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A greve dos petroleiros foi o primeiro grande movimento dos trabalhadores brasileiros contra o neoliberalismo, durante o governo FHC

A greve dos petroleiros foi o primeiro grande movimento dos trabalhadores brasileiros contra o neoliberalismo. Como você o avalia?
Tenho dito que o movimento se diferencia dos que tivemos na época da ditadura, porque naquela época tínhamos o charme e a simpatia de estarmos combatendo uma ditadura explícita. Recebíamos apoio dos intelectuais, dos artistas, dos jornalistas. Recordo da greve de 83, na Replan, quando tivemos a oportunidade de receber artistas famosos cantando durante a greve, ou depois dela, em apoio à nossa luta. Hoje, a ditadura do neoliberalismo, do poder econômico e da mídia está mascarada por uma fachada de democracia. Por isso, e por mais que a mídia trate a greve como um movimento derrotado, acho que ele tem um ponto altamente positivo. Ele recupera o sentimento de classe trabalhadora, a necessidade da solidariedade de classes e a importância política da greve como instrumento de combate a um projeto que massacra os trabalhadores.

Você foi petroleiro e continua ligado à categoria.
Primeiro, a imposição de uma política salarial extremamente arrochante. Um operador de refinaria, de quem se exige um curso de Petroquímica de quatro anos, ganhava há dez anos cerca de 2 mil dólares, o equivalente a um ferramenteiro da Ford ou da Mercedes. Hoje, esse operador entra ganhando algo em torno de 600 reais. Isso empurrou para uma greve do ponto de vista econômico. Outro fator são as características do trabalho. O trabalho exercido pelo pessoal da Petrobrás, principalmente de produção, pressupõe e exige confiança do companheiro que lhe passa o serviço na seqüência dos turnos. Há grande responsabilidade e companheirismo, e é uma categoria que, pela própria exigência de capacitação profissional e formação, desenvolve desde muitos anos a cultura de buscar informação.

O governo manipulou a falta de gás de cozinha para jogar a população contra a greve e o monopólio do petróleo. Era possível, para os grevistas, evitar isso?
Num primeiro momento eu tentei discutir com as lideranças do movimento a oportunidade da greve - achava que ela deveria ter começado entre o primeiro e o segundo turno da votação da emenda que quebra o monopólio do petróleo na Câmara. Mas o nível do arrocho imposto à categoria inviabilizou qualquer análise nesse sentido. E hoje estou convencido de que a greve não mudou o voto de ninguém. O que influiu foi a relação clientelista, o "é dando que se recebe", a compra dos ruralistas. A falta de canais de comunicação entre os trabalhadores e o conjunto da população é uma realidade que de fato enfrentamos. A ditadura da mídia é mais dura que a ditadura militar, não do ponto de vista da repressão física, mas ideológica. A Folha de S.Paulo cansou de abrir espaço para artigos do Roberto Campos ou de outros, massacrando os petroleiros, a Petrobrás, o Brasil. Escrevi e mandei para o jornal artigos defendendo o movimento e nenhum foi publicado.

Com base nesta vantagem o governo tentou atrair os petroleiros para um beco sem saída...
Exato. O Palácio do Planalto e o TST sustentaram que o ex-presidente Itamar Franco, o ex-ministro Delcídio Gomes e o ex-diretor de Recursos Humanos da Petrobrás não tinham autoridade para firmar acordo salarial. Se esses três não estavam credenciados, quem estaria? O Bill Clinton? O Michael Candessus? A Rainha da Inglaterra?

O movimento sindical e a CUT poderiam ter dado à greve um apoio maior?
É uma questão difícil. Faltou à CUT discutir previamente com os Sindicatos dos Petroleiros uma estratégia de luta, até porque ninguém acreditava numa greve com essa dimensão. A partir do momento que a greve estava deflagrada, e que o TST a julgou, mesmo um movimento grevista maior teria sido abafado pela imprensa. Acho, também, que certas declarações públicas de dirigentes do PT e da CUT enfraqueceram muito concretamente a posição dos petroleiros.

Queria que você analisasse dois casos: a entrevista do Lula à Gazeta Mercantil, dizendo dois dias antes do fim da greve que ela "já deveria ter terminado" e a resolução da CUT, no início do movimento, propondo-se a negociar com o governo as emendas neoliberais à Constituição.
É a eles mesmo que me refiro. Quando as declarações do Lula saíram no jornal, estávamos articulando um documento de parlamentares de todos os partidos propondo ao governo o fim da greve, desde que cumpridas várias condições. Minha análise é de que a entrevista do Lula tirou nosso poder de conseguir posições mais fortes para a negociação. Você chegava para discutir com o Inocêncio Oliveira ou Franco Montoro, eles falavam: "Não. O Lula está correto, a greve já devia ter acabado." Quer dizer, a declaração do Lula foi extremamente danosa. Quanto à CUT, não sei se pressionada pelo sindicalismo oficial da Força Sindical, houve um momento em que ela se viu pressionada a "apresentar propostas alternativas" às emendas do governo. Esse foi o grande equívoco. O fato de aparecermos para a sociedade como tendo propostas para o desenvolvimento do país não nos obriga a debater a pauta do governo, a escolher "uma das propostas" do Executivo. A decisão da CUT tirou a possibilidade de ela própria exercer pressão política mais firme, e diminuiu o potencial de mobilização do movimento sindical. Dentro da categoria petroleira, ela não chegou a ter impacto negativo. A do PT, sim. A do Lula, sim. Assistimos isso em Cubatão. Os companheiros da Prefeitura de Santos, que tiveram uma atuação importantíssima, chegaram a ser hostilizados em determinado momento.

A desindexação dos salários poderá desencadear novos protestos dos trabalhadores. Que rumos, que alternativas o PT devia oferecer para essas mobilizações?
Temos que debater com nossas lideranças sindicais que Estado, que modelo de desenvolvimento estamos defendendo agora. Acho que é necessário retomar o conceito de classe, que anda meio desgastado. Do contrário, uma minoria de trabalhadores vai poder desfrutar de condições semelhantes às do Primeiro Mundo, enquanto a maioria será submetida a salários miseráveis e à miséria.

Setores da esquerda passaram a sustentar, depois de várias vitórias do governo, que em vez de se opor às propostas do Palácio do Planalto, o mais correto para a esquerda seria amenizá-las. Qual é sua opinião a respeito disso?
Quem pensa assim está tocado pela fantasia. O apoio ao governo no Congresso está amparado na barganha de cargos e de recursos públicos. A maioria dos deputados sequer se informa sobre os temas debatidos. Ao abrirmos mão de nossas posições, ao nos tornarmos cúmplices das emendas neoliberais, perderíamos a possibilidade de denunciar as elites retrógradas do Brasil pelo que estão preparando para o país. Estaríamos nos colocando na condição de omissos, porque não teríamos nenhuma chance de ganhar a disputa política e a disputa ideológica nesse momento.

O atual Congresso se julga mais legitimado que o anterior para emendar a Constituição. Diante disso, que papel cumpriria a proposta de um plebiscito, para submeter as emendas ao veredicto popular?
É uma proposta corretíssima. Já a aprovamos na bancada do PT, no início da tramitação das emendas. O plebiscito seria precedido por debates no rádio e na TV. A exemplo do que ocorreu na disputa acerca do sistema de governo, teríamos espaço para expor à população o que a mídia tem escondido quotidianamente. Apesar do atual Congresso não estar marcado pela nódoa da CPI do Orçamento, os principais relatores, das comissões que analisaram as emendas estão. Foram, aliás, perdoados por articulações políticas na CPI. É o caso do José Carlos Aleluia e do Jedel Vieira Lima, salvos pelo esquema ACM. No caso do petróleo, o relator recebeu, para a campanha eleitoral, doações da Companhia de Petróleo lpiranga, interessadíssima na quebra do monopólio. A respeito do ACM, aliás, quero dizer que conversei com ele durante a greve dos petroleiros e estou pensando em fazer, depois que passar o agito das emendas, um requerimento ao TSE, pedindo informações sobre o plebiscito de 93.

Para quê?
Eu tinha a grande sensação que deu república presidencialista. Ao que parece, o FHC acha que deu monarquia parlamentarista; colocou-se na condição de rei; e escolheu, à revelia do Congresso e da população, o ACM para primeiro- ministro... Se o TSE informar que o FHC está certo, também tenho uma alternativa. Vou solicitar que ele abdique - em favor da Rainha Ruth. Pelo menos, e muito mais simpática .

Antonio Martins é editor do jornal Brasil Agora.