Nacional

O grande desafio é reforçar a coesão programática, a ética interna e a identidade ideológica

Uma avaliação predominante sobre as eleições municipais apontam para resultados marcados pelo pragmatismo do eleitor. Ou seja, ele teria optado por resultados, pelo reconhecimento de obras e iniciativas dos antigos prefeitos. Analisar o 3 de outubro por esta ótica é restringir-se ao senso comum, às aparências. E estas quase sempre escondem a realidade de um quadro mais complexo que age na formação da opinião e nos resultados eleitorais. Sem hierarquizar, porque as realidades locais são distintas, não há como negar fatores como o poder da mídia nos processos eleitorais, não só do ponto de vista econômico, configurando desigualdades brutais entre os partidos políticos, mas também o casuísmo antidemocrático na divisão dos espaços em rádio e televisão. O critério,adotado - número de deputados em Brasília - desconsidera a quantidade de votos e as diferenças regionais dos partidos, uniformiza o país pelo gabarito dos partidos inchados pelo fisiologismo ao poder. Vimos também o uso aberto de recursos estatais para promover candidatos situacionistas, onde despontam o Rio de Janeiro e São Paulo como exemplos dessa escandalosa utilização de estrutura e recursos públicos para garantir o sucesso.

Podemos refutar a tese do senso comum, ao menos quanto às candidaturas petistas aqui no Rio Grande do Sul. Combinamos, na propaganda eleitoral, as demandas sociais da comunidade com diagnósticos e propostas, prestando contas das obras e realizações de nossos governos, e fazendo oposição , ao projeto neoliberal do governo federal. Resistimos e enfrentamos o governo de FHC, buscamos confrontar seus aliados, derrotá-los e fortalecer, ao mesmo tempo, um projeto democrático-popular. A disputa em Porto Alegre foi marcada, também, pela polarização em torno do projeto nacional. O resultado eleitoral é fruto de um processo de amadurecimento, de unidade interna, de relação harmônica entre governo e partido, que deve ser olhado com mais cuidado e carinho por todo o PT nacional. O resultado eleitoral em 96 consolida o PT gaúcho e a Frente Popular como o grande pólo alternativo a Britto e FHC para 1998.

Tivemos um crescimento em escala nacional nestas eleições, ainda que desigual, com altos e baixos. Assim como em vários estados do país temos grandes vitórias a festejar, também temos motivos mais que de sobra para nos preocuparmos. A potencialidade para o PT chegar ao segundo turno em quase todas as capitais nesta eleição estava dada, desde que o partido estivesse sintonizado com as lutas populares: contra o desemprego, pela diminuição da desigualdade social, por salário, moradia, habitação decente, saúde universal pública como direitos da cidadania. Este é um dos elementos por que a população votou em nós em Porto Alegre. Somos um partido das classes populares da cidade e, por sermos isso, é que temos condições de disputar outros segmentos, mas sem,perder,o rumo. Nossa base são as classes populares, é o movimento comunitário organizado, são os sindicatos e os trabalhadores assalariados.

Uma avaliação predominante sobre as eleições municipais apontam para resultados marcados pelo pragmatismo do eleitor. Ou seja, ele teria optado por resultados, pelo reconhecimento de obras e iniciativas dos antigos prefeitos. Analisar o 3 de outubro por esta ótica é restringir-se ao senso comum, às aparências. E estas quase sempre escondem a realidade de um quadro mais complexo que age na formação da opinião e nos resultados eleitorais. Sem hierarquizar, porque as realidades locais são distintas, não há como negar fatores como o poder da mídia nos processos eleitorais, não só do ponto de vista econômico, configurando desigualdades brutais entre os partidos políticos, mas também o casuísmo antidemocrático na divisão dos espaços em rádio e televisão. O critério,adotado - número de deputados em Brasília - desconsidera a quantidade de votos e as diferenças regionais dos partidos, uniformiza o país pelo gabarito dos partidos inchados pelo fisiologismo ao poder. Vimos também o uso aberto de recursos estatais para promover candidatos situacionistas, onde despontam o Rio de Janeiro e São Paulo como exemplos dessa escandalosa utilização de estrutura e recursos públicos para garantir o sucesso.

Podemos refutar a tese do senso comum, ao menos quanto às candidaturas petistas aqui no Rio Grande do Sul. Combinamos, na propaganda eleitoral, as demandas sociais da comunidade com diagnósticos e propostas, prestando contas das obras e realizações de nossos governos, e fazendo oposição , ao projeto neoliberal do governo federal. Resistimos e enfrentamos o governo de FHC, buscamos confrontar seus aliados, derrotá-los e fortalecer, ao mesmo tempo, um projeto democrático-popular. A disputa em Porto Alegre foi marcada, também, pela polarização em torno do projeto nacional. O resultado eleitoral é fruto de um processo de amadurecimento, de unidade interna, de relação harmônica entre governo e partido, que deve ser olhado com mais cuidado e carinho por todo o PT nacional. O resultado eleitoral em 96 consolida o PT gaúcho e a Frente Popular como o grande pólo alternativo a Britto e FHC para 1998.

Tivemos um crescimento em escala nacional nestas eleições, ainda que desigual, com altos e baixos. Assim como em vários estados do país temos grandes vitórias a festejar, também temos motivos mais que de sobra para nos preocuparmos. A potencialidade para o PT chegar ao segundo turno em quase todas as capitais nesta eleição estava dada, desde que o partido estivesse sintonizado com as lutas populares: contra o desemprego, pela diminuição da desigualdade social, por salário, moradia, habitação decente, saúde universal pública como direitos da cidadania. Este é um dos elementos por que a população votou em nós em Porto Alegre. Somos um partido das classes populares da cidade e, por sermos isso, é que temos condições de disputar outros segmentos, mas sem,perder,o rumo. Nossa base são as classes populares, é o movimento comunitário organizado, são os sindicatos e os trabalhadores assalariados.

Em Porto Alegre, estamos iniciando a terceira administração consecutiva da Frente Popular com 55% da população da cidade votando no primeiro turno pela continuidade do nosso projeto. Temos dois compromissos básicos: o primeiro é fortalecer o Orçamento Participativo e consolidar os fóruns de democratização do município. O segundo é exercer na administração o que fizemos na campanha, isto é, que Porto Alegre seja na prática um contraponto político ao predomínio neoliberal no país.

Este resultado favorável e este reconhecimento são frutos também de um processo de amadurecimento, de unidade interna, de relação harmônica entre administração, governo e partido. Como elemento que gerou esta coesão, sempre tivemos uma experiência partidária baseada no mais profundo respeito pelo princípio da proporcionalidade, pelo respeito às diferenças, pela tolerância entre os companheiros e companheiras do PT, que souberam construir uma direção legitimada, coesa, identificada com um programa comum.

Nas cidades em que éramos governo e tivemos problemas, eles foram decorrentes exatamente da ausência de maturidade da direção partidária, falta de coesão político-programática, personalismo e enfrentamentos que não podiam ocorrer entre governantes, candidaturas e direções de campanha. O grande problema que vivemos hoje no PT é que não estamos conseguindo fazer acompanhar o crescimento eleitoral e institucional pelo necessário avanço na coesão programática, pela manutenção da ética interna, pelo reforço da identidade ideológica, indispensáveis para garantir que um partido político como o nosso possa se desenvolver sem cisões e rupturas. Este talvez seja o maior desafio do PT.

Nossa política de alianças

A referência da capital gaúcha no interior do estado é crescente, pelo que demonstraram os resultados eleitorais em 1996. Elegemos prefeitos em 25 municípios, mais dezoito cidades onde o PT tem o vice em composições, fundamentalmente com o PDT e o PSB. São sempre coligações em que a postura de oposição a FHC e Britto é destacada. Este processo de bipolarização da política vai passar também por nossa relação com o PDT e o PSB, que devem ser buscados como parceiros para a construção de um campo político alternativo para o Rio Grande do Sul em 1998.

emos ouvido algumas teses que defendem a ampliação das alianças do nosso partido, envolvendo setores do PSDB e PMDB. Considero esta posição um equívoco. Expressa uma submissão, uma derrota político-ideológica frente à conjuntura. A vitória eleitoral para nós tem que ser obtida de outra forma, ou deixará de ser vitória, passará a ser abandono de projeto. No caso de São Paulo, por exemplo, nosso desafio é ganhar as pessoas que hoje estão iludidas com Pitta e com o projeto malufista. Entre os eleitores de Pitta, estão milhões de trabalhadores explorados, desempregados e marginalizados.

É este o enfrentamento que temos que fazer, sem cairmos na ilusão de que a solução é a ampliação do leque de alianças ao ponto de incorporarmos nossos inimigos. Isso descaracterizaria o partido e nosso projeto político-programático; e não conquistaríamos vitórias sólidas. Estaríamos abdicando de fazer aquilo que pode nos dar uma posição realmente segura: a conquista do movimento popular e sindical. O PT de São Paulo jamais poderia crescer ao se identificar com o partido da moderação, do sim, da ordem, que não conflita com Maluf e com o governo estadual do PSDB, que são afinal os responsáveis pela política de desemprego, de miséria, de perda da soberania nacional. Se há um reconhecimento do Maluf hoje, em São Paulo, é porque abdicamos de disputar na base social da cidade. Esta é a questão crucial. E não vale apenas para São Paulo. Há uma nítida identidade entre as derrotas eleitorais (com exceções onde perdemos para nossos erros brutais como em Diadema e Santos) e a perda de espaço, de referência do PT nos movimentos sociais, principalmente nos sindicatos, nos movimentos estudantis e de juventude.

Se deixarmos de ser referência de luta, de conquistas parciais, de contraponto político ideológico, e nos afundarmos na institucionalidade com práticas idênticas às dos nossos inimigos, por que as pessoas confiarão em nós?

Recentemente, ocorreram várias, manifestações de confusão política que, infelizmente, contribuem para diluir as diferenças entre o PT e os partidos burgueses. O então secretário-geral do PT, Cândido Vacarezza, foi comissionado no gabinete da Presidência da Câmara Municipal de São Paulo, do PPB. O deputado Paulo Delgado deu uma entrevista lamentável ao jornal Zero Hora, de Porto Alegre, em que critica o PT por seu "isolamento", por sua "falta de alianças", pelo não-reconhecimento do caráter positivo e benéfico do governo FHC (sic). O governador do Espírito Santo, Vítor Buaiz, do PT, promoveu uma composição com o PSDB e com o PMDB para garantir a governabilidade, e vem pondo em prática uma política que em nada se diferencia da dos governadores do bloco de FHC. Não basta dizer que estes episódios recentes são casos isolados e destacados pela imprensa contrária ao nosso projeto. Os episódios são salientados porque acontecem e negam frontalmente nossa história e nossos propósitos; são exemplares da crise que vivemos.

Só a falta de coesão e identidade programática, a profunda submissão à institucionalidade e a ausência de critérios éticos e ideológicos é que permitem que esses fatos ocorram. O maior risco que corremos é de nos afastarmos dos movimentos populares, de suas lutas e reivindicações. Demarcarmos claramente com as práticas clientelistas, fisiológicas, não vacilarmos em disputas como a questão da reeleição e de outras contra-reformas que o governo FHC quer patrocinar não nos isolam, ao contrário, nos aproximam da esmagadora maioria da população que é vítima dessa política.

Não é com conciliação, nem com alianças subordinadas que realizamos em vários estados com o PMDB e o PSDB nas eleições municipais, que iremos polarizar na disputa política nacional. Há uma crescente orfandade em milhões de brasileiros que um dia acreditaram no caráter democrático da frente emedebista ou nas promessas social-democratas dos tucanos. Há, ainda, em maior número, milhões que nunca acreditaram nem assumiram projetos partidários. Aí deve residir nosso público-alvo por excelência e a eles chegamos por intermédio dos sindicatos, do movimento comunitário, pelas lutas dos sem-terra e dos sem-teto, pelos movimentos capazes de sensibilizar uma juventude desorganizada e sem perspectivas, pelos movimentos culturais, esportivos, religiosos. E se queremos atingi-los diretamente pelo partido, precisamos fazê-lo com ética e moral exemplares, com coesão política e ideológica que reacenda nas pessoas a vontade de lutar, de ter esperança.

Perspectivas

Portanto, nosso grande desafio no PT hoje é manter o crescimento do partido reforçando nossa coesão programática, a ética interna, a identidade ideológica. O partido não pode mais coexistir com a intolerância, com a falta de quadros políticos que compreendam como se constrói a unidade, como se respeita a democracia interna, como as várias correntes e tendências devem coexistir. Temos que ter uma direção política que enfrente esta situação, que conduza este processo, que faça valer uma unidade programática sob pena de, a médio prazo, se isso não for alterado, vivermos um processo de desagregação. Se queremos que o PT continue tendo a referência de suas origens, de seu projeto alternativo ao capitalismo, ele tem que se constituir enquanto tal, não só como uma referência política de massas, mas por uma política de construção partidária coerente com isso. Se o partido não consolidar sua estrutura orgânica e material, se não tiver uma preocupação com a formação de quadros, se for um partido frouxo, no qual a autonomia dos centros de poder, dos prefeitos e dos deputados tende a ser crescente, teremos cada vez mais uma colcha de retalhos dependente dos eleitos.

Se queremos construir outra sociedade e outro Estado temos, mesmo dentro da institucionalidade parlamentar da atualidade, que criticar o Legislativo nos moldes representativos em que está constituído. Isto deixou de ser uma preocupação, um elemento de conflito com os outros partidos em nossa atuação parlamentar, o que mostra o avanço da submissão à ordem, às regras estabelecidas e o abandono de concepções para nós estratégicas. Em geral, os eleitos no Brasil são senhores feudais de seus mandatos, não prestam contas a ninguém. E isto nada tem a ver com a forma parlamentar superior que queremos construir: ação direta e democracia participativa, sistema eleitoral proporcional idêntico para todo o país, Câmara legislativa única e Senado com funções apenas federativas, controle e revogabilidade dos mandatos.

As formas de democracia participativa que chamamos em Porto Alegre de Orçamento Participativo são desenvolvidas exatamente nesta direção. O cidadão que dele participa se apropria dos dados, desmistifica o Estado e toma para si a política. Começa a ter uma visão crítica em relação à democracia parlamentar, à democracia representativa. Ele percebe que essa democracia - evidentemente melhor que uma ditadura - não é exatamente a democracia que queremos, que é aquela que torna o cidadão, o trabalhador, mais próximo de ser também o legislador. O cidadão deve ter o controle do processo legislativo e do orçamento público da forma mais direta possível. Essa experiência o conduz a um nível de consciência superior sobre a sociedade de classes que queremos superar.

Em suma, se coesionarmos as lutas em defesa dos interesses comuns das classes trabalhadoras e dos pequenos produtores: por salário, terra, emprego, previdência e saúde, com uma profunda crítica das instituições do Estado capitalista, que no Brasil continua fisiológico, autoritário e patrimonialista, mesmo sob a batuta do ilustrado FHC, temos suficientes elementos constitutivos de um projeto democrático-popular. Se isto não responde a todas as questões, já nos liberta das lamúrias de que estamos sem perspectivas para o final do milênio e das vacilações e equívocos sobre nossa política de alianças. Não devemos ter dúvidas de que a luta e a defesa dessas bandeiras nos colocarão ao lado da grande maioria da população brasileira.

Raul Pont é prefeito de Porto Alegre, membro dos Diretórios Nacional e Estadual do PT-RS.