A vida e o PT permitiram-me o privilégio de conviver com Perseu Abramo muito de perto
A vida e o PT permitiram-me o privilégio de conviver com Perseu Abramo muito de perto
Raras vezes cantarolei com tanta verdade a música que Sérgio Bittencourt fez pro velho Jacob do Bandolim, seu pai, que partira... "eu não sabia que doía tanto uma mesa no canto... naquela mesa tá faltando ele e a saudade dele tá doendo em..."
A vida e o PT permitiram-me o privilégio de conviver com Perseu Abramo muito de perto nesses últimos tempos. Ao longo desses anos de trabalho, Perseu, por sua maneira de ser, foi construindo uma rede de amizade, de carinho, de respeito que fez com que o sentíssemos como um segundo pai, um conselheiro, um fator de apoio e segurança. Conseguimos criar laços que iam muito além da mera relação profissional e política, ou, talvez, que cavam essas relações...
Foi assim que vibramos, felizes, no encerramento do 8º Encontro Nacional, Perseu foi, de longe, o dirigente partidário mais aplaudido pelos delegados, num reconhecimento espontâneo de seu valor e significado. Foi assim também que nos emocionamos com a feliz iniciativa de Zé Dirceu de homenageá-lo no Encontro de Guaraparí.
Zombávamos de sua teimosia em escolher os sujinhos mais lascados para fazer suas refeições, mais fidelidade aos velhos hábitos dos tempos do jornalismo heróico do que sovinice. Como esquecer o sorriso de malandragem, quando encontrávamos ex-alunas que o abraçam afetuosamente e a gente de pura inveja prometia contar tudo à Zilah! Brincalhão, vivia nos ajudando a arrumar uma namorada para o nosso renitente Rochinha, mas brincava sobretudo com a seriedade postiça dos donos da verdade, dos arrogantes. Nada melhor para despertar seu bom humor, sua ironia implacável. Porque no Perseu o bom humor era derivação direta de sua sabedoria, que o fez humilde e despretensioso. Foi por isso que esse homem foi radicalmente um socialista nas mínimas coisas, até morrer; não abriu mão jamais de princípio algum sem, no entanto, ostentar sectarismo ou ortodoxia rança.
Perseu faz muita falta num tempo em que as vaidades e a luta pelo poder ameaçam desfigurar nosso projeto. Não sendo piegas, conseguiu combinar o desapego com a consciência de seu papel e responsabilidade. Fez questão de disputar sua vaga no Diretório Nacional e, mesmo fragilizado pela doença, assumiu a responsabilidade de preparar o lançamento de nossa Fundação, que só poderia agora receber o nome de Perseu Abramo, como homenagem e inspiração.
Não basta hoje reverenciar o nome do Perseu. A inspiração de sua vida deve nos levar a criar no partido uma espécie de movimento pela retomada de nossos ideais, pela retomada da ética como base de nosso procedimento. A figura dele deveria constranger e envergonhar as disputas pelo poder que se convertem num jogo do vale-tudo.
A sensação que temos hoje é de que vivemos ao lado de uma pessoa cuja grandeza e significado era muito maior do que nos dávamos conta. Sua falta só confirma esta impressão. Em todos nós vai ficar marcada a imagem do companheiro de caminho cuja vida, cujos gestos cotidianos guardaram impressionante coerência com o que acreditava e dizia. O Perseu militante, dirigente político, o professor, jornalista, o Perseu pai e o companheiro de nossa querida Zilah costuravam uma unidade profundamente humana e, por isso mesmo, radicalmente socialista.
Eu, que tentei me identificar tanto com ele, pratiquei, no entanto, uma traição final: não consegui deixar de rezar por ele o dia inteiro naquele 6 de março. Penso agora que ele e Deus riram de mim. Ele porque não era muito chegado a essas coisas. E Deus por eu não ter desconfiado que o Perseu já estava na plena felicidade dos que lutaram e se entregaram pela causa da justiça.
Gilberto Carvalho é secretário nacional de Comunicação do PT.