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Os depoimentos de familiares de mortos e desaparecidos expõem aspectos de uma história que ainda não foi bem contada: o desaparecimento sumário de corpos, que expressou a forçado Estado diante da oposição política

É Creonice1 cujo companheiro desapareceu no Araguaia, quem explica a situação de seu filho cujo pai é desaparecido:

"(...) Até os sete anos ele só tinha a referência do pai que eu dizia... não existia uma foto, não existia nada... nada... absolutamente nada... e ele me dizia: 'Todo mundo tem pai por que o meu não tá aqui? E eu onde nasci?' E eu dizia: 'Seu pai morreu. Você nasceu na prisão'. E era sempre assim... aí eu comecei a contar mais detalhes: 'Eu fui presa porque não gostava do governo. Seu pai morreu porque não gostava do governo'. E eu comecei a detalhar mais a história... e ele sempre perguntava: 'onde eu nasci? quedê meu pai?'... E acho que ele teve alguns problemas ... ele tem dislexia... ele tem um afundamento... mas eu acho que, comparando com os outros, a vida dele foi mais fácil! Eu acho também que a questão da perda do pai foi uma coisa sem retorno...

"A partir dos sete anos ele conheceu a família do pai... aí ele viu fotos dele adulto, conheceu casos de quatro anos da vida do pai... e da família. Eu acho que pra ele foi muito importante... ele valorizou muito isso... eu acho que ele materializou um pouco esse pai... o pai era algo assim... meio etéreo, e de repente a convivência com a família do pai... Eu acho que ele não tinha elementos nem pra idealizar... Esse pai era... tinha nascido adulto, nascido guerrilheiro... Então ele não tinha passado pra construir... ele passou a queixar a perda do pai com angústia, com muita angústia, tipo assim: 'Mas eu nunca vou ver o meu pai? eu nunca vou saber como ele era'... porque... faltava história, né?"

O depoimento expõe aspectos de uma história que não foi ainda bem contada. O desaparecimento de figuras políticas da nossa sociedade nos anos 60-70, perseguidos pelo Regime Militar, instaurado em 1964, deixou mais marcas do que se relatou até os dias de hoje. O desaparecimento sumário de corpos expressou a força do Estado diante da oposição política. Força assumida e configurada pelo extermínio total do outro e pelo apagamento de seu rastro e de sua história.

Os familiares dos desaparecidos, contando atualmente com o apoio da sociedade, têm se organizado, pressionado o Estado por ajustes de contas. Eles continuam pedindo o corpo de seus mortos. As histórias estão aí. Não foram esquecidas. Há um movimento forte para recuperar aquela história mal contada, não reconhecida pelos poderes políticos, nem pela história oficial do país. A imprensa tem trazido matéria sobre o assunto. A Comissão de Familiares de Desaparecidos, junto ao ministro da Justiça, reivindica o reconhecimento oficial das mortes pela expedição de atestados de óbitos. À pressão nacional tem-se somado uma crescente pressão internacional2.

O relato de Creonice aponta alguns dos problemas vividos pelas famílias de desaparecidos políticos. No caso, a figura paterna foi construída pela mãe e pela família porque nada havia do guerrilheiro, a não ser passagens da militância... casos heróicos, histórias transmitidas oralmente. A história oficial encarregou-se de apagar a sua história. Nada de corpóreo, nenhuma foto para dar concretude às histórias fragmentadas. É Creonice falando:

"Até aos sete anos ele só tinha a referência do pai que eu dizia... não existia uma foto, não existia nada ..."

Os detalhes da história familiar vão pingando aos poucos até construir um passado compreensível no presente. A guerrilha, a oposição ao governo e a morte do pai possibilitaram montar o cenário no qual se ancorava o nascimento da criança, mas a figura do pai parece ter sido de difícil elaboração. Algo meio etéreo, conforme palavras de Creonice:

"Assim meio etéreo... não tinha nem elementos para idealizar... esse pai tinha nascido adulto, nascido guerrilheiro... não tinha passado pra ele construir... faltava história!"

O desejo de reconstrução da imagem do pai transparece nas palavras de seu filho Julio César:

"(...) Eu guardo todas as histórias que eu ouço do meu pai, eu guardo mais as da minha vó contando que ele saía pra pescar, que ele jogava baralho na praça, que ele saía... O que eu tenho de informação dele que eu mais gosto ... assim, que eu mais gosto mesmo ... não é a parte militante... eu guardo ações cotidianas e guardo dentro do cotidiano, escondida, a pessoa... aí eu consigo ver a pessoa..."

Imagens polarizadas do pai-militante-revolucionário e aquele do cotidiano desafiam a elaboração da figura paterna desconhecida, desaparecida. A preferência para a elaboração dela vem das histórias contadas pela avó, distante da militância e que traz para o real o homem comum: aquele que vai pescar, jogar baralho e que traduz o mundo afetivo e preservado da intimidade familiar quase explícita nas palavras de Julio César:

"Guardo dentro do cotidiano, escondida, a pessoa".

Trata-se, na verdade, de um resgate da memória afetiva da família. O papel da avó, mediando e favorecendo a reconstrução da história familiar, através das lembranças, é recorrente no relato. Esta reconstrução não diz respeito apenas à história individual, mas à história do modelo familiar, estabelecendo e atualizando a identidade da família (LINS, 1989). Dela se compartilha, enquanto grupo social, dos mesmos símbolos e significados. É no plano da família, segundo Lins, que se reavivava a memória individual e se reconstrói a figura paterna. Mesmo incorpórea ela se reconstrói, porque é no campo afetivo que ela se realiza. O desaparecimento da figura paterna e a impossibilidade de reconstrução dela atinge a identidade da família como um todo. É Jurema, filha de Idalina e de um líder estudantil desaparecido, nascida quando ambos viviam na clandestinidade em São Paulo, quem conta a história:

"(...) Meu pai desapareceu, nem corpo a gente tem... nunca se soube nem o paradeiro, nada... desapareceu em outubro de 1973 e nunca se soube... sumiu e pronto! Veio a Anistia e a minha mãe conta que passou um tempão procurando ele pelo Brasil com a minha vó. Eu sei da história mas eu não falo disso com a minha mãe... ela é muito emotiva... e eu nunca pedi detalhe, sabe? Mas não tem essa história de... meu pai foi herói... a minha avó... bem, ele era a paixão, a loucura dela mesmo, então, ela transfere isso pra mim... eu era o que sobrou do filho, entendeu?"

Se nunca entendera os sumiços e as ausências do pai sempre em clandestinidade, segundo os relatos, difícil fora compreender o desaparecimento dele e a sua condição de órfã. A rememoração através dos detalhes ou fragmentos da história reatualiza a dor vivida pela mãe, como declarou a jovem:

"Eu sei da história mas não falo dela com a minha mãe... ela é muito emotiva"

ou, ainda:

"É melhor não abordar esse tema em casa".

Embora seja para a avó "o que sobrou do filho", não deseja carregar o peso do herói que foi seu pai.

Em muitos casos, o que ficou registrado na memória foi o épico da história pessoal e familiar. Para os filhos, todavia, a morte do pai é uma perda afetiva, sobrepondo-se ao fato político do "desaparecimento". Ou seja, na esfera dos sentimentos mais íntimos, a morte do pai se realiza na permanente presença da sua ausência, por se inscrever no plano afetivo. Na esfera da vida pública, no entanto, ela é fato político. Estas duas esferas, contudo, não permanecem isoladas, misturam-se na busca da compreensão e na aceitação do ocorrido, como mostra a frase de uma esposa de desaparecido:

"Não ter o corpo da pessoa... levei dez anos pra poder falar nisso."

Esta experiência e outras marcadas por rupturas múltiplas e traumas impediram para muitos a construção coerente da própria história.

Não poder falar sobre a experiência ou o passado pode significar a necessidade de encontrar um modus vivendi consigo próprio, com os filhos ou com aqueles que de algum modo, mais próximos ou mais distantes, consentiram nesta história. Pode também significar bloqueios ante a dificuldade de gestão de um equilíbrio precário de muitas contradições e tensões. A memória, no entanto, permanece viva. O que foi silenciado pode aflorar em algum momento de crise, expondo uma memória subterrânea indicadora da resistência, visível num fragmento da fala da filha de um desaparecido:

"Quando ele morreu eu era muito pequena (...) é óbvio que eu tenho orgulho... eu tenho uma arrogância... eu sou filha de um herói... isso me faz ter uma altivez (...)"

A ausência de corpo sugere morte, mas não permite a realização dela no imaginário. Esta ausência de simbolização, tem um significado muito preciso, "o de não poder esquecer, pois o esquecimento só é possível quando algo foi registrado na ordem simbólica" (CARDOSO, 1933:63). No caso de desaparecido, o não reconhecimento da morte nos remete à dimensão essencialmente humana do simbólico. Ora, a vida subentende a morte, que é prenhe de significados e valores. A morte de uma única pessoa não se resume num único acontecimento. Constitui tantos acontecimentos quantos forem seus elos sociais: seu cônjuge, seus pais, seus filhos, seus amigos, seus companheiros de militância... Muitas ligações se rompem numa única morte, e tudo ao mesmo tempo. A eliminação do ser social atinge o mundo ao qual ele pertence e que precisa, em virtude disso, ser regenerado porque se perdem alguns esquemas que dão sentido à vida do grupo social ou da sociedade em geral.

A consciência e a experiência da morte levaram os homens, desde os mais remotos tempos, à produção de uma constelação de imagens variadas sobre ela, transformando a percepção humana da vida, da morte e do mundo. Afetado pela morte, o homem preenche seu medo, sua angústia e sua recusa a ela através de mitos, magias, religiões. Constrói pirâmides, sepulturas, cria ritos fúnebres, refletindo a morte não só como um fenômeno objetivo e empírico, mas também subjetivo e simbólico.

Os rituais cumprem sua função de regeneração. Os rituais e o luto significam agregação e anunciam um novo tempo, no qual a ausência de quem morreu deverá ser incorporada paulatinamente pelos que ficaram. A diversidade nos modos de representação e ritualização da morte nas diferentes culturas ocorre em virtude dos diversos aspectos que a cercam e que o ritual dramatiza (FRY e VOGT, 1983).

A necessidade dos rituais de morte é bem lembrada por Hannah Arendt em Origens do Totalitarismo (1989), quando escreve sobre a matança nos campos de concentração. Matança é a palavra escolhida porque significa a morte da "coisa", do homem desumanizado, reificado. A autora chama a atenção para a barbárie das mortes nos campos de concentração, lembrando do fato de que no mundo ocidental o inimigo morto sempre teve o direito de ser lembrado, evidenciando o seu caráter de humanidade. Escreve ela: "Mesmo em seus períodos mais negros, o mundo ocidental deu sempre ao inimigo morto o direito de ser lembrado, num reconhecimento evidente de que todos somos homens (e apenas homens). Até mesmo Aquiles providenciou os funerais de Heitor; os governos mais despóticos honraram o inimigo morto; os romanos permitiam que os cristãos escrevessem martirológicos; a Igreja manteve os seus hereges vivos na memória dos homens; e por isso, somente por isso, tudo foi em vão e jamais poderia ter sido em vão. Os campos de concentração, tornando anônima a própria morte e tornando impossível saber se um prisioneiro está vivo ou morto, roubaram da morte o significado de desfecho de uma vida realizada. Em certo sentido, roubaram a própria morte do indivíduo, provando que, doravante, nada - nem a morte - lhe pertencia e que ele não pertencia a ninguém. A morte apenas selava o fato de que ele jamais havia existido" (ARENDT, 1989:503)

Como os mortos dos campos de concentração, o fato do desaparecimento, eliminando o direito ao reconhecimento da morte, é incompreensível, injustificável. Isto nos dois sentidos: de quem morre e de quem fica. Os primeiros não podem gozar do desfecho de uma vida e os que ficam não têm o direito de viver a dor da perda. Daí a necessidade dos rituais de morte: eles fazem parte do conjunto de representações da morte. Gennep (1978) os coloca entre os ritos de passagem em cuja definição está contida a idéia de passar de um mundo anterior (cósmico ou social) para um mundo novo. Como passagem, requer rituais funerários que consistem na sua representação. No caso do desaparecido, a negação da morte impede a ocorrência deles. Se os rituais funerários dizem respeito à primeira etapa dos ritos de passagem no sentido utilizado por Turner (1974), o luto é um estado (implica sentimentos, dor, sofrimento e readequação) e um período de desadequação e busca de adequação. Não poder viver o luto, como no caso do desaparecido, significa não ter a chance de reorganizar os esquemas simbólicos que perderam o sentido. É por isso que as famílias dos desaparecidos políticos no Brasil continuam pedindo o "corpo" de seus mortos!

Esta questão explica o surgimento da Comissão de Familiares de Desaparecidos Políticos extensiva à América Latina, e o trabalho da Comissão Especial de Investigação e Acompanhamento das Ossadas do Cemitério de Dom Bosco, em Perus (SP)3, objetivando encontrar os ossos dos desaparecidos políticos, resgatá-los e entregá-los aos seus familiares. Não são raros os casos daqueles familiares que, ao encontrarem os ossos dos entes queridos desaparecidos há mais de duas décadas, promovem, em nossos dias, os rituais funerários com a participação dos parentes e amigos. A busca do sentido da morte justifica o sentido da vida.

Não sendo possível a elaboração da morte no simbólico, resta aos familiares dos desaparecidos - aos sobreviventes - a incompreensão dela, o temor, a angústia e o desamparo.

O não-reconhecimento da morte significa, outrossim, a negação da identidade pessoal do indivíduo e o corte do vínculo de humanidade no sentido arendtiano. Nesta direção, o desaparecido transforma a morte num assunto político. Este diz respeito à história da violação dos direitos humanos, da liberdade, e aponta para a existência de uma violência mais explícita e insuportável, aplicada pelos sistemas de repressão dos Estados autoritários, configurada objetivamente na morte sob tortura e no desaparecimento. A autoridade, que mesmo um pobre diabo possua ao morrer, conforme Benjamim (1985), não faz parte da experiência do desaparecido. Desta maneira, ela é injustificável. Celso, ex-preso político, descreve a situação da morte por desaparecimento:

"Eu acho que a repressão foi muito seletiva e inteligente porque causou pouco atrito com a sociedade. Muito pouca gente tomou conhecimento que aqui existia uma ditadura... eles reduziram muito a área de atrito... A partir de uma certa época eles criaram a figura do desaparecido. O que que é isto? Eles vão na casa de uma pessoa opositora, à noite, procuram fazer barulho pra que os vizinhos tomem conhecimento da prisão desta pessoa, levam a pessoa, sem esconder que estão levando... muitas vezes, encapuzadas... e nunca mais esta pessoa volta! O desaparecido existe pra intimidar a sociedade! É uma espada de Dâmocles, assim em cima de todo mundo... se você se opuser ao regime, você pode desaparecer... nem o cadáver nem os ossos a família vai ter um dia! É um problema pra cultura ocidental... não sei se em outros lugares... mas a pessoa quer enterrar os ossos. Então, quer dizer, a repressão, a tortura, a prisão, os assassinatos... isso funciona na sociedade. E tem um funcionamento a longo prazo também... porque existe um medo... um medo mais ou menos generalizado de quem tem um pensamento político. Existe em toda América Latina um medo de voltar a ditadura. Qualquer atrito maior entre oposição e governo, sempre surge alguém que diz: 'Olha, vamos com cuidado, não cutuca a onça com a vara curta, porque isto pode voltar...' Então esse medo generalizado passa a assumir um papel... quase sempre mais importante do que a vontade de lutar, do que a dignidade... do que uma série de coisas que no passado foram mais fortes na sociedade... (...) é uma nuvem que paira ... que leva inclusive as pessoas a não se organizarem em partidos ou a não quererem aprofundar a luta política... E a repressão funciona... o cara vai preso numa cadeia... vai se desmoralizando... Um número muito grande de pessoas ao serem torturadas falavam alguma coisa de seus companheiros e era responsável-, às vezes, pela prisão de outras pessoas... isso leva à desmoralização... a pessoa perde a confiança em si própria... tem sentimento de culpa... isso desestrutura as organizações políticas, desorganiza a resistência..."

Arma eficaz das ditaduras, como denunciou Celso:

"O desaparecido existe para intimidar a sociedade! É uma espada de Dâmocles, assim em cima de todo mundo... se você se opuser ao regime, você pode desaparecer... nem o cadáver, nem os ossos, a família vai ter um dia!".

O medo, que subjaz a toda sociedade em virtude desta possibilidade, desarticula os militantes e as organizações. O desaparecimento de uma pessoa coloca, desse modo, dois aspectos em destaque: o primeiro, refere-se à perda, cuja elaboração se inscreve no campo afetivo; o segundo, refere-se a uma questão mais ampla, inscrita na esfera do político propriamente dito. Com relação ao primeiro aspecto, a separação imposta pela morte física de alguém requer ainda, no mundo ocidental, rituais que contribuem, no plano do simbólico, à aceitação do fenômeno. O ritual restabelece a ordem rompida pela morte de alguém. Com relação ao segundo aspecto - o desaparecimento como fenômeno político - a sua circunscrição está inscrita na esfera dos Direitos Humanos: "A vítima é privada de toda sua identidade pessoal, civil, política e social. Passa a não existir, existindo. Sendo vítima, não o é. Estando presa, é como se solta estivesse. O desaparecimento político, no plano jurídico, não é qualificado na nossas leis" (BRANCA, 1987:110). No mesmo texto, um depoimento de Luiz Eduardo Grenhalgh chama a atenção para a culpa e o estado de frustração perpétuos que sentem os familiares do desaparecido por acreditarem ter iniciado a busca com atraso. Com a instituição do desaparecimento político, os militares criaram o "atestado de óbito por morte presumida" ou a "declaração de ausência por morte presumida" na Lei de Anistia, para se furtarem da responsabilidade em relação aos desaparecidos.

Esta questão foi discutida também pela Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos que incorpora os trabalhos do Comitê Brasileiro pela Anistia (CBA), fundado em 1978, no Rio de Janeiro, e estabelece a distinção entre morto e desaparecido: "Morto é aquele cuja morte foi oficialmente anunciada pelos órgãos da Repressão. Há mortos oficiais cujos restos mortais encontram-se desaparecidos; desaparecido é todo aquele cuja morte não é reconhecida oficialmente. Na maioria das vezes não se reconhece oficialmente nem mesmo sua prisão, embora testemunhada"4.

Cardoso (1988), estudando a perda e a melancolia nos acontecimentos de 68, refere-se ao desaparecimento como a configuração de uma experiência de morte sem sepultura, ou seja, "uma experiência de morte que se carrega em vida. A impossibilidade de realização do ritual de luto - a sepultura - configura uma situação de perda em que não se consegue renunciar ao objeto perdido, o que produz a melancolia" (CARDOSO, 1988:235). Segundo a autora, a dificuldade de elaboração da perda é evidenciada pela experiência das mães da Plaza de Maio na Argentina e pelo caso Rubens Paiva que simboliza a questão dos desaparecidos no Brasil.

Brasil Nunca Mais (1985) também faz referência ao fato, afirmando não passarem de hipóteses todas as informações sobre os desaparecidos. A partir do momento em que eles foram detidos pelos organismos de segurança, nada mais deles se soube. Eram assassinados impunemente, enterrados em cemitérios clandestinos sob falsa identidade, geralmente à noite e na qualidade de indigentes. Mesmo os movimentos de Anistia e de Familiares não lograram encontrá-los. Eram enterrados sob nomes falsos fornecidos pela polícia. "Toda guerrilha que morreu nas ruas de São Paulo foi para esse cemitério (Dom Bosco), igual aos indigentes recolhidos mortos nas ruas de São Paulo." informa o relatório do Núcleo de Estudos da Violência (1991).

O Grupo Tortura Nunca Mais, de São Paulo, e a Comissão de Justiça e Paz têm trabalhado junto aos familiares de desaparecidos políticos com o objetivo de realizar a exumação das ossadas do Araguaia, não apresentando ainda os resultados desejados.

Luci Gati Pietrocolla é professora doutora assistente na Unesp (Franca).