Nacional

Perseu entregou-se com entusiasmo à tarefa comum de construção da Universidade de Brasília

Conheci Perseu Abramo em abril de 1962, quando nos integramos no corpo docente da Universidade de Brasília. Éramos menos de 50 professores, incluídos aí os instrutores de ensino.

A grande maioria se conheceu lá. Em cada apresentação havia curiosidade e expectativa, porque todos já se sentiam igualmente comprometidos com a sorte do grande projeto renovador da Universidade.

Não sei quem me apresentou ao Perseu. Contudo, tantos anos depois, guardo do encontro a lembrança do olhar suave e do sorriso ameno com que, ao apertar-me a mão, abriu-me uma convivência fraterna e solidária.

Tivemos o privilégio de estar presentes na inauguração da Universidade. Demos os primeiros cursos, aproveitando salas de um dos edifícios ministeriais, assistimos ao lançamento da pedra fundamental do primeiro prédio de aulas do campus, passo a passo vivemos intensamente cada momento daquela trajetória empolgante.

Perseu entregou-se com entusiasmo à tarefa comum de construção da Universidade. Seus colegas da área de sociologia eram unânimes em exaltar-lhe a inteligência, a dedicação, a seriedade. Seus alunos o apreciavam milito, alguns consideravam-no um professor fascinante.

Logo conquistou um lugar no apreço e admiração de todos. Seu raciocínio claro, a palavra sempre lúcida, uma grande capacidade de persuasão e as posições firmes ajudaram bastante na análise, na discussão e no encaminhamento de nossas questões comuns. Essa fase da Universidade foi, lamentavelmente, muito efêmera, porque, dois anos depois de inaugurada, o golpe militar fazia seus estragos, também entre nós.

No momento de maior dramaticidade, logo nos primeiros dias do famigerado abril, um contingente militar invade o campus, retira de lá um grupo de professores, alguns das próprias salas de aula, e os conduz presos. (Da lista de nomes, escaparam o arquiteto Oscar Niemeyer e o maestro Cláudio Santoro, afortunadamente viajando no exterior).

Lembro-me da primeira noite, já recolhidos ao quartel, quando fomos retirados do dormitório, conduzidos, sem nenhuma explicação, a um pátio externo e obrigados a ficar inteiramente despidos. Submetidos a um daqueles malfadados inquéritos (IPMS) que assolaram o país, todos, um após o outro, tiveram a prisão relaxada e puderam retornar a seu trabalho na Universidade.

A calmaria foi curta. Imediatamente depois, no dia 9 de maio, confirmando uma tensa expectativa, o reitor-interventor promove a demissão de nove professores: sete daqueles que estiveram detidos, portanto de certa forma já na mira do fuzil, e dois outros, apanhados na pura surpresa.

Foi uma pancada assassina! Privou a Universidade de pessoas da melhor qualidade e, pior, sacrificou, definitivamente a carreira acadêmica de várias delas, uma das quais, por extensão, Zilah Abramo.

Entre os injustiçados estava Perseu. Demitido, desempregado, aturdido pela violência e pela incerteza dos desdobramentos daquele terremoto, ainda por cima circunscrito pelas amarras do IPM a permanecer nos estritos limites de Brasília, ele, os companheiros e suas famílias viveram ali, por dois ou três meses, uma situação dramática!

A versão oficiosa que ousaram fazer circular foi desabusada e desavergonhada: a Reitoria fora obrigada a sacrificar/imolar aqueles professores para aplacar as pressões do governo, com o que o reitor poderia manter acobertada e protegida a instituição!

A história verdadeira é conhecida. Para a ditadura era inconcebível uma Universidade autônoma, pluralista e crítica, assim do feitio da Universidade de Brasília. Importava, pois, silenciá-la, eliminando os que eram espelho dela.

Hélio Pontes, professor emérito da Universidade Federal de Minas Gerais. Foi um dos fundadores da Universidade de Brasília.

Sobre a Universidade de Brasília

(Fragmento do discurso proferido por Perseu como patrono da turma de formandos em Administração Pública da UFBA, em 1966)

Quando, nos primeiros anos desta década, alguns professores de todo o país, comprometidos com os alvos coletivos do povo brasileiro, decidiram enfrentar e resolver corajosamente o problema da reforma universitária, optaram pela criação da Universidade de Brasília, que deveria subsistir, não como exemplo, padrão e modelo para as demais, mas como marco e símbolo da revolução brasileira no ensino superior.