Economia

O livro A economia do socialismo possível, de Alec Nove me causou profunda impressão

Vários livros tiveram profunda influência sobre minha maneira de pensar o mundo. Quando era jovem, A Acumulação do Capital, de Rosa Luxemburgo foi um deles.

Mas, quero agora falar de um livro muito mais recente que me causou profunda impressão, ao antecipar respostas à crise em que o socialismo afundaria anos depois. Trata-se do livro de Alec Nove, A Economia do Socialismo Possível, escrito originalmente em 1983 e publicado em português pela Editora Ática em 1989. Alec Nove tem uma obra muito respeitada sobre a União Soviética, cuja economia e sociedade vinha analisando há décadas. Mas, desta vez ele se aventurou em outra direção, apontando para a crise do paradigma marxista no que se refere à concepção da economia socialista. Este paradigma, como todos sabem, propunha o planejamento econômico centralizado como mecanismo de regulação econômica da sociedade capitalista. O que significa que todos os meios de produção estariam socializados e seriam geridos de forma planejada, dispensando-se inteiramente os mecanismos de mercado. A produção social teria por objetivo atender as necessidades de todos os membros da sociedade, de forma justa e igualitária, sem a instabilidade e a desigualdade que caracteristicamente são geradas pelos mecanismos de mercado.

Nove começa por lembrar que esta proposta se baseia numa visão de Marx do comunismo, no qual ele supunha que as forças produtivas estariam tão desenvolvidas que todos os bens e serviços poderiam ser produzidos em superabundância, podendo, portanto, ser postos à disposição dos consumidores sem custo. Com isso, evidentemente, o problema da distribuição, isto é, como alocar os recursos produtivos entre inúmeras aplicações para satisfazer da melhor maneira os consumidores, já está de antemão eliminado. Marx, nesta questão, era absolutamente consistente: sendo superada a escassez, o produto deixa de ser mercadoria e o funcionamento de demanda e oferta torna-se impossível, pois qualquer demanda encontraria uma oferta maior. Só que esta superação foi hipotética, quando Marx a formulou, no século passado, e hoje, no fim do século XX, continua hipotética.

Como diz Nove, nada permite supor que estejamos nos aproximando do mundo imaginado por Marx, que não previu que o desenvolvimento das forças produtivas traria consigo um desenvolvimento paralelo de novas necessidades. De modo que a capacidade produtiva da humanidade de fato cresceu enormemente desde os dias de Marx, mas continuamos tão longe quanto estávamos da superação da escassez.

A conclusão de Nove é que o problema da distribuição não desaparece no comunismo ou socialismo e que ele é simplesmente mal-resolvido pelo planejamento centralizado. E não é porque este sistema foi praticado em regimes politicamente autoritários e de forma defeituosa. A questão é que a liberdade individual é incompatível com o planejamento centralizado. Para que este abranja a totalidade das atividades econômicas é necessário proibir e reprimir qualquer atividade privada de produção ou comércio. Todos são obrigados a trabalhar para o padrão único, que é o Estado e todos são obrigados a se submeter aos padrões culturais embutidos nos produtos que o aparelho estatal oferece, o que no caso das obras de arte, da música popular e erudita e da comunicação política significa totalitarismo, sem mais.

Tendo chegado neste ponto, Nove em vez de renunciar ao ideal do socialismo, como tantos vêm fazendo, começa a formular uma nova proposta do que ele considera um "socialismo possível". Mas, atualmente o interesse e o entusiasmo pelo socialismo estão em baixa, de modo que a discussão da economia do socialismo está confinada a pequenos grupos. Já vivi situação semelhante no passado e sei que o capitalismo vai acabar exibindo suas limitações e contradições, levando a humanidade a mais uma vez procurar com otimismo ou desespero alternativas a este sistema. Quando este momento chegar, acho que não será preciso partir do zero para a grande reformulação ideológica, graças à concepção do socialismo possível de Nove.

Paul Singer é economista, professor da Faculdade de Economia e Administração da USP.