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Veio a criação do PT. Companheiro de primeira hora, mas que se destacava principalmente pela seriedade

O primeiro contato que tive com Perseu Abramo foi em 1975, quando o Audálio Dantas ganhou as eleições no Sindicato dos Jornalistas depois de um longo e tenebroso período de peleguismo. Após essa vitória algumas pessoas começaram a participar mais ativamente em reuniões intersindicais que naquela época eram proibidas. E foi numa dessas reuniões que nos conhecemos. Era um debate sobre redemocratização do Brasil. Depois tive um contato maior por ocasião de uma palestra que fui fazer na entidade dos jornalistas.

Em 1979 o Sindicato dos Jornalistas decretou greve. O presidente era o David de Moraes. Foi nesse período que houve o entrosamento com Perseu e outros companheiros que vieram participar do Partido dos Trabalhadores.

Na greve dos metalúrgicos em 1979, na qual fui cassado, o Perseu teve um papel muito importante. Ele esteve presente em todas as reuniões que fazíamos. Quando me afastei por dois dias da direção da greve, Perseu foi um dos companheiros que estiveram na minha casa pedindo para eu voltar.

Quando foi decretada minha condenação pela Justiça Militar, localizada na avenida Brigadeiro Luiz Antonio, centro de São Paulo, o Perseu estava lá, acompanhando os depoimentos. Quando o juiz deu a sentença, uns choravam, outros gritavam, alguns queriam quebrar... E o Perseu sentou no chão no meio da Brigadeiro. Ele estava simplesmente arrasado. Não aceitava a ideia de que tínhamos sido condenados. Num primeiro momento, pensei que ele estivesse passando mal, mas não, ele sentou como se o mundo tivesse desabado sobre sua cabeça. Quando conversamos sobre isso, ele me disse: "Não sei por que fiz aquilo, me deu vontade de sentar na rua. Para mim, o que havia acontecido era uma barbaridade tão grande que não via mais o que fazer."

Depois veio a criação do PT, quando Perseu colocou-se desde o primeiro momento à disposição. Companheiro de primeira hora, mas que se destacava principalmente pela seriedade.

Em 1982 ele passou a fazer parte do quadro diretivo do partido com dedicação quase que exclusiva. Nunca vi alguém com tanta capacidade e tanta vontade de escrever corno ele. Para nós significava a serenidade dentro do PT.

De 1991 a 1993, Perseu trabalhou diretamente comigo, era um dirigente ligado à Presidência. Discutíamos muito o cotidiano, a conjuntura. Uma coisa o diferenciava de todos nós, era extremamente cuidadoso. Quando aparecia com uma proposta aparentemente radical o que queria era evitar que incorrêssemos em erros que ele já havia visto em algum momento de sua vida, o que. Aliás, essa prudência é muito própria da família Abramo.

Uma vez eu ia à Folha de S. Paulo e queria levá-lo junto. Mas ele era tão coerente consigo próprio que se recusou. Foi demitido na greve de 1979 e disse que não tinha o que fazer lá. Essa era sua postura de dignidade.

Ele sempre me tratou como se eu fosse um filho. Não tinha como brigar com ele, aliás, acho que ninguém no PT conseguia brigar com ele. Mesmo quando não concordava muito, a gente ficava quieto porque era o Perseu que estava falando. Era uma relação de respeito muito grande. Figuras como ele são tão importantes para o partido que não deveriam disputar uma vaga na direção. O partido deveria reconhecer a necessidade de que elas sempre estivessem lá.

O PT perdeu este ano uma figura que sem dúvida era a representação da ética, da seriedade, do compromisso histórico. Perseu era inatacável. Poucos têm sua capacidade de trabalho e dedicação. Tudo que pegava para fazer virava questão prioritária. Seu papel foi fundamental como militante e membro da direção.

Lula é membro do Diretório Nacional do PT e coordenador do Instituto da Cidadania