Cultura

Queremos analisar aqui a relação entre moral e capital representada no filme A LIsta de Schindler

Muito tempo se passou desde a exibição de A Lista de Schindler, do cineasta Steven Spielberg. Muito se publicou sobre a propriedade e pertinência do filme, muito se escreveu sobre o holocausto. O objetivo deste artigo, no entanto, é refletir sobre um tema aparentemente marginal: a relação entre a moral e o capital em A Lista de Schindler.

Em artigo publicado no Cahiers du Cinema, a ensaísta Camille Nevers procura analisar A Lista de Schindler. Segundo ela, esta tarefa envolve uma dificuldade adicional: seu diretor, Steven Spielberg, parece estar sempre mais interessado nos projetos, sempre ousados, que se impõe, do que nos filmes (enredo, personagens ...) propriamente ditos. E - o que tanto, nos atrai - coloca todos os meios financeiros e técnicos a serviço destes projetos.

Tanto que os projetos de Spielberg são sempre, no limite (quando nem o dinheiro e a técnica podem sobrepujar a inverossimilhança), irrealizáveis: Jurassic Park não abrirá nunca as suas portas ao público, ET preferiu voltar à sua casa, a Arca Perdida e o Cálice do Santo Graal continuam perdidos e até os Contatos Imediatos ficaram por isso mesmo. Spielberg faz projetos aventuras, fantasias, mas não faz histórias (e os seus personagens - aventureiros e crianças - são sempre um pouco parecidos).

Em termos de adjetivos, dir-se-ia: Spielberg não tem muito estilo, mas é um grande (talvez insuperável) diretor -, um metteur-en-scène (como, aliás, D. W. Griffith).

Diante desta dificuldade, a autora então procura comparar A Lista com seus semelhantes, isto é, outros filmes do cineasta e outros de Hollywood sobre o tema. E, assim, encontrar o que A Lista tem de diferente.

Nevers começa comparando A Lista com aquele seriado antigo de televisão, Holocausto, com Meryl Streep, lembra-se?

O objeto de Holocausto é o próprio Holocausto, enquanto A Lista de Schindler se passa naquele período. Enquanto Holocausto quer mostrar, por meio da saga de algumas famílias, a História, A Lista de Schindler mostra uma situação econômica e social (ficcional, mesmo que factual) e a intervenção de um personagem (Schindler, um parasita) que se utiliza de todos os meios à mão para a exploração (amoral, a serviço do dinheiro) e, em seguida, a inversão da fórmula (o dinheiro é que está a serviço da moral).

Muito tempo se passou desde a exibição de A Lista de Schindler, do cineasta Steven Spielberg. Muito se publicou sobre a propriedade e pertinência do filme, muito se escreveu sobre o holocausto. O objetivo deste artigo, no entanto, é refletir sobre um tema aparentemente marginal: a relação entre a moral e o capital em A Lista de Schindler.

Em artigo publicado no Cahiers du Cinema, a ensaísta Camille Nevers procura analisar A Lista de Schindler. Segundo ela, esta tarefa envolve uma dificuldade adicional: seu diretor, Steven Spielberg, parece estar sempre mais interessado nos projetos, sempre ousados, que se impõe, do que nos filmes (enredo, personagens ...) propriamente ditos. E - o que tanto, nos atrai - coloca todos os meios financeiros e técnicos a serviço destes projetos.

Tanto que os projetos de Spielberg são sempre, no limite (quando nem o dinheiro e a técnica podem sobrepujar a inverossimilhança), irrealizáveis: Jurassic Park não abrirá nunca as suas portas ao público, ET preferiu voltar à sua casa, a Arca Perdida e o Cálice do Santo Graal continuam perdidos e até os Contatos Imediatos ficaram por isso mesmo. Spielberg faz projetos aventuras, fantasias, mas não faz histórias (e os seus personagens - aventureiros e crianças - são sempre um pouco parecidos).

Em termos de adjetivos, dir-se-ia: Spielberg não tem muito estilo, mas é um grande (talvez insuperável) diretor -, um metteur-en-scène (como, aliás, D. W. Griffith).

Diante desta dificuldade, a autora então procura comparar A Lista com seus semelhantes, isto é, outros filmes do cineasta e outros de Hollywood sobre o tema. E, assim, encontrar o que A Lista tem de diferente.

Nevers começa comparando A Lista com aquele seriado antigo de televisão, Holocausto, com Meryl Streep, lembra-se?

O objeto de Holocausto é o próprio Holocausto, enquanto A Lista de Schindler se passa naquele período. Enquanto Holocausto quer mostrar, por meio da saga de algumas famílias, a História, A Lista de Schindler mostra uma situação econômica e social (ficcional, mesmo que factual) e a intervenção de um personagem (Schindler, um parasita) que se utiliza de todos os meios à mão para a exploração (amoral, a serviço do dinheiro) e, em seguida, a inversão da fórmula (o dinheiro é que está a serviço da moral).

O objeto da Lista é Schindler, o empresário, e o seu processo de conscientização da atividade que exerce. Às vezes parece que Spielberg não percebeu isso, tentando restringir seu filme a uma aula didática e pretensamente completa sobre o holocausto.

Assim, para além do artigo do Cahiers, em A Lista de Schindler o capital está, ao fim, a serviço da moral, e não o contrário, como em Weber, de A Ética Protestante e o Espírito do capitalismo.

Em Holocausto, a relação entre o capital e a moral não está posta, mas ela se revela em todos os lugares: na apologia dos valores familiares, no bom- mocismo, na vocação profissional dos personagens. Em A Lista, a questão é tratada de frente, e o que se revela é um personagem principal ambíguo e infiel, um campo de concentração onde o trabalho é inútil, uma empresa onde há não-trabalho, e que emprega todo o tipo de funcionários inadequados à função.

Ainda com relação a Weber, é quase uma coincidência a presença do personagem de Ben Kingsley - um contador. Em Weber, a contabilidade é um pressuposto do capitalismo.

Retomando a Nevers, a autora ainda mostra diferenças entre Holocausto, a série da TV, e A Lista. Para ela, Spielberg inverte a "lógica nazista" da série, segundo a qual todos os personagens judeus vivos já estão mortos: Spielberg trabalha com sobreviventes evitando desta forma a estratégia de dramatização que cria um suspense do tipo "quando Meryl Streep chegará à câmara de gás?" Ao contrário de Holocausto, o desembarque do trem de mulheres em Auschwitz se dá apenas - e estritamente - por acidente.

Mas, aqui apresenta-se o irrealizável, é a morte na câmara de gás. Ele não pode filmá-la. Nos demais filmes, o dinheiro e a técnica não podiam sustentar a fantasia, que acaba sobrepujada pela realidade. Neste, Spielberg não consegue mostrar um pesadelo, só que real. Para lembrar-nos disso, assim que o trem das mulheres sai de Auschwitz, outro trem já está entrando. A realidade sobrepujo nossos piores pesadelos.

Como alternativa política, Schindler representa uma resistência individual e desengajada. Se todos os empresários agissem como ele, a História teria sido diferente? Difícil responder... Mas num país como o Brasil, tão cheio de pesadelos, é uma pergunta que empresários devem estar se fazendo, todos os dias. De que forma sua atividade empresarial está "contribuindo para o nosso quadro social"? E quais são as alternativas?

Sérgio Goldbaum é mestrando em Economia da FGV e professor da FCECA-Mackenzie.