Política

De 89 para cá, alteraram-se as condições de atuação. O PT não foi capaz de acompanhar essas transformações.

"o sussurro sinfônico da vida civil"

Manuel Bandeira

 

1. Para examinar a atual situação do país e os rumos do PT, considero imprescindível transcender a microconjuntura e recuperar uma certa perspectiva histórica. Não estamos vivendo uma situação rotineira, a ser tratada com medidas de ordinária administração. O PT se encontra em nítida defensiva estratégica, o adversário avança sobre nós e não sairemos do corner sem ousadas respostas estruturais, para nós mesmos e para o país. É preciso relançar material e simbolicamente o projeto petista, torná-lo consistente e galvanizador para o próximo período da vida brasileira, dar-lhe capacidade de efetiva polarização social e política e isso com certeza não se fará somente com ações de curto prazo.

2.Tomo a liberdade de partir do nosso 5º Encontro Nacional, em 1987. Ali, sintetizando a experiência acumulada pelo PT e pelas esquerdas na luta pela redemocratização, fizemos uma leitura rigorosa do país e do mundo e, com base nela, elaboramos uma estratégia de disputa pelo poder no Brasil. Analisamos a sociedade brasileira, sua estrutura de classes, seus grupos de interesse, sua peculiar, inserção internacional, estudamos nossa formação econômica, a expressão cultural e o processo político - e definimos nosso,projeto transformador.

A estratégia então elaborada, o chamado projeto democrático-popular, nos permitiu, dadas as circunstâncias históricas, chegar a 1989 em condições efetivas de disputa, no plano sócio-político e no plano especificamente eleitoral. O "democrático-popular" não foi apenas um clichê analítico ou um slogan eleitoral. Foi um conceito de Brasil.

Ali definimos a necessidade de uma aliança social para que as esquerdas disputassem com reais perspectivas históricas o poder político no Brasil. Seria impossível, pensávamos, promover as reformas estruturais de que o país tanto necessita sem-constituir um bloco social mais amplo que a classe operária fabril e os trabalhadores rurais. Seria preciso integrar também as classes médias assalariadas, os pequenos e médios proprietários da cidade e do campo e os setores empresariais que tinham e têm contradições mais que episódicas com o modelo econômico excludente.

3.Com base, naquela leitura do Brasil e no projeto democrático-popular, foi possível construir ao longo dos anos esse bloco social - bloco talvez seja uma palavra inadequada, pela idéia de permanência histórica que dá, mas ao menos uma soma de forças sociais razoavelmente consistente - que alicerçou a candidatura Lula de 89, permitindo à esquerda, pela primeira vez na história do Brasil, polarizar com a direita na disputa pelo governo federal.

Não se deve esquecer, é claro, que uma série de fatores conjunturais favoreceu tal polarização. Na esfera política, o desgaste do governo Sarney, a perda de prestígio das forças de centro (representadas, na ocasião, por Ulisses e Covas), a dificuldade de Brizola para expressar setores e sentimentos emergentes no país etc. Na esfera social, mereceu destaque o ascenso do movimento sindical e o notável avanço das correntes progressistas na base e na hierarquia católicas.

"o sussurro sinfônico da vida civil"

Manuel Bandeira

 

1. Para examinar a atual situação do país e os rumos do PT, considero imprescindível transcender a microconjuntura e recuperar uma certa perspectiva histórica. Não estamos vivendo uma situação rotineira, a ser tratada com medidas de ordinária administração. O PT se encontra em nítida defensiva estratégica, o adversário avança sobre nós e não sairemos do corner sem ousadas respostas estruturais, para nós mesmos e para o país. É preciso relançar material e simbolicamente o projeto petista, torná-lo consistente e galvanizador para o próximo período da vida brasileira, dar-lhe capacidade de efetiva polarização social e política e isso com certeza não se fará somente com ações de curto prazo.

2.Tomo a liberdade de partir do nosso 5º Encontro Nacional, em 1987. Ali, sintetizando a experiência acumulada pelo PT e pelas esquerdas na luta pela redemocratização, fizemos uma leitura rigorosa do país e do mundo e, com base nela, elaboramos uma estratégia de disputa pelo poder no Brasil. Analisamos a sociedade brasileira, sua estrutura de classes, seus grupos de interesse, sua peculiar, inserção internacional, estudamos nossa formação econômica, a expressão cultural e o processo político - e definimos nosso,projeto transformador.

A estratégia então elaborada, o chamado projeto democrático-popular, nos permitiu, dadas as circunstâncias históricas, chegar a 1989 em condições efetivas de disputa, no plano sócio-político e no plano especificamente eleitoral. O "democrático-popular" não foi apenas um clichê analítico ou um slogan eleitoral. Foi um conceito de Brasil.

Ali definimos a necessidade de uma aliança social para que as esquerdas disputassem com reais perspectivas históricas o poder político no Brasil. Seria impossível, pensávamos, promover as reformas estruturais de que o país tanto necessita sem-constituir um bloco social mais amplo que a classe operária fabril e os trabalhadores rurais. Seria preciso integrar também as classes médias assalariadas, os pequenos e médios proprietários da cidade e do campo e os setores empresariais que tinham e têm contradições mais que episódicas com o modelo econômico excludente.

3.Com base, naquela leitura do Brasil e no projeto democrático-popular, foi possível construir ao longo dos anos esse bloco social - bloco talvez seja uma palavra inadequada, pela idéia de permanência histórica que dá, mas ao menos uma soma de forças sociais razoavelmente consistente - que alicerçou a candidatura Lula de 89, permitindo à esquerda, pela primeira vez na história do Brasil, polarizar com a direita na disputa pelo governo federal.

Não se deve esquecer, é claro, que uma série de fatores conjunturais favoreceu tal polarização. Na esfera política, o desgaste do governo Sarney, a perda de prestígio das forças de centro (representadas, na ocasião, por Ulisses e Covas), a dificuldade de Brizola para expressar setores e sentimentos emergentes no país etc. Na esfera social, mereceu destaque o ascenso do movimento sindical e o notável avanço das correntes progressistas na base e na hierarquia católicas.

Mas não há porque negar que acertamos também por nossos méritos, pela nossa capacidade de autotranscendência cultural e política. Soubemos dar à candidatura Lula um caráter efetivamente democrático-popular, sem exclusivismos. Os setores sociais que queríamos associar em um projeto nacional alternativo, com a notória exceção (e que exceção!) dos descamisados, de fato se integraram à candidatura Lula. O seu programa corajoso mas não sectário, os privilégios que combatia, os novos direitos que defendia, a linguagem simples e direta que adotava, sua postura visceralmente antiautoritária em relação aos problemas e desejos do país, tudo isso deu à candidatura Lula aquela amplitude social que almejávamos. No segundo turno somaram-se, evidentemente, segmentos importantíssimos, inclusive em termos sociais, mas o potencial agregador, a promessa histórica a um só tempo plebéia e universalista encarnada pela candidatura Lula já vinha do primeiro turno. O sucesso político da candidatura traduzia, na verdade, anos de pertinaz acúmulo de forças ideológico e social.

4.A partir do segundo turno de 1989, as elites dominantes perceberam que tinha havido uma mudança de qualidade na vida política brasileira: a disputa pela Presidência não se dava mais no interior do bloco burguês, entre forças divergentes do mesmo campo, com a esquerda isolada ou aliando-se de modo subalterno a este ou aquele candidato, mas ocorria efetivamente entre esquerda e direita, com seus respectivos aliados e sem que o centro fosse a priori cativo de nenhum dos campos. A esquerda se constituía, surpreendentemente, em verdadeiro pólo da disputa, atraindo quase todos os setores políticos não-conservadores, mobilizando multidões em todo o país e obrigando o adversário ao uso de flagrantes expedientes manipulatórios (recorde-se apenas a edição fraudulenta do debate final Lula x Collor e a atribuição ao PT do seqüestro de Abílio Diniz, entre muitos outros).

5.O susto das classes dominantes foi enorme, quase tão grande quanto o nosso. E as elites não perderam tempo. Trataram de redefinir sua estratégia de poder. Primeiro, tentando enquadrar Collor. Depois, superado o problema Collor, tecendo e (reconheçamos) executando habilmente o seu plano de ação para 94. A nova estratégia das elites não começou absolutamente com o Plano Real. Longe disso, o Plano Real foi a culminação de uma política de médio prazo, de um projeto conservador de acúmulo de forças, de conquista de hegemonia que veio sendo construído gradativamente. Para isso, o pensamento econômico tradicional foi unificado com mão de ferro em torno do ideário neoliberal. O contraditório acadêmico e jornalístico, antes tolerado, passou a ser estigmatizado como dissidência. Os fracassos dirigistas de Funaro e Zélia foram esplendidamente utilizados (sem que nós da esquerda nos déssemos conta da dimensão cultural do processo) para fazer do papel regulador do Estado um mito negativo. Tudo o que não fosse ortodoxia econômica neoliberal passou a ser identificado arbitrariamente com a defesa de uma economia fechada, autoritária, estatista, corporativa, inflacionária. Em uma palavra: com o atraso econômico e social. A Constituição de 1988, reflexo do equilíbrio de forças que se queria romper, foi pouco menos que demonizada, chegou-se a compará-la até mesmo com o muro de Berlim.

As elites dedicaram-se, portanto, a forjar um novo consenso estratégico e a articular uma aliança social que lhes permitisse executar com radicalidade o programa de reformas neoliberais. Fazendo, inclusive, a disputa ideológica com a opinião pública de centro, cujos reclamos solidaristas foram ao mesmo tempo desqualificados pelo seu irrealismo e absorvidos na idéia-força de que o controle da inflação, as privatizações e a rápida internacionalização da economia trariam consigo, automaticamente, efeitos distributivos. No plano eleitoral, o processo de hegemonização foi semelhante. Os possíveis candidatos dissidentes da área conservadora foram sendo eliminados um a um, pelas próprias elites, mesmo que estas não tivessem ainda escolhido o seu príncipe. Mas já sabiam o que não queriam. Quércia, de início protegido de Roberto Marinho, foi oportunamente defenestrado, assim como foram neutralizadas as veleidades autonomistas do PFL, PTB etc., deixando o caminho livre para que o candidato das elites tivesse o perfil eleitoral mais adequado às circunstâncias da disputa: um perfil de centro-esquerda.

6.Pelo menos três processos de o vasta repercussão histórica facilitaram a vitória dessa estratégia conservadora. Antes de mais nada, o desmoronamento vertiginoso do chamado campo socialista, com suas tremendas conseqüências objetivas e subjetivas para o conjunto da esquerda mundial, mesmo para a nova esquerda, como o PT, que já nasceu crítico do socialismo real. Aquelas insurreições populares contra a tirania abalaram o carisma da esquerda enquanto tal, a sua própria legitimidade libertária. Obviamente, todo o processo favoreceu a ofensiva ideológica do capitalismo e, em particular, do neoliberalismo. À vertigem política e doutrinária, veio somar-se a abertura predatória da economia brasileira, conjugada com os eleitos da "terceira revolução industrial", que alterou e continua alterando dramaticamente o mundo do trabalho - nossa referência axiológica e nossa base política por excelência -, modificando a vida cotidiana, os valores e a cultura das classes trabalhadoras e golpeando duramente o movimento sindical. Sem falar de um fenômeno menos ostensivo e espetacular, mas nem por isso menos vital para o PT e as esquerdas, que foi a guinada conservadora do Vaticano e da hierarquia católica brasileira, fragilizando e acuando o catolicismo progressista, uma das componentes fundamentais do PT e decisiva para a nossa presença em tantos meios populares e tantas regiões do Brasil profundo.

7.Nesse período, a sociedade brasileira mudou - e mudou muito. As suas transformações materiais e espirituais foram extraordinárias. O país em diversos aspectos é outro. As desigualdades econômicas e sociais, é claro, continuam gritantes e até se agravam. Mas isso não significa que o país não tenha mudado e que não tenham se alterado radicalmente as condições concretas em que atuamos. Os personagens já não são os mesmos, tanto no espaço dominante quanto popular. A burguesia brasileira foi redesenhada. Seus vínculos com capital internacional, sobretudo com capital financeiro, aprofundaram-se de modo notável. Oligarquias econômicas importantes, especialmente em determinadas regiões do país, foram devastadas pela concorrência internacional, substituídas por novos grupos de poder, com origens e tradições diferenciadas. As classes populares também estão longe de ser as mesmas de dez anos atrás. O operariado fabril perdeu, evidentemente, peso contratual e político com a restruturação produtiva. Os bancários, de protagonismo tão relevante, passaram em pouquíssimo tempo de 800 mil para 400 mil trabalhadores! A chamada economia informal, esfinge cultural e política, expandiu-se de modo formidável, numa relação ao mesmo tempo tensa e funcional com o mercado.

O PT e as esquerdas, no entanto, não fomos capazes de acompanhar tais transformações. Não demos conta de mudar na mesma medida, não os nossos princípios, naturalmente, mas a nossa análise e a nossa forma de agir. Não conseguimos elaborar uma leitura sistemática dessa emergente realidade econômica, social e cultural e, com base nela, traçar uma nova estratégia de disputa pelo poder político no país. A rigor, ainda não extraímos todas as lições da importante derrota política e eleitoral de 1994. O PT sem dúvida marcou e continua marcando sua presença em todas as lutas sociais e institucionais do período, a favor do impeachment, da reforma agrária, da previdência pública, da Vale do Rio Doce e tantas mais. Nosso partido deita profundas raízes na vida do país, na sua história e no seu presente, e continua sendo referência e motivo de esperança para milhões de brasileiros. As recentes eleições municipais comprovaram a força do PT: fomos o partido mais votado nas 50 e nas 200 maiores cidades e o segundo mais votado no conjunto do país. No entanto, desde 89 carecemos de verdadeira estratégia global, naquele sentido forte, substantivo, de um projeto alternativo coerente e de um caminho sócio-político definido para tentar viabilizá-lo.

8.E a questão, hoje, é essencialmente estratégica: o PT vai ou não vai continuar polarizado criativamente a disputa política brasileira? As elites dominantes - inclusive através da reforma eleitoral - querem fazer com que a polarização volte a ser interburguesa: Maluf & seu grupo x FHC & aliados, ou outra semelhante. O episódio da reeleição mostra que as elites têm considerável força acumulada e significativa margem de manobra para lograr o seu objetivo. Em outras palavras: se não tivermos uma extraordinária capacidade de auto-superação, de renovação programática, agregação social e contundência política, voltaremos a ser uma força lateral, marginal na disputa política do país.

9.Não se sai, obviamente, da defensiva sem alterar a correlação de forças desfavorável. Trata-se, portanto, de retomar uma perspectiva de acúmulo de forças do PT e das esquerdas, que não pode dar-se apenas mediante iniciativas tópicas, em torno de questões específicas da luta política imediata, por mais importantes e necessárias que estas sejam. Nem tampouco pode traduzir-se (novamente?) em uma espécie de sacralização das próximas eleições presidenciais, que serão com certeza parte importantíssima do relançamento de nosso projeto histórico mas não devem ser objeto de expectativas messiânicas.

Dificilmente conseguiremos alterar a atual correlação de forças sem um forte investimento na disputa ideológica e cultural. Se existe hoje uma hegemonia das idéias neoliberais na opinião pública brasileira - e de fato existe - é preciso forjar gradativamente uma contra-hegemonia, elaborar e/ou difundir um pensamento alternativo que se lhe contraponha e que possa disputar com ele as consciências e o imaginário popular. É sem dúvida um trabalho que exigirá muita paciência e obstinação. Que só dará frutos se for sistemático e continuado, aproveitando-se das gravíssimas implicações da política neoliberal e dos pontos fortes do melhor pensamento democrático e progressista nacional e internacional. Para isso, contudo, é preciso reconstituir toda uma rede de contatos e efetiva interlocução com a comunidade científica, artística e intelectual, que a esquerda perdeu. Dar vida a novos espaços de participação civil da intelectualidade, sem instrumentalização nem indevido partidarismo, criando uma esfera de reflexão crítica e alternativa, apta a traduzir a inquietação ética, o evidente mal-estar na cultura perante os valores anti-humanistas do neoliberalismo.

10.Não se trata de abandonar ou relativizar o trabalho institucional - no Parlamento e nos governos - em nome de uma volta ao trabalho social. Abandonar a disputa no terreno institucional seria unia regressão conservadora. Para um partido que pretende instaurar o poder popular no país, seria imperdoável covardia histórica. Seria assumir voluntariamente o, papel de coadjuvante. Pelo contrário: devemos qualificar cada vez mais nossas bancadas e nossos governos, dar-lhes maior consistência administrativa e política, fazer com que o seu importante acervo transformador seja incorporado ao discurso e à ação oposicionista nacional do PT. Nossas melhores experiências de governos locais, longe de significarem um desvio de rota, antecipam, prefiguram o nosso projeto alternativo nacional ao neoliberalismo. O Orçamento Participativo é o exemplo mais evidente, radicalizando e socializando a democracia, com enormes ganhos, além do mais, em eficiência gerencial. Mas existem outras inovações democrático-populares, nem sempre lembradas por nós: o saneamento (sem sucateamento) das empresas municipais; o resgate das políticas públicas de educação, saúde e cultura; o investimento ecologicamente orientado em infra-estrutura urbana; a adoção de inéditas políticas de combate às discriminações e de promoção da igualdade de raça, de gênero. Além de algo que no Brasil constitui uma espetacular novidade histórica: em nossos governos não há corrupção, a ética é muito mais do que o senso de limite, é um critério permanente de ação.

Se prego o nosso avanço e consolidação institucional, rejeitando qualquer conservadora dicotomia entre luta social e luta institucional, nem por isso deixo de considerar que o investimento intelectual, organizativo e político do PT no terreno social tem sido insuficiente. A crise do movimento sindical e da maioria dos movimentos, sociais, evidentemente, não resulta da maior ou menor ação social do PT. O movimento sindical se vê a braços com as novas tecnologias, o desemprego etc. Os movimentos comunitários enfrentam com dificuldades a crise de financiamento do Estado, e assim por diante. Se a raiz da crise dos movimentos sociais não está dentro do PT (só o sectarismo interno mais exacerbado pode ensejar análises desse tipo), é preciso reconhecer que o PT pode e deve contribuir - e muito - para investigar as características desse impasse estrutural, para analisá-las com rigor e profundidade, para pesquisar a curva histórica de situações semelhantes no mundo, para construir junto com as entidades e movimentos sociais hipóteses encarnadas de superação da crise. Pela sua própria condição de partido, que reúne em seu interior militantes e lideranças dos mais diversos movimentos, o PT, sem a pretensão de ditar normas para ninguém, pode ajudar muito os movimentos (e ser, por sua vez, ajudado por eles) a se relançarem como sujeitos políticos ativos na vida do país.

11.Nesse mesmo sentido, é preciso superar a velha (e também falsa) dicotomia entre "partido dirigente" e "partido de opinião". Nenhum forte partido de esquerda no mundo é apenas um partido de opinião. Os maiores da América Latina não o são. O CNA (Congresso Nacional Africano), muito menos. Nem os social-democratas nem os verdes europeus são meros partidos de opinião. Todas essas agremiações estão articuladas com uma rede de movimentos sociais, econômicos, culturais, feministas, de jovens etc., sem a qual sua presença política nos respectivos países não seria a metade do que é. Os partidos não dirigem nem formal nem politicamente tais redes - nessa medida, tampouco são "partidos dirigentes", no sentido clássico dos antigos PCs, quando os movimentos sociais emanavam do partido e executavam servilmente a sua política - mas articulam-se cotidianamente com ela, buscam fortalecê-la sem comprometer a sua autonomia organizativa, cultural e política, investem na consistência e amplitude dessa rede, por que sabem que é impossível qualquer política de fato transformadora no mundo de hoje, por via democrática, que não conte com forte adesão social, que não tenha presença e raízes na consciência e na prática cotidiana de milhões de pessoas. Uma rede, dessa natureza é importante fator de resistência ético cultural e indispensável instrumento de disputa contra-hegemônica.

Luiz Dulci é presidente da Fundação Perseu Abramo, vice-presidente nacional do PT e secretário de Cultura de Belo Horizonte.