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José Dirceu de Oliveira e Silva, presidente nacional do PT, foi eleito em 20 de agosto de 1995, no 10º Encontro Nacional, em Guarapari (ES)

José Dirceu de Oliveira e Silva, presidente nacional do PT, foi eleito em 20 de agosto de 1995, no 10º Encontro Nacional, em Guarapari (ES). De lá para cá, José Dirceu já percorreu dezenove estados da federação, foi recebido pelo presidente da República, acompanhou de perto os conflitos de terra no país, representou o partido na formação do Fórum das Oposições, deu início ao Programa Contra a Corrupção etc. Enfim, ninguém melhor do ele para falar sobre a política implementada por FHC, o papel das oposições e as perspectivas da esquerda nas eleições de 96. Com a palavra José Dirceu.

Como você caracteriza a política do governo FHC, hoje?
Observando o que acontece no México, na Argentina e na América Latina, podemos chegar à conclusão de que esse ajuste econômico, apesar da dinâmica interna que possui em cada país, segue uma tendência e uma orientação política mundial. E que há preliminares, sem as quais ele não pode ser implantado: a estabilidade social, político-institucional e o continuísmo. O que pode levar esse modelo de ajuste ao fracasso é a fuga de capitais. Por isso, a condição primeira para o governo FHC viabilizar o seu papel, assumido em nível internacional, é calar a oposição, convencer os investidores, principalmente o capital especulativo, de que não há nenhuma possibilidade de quebra na continuidade dessa política econômica. A tese da reeleição é então necessária. Uma segunda condição é a tentativa de deslegitimar a luta social. Exemplo disso foi a greve dos petroleiros. Outra condição é não ter amarras político-administrativas constitucionais. Para fazer o ajuste econômico é preciso não só mudar a Constituição, como centralizar o poder. Daí a escalada de centralismo administrativo e autoritarismo fiscal do governo. Talvez o Brasil esteja vivendo um processo de autoritarismo civil. A proposta de Reforma Tributária do governo junto com o Fundo Social de Emergência, chamado agora Fundo de Estabilização Financeira (FEF), é a negação do Congresso e do Orçamento. Essas medidas mais as que o governo tem tomado na área de reforma administrativa anulam a Federação e a autonomia dos estados e municípios. Se somarmos isso à tese da reeleição e ao episódio Sivam, da escuta e da Pasta Cor-de-Rosa, constatamos autoritarismo e desrespeito às leis por parte do governo.

A globalização do capital é um dos eixos das políticas de ajuste, no Brasil, em outros países da América Latina e no Leste europeu. O que faria um governo petista, em face de uma fuga de capitais?
Primeiro, é preciso dizer que o cenário político de um governo petista já predispõe a fuga de capitais. Esse é um problema com o qual a esquerda terá que conviver no mundo. Não podemos aceitar a globalização nos termos que nos é imposta. O Brasil pode e deve buscar um caminho próprio, como ator, como Nação. É difícil responder sem estar no governo, sem ter a conjuntura concreta, mas a solução para o Brasil está em uma coalizão política diferente da que está no governo hoje. Não adianta o PT e a esquerda chegarem ao governo para fazer a mesma política que a direita, como tem acontecido em muitos países da Europa. Só faremos uma política alternativa se tivermos base social, alianças além do campo da esquerda e capacidade para governar. Uma das primeiras tarefas seria fazer uma reforma tributária. Acabamos de assistir o governo, de maneira vergonhosa, recuar dos 5%, 10% e 15% de imposto de renda sobre o investimento estrangeiro. Um governo nosso teria que recompor a capacidade de investimento público. É verdade que temos que trabalhar com a possibilidade de investimento estrangeiro, mas este não chegaria a 8 bilhões de dólares ao ano, na melhor das hipóteses. Exceto nos grandes países capitalistas desenvolvidos, nenhum país está conseguindo mais do que isso. O problema do Brasil é muito mais criar um novo ciclo de poupança e investimento. Um governo petista teria que estabelecer uma política de fortalecimento do mercado interno, de redistribuição de renda para criar esse mercado interno; uma política industrial e tecnológica que possibilitasse a expansão da indústria de bens de consumo duráveis; um redimensionamento da questão agrícola e rural com a reforma agrária; uma política de alianças no comércio exterior, que viabilizasse a manutenção de exportações, com uma reforma no sistema financeiro e bancário; e uma política para reduzir os juros. O juro brasileiro não pode continuar sendo dez vezes maior que o internacional, pois isso inviabiliza qualquer política de desenvolvimento. A rigor, a medida a ser tomada em relação ao sistema financeiro bancário deveria ser a estatização, mesmo que o privatizasse depois de dois ou quatro anos. Em vez de investir 10, 20, 30 bilhões de reais para salvar alguns bancos, seria melhor comprá-los e operá-los como bancos públicos. Qualquer política econômica alternativa só será possível dentro de uma ruptura política e social, que represente uma mudança radical no perfil de concentração de renda e de riqueza de hoje, uma revolução agrária e educacional, sem o que não haverá alternativa ao modelo atual.

Como você avalia a evolução da conjuntura nos próximos meses?
Vivemos um momento em que é preciso fazer uma avaliação e monitorar a situação política e econômica do país. Vamos viver uma situação de instabilidade. As crises do Sivam, da Pasta Cor-de-Rosa e do sistema bancário mostram que o país voltou a uma fase de instabilidade. A tendência na economia é de recessão e aumento do desemprego. A política de juros altos e câmbio valorizado está se esgotando. Suas conseqüências estão aí, crise na agricultura, falência dos estados e municípios e quebra do sistema bancário. O custo é absurdo, o país fecha o ano com R$ 22 bilhões de déficit público, e isso depois de cortar investimentos e gastos sociais em educação e saúde. Na balança de conta corrente é igual, R$ 17 bilhões de déficit. Nunca se pagou tanto juro pelo serviço da dívida interna, R$ 16,5 bilhões, até outubro. Esta dívida saltou de R$ 60 bilhões para R$ 100 bilhões só neste ano. Se acrescentarmos mais US$ 6,5 bilhões pagos pelo serviço da dívida externa, temos uma idéia da sangria que o país sofre: R$ 23 bilhões, quatro vezes os investimentos públicos do Estado brasileiro. Um crime. Esta abertura econômica casada com a política de juros altos vai aos poucos inviabilizando setores inteiros da indústria - calçados, têxtil, autopeças, brinquedos -, desorganizando a agricultura e destruindo a pequena e média empresa. Produz um esvaziamento assustador nas regiões mais pobres e no interior do país. Talvez o Brasil esteja vivendo a pior concentração de renda de sua história, o aumento da exclusão social e de miséria é patente e convive com grande concentração de propriedade na indústria e na agricultura. Não há lugar para a pequena produção. Ao mesmo tempo, o governo gasta dezenas de bilhões de reais, para salvar dois bancos e evitar a quebra de outros, numa demonstração vergonhosa da falsidade do discurso da eficiência, do mercado e da concorrência. O que conta é o poder dos grupos econômicos no controle do BC e de postos-chave no governo e no Congresso pelo grandes bancos, como demonstram as listas da Pasta Cor-de-Rosa. Está evidente que o governo está perdendo o controle da situação política e econômica. Perde credibilidade e legitimidade. Não pode esconder o tráfico de influência e a corrupção institucionalizada. O caso Sivam, as escutas, a Pasta Cor-de-Rosa e a MP da Fusão dos Bancos estão ai, são as provas materiais do caráter desse governo tucano.

O que o governo do PT faria diante de uma crise como a do Banco Nacional?
Não chegaríamos a esse ponto. Todas essas crises aconteceram por compromissos políticos do presidente da República e da coalizão parlamentar com esses bancos. Deveriam ter sido enfrentadas há seis meses e não foram. É evidente que no caso do Banco Econômico foi tentado tudo para salvá-lo. Não houve incompetência técnica e operacional do Banco Central, houve uma decisão política. No caso do Nacional é a mesma coisa.

Que estratégia é possível dentro desse quadro?
É preciso fazer o desmascaramento político-ideológico do modelo neoliberal, manter a luta social, a mobilização, e apresentar um projeto alternativo ao neoliberalismo. No campo tático, estamos vivendo uma crise e a grande questão a equacionar é: como se desdobrará a conjuntura política nos próximos meses? Ao que tudo indica o governo vai tentar manter a estabilidade da moeda, fazer as reformas no Congresso, procurando manter a luta social esfriada e ganhar as eleições de 96, transformando-as num plebiscito. Com base na vitória de 96, aprova-se a reeleição, então o investidor internacional terá a certeza de mais quatro anos de governo neoliberal no Brasil, com Fernando Henrique. E com a vitória eleitoral passam as outras reformas que são "impassáveis". Nesta lógica, se o governo não aprovar as reformas Tributária e Administrativa até as eleições, elas seriam aprovadas depois, porque haveria legitimação. Então, o grande desafio das oposições é infringir uma derrota política ao governo nas eleições de 96, o que não é uma tarefa simples. Trata-se de uma eleição municipal, envolvendo o poder local. Tudo depende da avaliação de política de conjuntura que fizermos. Estamos fazendo esforço para mudar a agenda do país. O centro da nossa tática, que se expressa neste momento na luta pela reforma agrária e em defesa da Previdência Pública, é obrigar o governo e o país a ter uma outra agenda que não a agenda macroeconômica das reformas neoliberais, é ter uma agenda social. E a próxima bandeira que levantaremos será por emprego. Faremos uma grande campanha nacional, como a da reforma agrária, por emprego, salário e investimentos sociais. Já fizemos duas reuniões - a última delas em janeiro -, com os quatro partidos do Fórum das Oposições (PT, PDT, PSB e PCdoB) com a CUT, CGT, UNE, MST, Central dos Movimentos Populares, Contag, FUP, nas quais acertamos uma agenda comum para 96. Unificaremos nossas ações e potencializaremos as campanhas e lutas de cada entidade. Foi um grande passo.

Com que arco de aliança político-social é possível contar para levar essa campanha por emprego?
A luta pela reforma agrária já mostrou que a aliança tem que ser ampla, tem que incluir todos os setores da sociedade que estejam dispostos. Está sendo apoiada pelos mais diferentes setores políticos, sociais, populares, e pelo setor empresarial. Nenhuma participação está sendo negada. Se não criarmos um arco de forças para além da esquerda, para além das entidades que compõem o campo democrático e popular, será difícil derrotar esse governo. Então, a luta contra o desemprego tem que incluir o pequeno e médio empresariado do país, e os setores industriais que estão sendo prejudicados por essa política de abertura.

Qual o papel do Fórum das Oposições, lançado recentemente?
Quando propusemos o Fórum das Oposições, eu dizia: "O Fórum das Oposições é para apoiar as mobilizações pela reforma agrária, contra o desemprego. É para apresentar propostas alternativas e enfrentar a reforma administrativa e previdenciária do governo. É para mobilizar a sociedade contra as privatizações e fazer as nossas reformas. É para disputar as eleições de 96." Ou seja, é um espaço para as oposições construírem um projeto de desenvolvimento nacional. Existe na sociedade um espaço para essa proposta. A política econômica conservadora só será derrotada pela luta política social. Por isso, a grande tarefa nesse momento é manter a mobilização social pela reforma agrária, desdobrá-la para a luta por emprego e enfrentar o governo no Congresso Nacional. Mas para fazer tudo isso o PT tem que passar por uma profunda reforma interna.

E que reforma é essa?
Essa reforma já começou quando o PT deixou a luta interna, deixou o umbigo e assumiu a agenda que estava colocada para a sociedade. Coincidiu com o crescimento da luta dos sem-terra, e tivemos capacidade de compreender sua importância e transformá-la em um tema político-institucional a ser abraçado pela sociedade. A proposta de fazer um memorial da reforma agrária foi feita pelo conjunto do partido. O PT encontrou eco na sociedade ao consolidar formas de oposições, ao apresentar propostas alternativas de reforma administrativa e ao divulgar suas experiências de governo. Não há incompatibilidade entre a luta social e a luta institucional. Já iniciamos uma nova relação com a nossa bancada e governos, instituímos uma coordenação conjunta com a bancada e conselhos políticos em Brasília e Espírito Santo. A Secretaria de Assuntos Institucionais faz um trabalho em nível nacional, assumimos que somos governo. O partido tem uma grande rejeição, que é fruto da propaganda adversária, da campanha feita pela mídia, mas também é fruto da imagem de luta interna. O partido precisa primeiro democratizar a tomada de decisões. A falta de comunicação e de profissionalismo levou a que as decisões partidárias fossem tomadas pelas tendências. Devemos reverter isso e trazer de volta a democracia no partido, acabar com a idéia de que tendência é quem toma decisão no partido. Ou seja, é preciso funcionar a consulta. O problema financeiro é gravíssimo. Temos que refiliar, cadastrar e criar o hábito em todos os filiados de pagar contribuições ao partido.

Como o PT está se preparando para as eleições municipais de 96?
O desafio é saber como vamos politizá-las. Há o risco do localismo e do discurso ideológico genérico. Também o PT não pode subestimar o papel de seus governos e o potencial que isso representa em termos de propaganda, de modelo a ser mostrado à sociedade. Não podemos desprezar o modo petista de governar. Não podemos fazer um discurso antineoliberal, apenas como uma retórica fraseológica. É preciso concretizar a denúncia do modelo neoliberal.

Além dos partidos de esquerda, PT, PSB, PCdoB, qual a possibilidade do PDT, setores do PMDB e outras forças políticas jogarem um papel importante?
Vejo com certa preocupação o quadro político eleitoral para 96, porque o governo está se preparando para jogar pesado. Tem recursos, mídia e uma situação razoável entre os setores populares por conta da estabilidade da cesta básica. Mantém um controle muito grande dos meios de comunicação. A sociedade não está vinculando violência, desemprego, criminalidade, corrupção das elites ao governo FHC. Então, precisamos fazer uma avaliação das eleições de 96 com cuidado. Não podemos, somente a partir da denúncia de escândalos como o dos bancos, do Sivam e da Pasta Cor-de-Rosa, do problema do desemprego e da recessão, imaginar que vamos ter uma grande votação. Mas, por outro lado, o setor democrático e popular tem uma ampla base política eleitoral no país. Não é pouca coisa. Com partidos como o PDT fica difícil estabelecer política de alianças, quando se trata de eleição municipal. Essa aliança vai ser possível onde houver condições políticas, programáticas e sociais para isso. O próprio PDT tem dificuldades de fazer alianças com o PT, por exemplo, em Porto Alegre. Tudo indica que haverá grandes problemas, mas estou falando quatro meses antes.

Com quais partidos poderemos contar?
Depende. O nosso desejo é uma aproximação política com o PDT, consolidação da aliança com o PSB e PCdoB, e um diálogo com PPS e PV, pois temos divergências de fundo com esses dois partidos com relação à política de FHC. Estamos na oposição e alguns de seus líderes estão numa política de diálogo com o governo. Já com setores do PMDB depende do fato de eles se diferenciarem e se separarem da política de coalizão governamental, colocando-se em oposição ao modelo neoliberal. A eleição dependerá muito do Diretório Municipal, é uma questão local. Nós podemos fazer um trabalho de politização, de reflexão e de organização do partido em nível nacional para potencializar as alianças. Se os setores do PT que são contra a política de alianças, ou têm dúvidas, tomassem ao pé da letra o seu discurso, que o grande perigo para o Brasil é o neoliberalismo, eles iriam ampliar a política de alianças ao máximo, tendo como objetivo derrotar essa política econômica e social.

É possível uma aliança com o PSDB?
Existe uma grande desilusão em todos os setores da sociedade. Aos poucos, o PSDB foi ficando homogêneo. Na bancada federal, no caso do Sivam, no caso do Banco Econômico, do Banco Nacional, não encontramos mais vozes no PSDB dissidentes do governo.
Como ficará a situação nos municípios onde PT e PSDB estão juntos nos governos?
A tendência é o PSDB lançar candidatos próprios. Temos uma determinação de fazer aliança apenas com setores do PSDB que se opuserem à política econômica, ao modelo neoliberal do governo. Sou muito pessimista em relação a isso.

Você aponta para um investimento na luta social. Quais são as possibilidades da luta social no Brasil?
Vejo perspectivas porque há um agravamento da situação social do país. Há uma escalada de privatizações no espaço social do serviço público. Essa concepção está predominando no governo. Talvez por falta de competência nossa, estamos falhando. Existem problemas políticos na própria sociedade porque o governo ganhou uma disputa político-ideológica, a eleição, o debate das reformas. Tem-nos faltado capacidade de mobilizar e articular a luta com relação às reformas da Previdência e Administrativa. Faltou capacidade de mobilizar os funcionários públicos, os aposentados e fazer um debate com a sociedade. Por exemplo, agora, no caso Sivam é hora de ir para a rua, se queremos dar alguma possibilidade de a CPI ser aprovada.

Qual é o objetivo do Programa Anticorrupção?
O Programa Anticorrupção tem como objetivo criar uma consciência ética no país. Ele parte da idéia de que o grande instrumento de combate à corrupção é o controle social e a participação do cidadão, das entidades da sociedade. O problema da corrupção no Brasil não é de lei, é um problema cultural e de estrutura da administração pública. A proposta é promover mudanças nos Tribunais de Contas, no sistema de controle interno, no sistema financeiro - lei do cheque, lei do sigilo bancário, lei da movimentação financeira. Discutirá o controle, mudanças e, principalmente, a participação popular no Orçamento. Propõe a criação de entidades como o Instituto Catarinense Contra a Corrupção, criado na Universidade Federal de Santa Catarina. O programa reúne personalidades como Márcio Thomás Bastos, Modesto Carvalhosa, Aristides Junqueira e Bisol. Tem apoio de entidades internacionais que estão discutindo a questão. A idéia do programa é a mesma da campanha contra a fome: fazer com que surjam, na sociedade, entidades, associações, movimentos com a participação do cidadão contra a corrupção.

José Américo Dias, Paul Singer e Rose Spina são, respectivamente, diretor, membro do Conselho de Redação e secretária de redação de T&D.