Nacional

Economista e deputada falou sobre a ação predatória do atual governo FHC contra os interesses nacionais

"Desculpe, meu bem, se estou dando uma aula de economia. Mas é preciso que os leitores compreendam que por trás da propaganda contra os fundos de pensão das estatais está a tentativa de entregar à piranhagem um patrimônio de 40 bilhões de dólares". A professora Maria da Conceição Tavares interrompeu várias vezes a entrevista que concedeu a T&D para fazer observações como esta. Dois dias antes, Conceição havia sustentado, em reunião do Diretório Nacional do PT, uma tese polêmica. A melhor tática para a esquerda no início do governo FHC, disse ela, é a mesma do tempo da ditadura: resistir. A deputada não desconhece os méritos intelectuais do presidente. "FHC não é um Bill Clinton, ingênuo e despreparado. Ele sabe o que há por trás do movimento frenético de globalização da economia, e não ignora as conseqüências. O problema é que ele, assim como muitos dirigentes da esquerda, considera impossível enfrentar a globalização." Acrescenta ainda: "Prostraram-se diante dela. Se a 'nova ordem' é inevitável, melhor que o Brasil ocupe um lugar ao lado dos vencedores - ou das vítimas um pouco menos estropiadas... "Eu não estou disposta a me submeter", afirma Conceição. "Sou filha e neta de anarquistas. O que está em juízo é que vou morrer defendendo as mesmas posições, e tendo a mesma liberdade da minha juventude." Conceição está convencida de que a rebeldia vale a pena. Durante quase duas horas, falou sobre o caráter predatório, para os interesses do país e do povo, das "reformas estruturais" propostas pelo novo governo; e analisou em detalhes a crise financeira profunda em que se debate o mundo neoliberal. Por fim, concluiu em tom de evidente desafio: "A coisa, meu irmão, não está ruim só para nós."

A resposta das forças conservadoras brasileiras à crise mexicana assemelha-se a uma fuga para frente. Em vez de reexaminar o projeto neoliberal, elas querem aprofundá-lo com um pacote de emendas à Constituição. De que forma a esquerda, que é minoritária no Congresso, deveria enfrentar esse debate?
Precisamos começar por esclarecer as chamadas forças aliadas, que não se limitam evidentemente ao pessoal das estatais. Nosso maior problema, por enquanto, é que os movimentos sociais, no que diz respeito à ordem econômica, não entendem nada. E a opinião pública, em geral, mobiliza-se em torno de questões emocionais: o salário mínimo, a fome, a educação, a saúde. Para enfrentarmos as emendas, primeiro é preciso esclarecer nós mesmos. O conjunto de propostas que eles mandaram ao Congresso - subsolo, telecomunicações e empresa estrangeira - mostra claramente que pretendem prosseguir o projeto neoliberal aos trancos. Isso serve para quê? Para tomar conta da Vale do Rio Doce, das telecomunicações e das reservas de petróleo. Vale dizer, do ponto de vista estratégico, o que mais importa hoje ao chamado Consenso de Washington é a questão das reservas petrolíferas. Você viu no México. A segunda questão são as telecomunicações. Há no mundo uma briga absolutamente dramática entre os oligopólios do setor. Aqui dentro, a briga do ACM com o Sérgio Motta é um reflexo: estão brigando porque é um terreno conflituoso. O problema das estatais é politicamente delicado. É claro que não defendemos o Estado atual. Temos outro projeto, de gestão pública e controle social aberto, com o qual estou inteiramente a favor. Mas hoje a questão é que estes setores só serão públicos se forem estatais, por causa do próprio controle do capital. Nas telecomunicações, por exemplo, se não temos um sistema nacional, com o qual enfrentarmos a guerra da informação e do controle de dados, viramos colônia. O neoliberalismo está preocupado em assentar uma massa de 30 trilhões de dólares de capital financeiro que está aí, voando pelo mundo sem ter onde pousar. Por isso, lançam uma ofensiva para tomar tudo: petróleo, telecomunicações, Vale do Rio Doce, geração de energia, fundos de pensão das estatais. O México e a Argentina entregaram tudo - e para quê? Para viver cada vez mais como províncias, como se viu por exemplo nas exigências humilhantes dos Estados Unidos para fazer o recente empréstimo ao governo mexicano. Paradoxalmente, esse debate não teve até agora impacto nos quadros intelectuais do PT. É como se eles estivessem discutindo a globalização em abstrato, o que é um absurdo. A importância do Brasil é que ainda não entregamos a rapadura. Ainda há uma possibilidade de construir uma Nação democrática, de destruir o apartheid social. E se não houver mobilização da sociedade vão nos levar de roldão.

Como o PT tem se comportado nessa questão?
O partido tem um problema. Freqüentemente, cada setor se preocupa com seus problemas específicos - cidadania, reforma agrária, questão social - e é muito difícil debater no partido a idéia de um projeto nacional, inclusive porque o próprio país está estilhaçado. Há uma chance agora, quando temos dois terrenos de luta que interessam a toda a população: a ordem econômica e a Previdência. Aproveite! Estamos num período de luta, meu irmão. Não comece a se perder com questiúnculas de privilégios, de aposentadorias especiais, tudo isso é irrelevante. Temos que repor o princípio da universalidade, que está na Constituição. É nessa luta - mais do que em dezenas de debates entre intelectuais - que podemos forjar nossa concepção do que vai ser o Estado futuro, de como vai ser a democracia futura. Para o PT não pode importar agora, por exemplo, se os fundos de pensão das estatais são um privilégio. Depois discutimos como se faz uma gestão. O problema é que eu não posso esterilizar 30 ou 40 bilhões dólares de poupança interna para ficar na dependência do capital estrangeiro, que aliás não virá - salvo para tomar de graça o patrimônio que já existe.

Durante a última reunião do Diretório Nacional do partido a senhora comparou a atual conjuntura à da resistência à ditadura...
Elas se assemelham muito. Isso que está aí não termina bem. Vai terminar numa presidência imperial. E como eles têm o controle das comunicações de massa, que são o meio mais poderoso no mundo moderno para guiar massas, estamos na defensiva. O sentido é o mesmo da luta que eu fazia contra ditadura. O movimento de massas está paralisado, apesar de o povo enfrentar condições de vida sem precedentes. Os meus amigos no governo estão fazendo um projeto mais duro que o do Delfim! E nós vamos colaborar com este governo? Temos que ir para a resistência! Esse fim de século está sendo duro para mim. Eu vivi a Guerra Civil na Espanha, onde meu avô era anarquista. Depois tome o fascismo português, tome o fascismo europeu. Vi com estes olhos os campos de concentração. Vi as tropas americanas desfilarem. Vi logo em seguida a divisão do mundo em duas áreas, a luta pela paz. Fiz movimento estudantil lá e cá. Atravessei dois continentes, e o que tenho visto da luta da esquerda é infernal. Vocês sejam conscientes e dêem graças a Deus de existir esse partido. Não importa que tenha problemas. Comparada ao resto da esquerda do Terceiro Mundo - e da Europa, porque aqueles partidos europeus entregaram a rapadura para a burguesia -, a brasileira que está no PT não tem ido mal. Eu vim para o PT por isso, porque vi a oportunidade de fazer a resistência ao liberalismo. Estou pouco me lixando com as conseqüências para meu prestígio acadêmico. O que está em juízo é se eu vou morrer defendendo as mesmas posições, e tendo a mesma liberdade, que na minha juventude. Eu vou morrer lutando, e esse partido é um instrumento de luta! Seria ainda melhor, que alguns companheiros perdessem a mania de falar pautados pela Folha de S.Paulo.

No Terceiro Mundo a onda neoliberal e, em especial, seus "programas de estabilização" têm se amparado num forte fluxo de capitais externos. A crise do México seria um sinal da reversão desse movimento?
Claro, e o mais dramático é que, para socorrer o México, eles rasparam a caixa: a do FMI, a do BIRD e até as reservas de contingência do Tesouro americano. E agora, se vem o colapso da Argentina, quem é que socorre? E na Itália, onde também há chances de crise? E quem segura a Ásia, o Japão? Fecharam os balanços do ano passado com 300 bilhões de dólares em créditos duvidosos.

Entre 1991 e 1994, fluíram para os "mercados emergentes" 435 bilhões de dólares. O que provocou este fluxo?
Os Estados Unidos têm um déficit estrutural de balanço de pagamentos, e também fiscal, na medida em que financiam com dívida pública o déficit estrutural. Não se esperava que fizessem pela terceira vez o exercício da diplomacia do dólar. Mas, a partir de 1990-91, baixaram a taxa de juros para 4,5% ao ano. Todo mundo previu uma corrida contra o dólar, mas ela não ocorreu, porque o sistema europeu e os japoneses têm centenas de bilhões em ativos denominados em dólar nos próprios bancos centrais. Então, se correm contra o dólar há um crash mundial. O dólar tem esta vantagem: se correrem contra ele há um crash mundial. Os Estados Unidos usaram o terror atômico e agora usam o terror do dólar. Se a moeda entra em colapso, o sistema vem abaixo. Quem começou esta folia dos mercados emergentes foram os fundos de pensão americanos. Eles, que já haviam se metido numa embrulhada na época do Reagan, acharam a taxa de 4,5% ao ano insuficiente. Não garantia rentabilidade necessária para manter as pensões. Então, saíram em busca de rentabilidade mais alta. Mais tarde o movimento foi seguido pelos especuladores financeiros. Como o sistema não está equilibrado, cada vez que a taxa de juros norte-americana sobe é um sinal para estes capitais regressarem. Eles dobraram, no último ano.

Por que os Estados Unidos estão sendo obrigados a elevar outra vez as taxas de juros?
Eles perceberam que a situação era insustentável. Começou com o Japão. Ao contrário do que havia acontecido em 1979-80, e depois em 85, os bancos japoneses voltaram-se para dentro de seu país. Não querem segurar o mercado mundial, que ficou todo financeirizado e cheio de "derivativos" inseguros. Há um ano, as montadoras do mundo inteiro também saíram do mercado de derivativos. Quando ele começa a tremer, quando a proporção entre comércio e câmbio financeiro é tão descomunal como agora, o mercado que está denominado em dólares pode ter problemas. Tudo ficou ainda mais dramático com a crise monetária européia, no começo de 93. Quando o marco deu sinais de que não agüentava sequer a zona européia, os Estados Unidos se precaveram. Aumentaram a taxa de juros, para evitar uma fuga maciça de capitais. Os próprios fundos de pensão, que financiam a dívida do Tesouro americano, estavam saindo demais. Mais um pouco e não haveria mais financiador.

Um dos pressupostos teóricos para o sucesso do Real era a crença numa ampla entrada de aplicações financeiras. De que forma o secamento da fonte externa afeta o plano?
O próprio governo não sabe o que fazer. Para o país a crise do México serve de aviso. O governo havia feito uma desregulação financeira completa e uma abertura comercial selvagem. Era uma maluquice. Íamos acabar tendo montadoras de carros iguais às argentinas, que são simples maquiadoras. Íamos destruir o potencial produtivo do país. Os problemas obrigaram o governo a elevar a alíquota outra vez, a moderar o ímpeto da abertura. Até agora, o plano sobreviveu do ponto de vista cambial não apenas porque entraram capitais - já vinham entrando antes - mas fundamentalmente porque as matérias-primas internacionais estão muito caras. Como mais da metade das exportações brasileiras é composta de matérias-primas ou semi-elaborados, nós agüentamos. Mas com a alta da taxa de juros norte-americana, é provável que por volta do fim do ano os preços das matérias-primas caiam. Iam cair com o Brasil escancarado! Íamos ter um boqueirão, um déficit cavalar, porque os capitais externos: que estão aqui, atraídos pelas taxas de juros, iriam picar o burro e provocar uma crise cambial. É bom lembrar que, como diz o Simonsen, crise fiscal esfola, mas crise cambial mata. Objetivamente, dá tempo de reverter. A questão é: eles vão reverter? Não sei, não se entendem. Não sei, também se têm timing. É preciso fazer uma política cambial diferente. Mas não temos nenhum raio de manobra para isso com o mercado aberto para os capitais externos. Por isso, defendo que se comece por trancar o chamado Anexo 4, por onde entram os capitais de curto prazo. Barrar o capital especulativo, porque, quanto mais entrar, pior no fim do ano. Impor prazos para eles saírem. E verificar onde eles podem ancorar de maneira produtiva, sem tomar o patrimônio do Estado, de graça. O governo sentiu o drama do México. Mas qual a proposta ofensiva deles? Vai, continua, aprofunda, vende tudo. Isso não podemos aceitar.

A saída que Delfim Netto e José Serra apresentam para a continuidade do Real é partir para uma privatização selvagem. Como a esquerda pode impedir que o debate seja dominado por duas alternativas igualmente antipopulares?
Estou de acordo com Delfim e Serra quando dizem que houve uma abertura comercial excessiva, que a política cambial foi um erro. Solução deles: privatizar. Mas privatizar para quê? Temos 40 bilhões de dólares de poupança de funcionários públicos, de estatais, de fundos de pensão. Somos o único país periférico que tem poupança interna já feita. Temos um potencial e uma poupança interna gigantesca para qualquer país do Terceiro Mundo. O próprio FGTS, que anda bem ruinzinho, ainda não dá déficit corrente. A Previdência só daria déficit no ano 2030! A Previdência complementar pública é um enorme instrumento de alavancagem, e os fundos já existentes têm em si este potencial. É só fazer, na reforma da Previdência, um sistema universal até dez salários mínimos e um complementar, público e privado. Quem quiser opta pela pública. Em geral, os funcionários vão optar por ela, porque ninguém é maluco de achar que o Banco do Brasil é menos sólido que o Merril Linch, que acabou de levar uma trolha no México. Se você deixa fazer a previdência pública complementar junto com os fundos de pensão das estatais, que já existem, e são gigantescos, temos uma enorme poupança interna. A proposta do governo, no entanto, é esterilizar, usar a poupança interna para sustentar uma política cambial e de entrada de capital financeiro selvagens. Está dando a poupança pública para que os piranhas desse mercado local e internacional se lambuzem e ganhem fortunas. Essa que é a indecência. Temos três estatais gigantes, em plenas condições de disputar o mercado mundial. O que vamos fazer com elas? O governo está cortando os investimentos, a pretexto de que não tem recursos. Mas elas têm lucro, têm capacidade de endividamento a longo prazo, têm fundos de pensão! Não são as estatais que estão paralisando o Tesouro, mas ele que está quebrando as estatais, na medida em que o governo manda depositar os próprios lucros, que precisariam ser reinvestidos, em títulos do Tesouro. Por razões de privilégio, ou porque ganham mais, ou pelo que você quiser, todas as estatais têm seu fundo de previdência. Sabe o que eles querem? Devolver. Para quê? Para torrar? Usa para investir. É um potencial de investimento de longo prazo. Agora mesmo queriam tirar o FAT do BNDES e entregar à Previdência. Para pagar aposentado? Então o FAT, que é um seguro de desemprego dos trabalhadores, vai pagar aposentados?

Eles estão esterilizando todos os fundos de poupança para tapar o déficit do Tesouro, que decorre da conta de 17 ou 18 bilhões de dólares de juros líquidos pagos para financiar a piranhagem financeira. Os fundos de pensão das estatais estão sendo apresentados como privilégios dos funcionários destas em presas. Estamos arriscados a perder a batalha. Por razões moralistas, por absoluta incompetência nossa de explicar isso, vamos ter a população voltada contra os fundos das estatais. O Globo todo dia fala isso. Para esterilizar a poupança interna. Para que eles depois digam que não há poupança interna e tem que entrar o capital estrangeiro. Num país que não precisa. O Brasil não cabe no modelo neoliberal! Temos alternativa. O que irrita no Brasil é que esse porra de capitalismo mais os fundos de capitalização das estatais têm fôlego para continuar crescendo. E lutaríamos pela distribuição desses fundos, pela justiça social, pelo avanço do conteúdo público desses fundos. Mas não vamos lutar, se eles levarem isso na goela. Isso é o que temos que explicar para o povo. Houve um tempo em que essa idéia era hegemônica, e eu fui uma das pioneiras em defendê-la. Para minha tristeza, uma idéia que era simples está difícil de entender, até dentro do partido. Parece que os economistas viraram todos atolambados, só vêem macroeconomia, só estão preocupados com o Banco Central.

Não seria o momento, para a esquerda, de recolocar em pauta a crítica ao pagamento das dívidas externa e interna, que é o principal fator de estrangulamento financeiro do Estado?
O problema é gravíssimo, justamente porque os juros internos são descalabrantes e os internacionais estão subindo. Agora, vê se entende. Não é o momento de discutir a moratória. Se neste momento discutimos a moratória, estamos querendo uma crise cambial. Ela só atinge a dívida velha. A dívida nova não está sob forma de dívida. O Estado não deve nada, não foi ele que a tomou. É fluxo financeiro, é uma novidade. A questão central não é recolocar o tema em debate nas bases antigas, mas nas bases novas! A questão central se prende a não esterilizar as fontes de poupança interna, a fazer uma política de juros e cambial que seja compatível com não esterilizar estes fundos. A esquerda não gosta de discutir moeda, que para ela é um véu, ou apenas um símbolo e um fetiche. É claro - e isso já está trabalhado no velho Marx - mas a moeda é também um instrumento de acumulação financeira. Aliás, o Roberto Schwarz disse, numa entrevista em T&D (nº 27), que os intelectuais brasileiros não são muito dados a entender a globalização, têm uma visão muito paroquial. Isso é que não pode! Intelectual que não entende dessas coisas pode até ser progressista, gostar do povo, mas o sujeito não entende que são essas relações que matam o povo, e quer partir para cima do inimigo que está em Washington... Mas, buscar inimigo não basta. Não há um inimigo físico. É um estado de poder, uma dependência assimétrica, uma globalização assimétrica. Não adianta berrar com o Clinton, porque provavelmente nem ele sabe o que está acontecendo. Não adianta brigar com o Fernando Henrique, que a essa altura acho que desentendeu de tudo que entendia, se bem que como ele é mais culto e inteligente eu tenho dúvidas. Talvez o que ele tenha pensado é: "Tenho que me submeter porque é mais forte". Eu acho que temos que lutar. A diferença entre eu e o Fernando Henrique é que ele escreveu, até entende estas coisas, mas acha que tem que se submeter por causa da força da globalização. Eu acho que essa é uma dedução incorreta, contra a qual temos que lutar.

Sua origem teórica está ligada ao cepalismo, uma corrente identificada com a defesa da soberania das nações e da luta contra o subdesenvolvimento...
Minha origem teórica como economista, apenas. Meu pai era anarquista, eu li Bakunim aos dez anos...

Os conservadores e a imprensa julgam que o cepalismo é tão dinossáurico quanto o socialismo ou o anarquismo. Mas às vésperas do século XXI, quais os horizontes da luta pela soberania nacional, a superação do subdesenvolvimento e o socialismo? Que debilidades políticas e teóricas as correntes que sustentam estas teses precisam superar?
Meu amor, estamos numa enrascada. Estamos jogando com as pretas. Mas não é só pra nós que está bravo! Estamos caminhando, por exemplo, para uma anarquia financeira internacional, que submete os países europeus, que conseguiram através da social-democracia, e por medo da União Soviética, avançar social e politicamente. E eles estão agora sendo moídos, com um desemprego estrutural enorme, com a ofensiva neoliberal em cima do cangote, a ponto que hoje os social-democratas europeus são piores que os conservadores. Porque hoje os conservadores, mal que mal, ainda têm instinto nacional. Então o Chirac é menos perigoso que o Mitterrand. Esta é a nossa situação real, objetiva. Infelizmente, nessa luta os aliados táticos são os conservadores, porque eles querem manter sob controle os interesses da Nação, que lhes dizem respeito. Mas a Nação diz respeito ao povo, porque a globalização esmaga todos os povos. Então, de repente, o nosso internacionalismo vai para o diabo? Claro que não. Infelizmente, não dá para dizer "proletários do mundo, uni-vos! ", até porque cada proletário está numa situação social diferente. O problema é que não tem modelo nenhum à vista. Para o Brasil, aliás, nunca teve. Lembra das origens do Brasil? Somos um país periférico, ex-colônia de um país periférico, o que é uma complicação danada. Se isso é assim, das duas uma: ou a gente volta a discutir condições que unifiquem uma idéia de Nação solidária - daí a necessidade de lutar pela Previdência, pelo salário mínimo, pelos direitos sociais - e, por outro lado, há algumas estratégias ofensivas para o avanço da democracia, ou você não tem nada. E preciso ter perspectiva histórica. Houve um recuo brutal e estamos numa etapa semelhante ao fim do século XIX, quando o reacionarismo dava as cartas. E, no entanto, alguns anos depois, em 1905, tudo estava se movendo de novo. As coisas não estão terminando, não houve uma vitória global, não é o fim da História, meu Deus! Será que tanta gente na esquerda ficou, de repente, aparvalhada? Ficaram todos liberais, depois de velhos? Felizmente, acredito que a maior parte do PT não se aparvalhou, devido ao próprio perfil social do partido. Tem uma partezinha que pertence ao Primeiro Mundo, outra que pertence ao Segundo Mundo, o mundo do trabalho, outra ao Terceiro Mundo, dos desincorporados. E há lideranças importantes e de carisma no Segundo e no Terceiro mundos, e por sorte nenhuma - nenhuma! - no Primeiro Mundo.

Antonio Martins é jornalista.