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Realista profissional, idealista político, Perseu jamais abordou sua equipe de trabalho com pregações ideológicas. Ao contrário, agia sempre com objetividade profissional

Tive a felicidade de ingressar no jornalismo pela ética de Perseu Abramo, numa época em que seu talento e inteligência conferiam personalidade própria à seção de Educação da Folha de S. Paulo, apontada então como modelo em toda a imprensa brasileira. Era outubro de 1975. Eu estudava na USP e alimentava o sonho de me tornar repórter. Foi Sílvia Sayão - então à frente do programa de tevê Globo Repórter - quem me deu a dica de que Perseu procurava alguém do curso de Pedagogia para integrar sua equipe.

Novo de tudo no ramo, lá fui eu procurá-lo sem ainda fazer idéia de quem era aquele profissional íntegro, admirado inclusive por seus oponentes, e logo no primeiro dia tive a primeira de muitas lições que marcaram minha trajetória de jornalista. Como um excelente professor - que também foi - ele fez questão de inicialmente me situar no universo da empresa Folha da Manhã e me levou a conhecer todo o processo de produção do jornal, desde a elaboração da pauta até a saída dos exemplares prontos das rotativas. Naquele dia deixamos o jornal depois da meia-noite.

Daí pra frente foram-se somando novas lições a partir de uma prática cotidiana utilizada por ele com todo o seu pessoal. Para cada repórter, por exemplo, Perseu explicava em detalhes a pauta do dia e discutia a reportagem antes e depois do texto escrito. Junto aos redatores insistia num copidesque que não desfigurasse o estilo do repórter, além da utilização de títulos que melhor traduzissem a essência das matérias. A bibliotecária era orientada a levantar com antecedência informações de arquivo para enriquecer as matérias e o diagramador, por sua vez, sempre ouvia dele o porquê desta ou daquela mudança solicitada no arranjo da página.

Nessa fase trabalhei com Perseu Abramo durante quatro anos, ao lado de um time formado por José Maria de Lima, Ulisses José de Souza, Irede Cardoso, Lúcia Neiza Pereira e José Roberto Palladino. Aprendi com ele as funções de repórter, redator, editor e cheguei a substituí-lo em dois períodos de férias. Mais que isso tudo, aprendi com ele o significado e a prática da ética jornalística - para mim, seu maior legado.

Numa segunda etapa fui reencontrá-lo secretário municipal de comunicação do governo de Luíza Erundina, quando trabalhei como assessor de Paulo Freire na Secretaria de Educação. Juntos (eu convidado por ele) editamos o jornal “100 dias”, que trouxe um balanço dos primeiros meses da administração petista em São Paulo. Aliás, naquele primeiro ano de gestão, seu comportamento - mais uma vez - foi extremamente elegante durante e após o episódio interno que marcou seu sacrifício como secretário municipal: jamais fez qualquer crítica pública a qualquer de seus colegas de governo.

Realista profissional, idealista político, Perseu jamais abordou sua equipe de trabalho com pregações ideológicas. Ao contrário, agia sempre com objetividade profissional e fazia absoluta questão de demonstrar profundo respeito por qualquer outra crença ou ideologia, especialmente quando um de nós, levado por um certo entusiasmo ingênuo, se apressava em criticar personalidades que mantinham posições diferentes das nossas.

Evidência maior da força de sua personalidade foi a criação - por alguns de seus adversários - do adjetivo “perseta”. Quando um deles, referindo-se por exemplo a um repórter, comentava: “Esse é um perseta”, estava querendo ressaltar a influência marcante de Perseu Abramo no comportamento e atitude profissionais da pessoa. Esses adversários sabiam, embora não admitissem diretamente, que Perseu fazia escola. Uma escola na qual prevalecia, sobre todas as coisas, a pedagogia da ética.

Olavo Avalone Filho é jornalista.