está ameaçado?
Não há risco de queda. Não há alternativa alguma e, de qualquer modo, esta é a pior das saídas possíveis.

Quem se fortalece com a crise?
Os Estados Unidos. Dentro do México, ninguém sai ganhando. O Partido de Ação Nacional (PAN, oposição conservadora) se fortalece, mas de maneira abstrata. O PAN não tem interesse em apresentar alternativas à política atual. Ele pode ganhar alguns governos estaduais, como recentemente em Jalisco, mas para aplicar a mesma política do PRI. O PAN ficou completamente calado diante dos fatos dos últimos meses, não tem um programa econômico alternativo a oferecer.

E o PRD?
O Partido Revolucionário Democrático (oposição de esquerda) está muito dividido para se fortalecer. Está submetido a uma tentação de extrema- esquerda muito forte: Marcos, zapatistas, guerrilha. Há uma outra tentação que é a social-democracia à la Fernando Henrique Cardoso. Essas duas tentações dificilmente podem conviver no mesmo partido.

Existe alguma alternativa viável à orientação do governo?
Formalmente, não. Não há um partido que apresente uma alternativa clara, um grupo que diga concretamente o que deve ser feito. Em termos gerais, porém, existem algumas idéias básicas. Em primeiro lugar, é necessário restringir as importações, de maneira seletiva, sem sacrificar a abertura comercial em seu conjunto. Os instrumentos já existentes nos marcos do GATT e do próprio Nafta podem e devem ser utilizados para restringir as importações, sobretudo aquelas que não trazem contribuição alguma para o país. Em segundo lugar, se requer uma política de incentivo às exportações, que não deixe nosso desempenho comercial exclusivamente nas mãos do mercado. Nenhum país - nem a Inglaterra ou a Alemanha do século XIX, nem o Japão, a Coréia, o Brasil ou sequer o Chile dos dias de hoje - conseguiu se tornar um exportador de primeiro time sem uma política deliberada de estímulo, proteção e subsídios para conquistar mercados externos. Em terceiro lugar, é necessário reduzir o pagamento dos juros da dívida externa. O México deve buscar alianças com outros países devedores, em particular com o Brasil e a Venezuela, com vistas a uma solução definitiva junto aos credores e, principalmente, aos governos dos países ricos.

Quem é pior, Collor ou Salinas?
Em certo sentido, Salinas é pior. Não individualmente, mas institucionalmente. Collor pagou pelo que fez. Não chegou a ser condenado, mas perdeu a Presidência. Salinas ficou livre. Não tem de prestar contas de sua política econômica nem da corrupção ocorrida sob seu regime. As conseqüências dos erros cometidos por Salinas, como a supervalorização da moeda e a abertura comercial excessiva, foram enormes. Muita gente será seriamente atingida pelo desemprego, pela inflação, pela destruição do seu patrimônio, pelas taxas de juros, pela desmoralização do país. Collor não enganou tanta gente, ninguém acreditou muito nele, eu acho. Não foi um grande herói nacional, durou pouco e não despertou grandes esperanças. O caso de Salinas é mais grave, mesmo que ele não tenha roubado. Não sei se roubou ou não. No caso de Collor, sabe-se que roubou. A responsabilidade maior de Salinas não é pela corrupção, é pelo mau governo.

Qual foi a influência da guerrilha zapatista sobre a derrocada financeira?
Uma influência indireta. O levante zapatista não é um perigo militar, não pode sequer ser propriamente chamado de uma rebelião armada. Eles têm muito poucas armas. No prefácio da edição brasileira de Utopia Desarmada, escrevi que os zapatistas são um reformismo armado quase sem armas. Não são uma guerrilha clássica. Trata-se de um movimento com um apoio popular muito importante, sem armas suficientes, sem ajuda estrangeira, com muito pouco dinheiro. Pode-se chamar de armado porque todo mundo viu as imagens de San Cristóbal, em 1º de janeiro de 1994. A diferença é que, num sistema político fechado e não-democrático, como o mexicano, um levante desse tipo tem repercussões muito superiores ao que ele representa do ponto de vista puramente militar.

O desafio zapatista limita as opções do governo em política econômica?
O governo está de mãos amarradas em Chiapas: não pode atacar, não pode negociar, não pode se render. Em termos de política econômica, existe, é claro, o risco de uma convulsão social, que teria seu alcance multiplicado pela presença dos zapatistas. Mas isto é uma hipótese. Nos termos em que a questão está colocada agora, a limitação do governo é que ele não pode fazer concessões aos zapatistas em matéria de terra e de gastos sociais, porque, nesse caso, teria de fazer o mesmo para outras regiões e setores sociais do país. Não há dinheiro para tanto. Mas o problema dos zapatistas não é essencialmente econômico nem militar. É um problema político.

Igor Fuser é jornalista e membro do conselho de redação de T&D.