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Depois de dois mandatos à frente da Prefeitura de Porto Alegre (RS), com Olívio Dutra e Tarso Genro, mais uma vez o candidato do PT e da Frente Popular é o favorito disparado em todas as pesquisas. Democracia participativa é a chave do sucesso

Um desses fatores é a história de democracia interna, de respeito aos princípios de proporcionalidade que regem nosso partido e a materialização disso também na administração. A capacidade de construir a unidade na pluralidade interna das tendências é o teste de competência na construção de uma hegemonia junto aos movimentos sociais. A relação harmônica entre partido, administração e movimentos sociais não significa subordinação passiva do primeiro ou aparelhamento da administração pública. É o resultado de uma relação às vezes tensa, mas sempre democrática, tolerante e respeitosa, sem confundir as instâncias.

Os governos Olívio Dutra e Tarso Genro souberam construir essa relação com o partido e também com os movimentos sociais organizados, como sindicatos e associações de moradores, sem excluir entidades empresariais e associativas que, mesmo com divergências programáticas com a Frente Popular, tiveram na administração municipal respeito e espaço para a disputa da renda do município e seus investidores.

Como último fator, mas não menor, temos o elemento histórico de uma cidade que se orgulha de suas tradições republicanas, democráticas e populares. De suas centenas de organizações sindicais, comunitárias, tradicionalistas, religiosas, estudantis e culturais que formam uma sociedade civil consciente das conquistas e dos direitos da cidadania.

Democracia participativa

Fiéis ao programa partidário e à consigna da campanha eleitoral de Olívio Dutra ("coragem de mudar"), iniciamos em 1989 uma profunda inversão de prioridades nos gastos públicos e um método democrático de gestão, o Orçamento Participativo.

Esta passou a ser a marca registrada do governo da administração popular, o mecanismo pelo qual a população, de forma organizada, discute e delibera sobre os investimentos do município. Nos primeiros anos, foram algumas regiões e centenas de pessoas, até alcançar as atuais dezesseis em que a cidade foi dividida e as milhares de pessoas que se envolvem diretamente neste processo.

Em nosso segundo mandato, ampliamos essa experiência para além das regiões, com a criação das plenárias por grandes temas do Orçamento. O objetivo era atrair e propiciar que os cidadãos não-sensibilizados pelas reivindicações básicas de pavimentação, saneamento básico, água e transporte, que vinham predominando nas demandas regionais, tivessem também o espaço garantido para sua ação junto à Prefeitura. Isso abriu o Orçamento para o debate de diretrizes de saúde, educação, moradia, políticas setoriais, da cidade do futuro, com sindicalistas, profissionais egressos da universidade e moradores de bairros já dotados de boa infra-estrutura.

O cruzamento de informações e demandas e o debate entre os delegados e conselheiros nos fóruns regionais e no Conselho Popular do Orçamento Participativo vêm fazendo com que, cada vez mais, tanto nas regiões como nas plenárias temáticas, o debate, a percepção e a consciência dos problemas se globalizem. Isto aumenta a cobrança e a crítica - séria, participativa e propositiva - sobre o conjunto da administração do município.

Isso é o que os nossos adversários não percebem quando nos acusam de governo que "não pensa grande", "não faz grandes obras". Seu elitismo não permite ver que as classes populares também planejam e pensam a cidade, apenas com outra ótica, com outra perspectiva. O 1º Congresso da Cidade (1993), um processo de cidade constituinte em que a população debateu o futuro, e o 2º Congresso (1995), que discutiu um novo Plano Diretor para Porto Alegre, tiveram ampla participação dos movimentos sociais. Da mesma forma, estimulamos junto com outras cidades da área do Mercosul, a definição de programas como o Mercocidades, para contrapormos à integração dos monopólios e dos governos centrais, uma outra lógica integradora dos povos latino-americanos.

Desdobrando-se de março a dezembro, o Orçamento Participativo é o mais importante mas não o único instrumento de participação popular. Os conselhos municipais de Saúde, de Educação, da Cidadania, de Assistência Social, dos Direitos da Criança e do Adolescente e tantos outros são fortes canais de participação, de formulação de diretrizes e de decisão junto ao poder público.

A força do Orçamento Participativo reside na organização popular, espontânea, não-burocrática, não-estatal, regida por critérios que o próprio movimento constrói e modifica a qualquer momento em que o problema suscitado recebe o aval da maioria.

Foi assim que o regimento do processo foi construído, incorporando problemas que a população ia vivenciando: os critérios de regionalização; a proporcionalidade na eleição dos conselheiros quando há disputa; as restrições à participação como delegados e conselheiros dos que ocupam cargos de confiança na administração; os critérios para definição de prioridade de obras. O incentivo à democracia direta e participativa foi decisivo para que, hoje, o movimento desconfie e rejeite as tentativas de alguns vereadores de regulamentar por lei municipal o funcionamento do processo, engessando-o ou tentando manter com os vereadores a decisão sobre o Plano de Investimentos, hoje deliberado diretamente pela população.

Nós, na administração, temos defendido essa autonomia do movimento, pois o caráter legal do processo já está consolidado na Lei Orgânica do Município e aos vereadores não é vedada a presença e participação ao longo do mesmo. Além disso, em última instância, é a Câmara que aprova a Lei Orçamentária. E mais: é profundamente educativo e politizador o fortalecimento da autonomia popular e de suas organizações.

Representação x participação

A polêmica sobre o eixo central do nosso governo - o Orçamento Participativo- é mais profunda do que questionar se a Câmara de Vereadores deve ou não regulamentá-lo por lei. Está em jogo nesse debate toda uma concepção política sobre as relações entre a sociedade e o Estado. Nosso compromisso programático é ir além da democracia representativa que há duzentos anos nos é dada como paradigma da democracia. Nós conhecemos seus limites, sua farsa e a mágica das distorções criadas na representação na Câmara dos Deputados com piso e teto no número de representantes por estado, independente do número de habitantes ou de eleitores. Sem falar num Senado eleito por voto majoritário com funções idênticas às da Câmara Federal na maioria das competências legislativas.

Por isso, o Orçamento Participativo não pode ser apenas um instrumento de democratização das decisões municipais, de transparência das despesas e receitas, de socialização das informações e fiscalização das obras, dos investimentos e do próprio funcionalismo.

Essa experiência tem a função pedagógica de formação da cidadania, de educar o cidadão na disputa da renda do município e, por meio da apropriação dessa esfera administrativa, lutar pelo controle dos Orçamentos do Estado e da União.

A existência, no Rio Grande do Sul, da figura constitucional da emenda popular ao Orçamento Estadual tem permitido à população de Porto Alegre incidir de maneira organizada sobre as diretrizes orçamentárias e o Orçamento do governo Britto, mesmo que este não crie nem permita qualquer democratização semelhante à que praticamos na capital. Percentuais para saúde nas diretrizes orçamentárias, recursos para equipamentos municipais que atendam à região metropolitana têm se transformado em emendas que resultam em vitória ou conscientização de como se comportam os partidos e seus parlamentares na hora do voto na Assembléia Legislativa. Essa educação política, pela prática e experiência vivida, distingue claramente quem é quem e consolida uma vida partidária consciente e militante.

Na ação direta de decidir o gasto público e disputar a renda da cidade, pratica-se a idéia básica do socialismo de transformar o cidadão-produtor simultaneamente em legislador. Ao decidir obras na sua rua, no seu bairro, ao definir políticas e diretrizes de governo, os setores populares vão tomando consciência de que o Estado não é neutro nem inacessível. Rompe-se com a visão burocrática e tecnocrática de que o Estado é algo complexo, difícil e inatingível ao cidadão comum. Esse processo não é espontâneo nem linear, em que todos tomam consciência pela simples participação.

É nessa ação que partidos e vanguardas dos movimentos sociais e de uma prefeitura sob a hegemonia do PT e da Frente Popular devem concentrar seus esforços na conscientização e organização. A luta democrática é essencial na ligação entre tática e estratégia, entre as conquistas parciais que realizamos hoje nas administrações populares e o embate por uma nova relação entre a sociedade e o Estado. A ação direta, a renovação permanente dos mandatos, a deliberação e a fiscalização sobre as obras e os investimentos públicos são experiências que levam os cidadãos a pensarem sobre a ditadura do capital nas empresas e nos monopólios.

Resistência e alternativa

Nossas administrações são, igualmente, expressões de resistência alternativa ao modelo neoliberal. Em Porto Alegre estamos provando que, com democracia, transparência e reforma tributária progressiva, se atingem consideráveis graus de eficiência, equilíbrio fiscal e importantes investimentos. Não tendo dívidas e com equilíbrio fiscal, mesmo na crise, nunca investimos menos que 15% ao ano. Em 1994 e 1996 chegamos perto dos 20%, num orçamento previsto para 1996 de R$ 530 milhões.

Não houve planos de demissões de funcionários. Ao contrário, contratamos principalmente nas áreas de saúde, educação e assistência social, em que é maior o abandono por parte da União e do Estado. Aí se expressa a maior carência popular, num momento de crise recessiva, gerada pelos altos juros, pela ausência de consumo e pela brutal concentração de renda.

Orgulhamo-nos de não conceder isenções, benefícios e renúncias fiscais que sempre favorecem os ricos, os sonegadores e os inadimplentes. Em janeiro deste ano, já tínhamos mais de 55% da previsão do IPTU recolhida adiantada e espontaneamente pelos contribuintes.

Da mesma forma, não caímos no canto de sereia da privatização, da desregulamentação, do Estado-mínimo e do ajuste automático da economia pelas leis de mercado. Esse discurso é pura ideologia, com medidas que não são praticadas pelos países capitalistas centrais, e repetido pela indigência de projeto e alternativas para o país da elite capitaneada por FHC.

Nossa disputa pela hegemonia tem nos levado à ação comum com pequenos empresários nos projetos das Incubadoras Tecnológica e Empresarial, no novo Parque Industrial do bairro Restinga, na Instituição Comunitária de Crédito (Portosol) e com entidades sindicais de trabalhadores e empresários no combate ao desemprego e em programas de geração de renda. Tudo em franco enfrentamento à exclusão social gerada pelos governos federal e estadual.

Este é o desafio do atual processo eleitoral. Como definimos no Encontro Nacional do PT, nosso objetivo é resistir e derrotar o projeto neoliberal e seus aliados e fortalecer e consolidar nosso programa democrático-popular nas administrações municipais que alcançarmos.

Com a orientação partidária e com nossa capacidade de construir hegemonia política numa grande cidade é que estamos disputando o terceiro mandato da Administração Popular em Porto Alegre. O favoritismo nesse momento só aumenta nossa responsabilidade. Mas temos a convicção de que a cidade, que já derrotou Collor, FHC e Britto, consolidará sua posição de capital da democracia e da alternativa ao neoliberalismo.

Raul Pont foi deputado estadual e federal pelo PT-RS. Atualmente é vice-prefeito licenciado e candidato pela Frente Popular a prefeito de Porto Alegre.