Mundo do Trabalho

A década de 90 assiste a uma profunda alteração no mercado de trabalho. No mundo da globalização e automação, o emprego sofre uma mudança de qualidade e cresce o setor informal. O papel tradicional dos sindicatos está em crise. O que fazer? Defender aumentos de salários ou lutar por empregos?

O conceito tradicional de emprego está em crise. As mudanças são tão radicais que a sociedade começa a reagir com perplexidade e medo. Recente pesquisa BWeek/Harris nos EUA revelou que 78% dos cidadãos acham que a segurança no emprego acabou e 67% dizem que o sonho americano está ficando fora de alcance. Um doutor em Química de North Miami Beach, desempregado, declarou: "Todos os indicadores econômicos estão subindo, menos o meu."

Essa sensação é provocada, entre outras razões, pela enorme agressividade das grandes empresas em usar o corte de pessoal como um dos instrumentos centrais do aumento da eficiência e da competitividade.

De fato, as corporações globais têm passado, nos últimos dez anos, por uma brutal transição para a lógica do mercado global, impulsionadas pela informatização em tempo real.

Ao lado dos processos de reengenharia e reestruturação, assiste-se uma forte tendência à concentração do número de empresas por setor, em busca de ganhos de escala e inovação. Altos investimentos em tecnologia, para baixar preço e melhorar qualidade, necessitam de grandes lucros que possam viabilizá-los. A solução é cortar custos e operar em nível global, ampliando os mercados, o que é facilitado pela queda nos preços. Um círculo virtuoso se estabelece no processo de acumulação, alimentando o crescimento do sistema econômico mundial. Do lado do emprego, porém, as conseqüências lembram mais um círculo vicioso.

Como decorrência dessa corrida, 3 milhões (22%) de trabalhadores das cem maiores empresas norte-americanas perderam o emprego desde 78. O grosso dos cortes foi na área administrativa. Cerca de 11% dos homens de nível universitário foram para a rua entre 91 e 93, um número superior ao da recessão de 81/83.

Wall Street tem aplaudido os chamados America's Corporate Killers, estabelecendo uma espécie de ranking de eficiência entre os presidentes das grandes corporações que mais ajustaram sua estrutura (down-sizing) com dispensa de pessoal (lay-offs). As cinco empresas recordistas norte-americanas dos últimos cinco anos (Quadro 1) reduziram 252 mil empregos somente em cortes repentinos. E foram entusiasticamente aplaudidas na comunidade empresarial por sua ousadia e competência. No período 87/95, a IBM sozinha cortou 150 mil funcionários.

A sociedade, evidentemente, se ressente. Um executivo do Texas fez, há pouco, uma reflexão que fere fundo a consciência de um país com a tradição dos EUA: "Não creio mais que possamos dizer a nossos filhos: Esforcem-se nos estudos e sigam as regras que tudo estará OK. " Na mesma pesquisa citada acima, 95% dos entrevistados afirmaram que as empresas deveriam ter um senso de responsabilidade não só para com os acionistas mas também com os trabalhadores e as comunidades locais.

O governo democrata, pressionado pela campanha eleitoral, reagiu com suposta convicção. Não é à-toa que o presidente Clinton tem cobrado as empresas para colocar "prosperidade de longo prazo na frente de ganhos de curto prazo". Seu secretário do trabalho, Robert Reich, muito mais agressivo, acusa as corporações de abandonar suas responsabilidades com a comunidade e os empregados. Ele tem dito que, com a globalização e a queda de barreiras comerciais, "as corporações negociam cinicamente, pelo mundo à fora, os trabalhadores mais baratos e os menores impostos e regimes de trabalho e meio ambiente. Costuma concluir afirmando que o capitalismo eletrônico global destruiu o gentlemanly. Faz sentido pedir elegância ou cavalheirismo ao capitalismo? As grandes empresas acham que não. O presidente da Chrysler, Robert Eaton, respondeu à Business Week: "A idéia de que as empresas devem assumir responsabilidades sociais é totalmente ridícula. Simplesmente onera a indústria e ela deixa de ser competitiva", o que obrigaria a reduzir os lucros e aumentar as dispensas. Está aí uma bela discussão ainda por fazer.

O fato é que, nos últimos 10 anos, as empresas mundiais se reestruturaram e aumentaram em muito sua eficiência. Os lucros reais das empresas norte- americanas cresceram 24% nos últimos 4 anos, mais do que em todos os 15 anos anteriores. As Bolsas de Valores subiram 68%. Em 95, cerca de 8% do PIB norte-americano foi investido em equipamentos e a capacidade instalada da indústria teve seu maior avanço dos últimos 25 anos. Mas o desemprego sobe sistematicamente. Nas sucessivas décadas desta última metade do século, ele cresceu de 4,5% (anos 50) para 4,8% (anos 60), 6,2% (anos 70) e 7,3% (anos 80). O mesmo fenômeno ocorreu com os países da União Européia, cujo índice médio chega hoje a 12%. Essa situação parece transformar em descoberta tardia a afirmação recente, de Peter Drucker, de que "o desaparecimento da mão-de-obra como fator chave da produção é o grande assunto pendente da sociedade capitalista".

O desemprego no Brasil

A questão do desemprego, no Brasil, tem raízes fincadas na migração rural, conseqüência da mudança do padrão tecnológico na produção agrícola. Em apenas cinco décadas, o percentual de pessoas vivendo nos aglomerados urbanos passou de 31% para 76% da população, significando um acréscimo de 98 milhões de brasileiros dependendo de um emprego no setor industrial ou de serviços nas cidades.

A principal conseqüência foram os bolsões de miséria das regiões metropolitanas, pólos principais de atração dos migrantes, atraídos pela oferta bastante elástica de subemprego e pelas atrações ilusórias da mídia de consumo. Uma vez adaptado, ainda que mal, a um novo universo de possibilidades urbanas, o ex-trabalhador rural não tem como objetivo voltar. Pesquisa efetuada pela Unicamp em algumas favelas de São Paulo, há poucos anos, indicava o retorno ao campo como uma das últimas prioridades do migrante. Sobre essa massa de desemprego começou a se acumular parte da população atingida pela recessão da década perdida (anos 80) e, mais recentemente, o trabalhador resultante do chamado desemprego estrutural (ou tecnológico), o mesmo apontado como responsável pelas demissões nas grandes corporações mundiais. A conseqüência foi um aumento das taxas médias de desemprego no Brasil. Nos dados do Seade, restritos à Grande São Paulo, os índices passaram de um patamar de 12% - nos anos 91/92 - para um nível de 15% - nos anos 93/96. Já o IBGE, que registrava 4,9% (em 83) na Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílio, apontava 3,7% em 90 e 6,8% em 93.

Ao se tratar da questão do desemprego no Brasil, é preciso analisar com atenção seus números. Há que se atentar para as razões que o fazem oscilar, dependendo da pesquisa, entre 7% e 14%, o que pode parecer surpreendentemente baixo se o compararmos com os 13% da Bélgica, os 22% da Espanha, os 10% da Alemanha, os 12% da França ou os 16% da Irlanda. Nada a estranhar. Esse fenômeno de índices díspares, comum em todo o mundo, fez com que, recentemente, o sociólogo e estatístico francês Alain Desrosires ironizasse que, também em seu país, ninguém sabe quantos são os desempregados. Lá, como aqui, tudo depende do método e das convenções utilizadas. Como essa diferença envolve condenar ao desemprego mais 5 milhões de brasileiros, vamos desde logo entender porque o Seade aponta ter o Brasil o dobro de desempregados que o IBGE, ambos focados basicamente em regiões metropolitanas.

De início, é preciso lembrar que as pesquisas nacionais definem como integrante da população em idade ativa qualquer pessoa acima de 10 anos, o que amplia bastante a base sobre a qual se calcula o desemprego. Dadas as características sócio-econômicas do país, parece razoável incluir crianças tão pequenas na base de cálculo. É necessário, entretanto, cuidado nas comparações, já que a maioria dos países adota a média de 15 anos. Mesmo México e Paraguai, mais pobres que o Brasil, utilizam 12 anos como referência.

Mas, o núcleo da questão da divergência entre Seade e IBGE está no conceito de desemprego oculto, de complexa aferição em situação de crescente informalização do trabalho. Se uma pessoa, maior que 10 anos, procurou trabalho nos últimos 30 dias e não o exerceu de maneira regular na semana anterior, é tida como desempregada. Trabalhadores eventuais, remunerados ou não, ou indivíduos que não procuraram ocupação nos últimos 30 dias por desestímulo ou circunstâncias - mas o tenham feito nos últimos 12 meses - são considerados parte do desemprego total. Já o IBGE é mais flexível, considerando empregados os que exerceram ocupações algumas poucas horas na última semana. Dada a crescente informalização do trabalho, esses limites entre emprego e desemprego oculto, embora expliquem a diferença entre os 7% do IBGE e os 14% do Seade, tornam-se cada vez mais difíceis de mensuração. Outra questão de aparente divergência ocorre entre as estatísticas da Fiesp e do Seade sobre emprego industrial. As da Fiesp apontam uma queda de 19% no pessoal ocupado da indústria paulista no período entre janeiro de 91 e maio de 96. Já o Seade, que abrange o setor informal, aponta um aumento de 8% no desemprego geral na Grande São Paulo, no mesmo período. O que reforça a crescente importância do setor informal e da área de serviços como absorvedores da mão-de-obra tradicional da indústria. Em ambos os casos, nota-se sensível desaceleração do desemprego no período pós-Plano Real, o que desmente afirmações correntes, especialmente no âmbito sindical.

Do lado dos salários reais dos que continuaram empregados na indústria, no entanto, a Fiesp mostra o enorme crescimento de 68% - no período janeiro 91/maio 96 - nos rendimentos dos trabalhadores que continuaram empregados, enquanto a Seade aponta uma redução de 10%. O que parece indicar que o deslocamento de mão-de-obra do setor industrial formal para o terciário e o informal teriam ocorrido com simultânea redução da qualidade do emprego, inclusive remuneração direta.

A questão do aumento da produtividade industrial, acarretando expulsão do trabalho na indústria moderna, parece paradigmático no setor automobilístico, cada vez mais globalizado, que gera cerca de 10% do PIB brasileiro. Nos últimos 3 anos caiu quase pela metade o número médio de empregados necessários à produção de cada veículo.

Nesse período, a produção cresceu 55% enquanto o emprego gerado caiu 1%. Essa situação está inserida no quadro de uma grande revolução operada na indústria automobilística nesta década. Como conseqüência dela, viraremos o século com o número de horas de montagem por veículo tendo se reduzido de 39 para 19, os meses de desenvolvimento de um novo projeto de 72 para 37, a quantidade de componentes de 3.200 para 2.300 e, finalmente, o número de fornecedores por fábrica de quinhentos para cem.

Novas luzes sobre as estatísticas

Há alguns fatores essenciais, e ainda pouco aprofundados, que parecem estar determinando profunda alteração no mercado de trabalho brasileiro. O primeiro é a forte tendência à sua informalização.

A partir de janeiro de 95, já não há mais dúvidas que a maioria dos empregos privados no país passaram a estar no setor informal. As estatísticas do Seade para a Grande São Paulo, que já evidenciavam esse fenômeno, passaram a ser legitimadas pelos levantamentos preliminares do IBGE para o Brasil. Essa tendência se acentuou a partir de 91, quando o setor informal ainda detinha 43% do total do emprego privado. Isso pode indicar uma contínua fragilização da qualidade do emprego, compreendendo nível de remuneração, proteção e benefícios sociais, estabilidade do trabalho etc. As primeiras pesquisas disponíveis sobre o setor informal parecem mostrar, no entanto, que essas conclusões podem ser precipitadas.

Outra constatação muito importante na qualificação do desemprego atual é a questão do trabalho do jovem. Já apontamos acima a perplexidade de enfrentar o conceito de emprego, nele incluindo crianças acima de 10 anos. Pois bem, se analisarmos as estatísticas, notamos um sensível crescimento dos problemas de ocupação entre a população jovem. Mais da metade do desemprego atual está concentrado na população de até 24 anos. Entre adolescentes (14 a 19 anos) ele cresceu de 25% (em 85) para 29% (em 95) e, entre jovens (20 a 24 anos), de 14% para 17%. Isso, de forma alguma minimiza o problema, mas qualifica-o. Não é o chefe de família quem tem perdido emprego, e sim o jovem. As consequências são complexas. Além de não poder contribuir com a receita da família, ele é objeto diário de bombardeio pela mídia de consumo. Assimilando padrões inviáveis de classe média, ele passa a necessitar de um par de tênis e um jeans de marca razoável. Faz parte de seu padrão de sociabilidade. Sem emprego e com a renda familiar apertada, seu caminho pode ser a marginalidade.

Finalmente, há a questão da mulher brasileira. Somente a partir da década de 80 ela incluiu em suas aspirações permanentes o trabalho fora de casa. A queda da renda familiar e os novos valores sociais foram as causas determinantes. O fato é que, até então, a mulher se colocava fora do universo daqueles que estavam procurando trabalho, aliviando as estatísticas de desemprego. Essa situação deve estar influenciando de maneira significativa, e ainda não mensurável, o aumento das taxas durante esta década.

A década passada assistiu a um enorme salto tecnológico. Enquanto o mercado em escala global ia se consolidando a partir do paradigma produto mundial/ automação/inovação, o enorme investimento militar da guerra fria fazia ruir as economias do Leste e ameaçava a estabilidade norte-americana. Ao mesmo tempo, a onerosa corrida espacial limitava seu ímpeto saciada pela conquista da Lua. A tecnologia passava, então, a ser domínio do setor privado. Um enorme avanço da pesquisa de ponta passou a viabilizar brutais saltos em produtividade nos setores de telecomunicações, eletrônica, automação, novos materiais e bioengenharia, garantindo altas taxas de acumulação. O capitalismo da economia global passou, então, a alimentar sua dinâmica com o crescimento dos salários reais dos empregados, viabilizado por uma progressiva qualificação da mão-de-obra especializada e sistemas altamente automatizados. Por outro lado, o número de empregos gerados - por dólar adicional de investimento direto - entrou em declínio, reduzindo a taxa de geração de ocupações. Como o setor de serviços foi tomado igualmente por intensa automação, evaporou-se a fantasia de que ele absorveria os excedentes de pessoal da indústria.

Surgiu, então, o desemprego estrutural, novo fantasma dessa virada de século, essa mancha escura na alma do capitalismo vencedor. A brutal competição entre players globais, cada vez mais concentrados, passou a exigir a incorporação progressiva de mercados, garantida por contínuas quedas de preço nos produtos finais. O que exige ainda maiores reduções de custo fixo de pessoal com automação. O ciclo perverso é realimentado e motiva os Corporate Killers mencionados há pouco.

Outra tendência clara é a expansão da terceirização, inicialmente motivada pela lógica da escala adequada de produção. Certos serviços e insumos são produzidos mais eficientemente se delegados a pequenas unidades especializadas. É o que acontece com a Nike, uma das maiores produtoras globais de sapatos esportivos, cuja corporação emprega diretamente apenas 15 mil pessoas. Seu escritório central atua em estratégia, marketing, concepção de produto e logística de distribuição. Toda a atividade de produção é terceirizada por dezenas de fornecedores especialistas que empregam, no total, cerca de 80 mil pessoas.

Nos países em desenvolvimento, entretanto, esse processo acaba sendo utilizado para empurrar a sonegação para a ponta da cadeia produtiva e dividir os benefícios via preço. A terceirização é um mecanismo eficaz para flexibilizar custos reduzindo programas sociais, encargos e impostos. Custos fixos viram variáveis. Paga-se ao fornecedor o número de peças, os pratos de refeição servidos, as horas efetivamente trabalhadas. Defeitos no produto, absenteísmo e ociosidade passam a ser problema dos terceirizados. O resultado é uma progressiva informalização das relações de trabalho e queda de qualidade do vínculo com o empregador.

Assim como a automação, as tendências de terceirização são irreversíveis, porque se respaldam em sólida lógica de mercado: menores preços e maior qualidade do produto final.

A informalização do emprego se aprofundará com a progressiva sofisticação das telecomunicações e o barateamento da transmissão de dados. Há cerca de um ano, a Swissair anunciou a transferência de sua central de reserva de passagens para a índia. É o resultado da combinação entre mão-de-obra semiqualificada a preço vil e baixo custo de transmissão de dados a longa distância.

O mesmo ocorrerá com o empregado administrativo do futuro. Trabalhará em sua casa, com seu micro ligado à rede de computadores de uma ou mais organizações para as quais prestará serviços, poupando duas horas diárias perdidas no tráfego. Em compensação, serão suas a água, a luz, o espaço e a alimentação que gastar. Provavelmente comerá pior, porém terá interesse direto em economizar água e luz. Poderá ter remuneração horária maior e mais flexibilidade, mas pagará suas próprias férias, seguro-saúde e fundo de pensão. Um complicado jogo de perdas e ganhos cujo balanço é ainda prematuro. Mas, que já começa a fazer parte de nosso cotidiano.

O que, então, está acontecendo com o emprego? Na realidade, o conceito de trabalho formal está mudando radicalmente. A revolução nas telecomunicações e na computação sepultou antigos paradigmas e informalizará cada vez mais as relações entre empregado e empregador. O tipo de trabalho que conhecemos e almejamos durante quase todo esse século está em profunda modificação.

Os empregos do futuro

Tecnologia, automação e aumento da produtividade continuarão a gerar menos emprego por dólar adicional investido em expansão da economia real. No entanto, vai persistir um significativo crescimento no setor de serviços, especialmente voltado para novas demandas e habilidades.

Recente pesquisa nos EUA revela que foram gerados 7,5 milhões de novos empregos pela economia americana entre janeiro de 90 e junho de 95 (Quadro 2). É bastante sintomático da mudança do paradigma do emprego que o setor líder foram as agências de serviços temporários. Em seguida, bares e restaurantes. Logo depois, enfermagem, cuidados pessoais e de saúde (todos privados). Depois, governos locais e estaduais. Se acrescermos à lista hospitais privados e recreação, teremos abrangido os setores responsáveis por mais da metade dos empregos gerados nesses 5 anos e meio. Software também aparece com destaque.

Quem mais desempregou nesse período foram as indústrias relacionadas com a desmilitarização pós-guerra fria. Aparecem aí aviação, equipamentos de navegação, mísseis e veículos espaciais. Os bancos e as instituições de poupança, atingidos por forte automação, aparecem como vice-líderes. Merecem destaque, como desempregadores, a indústria de computadores (hardware), também fortemente enxugada, e os hospitais públicos envolvidos pela crise do sistema de saúde.

Com a exigência de aumento da qualificação da mão-de-obra, provocado pela sofisticação crescente dos sistemas e da automação, há vários sintomas de que um novo perfil está surgindo para a habilitação do trabalhador do futuro. Após ter despedido, como vimos, 150 mil pessoas desde 87, a IBM iniciou um programa de readmissão e está lidando com grandes dificuldades com as qualificações exigidas. Seu diretor, Richard Thoman, declarou recentemente: "Precisamos de 10 mil pessoas por ano. Nossa principal dificuldade é encontrá-las". O mercado norte-americano sente claramente os efeitos da especialização. O número de jovens que buscam as universidades continua crescendo. Em 87, eram 57% dos que terminavam o secundário. Hoje, já são 62%. A RhônePoulenc francesa acabou uma nova fábrica na Espanha. Teve que importar vários trabalhadores da França por não achá-los no mercado local. O caminho, pois, está claro. O que certamente deverá implicar profundas revisões em nosso sistema de ensino, se quisermos estar prontos a preencher com trabalhadores locais as demandas futuras de empregos qualificados no Brasil.

As grandes surpresas do setor informal

A forte tendência de progressiva informalização das relações de trabalho parece provocar inevitável queda na sua qualidade. O enfraquecimento do vínculo com o empregador formal põe em xeque as chamadas proteções sociais do trabalhador, tão caras dos movimentos sindicais. O fluxo crescente de trabalhadores informalizados olha para o Estado moderno em busca das antigas proteções e o encontra, também, em forte crise. Mergulhado em seus déficits crônicos e padecendo de tradicional ineficiência como prestador de serviços, o Estado declara-se incompetente para amparar um novo contingente que pede e não contribui. As classes médias têm buscado opções, tanto no caso da saúde como da aposentadoria. Os planos privados de saúde brasileiros já abrigam cerca de 15 milhões de pessoas. E os planos de previdência privada, a grande fonte mundial de acumulação de poupança interna, já começam a engatinhar. Ambos deverão ter enorme expansão no futuro.

O problema, obviamente, é o nível da renda das populações pobres. Sem salário suficiente para comprar planos privados, elas continuarão a olhar para o Estado à espera de assistência médica, quando sua prioridade deveria ser alimentação. E continuam se iludindo com uma aposentadoria que onera muito e, quando chega, mostra-se irrisória. Está muito correto o economista ítalo-americano Vito Tanzi quando diz que assistência médica gratuita tem grande elasticidade. Se a renda mínima fosse suficiente para os gastos pessoais fundamentais, e assistência médica fosse paga e incluída nela, o cidadão iria optar primeiro por comida adequada. Como conseqüência, ficaria livre de boa parte dos gastos com saúde.

Voltando-se à questão do crescimento do mercado informal e da terceirização no Brasil, eles são um enorme desafio a ser enfrentado. A começar pelo correto entendimento de sua natureza e significados. Além de ter se constituído na grande alternativa ao desemprego formal, o trabalho informal muitas vezes tem possibilitado ganho de renda e maior flexibilidade às pessoas. É preciso, em primeiro lugar, investigá-lo melhor. Pesquisa pioneira do IBGE, terminada em maio último, e restrita à cidade do Rio de Janeiro, contém revelações muito surpreendentes. Encontram-se nessa categoria encanadores, manicuras, donos de pequenos negócios, taxistas, especialistas em informática, banqueteiros, em suma, as mais variadas profissões.

Somente 8% desses trabalhadores informais declararam ter escolhido essa atividade em função da perda do emprego no setor formal; 56% deles estão na atividade há mais de 5 anos; e 30% há mais de 10 anos. Somente 14% vivem nesse setor há menos de um ano. A receita média encontrada para o setor foi de R$ 1.131,00. Vários casos de alta remuneração foram localizados, especialmente na prestação de serviços técnicos. Isso quer dizer que a atividade informal, cada vez mais, está se tornando uma escolha no Brasil.

Mesmo que um dos motivos para essa explosão do setor informal possa ser a baixa remuneração do setor formal, ainda assim são dados que exigem a mais profunda reflexão. É claro que a informalização crescente não pode ser a solução. Até porque causaria um impasse insolúvel de natureza fiscal, inviabilizando o Estado. Por outro lado, parece claro que uma das suas causas são os enormes encargos sobre os salários, que praticamente dobram o seu custo para o empregador, parte deles não se constituindo em benefício efetivo ao trabalhador.

O sindicalismo está no fim?

Isso nos remete necessariamente à questão sindical. O papel tradicional dos sindicatos está em crise no mundo todo. A começar da contradição em sua prioridade central: defender a geração de empregos ou aumento de salários? A bandeira tradicional dos sindicatos perdeu suas cores numa sociedade altamente tecnificada e em forte globalização. A conseqüência tem sido a forte redução do número de sindicalizados em todo o mundo e a dificuldade crescente de recuperar um papel que, historicamente, foi essencial na luta por um mínimo de dignidade ao trabalhador.

O exemplo mais radical é o dos EUA.

Atualmente, apenas 10% dos trabalhadores privados são sindicalizados. Uma queda enorme para os 36% de 53. Em compensação, o corporativismo estatal ganhou terreno, engrossando a participação sindical de 24% em 53 para os atuais 38%. Alguns cientistas sociais têm atribuído a uma maior participação do movimento sindical a razão do desemprego ter aumentado mais fortemente na Europa, preservando porém melhores salários e direitos para o trabalhador empregado.

Essa é mais uma questão muito complexa que precisa ser aprofundada. O problema permanece: quais serão as bandeiras viáveis para movimentos sindicais em sociedades de crescente informalização, automação e qualificação?

Poucas alternativas e atenuantes

A descoberta do desemprego estrutural abalou a segurança do sistema econômico nessa virada de século. Sociedades inteiras estão aflitas, perguntando-se sobre o futuro do emprego - da forma como o conheciam - e as contradições sociais do mercado global. Por mais surpreendente que possa parecer, pressionada pelas novas realidades do trabalho moderno, a única sugestão concreta produzida pela atual elite mundial para civilizar o desemprego foi a redução da jornada de trabalho. Num último congresso internacional, a falta de alternativas foi tão grande que um acadêmico exótico chegou a sugerir, para aumentar o número de vagas, a criação do ano sabático para o trabalhador. Ou seja, um ano de férias para cada seis de trabalho. Convenhamos que são idéias muito pobres para um sistema econômico tão pujante e sofisticado como o capitalismo moderno.

Ora, as dez maiores empresas mundiais faturaram, em 1995, 1,5 trilhões de dólares. Esse número é equivalente ao PNB de Brasil, México, Argentina, Chile, Colômbia e Peru. As cem maiores corporações controlam 33% do investimento direto global e são responsáveis por 80% do pagamento internacional de royalties e fees. E 1/3 do fluxo de trocas comerciais ocorre entre elas. Também está claro que a direção do vetor tecnológico é definida pelas grandes corporações e continuará privilegiando o aumento da produtividade via automação e inovação em função de sua sólida legitimação pelo mercado. Como conseqüência, o investimento direto das grandes corporações continuará a gerar uma redução incremental no crescimento do emprego tradicional. O próprio relatório da UNCTAD, World Investment Report 1994, recomenda que os atores privados assumam novas responsabilidades em relação às implicações sociais de suas decisões estratégicas. São evidentes as contradições dessa posição com a lógica da competitividade global. Mas, considerando que as corporações globais são os grandes atores que liderarão o processo econômico nas próximas décadas, é de se esperar que as organizações internacionais criem canais institucionais que induzam as empresas transnacionais a um espaço de diálogo e negociação sobre a importante questão do desenvolvimento tecnológico e do desemprego estrutural. Nenhum passo concreto ainda foi dado nesse direção, mas ele é cada vez mais necessário.

Finalmente, há a questão do terceiro setor. A globalização do mercado e a redução do papel do setor público têm induzido as comunidades a se organizarem para garantirem o seu futuro. O chamado terceiro setor inclui, hoje, o conjunto de entidades, associações sem fins lucrativos - inclusive as Organizações Não-Governamentais -, instituições filantrópicas e organizações assemelhadas. Elas estão voltadas às soluções dos interesses das próprias comunidades onde atuam. Nos EUA, embora empregando cerca de 30% a 40% de mão-de-obra voluntária, também têm gerado crescentemente empregos pagos. Existem hoje, naquele país, cerca de um milhão de organizações do terceiro setor, que já são responsáveis pela geração de 7% da renda nacional. Vicejando no campo fértil da incompetência da máquina estatal em entender e operar eficientemente as demandas das comunidades carentes e dos grupos minoritários, o terceiro setor emprega hoje 14,4 milhões de norte-americanos e já é visto como uma eventual alternativa de geração de empregos na fria sociedade informatizada do futuro.

Mais perplexidades que conclusões

A evolução das taxas de desemprego em países como o Brasil precisa ser melhor analisada e compreendida à luz dos múltiplos fatores que a influenciam.

O tamanho do setor informal e a mudança da qualidade do emprego são aspectos novos e muito importantes. O mesmo se deve dizer da questão do desemprego dos jovens e da entrada maciça das mulheres no mercado de trabalho.

As próprias taxas de desemprego precisam ser melhor entendidas e comparadas em seus aspectos metodológicos. Lembrando outra vez o historiador francês Derosires, é preciso nos acostumarmos com a idéia de que existem vários números para medir a mesma coisa. O importante é que a sociedade aceite um deles como premissa e comece a discutir seriamente como encontrar alternativas para a crise de empregos. Essa é, hoje, uma questão tão ampla que só caminhará se puder envolver toda a sociedade.

Está claro que a informalização não é uma solução. Mas, o setor informal, nesse momento, tem tanta importância que deve ser analisado por governo e sociedade com cuidado e sem precipitação, de modo a evitar que ações extemporâneas agravem ainda mais a questão social. Ainda que encarando como transitório ou mal menor, o trabalho informal ocupa hoje um lugar crítico no delicado equilíbrio social do país. Um dos poucos passos que parece óbvio é a necessidade de alívio dos encargos sociais sobre a folha de salários. Especialmente daqueles que significam uma contrapartida extremamente ineficiente do governo para com o trabalhador e a sociedade.

Quanto ao futuro do emprego, as perspectivas para essa questão complexa não são claras. Apenas uma coisa parece definida: no mundo da globalização e da automação, o trabalho não será mais o mesmo. O balanço final de lucros e perdas ainda está longe de se delinear. Mas, as evidências são, por enquanto, no mínimo bastante inquietantes.

Gilberto Dupas é membro do Instituto de Estudos Avançados da USP, dos Conselhos da FGV, do Cebrap e da Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior. Autor de Crise Econômica e Transição Democrática.