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Perseu estava em todas!, em todas as pausas que tivessem a ver com a luta contra a opressão e a injustiça neste país

Recentemente, numa homenagem a D. Paulo Evaristo Arns, um vídeo mostrava as principais ações do cardeal nos anos da ditadura militar. Acompanhei quase todos aqueles eventos - o assassinato de Vlado Herzog, depois o de Manoel Fiel Filho e o de Santo Dias, manifestações, debates, passeatas, greves - e, mes mo tendo participado, em vários momentos, me surpreendi: D. Paulo estava,em todas! Agora, na morte de Perseu Abramo, relembrando as lutas comuns, pensei a mesma coisa: o Perseu estava em todas!, em todas as pausas que tivessem a ver com a luta contra a opressão e a injustiça neste país.

Na ocasião do assassinato do Vlado Herzog, em 1975 (Vlado e eu fomos seus focas no Estadão), nos encontrávamos quase diariamente no Sindicato dos Jornalistas, em sua casa ou na minha, em geral noite e madrugada. Esmiuçava aqueles calhamaços do infame Inquérito Policial Militar que o II Exército montou para provar que o nosso amigo se suicidara, preparávamos argumentos para os advogados de Clarice Herzog ou sim plesmente estudávamos formas de apoio a ela e aos filhos. Colhemos pelas redações 1004 assinaturas no manifesto dos jornalistas de repúdio às conclusões do IPM - enfim, o cotidiano de chumbo daqueles tempos. Também estivemos muito próximos na ocasião da greve dos jornalistas, em 1979, atuando juntos no comando que se reunia diaria mente para avaliar o movimento e preparar as assembléias. Curioso, muitos companheiros o tachavam de radical. Perseu era um radical, sem dúvida, mas apenas na intransigência com que se apegava a seus princípios políticos, éticos e morais. Aí, não cedia. Na articulação política, ao contrário, era um negociador paciente, que procurava genuinamente o consenso e não o conflito, tentando aglutinar adversários políticos em torno de uma causa comum, avesso à tentação de exclusão dos oponentes, ainda que em minoria. Foi assim na greve, foi assim também na primeira eleição pós-greve no Sindicato dos Jornalistas, em que Perseu e vários companheiros tentamos em vão chegar a uma chapa de compromisso.

No final dos anos 70, Perseu batalhava incansavelmente no Comitê Brasileiro pela Anistia. E foi sob os auspícios do CBA que ele me apadrinhou numa manhã de autógrafos de meu livro Dossiê Herzog Prisão, Tortura e Morte no Brasil. No meio da rua, em frente à Livraria Brasiliense, na Barão de Itapetininga, montou-se um debate sobre a tortura no regime militar, o Perseu de microfone em punho me entrevistando e estimulando perguntas do público ("perguntas arranjadas" e "pessoas escolhidas a dedo", segundo um cretino do Deops que foi lá bisbilhotar e cujo relatório li recentemente no Arquivo do Estado).

Guardo o cartazete do evento, que ele autografou, escrevendo: "Uma batalha vencida, falta ganhar a guerra". Típico do Perseu, próprio de sua firmeza política, seu inconformismo, sua generosidade, sua solidariedade.

Acho que nunca consideraria sua tarefa encerrada, mesmo que ganhasse a guerra. Tudo isso com aquele jeito de paizão que ele tinha. Duro sempre, intransigentemente racional, meticuloso, aplicado, porém mais do que ninguém em sintonia com o que recomendava aquele conhecido pôster de Che Guevara: "Sem perder a ternura jamais".

Fernando Pacheco Jordão foi diretor do Sindicato dos Jornalistas, de 1975 a 1979.